domingo, 14 de junho de 2009

José da Silva Ribeiro






Nasceu em Tavarede, no dia 18 de Novembro de 1894, filho de Gentil da Silva Ribeiro e de Emília Coelho de Oliveira. Faleceu em 13 de Setembro de 1986, quase com 92 anos de idade.
Motivado por seus pais, muito cedo se começou a dedicar ao associativismo e à cultura popular, devotando-se ao teatro. Ele mesmo dizia que, aos seis anos, já acompanhava seu pai à “Figueirense”, onde assistia aos ensaios e representações do Presépio. Também muito jovem se deixou atrair pelo jornalismo.
“Não sou, nem me considero um homem de teatro, no amplo sentido da expressão. Tenho, é verdade, a paixão do teatro. Aos dez anos estreava-me no teatrito do senhor Conde de Tavarede. Fui amador entusiasta e em 1908 já me atrevera ao jornalismo. Guardo o número 7 do jornalzito “O Poeta”, no qual se lêem estas indicações: jornal republicano da juventude figueirense – director José da Silva Ribeiro”. Foi um dos fundadores do Grupo da Juventude Republicana Dr. Bernardino Machado.
Fez a instrução primária, até à terceira classe, em Tavarede, com a professora D. Maria Amália de Carvalho. Completou-a, na Figueira, com a professora D. Guilhermina Jardim. Começou, então, a trabalhar como aprendiz de tipógrafo na Tipografia Popular e à noite frequentou a Escola Dr. Bernardino Machado.
“Desde muito novo sentiu dentro de si a necessidade de lutar por um dos seus grandes amores: a Liberdade. Republicano e democrata convicto, ardente defensor da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade, logo aos 14 anos, agora seria uma criança mas, naquele tempo, já homem feito e com responsabilidades na vida, se dedicou, de alma e coração, aos seus Ideais”.
Integrou-se no grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense, para o qual escreveu, em inícios de 1911, “um pequeno drama, no qual é feita a apologia da Instrução em contraste com a taberna, local de vício e de miséria”.
Tendo como ensaiador Vicente Ferreira, protagonizou algumas peças, como O Judeu, A Mãe dos Escravos, Amor de Perdição, Os Amores de Mariana, etc.
No ano de 1915, substituindo Vicente Ferreira que pedira a demissão, assumiu o cargo de ensaiador e director do grupo cénico. A primeira peça ensaiada por ele foi a opereta Entre duas Ave-Marias, representada em Janeiro de 1916.
Entretanto, José Ribeiro que assentara praça no Regimento de Infantaria 28, na Figueira, é mobilizado para a guerra, sendo integrado, com o posto de sargento, no batalhão expedicionário para Moçambique, onde permaneceu até ao final da guerra, regressando em 1919. O seu amor à colectividade era tal que, no momento em que se despedia para ir para África, gritou aos amigos: “É preciso que não esmoreçam. Levem a nossa Sociedade como até aqui a temos levado, que eu vou cumprir o meu dever”.
A propósito da sua estada em Moçambique, contava, muita vez, esta engraçada historieta. Tinham um cozinheiro, negro, que lhes confeccionava as refeições. Sabia cozinhar bem, mas havia uns croquetes de carne que ele preparava, que eram uma verdadeira delicia. Pediam-lhe, frequentemente, para fazer este prato. Não sabiam explicar o seu sabor, mas adoravam aquele petisco. Bem perguntaram ao cozinheiro o segredo, quais os condimentos que usava, mas ele nunca lhes disse e enquanto preparava os croquetes não permitia que alguém estivesse perto dele a ver. Tudo aquilo lhes aguçou a curiosidade e quiseram saber o segredo. E conseguiram, um dia. O negro era um homenzarrão e, enquanto trabalhava na cozinha, estava sempre de tronco nu. Junto ao lume onde frigia os croquetes, o suor corria-lhe abundante pelo tronco. E então viram que, antes de pôr os croquetes na sertã, ele os passava pelo peito, embebendo-os no suor! O tal gosto especial era, nada mais nada menos, do que o gosto que lhes dava o suor do cozinheiro! Claro que nunca mais quiseram os tais saborosos e deliciosos croquetes!
Voltou à sua Sociedade e ao teatro. Ingressou, como amanuense, na Escola Dr. Bernardino Machado. Com a alteração do regime político, em 1926, foi transferido compulsivamente para a Câmara de Cantanhede, mas não tomou posse, aceitando o convite do seu conterrâneo Manuel Jorge Cruz, para ir secretariar o jornal “A Voz da Justiça”.
Continuou a ser defensor intransigente da República e da Liberdade, foi preso em 1933, sendo deportado para Angra do Heroísmo, onde esteve cerca de um ano em regime de incomunicabilidade. Em 1937 o jornal “A Voz da Justiça” é suspenso pela censura.
Na tentativa de dar trabalho aos seus companheiros, funda “O Jornal da Figueira”, que teve curta existência. A Tipografia Popular, de que ele era sócio e onde era feito o jornal, foi saqueada pela polícia política, que dali levou todo o seu recheio. Entretanto é novamente preso, mantendo-se, assim, alguns meses.
Jornalista brilhante, além de comentários políticos, dedicou-se à crítica teatral, sendo temido por muitas companhias dramáticas, que então visitavam a Figueira. Foi grande amigo e admirador das maiores figuras da cena portuguesa da época. Teve, até, um caso interessante. Num espectáculo promovido a favor da Santa Casa da Misericórdia, representou-se no Parque Cine a peça O Amigo Fritz, encenada pela actriz Ilda Stichini e interpretada por ela e por amadores figueirenses. A José Ribeiro foi confiado o papel de Fritz.
No jornal “A Voz da Justiça”, apareceu, dias depois, uma crítica sobre a representação, onde, a par dos maiores elogios a Ilda Stichini e restantes amadores, o crítico refere-se azedamente à interpretação de José Ribeiro. Ele defendeu-se, como lhe foi possível, no número seguinte. Contava ele, anos mais tarde, que tinha sido ele o autor da crítica. “Quando não tinha de que ou de quem dizer mal, inventava…”.
Dedicou-se inteiramente à família, à Sociedade de Instrução e a Tavarede, além, naturalmente, do seu trabalho profissional em escritórios figueirenses. Sem dúvida que José Ribeiro foi a maior figura cultural da nossa terra. Foi ele o responsável pela educação, instrução e cultura de algumas gerações de conterrâneos seus. A actividade que desenvolveu, através do teatro, é inigualável. O seu busto, colocado no Largo frente à sua colectividade, recordá-lo-á para sempre.
Mas não foi só em Tavarede. Praticamente todas as colectividades do concelho solicitaram e tiveram a sua presença. Nunca dizia que não, e nas sessões solenes as salas enchiam-se para o ouvirem falar. Com a sua palavra, fácil e fluente, encantava toda a assistência. Igualmente foi conferencista sempre elogiado. Levou o grupo cénico a inúmeros palcos portugueses. Era ele quem fazia a apresentação do grupo. Sempre brilhante e entusiasticamente aplaudido.
Contra sua vontade, o grupo cénico participou, em 1959, no 1º. Concurso do Teatro Amador. Foi o grupo dramático mais premiado. Deram-lhe os prémios de encenação, primeiro lugar, na peça Os Velhos, e menção honrosa em Frei Luís de Sousa. Mais tarde, certamente devido a pressões políticas, dividiram o prémio. Não aceitou a nova situação e o prémio por lá ficou.
Por ocasião das comemorações dos seus 50 anos à frente do grupo cénico, a Direcção prestou-lhe uma significativa homenagem. “… E nessa caminhada gloriosa, não isenta de espinhos, ao longo de 50 anos, trabalhando na valorização do elemento humano através do Teatro e pelo Teatro, quantas arrelias e quantas canseiras, mas também quanto saber e quanto carinho, dispendidos em benefício da elevação moral, cultural e educativa da gente da nossa terra. …Trabalho árduo, feito sem um desfalecimento, muitas vezes com prejuízo da própria saúde e desprezando, até, os seus interesses pessoais, tudo sacrificou em prol do seu sonho de criar um Teatro digno em Tavarede, um Teatro desempenhado com arte pelo povo humilde, para a nossa gente”.
Teve várias condecorações e homenagens, como a “Ordem da Liberdade”, que lhe foi imposta pelo General Ramalho Eanes, presidente da República, e a “Medalha de Mérito – Ouro – da Figueira”, que recebeu das mãos do secretário de Estado da Cultura, Prof. Dr. David Mourão Ferreira, que veio presidir à sessão solene das Bodas de Diamante da Sociedade de Instrução. Tavarede também o perpetuou, atribuindo o seu nome a uma rua.
Muito e muito haveria a escrever sobre a sua vida, especialmente no campo teatral em que foi considerado Mestre, e elevou o grupo de Tavarede ao nível mais alto do teatro amador em Portugal. É extraordinária a lista das peças que encenou e fez representar. Com a colaboração de amigos, começou a escrever para os seus amadores, com a opereta Grão-Ducado de Tavarede. Seguiu-se O Sonho do Cavador, A Cigarra e a Formiga, A Morgadinha dos Canaviais, Justiça de Sua Majestade, Histórias da Roberta, Noite de Teatro Português, Chá de Limonete, Terra de Limonete, Ana Maria, História… e histórias de Tavarede, Camões e os Lusíadas, Mesa Redonda, Cântico da Aldeia, Ontem, Hoje e Amanhã, Ecos da Terra do Limonete, Viagem na Nossa Terra e Manta de Retalhos, além de outras pequenas peças, algumas de carácter didáctico, e adaptações de obras célebres.
São de sua autoria os livros “50 Anos ao Serviço do Povo” e “75 Anos e… Caminhando”, publicados por ocasião das Bodas de Ouro e Bodas de Diamante da Sociedade de Instrução Tavaredense.
Reproduzimos, somente, mais uns pequenos retalhos de noticias publicadas por ocasião da sua morte.
“… interessa somente recordar a incrível riqueza que lhe foi proporcionada pelos vários, mas breves momentos, em que lidou com esse Homem: pelas indicações e conselhos que solicitou e lhe foram dados “de cabeça”, sem consultar nenhum canhenho; e pela incrível personalidade interessada, objectiva e lúcida, que oferecia de bandeja, aos seus interlocutores. Deixando-os espantados, ia buscar coisas que não lembram nem “àquela pessoa bem informada”. Galardoado com alguns prémios e distinções várias de âmbito nacional, era considerado um dos expoentes máximos do teatro amador em Portugal”.
“No nosso concelho não houve associação que não tivesse ouvido as suas lições de ensinamento de progresso moral e persistência de trabalho dedicado ao bem da massa associativa e do povo em geral. No teatro foi mestre. Pelo seu mérito próprio conseguiu ser um teatrólogo de muito valor. Conhecia os melhores autores e com muitos tinha relações amistosas. As dezenas de peças que ensaiou tinham perfeição de dicção e movimento. As suas encenações eram cuidadas, tornando-se distintas”.
“… foi um homem simples, humilde, sociável, vivo de espírito, com inteligência acutilante e sagaz pelo trabalho. Levou uma vida atribulada de sacrifícios pela família e por si próprio. Foi um perseguido político, no tempo da ditadura salazarista, resistindo sempre com estoicismo e fé em melhores dias para o povo. Finou-se, deixando um nome limpo e um historial talentoso. Tavarede, sua terra natal, perdeu um filho dilecto. Portugal vê apagar-se um farol de filantropia!”.


Por lapso, não indiquei nas condecorações recebidas a "Medalha de Mérito Cultural", atribuida pela Secretaria de Estado da Cultura, a titulo póstumo, e que foi entregue a sua irmã D. Guilhermina Ribeiro, numa sessão realizada no Salão de Festas do Casino, em Março de 1987. Na ocasião, o presidente do município disse que "não se tratava de uma homenagem póstuma, mas sim a maneira de publicitar um nome honrado, cuja vida teve no Teatro a sua grande paixão".

Sem comentários:

Enviar um comentário