sábado, 31 de outubro de 2009

Sociedade de Instrução Tavaredense - 1

Como sabemos, a Sociedade de Instrução Tavaredense foi fundada no dia 15 de Janeiro de 1904. A primeira informação que recolhemos na imprensa figueirense, foi no dia 31 de Janeiro daquele ano, que diz: Alguns rapazes d’aqui acabam de organisar uma associação que tem por fim derramar a instrucção pelos seus associados e filhos d’estes.
Como já conta grande numero de socios e bastantes elementos, tencionam fundar brevemente uma caixa economica.
Os fundadores de tão prestavel associação estão animados da melhor vontade.
Por certo não faltará quem os auxilie, jàmais n’uma obra tão digna d’apoio.
Não desanimem, pois que ainda podem recuperar o tempo perdido em coisas sem resultado para o seu desenvolvimento intellectual, que é do que todos os homens devem tratar nas suas horas d’ocio
.
No seu livro "50 Anos ao Serviço do Povo", Mestre José Ribeiro escreve: Nasceu a Sociedade de Instrução Tavaredense, como vimos pela acta da fundação, a 15 de Janeiro de 1904. A iniciativa foi recebida com aplauso e secundada com entusiasmo. Logo as pessoas mais em destaque da localidade lhe prestaram apoio, e aos 14 sócios fundadores outros se juntaram.
Acho oportuno fazer um comentário sobre este assunto. Um documento (uma folha de papel de 25 linhas) que foi encontrado, entre os velhos papéis, na biblioteca da colectividade, datado de Julho ou Agosto de 1903, encabeçado pela informação que se tratava da recolha de assinaturas para a fundação de uma nova sociedade de instrução, contém 47 (salvo erro) assinaturas. Este documento encontra-se encaixilhado e pode ser consultado na colectividade. Na verdade, as primeiras 14 assinaturas são as que constam da acta da fundação, tendo, por sinal, um dos nomes iniciais sido riscado e trocado por um outro que se encontrava muito para baixo.
Assim, é de perguntar: A Sociedade de Instrução Tavaredense foi fundada pelos 14 subscritores da acta ou pelo total daqueles assinantes, que terão delegado neles para efeitos da legalização notarial? Para nós, e respeitando opinião contrária, os fundadores da colectividade deverão ser considerados todos os que assinaram aquele documento inicial.
Como também sabemos, a primeira preocupação foi a escola nocturna. Por interessante, vou inserir uma notícia que a Gazeta da Figueira publicou a 13 de Fevereiro de 1904, sob o título 'Instrução em Tavarede'.
Não nos cançaremos de louvar a iniciativa dos rapazes que tentaram este emprehendimento. Applaudimol-a com o ardor d’um coração de quem sempre tem pugnado pelo derramamento da instrucção e que nunca deixará de o fazer. É que um homem instruido, de sentimentos nobres, generosos, pode ser um cidadão prestavel á sociedade, á sua patria, e vale bem por uma legião d’analphabetos. E, quasi sempre, a instrucção é a única mensageira que pode levar ao homem a verdadeira felicidade.
Um pequeno exemplo:
N’uma escola de Tavarede ensinámos algum tempo um petiz, de quem, a falar a verdade, não conhecemos os paes. Emquanto elle frequentou a aula, talvez porque seguisse os bons conselhos que ali lhe davam, tinha um comportamento exemplar, caprichava em apparecer de vestuario e cara lavada, cabeça limpa, etc. Se o encontravamos pela rua, não deixava nunca de nos fazer o seu amavel cumprimento. E nós gostavamos d’aquillo – não por vaidade – mas porque notavamos que o rapazito sabia cumprir com os seus deveres de bom discipulo e porque ia comprehendendo já as regras da boa civilidade.
Certo dia deixou elle de apparecer na escola.
Mais tarde encontrámol-o n’uma estrada. Mal o conhecemos; e elle tambem já não nos fez aquelle antigo cumprimento... Passou... em trajo desprezivel, uma perna da calça arregaçada, ponta de cigarro ao canto da bocca e de boné ás tres pancadas, deixando entrevêr uma guedelha que por certo não andaria limpa...
Eis, bem synthetisado, n’um simples exemplo – e há tantos como este! – o valor d’uma escola, e o valor dos homens que ella pode educar para a vida, para a sociedade.
O rapazito de quem lhes falo, abandonando a escola e não tendo paes que o obrigassem a ir lá, passou em pouco tempo por aquella transformação. E se não vier a ser um ladrão ou um assassino, ou se se entregar mesmo a um trabalho rude, vem, no emtanto, a ser um ignorante e por assim dizer um desgraçado!
...
E em Setembro de 1904 começaram os ensaios para a nova época teatral, a primeira da jovem colectividade, que se iniciava em Novembro, prolongando-se até finais de Maio do ano seguinte. Sob a direcção de João dos Santos, o grupo dramático fez a sua estreia no dia 3 de Novembro do mesmo ano, um sábado. “Além de várias cançonetas, vão à cena as comédias “Os Medrosos”, “Páscoa e Quaresma” e “Livrem-se lá desta!...” e o entreacto cómico “Quarto com duas camas”.
Dias antes fizera-se a experiência da iluminação a gás de acetilene, que substituiu os tradicionais candieiros a petróleo, obtendo-se magníficos resultados. E a mesma notícia conclui “dizem-nos que a orquestra se compõe de numerosos e bons executantes. Tudo faz prever uma festa brilhantíssima e a que só é dado assistir os associados e suas famílias”.
Em Janeiro de 1905, realizou-se a primeira Assembleia Geral. Porque pormenoriza e contém dados curiosos, aqui transcrevemos uma notícia datada de 19 de Janeiro: “
Passou no domingo, 15, o 1º. aniversário da fundação da Sociedade de Instrução Tavaredense. Por este motivo conservou-se durante o dia embandeirada a fachada do edifício onde se acha instalada tão benemérita colectividade, e à noite, reunida a Assembleia Geral, foram presentes as contas do ano findo. Por elas se vê que a direcção, apesar das avultadas despesas que fez com a instalação das aulas, gabinete de leitura, etc., administrou com tanta economia que ainda passa ao ano futuro um saldo de 35$080 reis.
Procedeu-se em seguida à eleição dos corpos gerentes que ficaram assim constituidos: Assembleia Geral – Presidente, Manuel Jorge Cruz; Vice-Presidente, João Migueis Fadigas; 1º. Secretário, Manuel Lopes de Oliveira; 2º. Dito, António da Silva Coelho. Direcção – Presidente, Fradique Baptista Loureiro; Vice-Presidente, José Luís Mota; 1º. Secretário, José Maria Cordeiro Júnior; 2º. Dito, César da Silva Cascão; Tesoureiro, António Luís Mota; Vogais, Manuel dos Santos Vargas e João Jorge da Silva; Substitutos, Manuel Fernandes Júnior, António Jorge da Silva, José Fernandes Serra, João de Oliveira e António Medina. Conselho Fiscal – Manuel Nunes de Oliveira, Joaquim Saraiva e Saul Gaspar de Figueiredo.
Pelo sr. José Rodrigues da Fonseca foi proposto um voto de louvor à direcção cessante, sendo unânimemente aprovado pela assembleia.
De todas as agremiações que em Tavarede se têm fundado, é esta, incontestavelmente, a que conta com melhores elementos de vida. Pelo seu estado florescente, pelo aumento sucessivo de associados e sobretudo pelo fim altruísta para que foi criada, previmos um largo futuro a esta colectividade, sustentada por homens dotados dos melhores sentimentos e que desejam unicamente elevar a sua terra, não se poupando a fadigas e despesas para conseguirem – derramar a instrução e afastar da taberna muitos daqueles que ali procurariam o seu passatempo em libações e jogatinas perigosas.
Quem entra naquele santuário, à noite, fica surpreendido pela bela disposição de todas as dependências: numa sala a aula de alunos menores, em grande número; noutra a aula de maiores, infelizmente menos frequentada; noutra, gabinete de leitura; noutra, exercícios de música, e no tablado cultiva-se a arte de Talma.
Na melhor ordem, respeito e alegremente, todos trabalham.
Dentre as trinta e cinco crianças que se encontram todas as noites postadas às suas carteiras, destacam-se duas vestidas de preto. São orfãos. O pai, um bom exemplo de trabalhador, morreu há pouco tempo na enxerga dum hospital, deixando a sua numerosa prole na mais extrema pobreza. Faltou-lhes o pai, mas lá está a Santa Caridade abrigando-os sob o seu manto. Com o maior carinho e boa vontade, ali lhes ministram a instrução que carecem.
Muito haveria que dizer acerca desta instituição, mas ficaremos hoje por aqui, fazendo votos para que a benemérita Sociedade de Instrução Tavaredense prossiga desassombradamente no honroso caminho que encetou, e não lhes faltará o apoio de todos os que amam o desenvolvimento da instrução pelas classes desprotegidas.”
E no dia 5 de Fevereiro, foi o evento comemorado com um espectáculo que “... começou com a distribuição de prémios a dez alunos que mais se distinguiram pelo seu aproveitamento nas aulas nocturnas durante o ano findo. Os prémios conferidos constavam de livros instrutivos e aos alunos extremamente pobres foram dados vestuários. Não podemos descrever a impressão que este acto causou a todos os espectadores presentes, especialmente quando foram apresentadas as crianças orfãs e pobrezitas. Vimos as lágrimas deslizarem pelas faces de muitas pessoas”
O programa completou-se com a representação das seguintes peças: “O casamento da Grã-Duquesa”, opereta em 1 acto; “Dó-Ré-Mi”, terceto; “Desabafos do Zé Leiteiro”, cena cómica; “O espinho”, monólogo; e ainda as comédias em 1 acto, cada, “Dois estudantes no prego” e “Milagre de Santo António”. As notícias referem que tudo estava muito bem posto em cena e o desempenho de todos os amadores foi magnífico. “A música, composição do sr. João Prôa, é lindíssima, muito adequada e a sua execução, pela orquestra regida pelo mesmo senhor, foi magistral”.
Foi desta forma que se iniciou a acção beneficente da Sociedade de Instrução Tavaredense, com especial incidência nos alunos da sua escola nocturna mais carenciados. O saldo passado à nova gerência, no montante de 35$080 reis, resultou duma receita de 63$140 reis e uma despesa de 28$060. São valores que, agora, nos parecem insignificantes. Mas não o eram, na realidade, pelo menos num meio tão pobre como Tavarede. A quota mensal, estabelecida na acta da fundação, era de cento e vinte reis. Pois, mesmo este valor, em breve se mostrou demasiado elevado para muitos dos tavaredenses, que lutavam, diariamente, com mil e uma dificuldades económicas. Não tardou muito a surgirem os primeiros “riscados” por falta de pagamento!

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