quinta-feira, 3 de setembro de 2009

O Vale de S. Paio

Esta pequena nota tem como destino o Brasil, mais propriamente o lugar de Pederneiras, até onde chegaram os "ecos" deste meu blogue e das histórias de Tavarede que aqui vou contando.

Pois, minha cara Senhora Lilian, tenho muito gosto em recordar um pouco daquela zona tavaredense onde viveu a minha conterrânea Preciosa Rodrigues Fileno Mota (Mota deve ser o apelido do marido) que, apesar de tão distante, não esquece a terra onde nasceu.

E ela tem razão em ter essas saudades. Nós próprios as sentimos, pois aquele aprazível local chamado "Prazo", termo norte do Vale de S. Paio, era um verdadeiro encanto. Toda aquela zona era amorosamente cultivada e tratada pelos seus proprietários ou arrendatários. O vale, por onde corria, embora já com pouca água, o ribeiro nascido na nascente "Olho de Perdiz" e que vinha regar as várzeas de Tavarede, era um jardim e uma horta sempre verdejante. As encostas, tanto do lado da Serra da Boa Viagem como do lado do Saltadouro, eram cobertas por enormes searas de milho, trigo, centeio e outros cereais, e por vinhas e pomares, tudo tratado a primor.

Vou transcrever um breve apontamento que se refere à capela do S. Paio.

"Está integrada na Quinta do Praso – Vale de São Paio – ao Saltadouro. Cerca de 2 quilómetros a montante de Tavarede, e a 1 do lado nascente da povoação da Serra da Boa Viagem, encontrava-se, em 1932, assim descrita, na matriz urbana da freguesia de Tavarede, sob o artº. 405, em nome de Maria do Sacramento Monteiro: “uma capela particular, construída de pedra e cal, coberta de telha portuguesa; confronta do N.S.O.E. com pinhais da própria; tem de superfície coberta 14 m2 e de rendimento líquido, 18$00!”.

Fora a quinta adquirida, há largos anos, por Caetano Gaspar Pestana, casado com Maria da Conceição da Silva Pestana, avós paternos das Senhoras Pestanas. Encontrou este a capelinha em ruínas, e mutilada a imagem do patrono, e logo procedeu ao seu restauro, trabalho de que se encarregou, com mestria, o hábil artista-estucador, natural de Afife, Domingos Rodrigues Ennes Ramos, aqui radicado.
Tempo depois, Caetano Pestana, que viria a falecer em 25 de Agosto de 1883, com 63 anos, incompletos, vendia a “Quinta do Praso” à família de Monteiro de Sousa, que ainda a detém, e com ela a capelinha.
É neste Vale de São Paio que existe a famosa nascente “Olho de Perdiz”, donde, durante anos e até ao verão de 1927, a nossa cidade foi abastecida de água potável, exploração feita até 1924 pela “The Anglo-Portuguese Gas and Water Cº. Ltd.”, com sede em Londres, de que era gerente, entre nós, o engº. Walter R. Jones, que ainda conhecemos
".
Entre a capela referida e a casa da Família Fileno, situada no alto da encosta, perto do chamado "caminho dos Pejeiros", havia um enorme pinhal. Hoje está tudo muito diferente, mesmo irreconhecível. A propriedade dos "Filenos" foi vendida, julgo que a um advogado da Figueira. A velha casa de habitação, com celeiro e adega, chegou a ser transformada numa espécie de "boite" ou "discoteca", mas que funcionou pouco tempo. Hoje não sei se lá vive alguém. O caminho que descia até ao vale ha muitos anos que está impraticável.

Os pinhais que por ali existiam foram cortados e os terrenos das encostas plantados a eucalipto. Existiam (e funcionavam) duas azenhas. A segunda era bastante curiosa, pois a água que movimentava a roda era conduzida por uma caleira de madeira em declive. Era um local onde muitas vezes se parava para merendar, pois a água da roda dava uma frescura muito agradável. A velha parede onde trabalhava a roda era coberta de avencas. Tudo isto desapareceu. A pequena bica, situada do outro lado do ribeiro e defronte desta azenha, foi um dia transformada em fonte, com paredes de tijolo. Estava engraçada, embora não fizesse esquecer a bica anterior. O incêndio que há anos destruiu quase completamente a Serra da Boa Viagem, as matas de Quiaios e a encosta sul da Serra, chegando às portas da Figueira, arrasou tudo. A fonte foi destruida com a queda de árvores queimadas e nunca mais foi reconstruida.

As hortas e jardins que por ali abundavam, talvez devido à falta de água, deram lugar a terrenos para criação de cavalos. Transformaram-se em picadeiro.

Mas a capela do S. Paio lá continua, felizmente. Permitam-me que recorde um pouco da sua história:

"Para o nordeste da povoação, a perto de quatro kilometros, e na proximidade do regato que corre ao fundo do Valle de Sampaio ou de S. Paio, existiu em tempo uma capellita com a indicação do Santo que deu o nome ao valle. Pequena, acanhadinha, abrigava o santo a quem os visinhos dedicavam extremosa devoção. Sampaio ou S. Paio, era remedio infalivel para a cura de varios achaques, especialisando - o desapparecimento rapido das verrugas d’aquelles a que a elle recorriam com a necessaria fé. N’uma ribanceira, erma, lá estava o santinho solitario, posto n’um terreno pertencente aos frades cruzios de Coimbra.
O tempo foi fazendo dos seus fregueses uns descrentes desleixados, e a capella foi-se arruinando a pouco e pouco até deixar apenas o vestigio de alicerces.
Tendo sido comprada mais tarde a propriedade pelo fallecido sr. Caetano Gaspar Pestana, d’esta cidade, mandou este, obedecendo a uma obrigação antiga escripturada, levantar de novo a capella e refazer o santo.
S. Paio, era e é de pedra, e andando por uma adega da propriedade a servir, profanamente, de calço a pipas, foi-se aos poucos deteriorando, até que, o sr. Pestana, o mandou concertar collocando-o em seguida na capella em que hoje é venerado.
Pertence hoje a capella e terra circumjacente a António Monteiro, canteiro de Quiaios.
Ha coisa de quatro annos ainda lá foi feita festa ao santo pelo povo da freguesia
".

Eis, minha Senhora, o que em poucas palavras posso recordar o que foi e o que ectualmente é a Quinta do S. Paio, onde residiu a conceituada Família Fileno.
(ver nota em Junho "Festas" - A romaria ao S. Paio

2 comentários:

  1. Caro Sr Vitor Medina, quem está escrevendo esta simples mensagem de agradecimento é a sua conterrânea Preciosa C.Fileno Mota, por estas notas feitas a minha amiga Lílian, vejo que conheceu a minha família e o lugar onde nasci. Talvez até nos tenhamos encontrado algumas vezes já que nossa diferença de idade é só 7 anos, mas como era muito nova quando saí daí não consigo me lembrar, mas lembro bem do nome de sua família que era bem conhecida e estimada por todos. A vida me levou para vários lugares deste mundo, mas nunca esqueci as minhas origens nem a minha querida Tavarede, e claro que sempre que leio alguma coisa sobre ela me emociono muito, fiquei muito surpresa por ver como cresceu esta terra e como não deixaram morrer a tradição do teatro e também do folclore, sei bem como o meu irmão Avelino era dedicado a essa associação, o João viveu muitos anos fora, mas agora também está aproveitando essa convivência, tenho muita pena de não poder aproveitar também mas infelizmente a vida não me levou por aí.
    Sr Vitor, fiquei muito grata pelo que escreveu sobre a quinta do Vale S Paio, mas ao mesmo tempo muito triste por saber como está abandonada, mas nada se pode fazer. Mais uma vez quero agradecer por tudo o que escreveu e que Deus lhe pague por todo esse interesse em responder a minha amiga Lílian. Com os cumprimentos de sua conterrânea Preciosa Fileno Mota.

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  2. Sr Vitor Medina

    Muitos parabéns pelo seu trabalho em prol da sua terra. Gostava de chamar a sua atenção para o facto de algumas famílias de Tavarede terem a sua origem em Almalaguês, nomeadamente os Filenos, família de que faço parte. Como saberá, Almalaguês e Tavarede, por força desta ligação, estão geminadas. Existe, inclusivamente, um blogue da Família Fileno que realiza anualmente o seu encontro e onde não faltam os ilustres familiares de Tavarede. Convido-o a visitá-lo em http://filenos.blogspot.com/.

    Um 2010 com muita saúde para todos.
    Artur Jorge Fileno

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