quinta-feira, 22 de abril de 2010

Um aniversário da Escola Noturna do Terreiro

Ao continuar as minhas buscas nos meus apontamentos, encontrei a notícia do terceiro aniversário da escola noturna do Terreiro (posteriormente da Sociedade de Instrução Tavaredense), que teve lugar no dia 23 de Fevereiro de 1902, na sala do Grupo de Instrução Tavaredense. Julgo interessante a notícia, muito curioso o programa e, como se trata de um assunto escolar, apresento no final da reportagem, uma foto, não de Tavarede, mas sim da Escola Primária Conde de Ferreira, da Figueira. Toda aquela 'rapaziada' era aluno do professor Rui Fernandes Martins, que anteriormente tinha sido professor em Tavarede durante vários anos, e anteriormente, em Brenha. A fotografia tem a data de 1938. É uma curiosidade, nada mais.

"Para mim, assim como para quantos amam a instrucção e se entregam desinteressadamente ao honroso mister de a diffundir pelos espiritos incultos, representou a festa de domingo passado um acontecimento de significativo valor, porque se commemorava o anniversario d’uma ESCOLA. Basta esta palavra, que por si só symbolisa uma das coisas que eu mais amo e mais attrahe as minhas sympathias, para que eu, como filho de Tavarede, obedecendo aos impulsos d’um coração agradecido, venha saudar d’aqui todos os cavalheiros que teem contribuido para o progressivo e ininterrupto caminhar d’aquelle estabelecimento. Faço-o como tavaredense, porque a minha consciência isso me impõe, porque é só aos meus patrícios que a Escola Nocturna está beneficiando, porque só elles podem d’ella auferir os benéficos influxos do brilhante pharol que lhes está illuminando o caminho que os conduz á civilisação.
É-me grato, pois, gravar aqui meia dúzia de palavras que traduzam a verdadeira expressão do meu sentir, que testemunhem emfim o meu mais sincero agradecimento aos auxiliadores da prestimosa obra que há três annos se vem edificando.
E a festa de domingo não foi motivo de jubilo só para mim. Foi-o para todos que se interessam pelo desenvolvimento intellectual do povo; foi-o para os que só vêem na instrucção a poderosa alavanca que há de levantar milhares de homens do rebaixamento em que vão arrastando o seu triste viver: foi-o emfim para os que vêem no analphabetismo a gigantesca barreira que se impõe altiva e conquista de tantas aspirações e á solução de tantos ideaes!
É da instrucção que dimana a luz do espirito, é este que nos guia nos actos da nossa vida, e é da sua educação que nascem quasi sempre os bons sentimentos. É portanto necessário que se eduque o homem, para que a sociedade lhe abra seus braços amigos e para que elle possa então representar dignamente o seu papel de ente civilisado.
Escrevo para os meus patrícios: sois pobres; bem sei que as circumstancias de muitos não permitem que dêem aos filhos uma regular educação. Não é, porém, nos tempos d’hoje que por falta de meios se deixa de aprender a lêr e a escrever. Temos as escolas regias, temos outras particulares gratuitas, que vão prestando generosamente os seus serviços em prol dos que d’elles necessitam, e n’estes casos se encontra a Escola Nocturna, que no domingo festejou o 3o anno de existência. Três annos de vida em que se desbravaram dezenas de espíritos cerrados ao conhecimento das lettras, e os que tão louvável e desinteressadamente se teem entregado áquelle árduo trabalho, devem decerto folgar por verem que não teem sido improfícuos os seus esforços, porque d’entre os alumnos por si leccionados há alguns que muito os honram pelo seu estado de adeantamento.
Não posso no emtanto deixar de lamentar a indifferença com que certos paes olham a educação dos filhos, apesar de com ella serem pouco sobrecarregados; isto, porque a frequência de vários alumnos tem sido irregular, sem isso preocupar aquelles que moralmente deviam obstar a tão condemnavel procedimento, e também porque conhecemos por aqui alguns indivíduos que não tratam de mandar os filhos para a escola.
É triste para mim o ter de revelar estes factos, mas o desgosto que elles me incutem são motivo demasiado para que eu os não possa occultar e não deixe de os censurar amargamente.
É preciso que todos os meus conterrâneos comprehendam o fim para que esta escola foi creada
Não devem todos os paes eximir-se ao dever de para ali enviar as creanças que careçam do ensino das primeiras lettras, pois que as portas estão abertas de par em par para os receber, e, para os que dentro d'ella se propozeram a ensinal-as, será muito satisfatório o ir riscando do numero dos analphabetos esses pobres seres que hoje são uns ignorantes, uns irresponsáveis, mas que amanhã, quando homens, terão direito a accusar os auctores dos seus dias, se estes não lhes mandarem dar a educação necessária para elles poderem viver na sociedade.
Fique isto bem gravado no espirito dos tavaredenses que me lerem, e só lhes peço que secundem sempre os esforços dos que trabalham para o engrandecimento moral e intellectual da terra que nos viu nascer, a qual, em instrucção, já hoje pode caminhar na vanguarda d’algumas outras localidades mais importantes.
Mas, comtudo, não vos esqueçaes nunca dos deveres de gratidão a cumprir.
O jantar servido aos alumnos da escola foi abundante, e durante a refeição via-se em todos os seus rostos uma alegria immensa que communicava com intensidade ao coração dos que presenciavam aquelle acto.
Á noite, o espectáculo em que se executou o programma já conhecido dos leitores da Gazeta, teve uma concorrência extraordinária, não havendo disponível um único canto do theatro.
É suspeita a minha apreciação sobre o desempenho das duas partes do reportorio: dramática e musical. Mas tenho a fazer-lhes justiça e a falarem por mim as calorosas e enthusiasticas ovações feitas aos pequenos debutantes da arte de Talma, e as salvas de palmas que coroavam o final de qualquer das peças musicaes tocadas por um escolhido grupo de rapazes também de Tavarede.
Por aqui se vê o agrado da recita, e o que eu posso asseverar é que nunca n'esta localidade houve festa theatral que mais sensação causasse, pela novidade dos actores e pela maneira correcta como se houveram.
As salas, tanto a dos espectáculos como a da escola, estavam ornamentadas com festões de verdura, palmas, bandeiras, livros, escriptas, etc. Na aula liam-se alguns trechos dos Lusíadas, copiados pelos alumnos mais adeantados, e
viam-se também distribuídos pelas paredes os nomes de vários cavalheiros que generosamente teem contribuido com donativos para aquella casa de instrucção.
De tarde, uma commissão de alumnos da Escola Popular Bernardino Machado de Buarcos, acompanhada do respectivo professor sr. Emygdio Serrão, veio entregar uma mensagem de felicitação aos seus collegas de Tavarede, documento que trazia 56 assignaturas, e ao qual vão responder os alumnos da Escola Nocturna d'aqui agradecendo tão significativa prova de consideração que lhes foi tributada.
E basta de massada por hoje, pois que esta minha epistola excedeu já os limites da ordem. Decerto que as columnas da Gazeta não se destinam simplesmente a assumptos tavaredenses, não é assim?


PROGRAMA

Como tem noticiado o nosso correspondente d’aquella localidade, realisa-se effectivamente amanhã o sarau comemorativo do 3o anniversario da Escola Nocturna d’ali, e cujo programma constará do seguinte: Hymno da Escola Nocturna - composição de G. Ribeiro; Republica das Lettras, comedia em 1 acto, de F. Palha; Surpreza, valsa característica de Simões Barbas;
O casamento do Alto Vareta, comedia de costumes em 1 acto, de P. d’Alcântara Chaves;
Tavarede, mazurka de G. Ribeiro; Ça mord, intervallo para duas creancas;
Uma gavotte;
Bohemios, passo ordinário, de F. Lopes de Macedo;
Luctas Civis, comedia em 1 acto, de Cezar de Sá;
Hymno da Escola Nocturna.
O desempenho da parte dramática será exhibido pelos alumnos da escola referida, e a parte musical executada por um grupo de rapazes também de Tavarede,
De tarde servir-se-á um jantar a todos os alumnos d’aquella aula, para o qual teem sido generosamente offerecidos donativos por vários cavalheiros.


E agora a fotografia:



Sem comentários:

Enviar um comentário