terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Sociedade de Instrução Tavaredense - 10

Por ocasião do 16º aniversário, Carlos Sombrio, jornalista, escritor e poeta figueirense, foi a Tavarede assistir à sessão solene. Eis um breve recorte da notícia que, então, escreveu. “Vozes conhecidas e amigas falaram da sublime missão da colectividade. Instrução!... Palavra bendita, esplendorosa luz, benção sagrada! O diadema mais rico, mais precioso que pode aureolar a fronte do povo, para que possa ser dignificado por si e glorificado pelos outros! Saudando a prestimosa colectividade, saudamos o povo da pitoresca e tão nossa povoação de Tavarede”.
António Augusto Esteves, de seu nome, acompanhou e colaborou com a obra da Sociedade durante longos anos. Ainda nos recordamos dele a caracterizar os amadores, ao mesmo tempo que ia conversando com José Ribeiro...
Em 1920, foi feita a reposição da opereta “Os Amores de Mariana”. Foram enchentes sucessivas. “Não ouvimos nunca tão quentes ovações naquele teatro, o que se justifica se dissermos que nunca os 29 números de música foram tão bem cantados”.
E no dia 15 de Janeiro de 1921, para comemoração do 17º aniversário, José Ribeiro ensaiou uma nova opereta, esta em 1 acto, para ser representada por crianças e que se intitulava “A espadelada”. O programa completava-se com variedades e uma comédia. Muito interessante é a crítica que encontrámos relativa àquela opereta. Vamos transcrevê-la.
“Fazem-se por aí, de quando em vez, reclamadas récitas de amadores. É raro, no entanto, surgir alguma coisa que marque, alguma coisa que agrade, alguma coisa que amplamente satisfaça o espectador.
Feita uma relativa excepção a alguns novos do Ginásio, a um ou dois rapazes da Naval, o resto acusa o vício atávico do presepe indígena, aquele ramerrão coçado e batido que vai do "Oh meu menino Jesus - Da lapa do coração"...
até ao aflitivo carpir de Raquel chorosa, em face do arrogante Herodes barbaçudo. Récitas de caridade são sempre de fazer arrepios. Ainda há dias, uma muito simpática instituição de assistência o demonstrou com largueza, organizando um espectáculo por tal forma e com tais gentes, que houve quem fugisse dos amadores mais espavorido que menina histérica de bravos bois desembolados...
Há por isso que, jubilosamente, fazer justiça a um rancho de petizes que no passado sábado, em dia de aniversário e festa da Sociedade de Instrução Tavaredense, souberam riscar um encantador traço de beleza. Eram aí uns vinte e tantos miúdos e miúdas, trajados à minhota, os pimpolhos de jaqueta e chapeirão de feltro, e as pequenas com a clássica saia bordada, a chinela, o avental bordado, o chambre todo farfalhudo de oiros e o aceso lenço de ramagens, com suas franjas amplas em vermelho e amarelo.
Representavam a Espadelada, - uma coisa regionalista e leve, em que com finura se encaixaram uns interessantes motivos de música popular, que estão tão a propósito para a criançada, como sopa fôfa para uma dose de doirado mel!
Eu gostava que todo o fiel amadorzinho cá do burgo visse representar a miudagem de Tavarede. É certo que aquilo mostra uma larga soma de trabalho. Vê-se com clareza a continuada e longa domesticação que sofreram. Calcula-se das lições, dos reparos, do ensino, do desbaste, que dia a dia, hora a hora, instante a instante, foram sofrendo até atingir o grau de perfeição com que brilhantemente se apresentaram em público. Cabe todo êste esfôrço inteligente e bem orientado à evangélica paciência de José Ribeiro. Sim, ao ensaiador cabe em quinhão grande o aprumo, a marcação, a linha com que a petizada disse e representou seus papéis. Graças a José Ribeiro é que não houve uma nota discordante e antes tudo aquilo, de começo a fim, correu com a limpeza, a segurança, a firme tranquilidade dum veio de água seguindo sem estôrvo o seu caminho fácil. Mas o que o organizador da récita não fez, porque não podia fazê-lo por mais dedicação e mais conhecimentos, foi a naturalidade, o á-vontade, a natural vocação cénica com que se apresentou galhardamente a maioria dos miúdos-actores.

Maria Ribeiro, uma garota ainda dos seus 12 anos, encarnou à maravilha um papel de velha mãe, com seus falares pausados, o passo cansado, o gesto lasso. Maria de Figueiredo deu uma Joaquina tão viva como uma cantiga vermelha numa tarde sadia de arraial alegre. António Cordeiro, fez um janota com aprumo, encarnando com facilidade o seu papel de sedutor sabido, com apartes a tempo, um cofiar de bigodes a rigor, mantendo sempre o seu ar de pessoa fina. António Broeiro, fez um galã ingénuo e apaixonado, com arranques de alma tirados sem aparente dificuldade, movendo-se no seu papel de amorudo como se em vez dos seus dez ou onze anos, já uns dezoito ou vinte lhe trouxessem a cabeça a juros e o coração agarrado a saias em vez de a peões e papagaios ligeiros. E José Loureiro compôs com graça um marinheiro autêntico, desde as botôrras de borracha até ao chapéu de oleado, e das barbaças de lobo do mar ao cachimbo entalado nos beiços com uma naturalidade de catraeiro.
O que mais me maravilhou neste grupo de crianças, e nomeadamente neste marinheiro, lobo do mar de 13 anos, foi a correcção do gesto e a natural entoação da frase. Não foi esquecido um pormenor, nem olvidado um detalhe. O dito mais simples era composto com o modo mais frisante. Assim como o galã arrimava ao cacete a sua cara de sofrimento e de ciúme, assim o marinheiro bamboleava o andar nos hábitos de bordo, e a velha fazia o caminhar custoso e as moças cirandavam com calor o seu bailar.
Até à beira da cena, nuns toques de aldeia que faziam mover e rodopiar o danço, um miudito de seus oito anos, chocalhando nuns ferrinhos um acompanhamento brejeiro, e meneando a cabeça e o corpo frágil ao ritmo da modinha popular, tinha tal chiste e tamanha graça que ninguém havia que não risse...
... Enfim, um grupo de pequenos amadores, com o pior dos quais muito tinham que aprender todos os seus colegas maiores da terra e a grande maioria de seus iguais da Figueira!”.

Fotos - 1 - Helena Figueiredo (protagonista da opereta 'Os Amores de Mariana'; 2 - Grupo dos amadores que representaram 'A Espadelada'. Na primeira fila e da direita para a esquerda: António Cordeiro, Maria Teresa Oliveira, António Broeiro (sobrinho), Maria José Figueiredo e José Loureiro. Na segunda fila, o segundo a contar da esquerda é o rapaz dos ferrinhos.

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