segunda-feira, 31 de maio de 2010

Manuel Fernandes Tomás

Era figueirense e não tavaredense. No entanto, resolvi hoje dedicar um pouco do meu espaço à memória de tão ilustre e saudoso cidadão. Foi político destacado. Graças a Manuel Fernandes Tomás a Pátria Portuguesa renasceu.

Eu não sou político, nem percebo nada de política. É certo que tive uma pequena experiência autárquica em 1975 mas não me deixou saudades nenhumas, nem vontade de continuar. Leio, porém, os jornais e vejo, diariamente, as notícias televisivas.

Como acontecerá a tantos, fico constrangido a ler e ouvir, em tempo de tão apregoada austeridade, a informação de faraónicas despesas e enormes mordomias de tantos, em contraste com o apregoado. Talvez por isso me tenha lembrado de Manuel Fernandes Tomás e de um quadro que Mestre José Ribeiro escreveu e fez representar na fantasia "Ecos da Terra do Limonete", no ano de 1981. Transcrevo essa cena.



Entrevistador - ... A carta que nos mandou mostra-nos que tem um tema para a palestra que nos vai oferecer: Manuel Fernandes Tomás.

João José - Exactamente.

Entrevistador - Um tema aliciante, rico de sugestões, escolhido muito a propósito e com louvável bairrismo, pois Manuel Fernandes Tomás é uma glória da Figueira da Foz, onde nasceu.
João José - Não apenas da Figueira da Foz, mas uma autêntica glória nacional.

Entrevistador - Muito de louvar o culto dedicado à memória do grande figueirense.

João José - É que todos aqui o conhecemos bem, desde que o vimos e ouvimos em Tavarede.

Entrevistador - Como?! Manuel Fernandes Tomás morreu há mais de um século!...
João José - Sabemos. A 19 de Novembro de 1822. Vimo-lo e ouvimo-lo em Tavarede graças a um desses milagres que o Teatro pode realizar. Ouvimo-lo, a 24 de Agosto de 1820, a ler da varanda do Paço do Governo no Porto, o "Manifesto aos Portugueses"; vimo-lo nas sessões das Constituintes, a proclamar e a defender a soberania nacional residindo no Povo, a defender a liberdade de imprensa e a combater a censura prévia. Fernandes Tomás foi o pulso forte do Sinédrio preparando a revolução, foi a inteligência esclarecida e a alma forte nas Constituintes.

Entrevistador - Muito justamente foi considerado Patriarca da Liberdade e libertador da Pátria.

João José - Esse homem, de vigorosa inteligência e rara envergadura como jurista, ocupou na vida do país os mais altos lugares. Pela sua mão passaram os mais importantes e variados negócios, e podia servir-se da sua preponderância para enriquecer. E morreu pobre. Na sua doença não havia em casa com que comprar uma galinha para fazer um caldo. Isto não é figura de retórica, é literalmente a verdade. Abriu-se uma subscrição pública para o sustento da viúva e dos filhos. Dêeem-me licença para ler esta nota que extratei dum resumo das actividades de Fernandes Tomás no primeiro período parlamentar das Constituintes. (lendo) "Março 13 - Declarou que se recusava a receber o ordenado que o Congresso acabava de arbitrar como membro do Governo Provisório, alegando que fizera esse serviço apenas a bem da Pátria". (pausa) Este foi Manuel Fernandes Tomás, o glorioso figueirense, o eminente jurisconsulto, a mais alta figura das Constituintes, o político austero, o Homem incorruptível, o grande Português - e morreu pobre.

Entrevistador - E certamente o Governo de então não fez aprovar uma lei mantendo aos deputados os seus ordenados mesmo para além do encerramento das Cortes.
João José - Muito oportuna e expressiva a observação de V.Exa. Manuel Fernandes Tomás, que recusara o ordenado como membro do Governo Provisório, recusaria com a mesma dignidade qualquer remuneração que lhe fosse atribuída por uma actividade que não exercia. Não nos esqueçamos: - este notável político morreu pobre. (levanta-se)

Entrevistador - Bem haja por ter vindo. Glória a Fernandes Tomás. (fecha a cortina)

E, assim, acaba o quadro. Em sua casa nem sequer havia com que comprar uma galinha para lhe fazer um caldo!!! E morreu pobre!!!
E quem choramos nós,
Quem lamentam os portugueses... (Alexandre Herculano)

segunda-feira, 24 de maio de 2010

O Palácio do Conde de Tavarede

Curiosidades historicas

Escasseou-nos para tal forma o espaço, no ultimo numero da Gazeta da Figueira, que não podemos sequer notar um leve equivoco em que se embaraçou o distincto autor do artigo “À Beira-Mar”, que publicámos. Fallando da ellegante construcção que se entrevê ao aproximarmo-nos de Tavarede, diz o sr. visconde de Benalcanfôr que é propriedade do visconde de Trancoso.
Não; é propriedade do conde de Tavarede, que começou a edifical-o há annos sobre os alicerces de uma antiga torre, ou vigia, alli existente, e nas fundações da qual se encontraram ainda uns estreitos carceres com argolões que se desfizeram ao tocar-lhes, como se fôra madeira pôdre - resistindo, aliaz, muito bem á oxydação o chumbo que os fixava á pedra, e que se achou perfeitamente conservado.
O equivoco proveiu, naturalmente, de possuir a casa de Tavarede largas propriedades em Trancoso, as quaes constituiam um morgado, que por casamento se uniu áquella casa em vida do primeiro barão e primeiro conde de Tavarede. Nada tem de commum com os Tavaredes o actual visconde de Trancoso, que ha annos contrahiu matrimonio com uma dama, aparentada com a familia reinante de Hespanha.
O presente conde de Tavarede, o sr. João Carlos Emilio Vicente Francisco de Almada Quadros de Sousa Lencastre Fonseca Saldanha e Albuquerque, é neto do 1º. barão e 1º. conde de Tavarede, e de D. Maria Emilia da Fonseca Pinto de Albuquerque, filha e herdeira do Superintendente das coudelarias da comarca de Trancoso, d’onde elle era natural, e d’onde provém á casa de Tavarede as propriedades de Trancoso.
O 1º. barão e 1º. conde de Tavarede, Padroeiro do Convento de Santo António, da Figueira, era filho do grande D. Francisco de Almada e Mendonça, corregedor perpetuo da comarca do Porto, a quem tanto deve aquella cidade, e que casou com D. Antónia Magdalena de Quadros e Sousa, herdeira da antiga casa de Tavarede, de que foi 10º. senhora.
Com a mãe do actual conde de Tavarede, a srª. D. Eugenia de Saldanha, deu-se a notavel coincidência de nascer a 25 d’um mez, casar a 25, viuvar a 25 e fallecer a 25.
Em quasi todos os documentos remotos da casa de Tavarede figuram os appellidos de Quadros, que parece ter sido a familia mais antiga na ascendencia. Tem a data de 1 de Agosto de 1541 o Brazão das Armas das Familias dos Quadros e Barretos, passado a Antonio Fernandes de Quadros, Adail de Azamor, e Comendador da Ordem de Christo, descendente das ditas familias
Uma das mais antigas e principaes regalias dos senhores de Tavarede era a de receberem um imposto de cada fôrno de cozer pão, não podendo ninguem construir algum nos coutos de Tavarede sem licença dos seus senhores. N’um testamento de 1540 e n’outro de 1551 instituiram antepassados da familia Quadros um vinculo de Morgado, em que, além d’outros bens, se incluiam os “Fornos de Tavarede”. N’uma sentença de 1592 são os moradores das Lamas condemnados, a requerimento de Pedro Lopes de Quadros, a não poderem ter Fornos de coser Pão fora dos fornos do dito senhor, ou Poya, ou sem éla, com a pena de dez cruzados obrando o contrario.
Em 1711 justificava Pedro Lopes de Quadros, perante o juiz ordinario do Couto de Tavarede, que elle e seus antepassados, havia mais de 300 annos se conservavam na pose de não haver no dito Couto outros Fornos de cozer Pão senão os seus, e que os ditos Fornos estavam vinculados no Morgado da sua Casa de Tavarede.
Em 1751 concedera licença para poder fazer um forno n’uma casa, com a obrigação de pagar 800 reis cada anno.
Em 1787 é, por escritura, concedida licença a hum morador da Figueira para poder fazer hum Forno de cozer Pão broa nas suas casas com a obrigação de pagar de Foro duas Gallinhas, e na falta de cada hua dellas duzentos e quarenta reis por cada hua á escolha do Foreiro.
A esta casa pertenceu em tempo a Insoa que antigamente se chamava a Voiroa, e agora se chama a Morraceira (documento de 1537), a qual foi adquirida para a casa por transacção com o Infante D. Henrique, Arcebispo de Braga, Commendador e Administrador do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, ao qual fôra doada, em Março de 1116, por D. Afonso Henriques.

(In "Gazeta da Figueira - 23 de Outubro de 1887")

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Rui Monteiro de Sousa

A Junta de Freguesia de Tavarede vai levar a efeito, nos próximos dias 29 e 30 do corrente mês de Maio, uma exposição de "Artesanato em madeira", sob o nome de "A VIDA FEITA PELA PONTA DE UMA NAVALHA".

É autor dos trabalhos a expôr o nosso conterrâneo e amigo Rui Monteiro de Sousa. Colega de trabalho durante dezenas de anos, nunca me passou pela cabeça que o Rui tivesse tal dom para trabalhar bocados de madeira, com a ponta do seu canivete. Já tinha visto alguns trabalhos seus, no Grupo Desportivo e Amizade do Saltadouro, na Sociedade de Instrução Tavaredense e numa montra de um estabelecimento na Rua da República. Mas, segundo o folheto distribuido, o Rui vai apresentar novos trabalhos e, pela amostra, serão dignos da maior admiração.


Se a Junta de Freguesia de Tavarede merece parabéns pela iniciativa, não podemos deixar de louvar o trabalho, a dedicação e a arte do nosso amigo Rui.


Permito-me aqui apresentar alguns dos trabalhos a expôr para que possam ser admirados por aqueles que costumam dar uma vista de olhos por este blogue.


Os pais do Rui Monteiro de Sousa tinham umas terras no vale de Sampaio, que amanhavam carinhosamente. Praticamente todos os dias lá iam os pais (Benjamim e Isabel), acompanhados pelos filhos, tratar dos amanhos necessários. O trabalho acima é uma visão estilizada daquela zona pelo Rui. Ao centro lá está a capela do S. Paio, à direita a casa da srª Aurora (tia), e à esquerda o pequeno edifício da entrada da mina da captação das águas para fornecimento à Figueira. Em baixo, ao centro, é a velha azenha, defronte da bica, com a caleira aérea que transportava a água que fazia movimentar a roda. Até a pequena casa de arrumações não foi esquecida.
Durante muitos anos o Rui foi músico do Rancho Etnográfico Os Cavadores do Saltadouro, do Grupo Desportivo e Amizade do Saltadouro. É de apreciar os pares dançando. O colorido é muito bom e dá grande realce aos bonecos.


O Rui também foi remador da Naval 1º. de Maio. E reproduziu um barco com a sua tripulação de remadores.


Como músico que foi, alguns dos seus companheiros mereceram a sua homenagem. Este boneco estilizado, representa o saudoso amigo António de Sousa 'Bichão', falecido já há alguns anos e que foi grande compositor e excelente intérprete musical, grande amigo da nossa terra, em cuja 'tuna' participou muito tempo.

Nesta fotografia da 'tuna' de Tavarede, vimos, em primeiro plano, à esquerda, o António Bichão, e, lá atrás, tocando bombo, o Rui de Sousa.

Termino estes breves apontamentos com uma fotografia do saudoso 'Lúcia-Lima-Jazz', de que o Rui Monteiro de Sousa fez parte. Aqui, tocava rabecão. O Helder (terceiro da esquerda) e o Rui (primeiro à direita), são os sobreviventes. Que o sejam por muitos e bons anos. E muitos parabéns ao Rui e que continue a dar que fazer ao seu canivete para nos recordar mais alguns pedaços da nossa terra.

terça-feira, 18 de maio de 2010

O Rancho das Rosas em Tavarede

Com uma manhã verdadeiramente primaveril, visitou no passado domingo a nossa encantadora aldeia, o formoso Rancho das Rosas, da Figueira, que sob as perfumadas “Bellas Olivias” da aprazivel matta da quinta do Paço, saboreou com appetite e no meio de franca alegria um lauto almoço, cujo menú – genuinamente portuguez – era o seguinte:
“Bacalhau e batatas d’olho rôxo (á gandareza), fructas e vinho por conta do lavrador”.
Era de primeira ordem, porque os escudeiros souberam pôr tudo na perfeição.
O almoço decorreu sempre entre grande enthusiasmo, dando a nota synpathica á festa intima as esbeltas raparigas, que de mistura com estridentes gargalhadas – proprias d’almas gentis que esvoaçavam sobre os corações dos apaixonados, teciam elogios ao Santos pela sua habilidade de cosinheiro ajudante, e ao Paschoal pela sua vontade de aço na realisação da festa. Os rapazes, sempre promptos a fazerem rendilhadas declarações de amor, manducavam alegremente a bacalhoada que regavam com côcos da boa pinga. Festa da mocidade jámais nos recordamos de se realisar.
Depois da barriga cheia, dançou-se ao som d’uma fanfarra que tinha acompanhado o Rancho, sendo ainda prestada uma manifestação de agradecimento ao sr. João Luiz Rosa, que n’aquella occasião tinha apparecido no local.
Foi em seguida o garboso Rancho cumprimentar o Grupo Musical Tavaredense, que se achava ornamentado de bandeiras, sendo recebido pela direcção que agradeceu a amavel visita e levantaram vivas ás duas sociedades.
Retirou para essa cidade pelas 12 horas, levando d’esta pittoresca povoação as melhores impressões.
Oxalá que voltem a Tavarede, porque gosarão os melhores bocadinhos da vida...


Aconteceu esta visita em Maio de 1912. Há 98 anos...

Como não podia deixar de ser, esta notícia provocou-nos tantas recordações... Aquela mata, tão agradável e tão antiga, substituida há poucas dezenas de anos, por um bairro que não deixou a mínima recordação do passado. Nem, sequer, os azulejos da pequena e fresca fonte que ali existia...

Também as árvores desapareceram todas. Nós chamávamos àquele local 'a mata do Rosa', isto porque a propriedade havia sido adquirida, nos finais do século 19, por Luís João Rosa. Mas, na verdade, era a célebre mata da quinta do Paço, pertença dos senhores de Tavarede, os fidalgos 'Quadros e Sousa' e onde, no dizer de Ernesto Fernandes Tomaz, terá andado D. Maria Mendes Petit carpindo a morte afrontosa de seu filho, Pero Coelho, a quem o rei D. Pedro I mandou arrancar o coração pelas costas, como castigo pelo assassinato de D. Inês de Castro, a que foi 'rainha depois de morta'. Será verdade? Será lenda? Aquela senhora era uma fidalga que possuia em Tavarede diversas propriedades, que mais tarde legou ao convento das religiosas Donas Pregaratas, da Ordem de S. Domingos de Santarém, sito em Vila Nova de Gaia.

A realidade é que era um sítio muito agradável, onde se passavam tardes cheias de alegria, como aquela acima descrita. Aproveito para recordar o Rancho das Rosas, da Figueira da Foz. Teve uma existência de cerca de meio século e hoje é recordado pela rua que tem o seu nome, ali junto ao Vale. Deste rancho, recordo aqui duas das canções que se tornaram verdadeiros hinos do mesmo, melodias lindíssimas que foram escritas por um tavaredense: João Nunes da Silva Proa. Quanto mais não fosse, só por isso merecia a nossa recordação. E uma das letras é também dum figueirense muito querido a Tavarede: Manuel Cardoso Marta.



São recordações e nada mais do que isso...



quarta-feira, 12 de maio de 2010

Quinta-feira da Ascenção

Se os passarinhos soubessem
Quando é dia da Ascenção
Não punham o pé no ninho
Nem o biquinho no chão

Quarenta dias haviam decorrido após a Sua ressurreição.
Então Jesus Cristo, cumprindo as profecias que assim já o haviam prenunciado, reuniu os seus discípulos no Monte das Oliveiras, o mesmo onde Judas Iscariotes o havia entregado aos soldados, e levantando as mãos os abençoou. Enquanto os abençoava foi-se elevando à sua vista, e subiu ao céu onde está sentado à direita de Deus, donde voltará, no Dia do Juizo, da mesma maneira por que foi para lá.
É assim que a Bíblia nos conta a Ascenção de Cristo ao céu.
Ora nesse dia, quinta-feira, cumpre-se, há já longos anos, uma tradição. É a apanha da espiga.
Esta, segundo os antigos, deve ser apanhada da parte da manhã e guardada em casa. Significa o guardar a espiga, pedir a Jesus Cristo a mercê de, durante o ano, nos não faltar com as coisas que ela simboliza e que são mais necessárias à nossa vida.
A espiga é composta do seguinte:
- Malmequeres amarelos e brancos - representam ouro e prata;
- Trigo - significa o pão;
- Papoulas encarnados - que pedem alegria;
- Um bocado de oliveira e parra - é o azeite e o vinho;
Além destas coisas, indispensáveis, há pessoas que também juntam centeio, aveia e até favas. Estas, assim como o trigo, representam o pão, que é o nosso principal alimento.
E é para pedir a Jesus Cristo que nunca nos falte com o ouro e com a prata, o azeite e o vinho, e finalmente com a alegria, que neste dia se vêem pelos caminhos dos campos, enormes grupos de raparigas que, alegremente, procuram aqui uma seara de trigo para apanharem uma espiga, além uma oliveira para colherem um bocadinho e mais adiante os malmequeres, as papoulas e as restantes coisas, para formarem assim a espiga, conforme manda a tradição.
O certo é que, por volta do meio dia, se vêem as raparigas regressar a suas casas, alegres e felizes, com o ramo na mão, no qual sobressai o vermelho garrido das papoulas, igual ao tom carminado das suas faces que o sol, atrevido, corou.
Ao chegarem a casa correm pressurosas a guardar a sua espiga, a qual só será atirada fóra quando no próximo ano for substituida por outra.
É assim ano após ano.
A tradição, já tão velhinha, continua. As raparigas não a deixam esquecer. É vê-las como anciosas esperam este dia.
Oxalá nunca a deixem morrer e que sempre possam continuar a ir apanhar a espiga com a paz e a alegria que a mesma representa
. (escrevi isto em 1957)

Bastante mais interessante, é este apontamento que recolhi da imprensa figueirense de 1928:

É amanhã, quinta-feira da Ascensão, em que bandos de raparigas moças, de lábios rubros, faces rosadas e olheiras fundas, correm estonteantes, borboleteando em redor das searas como uma nuvem de daninhos e alados pardais, na faina voluptuosa e risonha de colher a Espiga, que depois entrelaçam com as mais belas flores silvestres.
Cada espiga que vão colhendo é uma esperança que se aglomera no cérebro, cada flor cortada é um facho de luz mais puro que o sol benfazejo da primavera, que se lhes ilumina a alma e faz tanger a corda mais íntima do seu coração. É, pois, amanhã um grande dia, um dia santo, que até o mais libertino deve respeitar como o dia da Ascensão do Mártir do Calvário. “Se os passarinhos soubessem
…”.”

A espiga era colhida da parte da manhã e, da parte da tarde, havia saída para os pinhais, para mais uma costumada merenda. Algumas famílias optavam por ir passar o dia às termas da Amieira, onde se realizavam grandes festas, enquanto outras escolhiam uma ida ao Bussaco. Foi ali, aliás, na quinta-feira da Ascensão de 1938, que se fez ouvir, pela última vez, a tão afamada tuna de Tavarede.
E como era a merenda grande?:

Hontem, ao inicio da tarde, quiz-nos parecer que os nossos visinhos figueirenses tinham julgado ser dia de S. João cá na parvonia.
Por essas estradas além viam-se ranchos e ranchos de pessoas, e aqui na povoação passavam igualmente muitos outros com cestos enfeitados de verdura e flôres e recheiados de saborosos petiscos, que iam manducar á sombra d’árvores dispersas por ahi fóra.
Não era porém dia de S. João, mas sim o da festejada merenda grande, tão suspirado por todos os operarios que até Setembro gosam 2 horas de sesta.
Tavarede offerecia-nos mais um tom de quem estava em festa, do que a sua apparencia habitual de monotona pacatez.
Um grande cortejo de meninas e meninos, alumnos da nossa escola elementar, conduzindo cestos caprichosamente engrinaldados de flôres, percorreram muitas ruas da localidade. Á noite a exma. srª. D. Maria Amalia de Carvalho, sua intelligente professora, reuniu em sua casa muitas meninas suas discipulas e outras das suas relações, e ali estiveram em animado convivio até perto da meia noite.
Festas e mais festas!


Na Escola Primária da nossa terra, este dia era sempre de grande animação e alegria. Bem de ver que isto era naqueles recuados tempos. Vejamos uma nota sobre um desses dias da nossa escola. Foi em 1917.

Na escola mixta desta freguezia todos os anos se costuma festejar o dia da merenda grande. Fomos convidados pela digna professora, srª. D. Maria José M. Santos, a assistir a este grande ato d’alegria das creanças, que é, para elas, um dos melhores.
Assistimos, pois, à sua merenda grande, que foi revestida de bela animação das creanças, com os seus cestos lindamente enfeitados.
Antes da merenda viam-se na sala as creanças, de pé, formadas numa roda, cantando varias cantigas populares. Seguiu-se a merenda. Cada creança foi então buscar os seus cestos cobertos de flôres, sentando-se, e cada uma tirando deles o seu variado sortido de comida. Os sorrisos despendiam-se de todos os rostos. A chilreada daquele viveiro encantava toda a gente que o admirava. Após a refeição novas canções entoaram, dançando tambem alegremente, comunicando a sua alegria ao espirito dos assistentes.
Assim se passou na escola desta localidade a tarde da merenda grande. A petizada divertiu-se até fartar e a todos deixou a melhor recordação o seu aprasivel festival.
Daqui felicitamos a distinta professora srª. D. Maria José Martins Santos por ter realisado na sua escola uma festa cheia de alegria e disciplina.

Nesse dia era também costume, como acima se refere, fazer excursões às termas da Amieira e ao Bussaco. A esta última, durante muitos anos se manteve a tradição de ali ir a tuna do Grupo Musical e de Instrução Tavaredense. Era uma oportunidade para a direcção desta colectividade retribuir a dedicação e a colaboração dos seus componentes. Infelizmente, em 1938 e sob a regência de Carlos Rodrigues dos Santos, foi a última vez. Ainda fizeram mais um ou dois serviços, na Chã, e a tuna calou-se para sempre.

Agora, passados tantos anos, resta a recordação. Acabou-se a espiga, acabou-se a merenda grande e acabou-se a famosa tuna de Tavarede.
Fotos: 1 - A espiga; 2 - Cortejo da Merenda Grande (de 'O Sonho do Cavador' em 1928; 3 - A tuna do Grupo Musical e de Instrução Tavaredense, com alguns acompanhantes, no Bussaco, em 1938.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Toquins - Família Migueis Fadigas

É, talvez, a família mais característica da terra do limonete.
Não sabemos a origem da alcunha por que ficaram e são conhecidos em Tavarede.
Na fantasia Chá de Limonete, José Ribeiro dedicou-lhe um quadro. “… Há aí uma família que realmente é já uma tradição local, uma dinastia heróica nestes tempos do automóvel e do avião. Uma dinastia valente, corajosa, que trabalha sem desânimo e resiste ao tempo e ao progresso: a grande e laboriosa dinastia dos Toquins!”.
Era uma família de lavradores. Além de amanharem as suas terras, trabalhavam para outros com as suas juntas de bois, nas lavras para as sementeiras.
Manhã cedo, iam com seus carros de bois para a estação de caminho de ferro, para fazerem a distribuição das mercadorias chegadas nos comboios. Também já acabou esta tradição em Tavarede.


Caderno: Tavaredenses com história

Como acima se refere, esta família, grande e laboriosa, deixou uma enorme 'história' na Tavarede dos meus tempos de criança e anteriores. Principalmente, eram lavradores e trabalhadores na agricultura. Os seus descendentes, felizmente ainda são muitos, e embora não se dediquem à actividade dos seus avós e pais, são, nas actividades que exercem, trabalhadores e honrados como o foram os seus antepassados.

É verdade que Tavarede já não é uma terra de agricultores. Mas, hoje, vou recordar esta Família, publicando duas fotografias actuais que mostram bem o abandono que presentemente as terras, todas cultivadas antigamente, agora se encontram.

Uma delas é da antiga eira da Família Migueis Fadigas, perto do cemitério. Recorda-nos de ali ver, por ocasião das ceifas, as récuas de cavalos e éguas, contratadas na Quinta de Foja, salvo erro, e que, volteando naquela eira, faziam a debulha do trigo, centeio e outros cereais.

Também me lembro de algumas vezes em que a debulha era feita manualmente, com os velhos manguais. Esta Família tinha uma velha tradição: iam à festa de S. Tomé, na Ferreira, com os carros de bois enfeitados com colchas e verduras, onde a família pernoitava na noite da festa. No regresso, quando chegavam a Tavarede, percorriam a aldeia, do Rio ao Paço, com a alegria da tradição cumprida, e com os bois chocalhando alegremente os guizos pendurados no cachaço.

Agora já não há bois a lavrarem as terras, cavalos a calcarem os cereais para os descascar, nem os transportes pachorrentos na Figueira, nem as peregrinações ao S. Tomé.

Mas, julgo que é sempre interessante recordar estas 'histórias'.

Carreiro - ‘Stá o Toquim no seu posto,
Na mão a vara do mando,
Falador e bem disposto,
Seu carro de bois guiando.

Eixe, Cabano!
Vá p’ra diente...
Asta, Castanho...
Ah! boi valente (bis o coro)

Vão os Toquins p’rá Figueira
De inverno como de v’rão,
E por lá ganham o pão
No serviço da ribeira...

Coro - Mas p’ra lavrar terra sua
E também a terra alheia,
São lavradores de mão cheia
Que pegam bem na charrua!

Carreiro - Eixe, Cabano!
etc. etc. etc.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Junta Paroquial de Tavarede

Breve chegou a Tavarede a notícia da implantação da República no dia 5 de Outubro de 1910.
Um dos correspondentes locais, publicou na Imprensa figueirense, no dia 26 daquele mês a seguinte notícia:
Chegou, emfim, a Republica!
É agora que nós vamos reconhecer os nossos direitos de cidadãos; é agora que nós vamos presenciar uma administração honesta e economica no paiz.
No nosso pequeno meio havia ainda pessoas que encaravam a Republica como um regimen em que não havia rei nem roque, em que se matava e se roubava sem haver ninguem que isso impedisse. É exactamente o contrario.
É a Republica que vae garantir aos cidadãos os direitos que a monarchia lhes não garantia. É a Republica que não vae roubar dos cofres publicos o dinheiro da nação, como a monarchia roubou. É a Republica que irá salvar o paiz do abysmo em que a monarchia o precipitava, e restaurar-lhes no estrangeiro o credito e respeito perdidos.
Renasceu em nós, portuguezes, uma alma.
A Republica estava dentro dos nossos peitos a palpitar, na ancia de quem se sente junto da morte. Os nossos pulmões não se enchiam d’ar; hoje, porém, respira-se. Saudamos, pois, d’aqui, d’esta poetica aldeia, o grande povo de Lisboa, e o Governo Provisorio da Republica Portugueza, saudação carinhosa onde vae toda a ancia d’um republicano, onde vae toda a alma d’um revolucionario.
Entretanto foi nomeada a 1ª. Comissão Paroquial Republicana:
Está já constituida a commissão parochial republicana d’esta freguesia, que tomou posse no preterito domingo, pelos seguintes cidadãos:
Effectivos – José Joaquim Alves Fernandes, Manuel Fernandes Junior, Antonio Medina, Antonio Graça, José Garcia.
Substitutos – Luis João Rosa, José Maria d’Oliveira, Antonio Secco d’Oliveira, Joaquim dos Reis Terreiro, Ricardo Simões. São homens honestos e trabalhadores e por isso Tavarede terá d’elles a esperar muitos beneficios.
Para o cargo de regedor efectivo foi nomeado Gentil da Silva Ribeiro e para seu substituto Francisco Cordeiro.
Todos nós sabemos que, desde sempre, a nossa terra tem sido pródiga em questões políticas. Maioritariamente republicana, progressistas e regeneradores, também cá havia, como em todo o lado, numerosos liberais e conservadores. Daí que as polémicas surgiam com frequência nos jornais figueirenses, pelas notas enviadas pelos correspondentes locais.
Algumas iremos publicando, sem qualquer intenção política, da nossa parte, mas sim porque as achamos curiosas. Eis uma pequena amostra:
Todos os bons republicanos devem combater os caciques que pelas eleições opprimiam consciencias, obrigando cidadãos a votarem por elles.
N’esta minha pobre aldeia poucos são os que estão livres d’essas aves de rapina que ainda esperam escravisar nas proximas elleições aquelles que se deixam burlar.
O caciquismo é um grande mal, e não é tão facil de extinguir como muitos proclamam, porque caciques não o são apenas alguns individuos disseminados por essas aldeias fóra, caciques eram quasi todos os que viviam mais ou menos á custa do Estado, além dos que o Estado protegia ante todas as especulações, vaidades, egoismos e interesses.
Se com a Republica se extinguiu uma Monarchia que, há uns poucos de seculos, exercia vinganças, crimes e atrocidades sobre um povo generoso e bom, que, sedento de liberdades, jazia sob o jugo tyrannico d’essa dinastia de ambiciosos e maus, que para viver no luxo e na crapula, gastavam em longas passeatas, em faustosos saraus e deliciosos banquetes o dinheiro arrancado á força ao povo faminto por meios fraudulentos e violentos, e com demasiadas e escandalosas contribuições, devem-se extinguir tambem para sempre os caciques – Ladrões de consciencias!
Se os homens que se põem á frente da Republica não forem o que devem ser, o caciquismo é dentro da Republica o mesmo que era dentro da Monarchia!
Os caciques, são os mandões que procuram escravisar consciencias, envenenar sentimentos, anniquilar energias e que teem espalhado por ahi que são republicanos, que já eram republicanos, toda essa intriga surda que por ahi vae, todos aquelles, que não são tolos ou tolos se não fingem, perfeitamente reconhecem que só procuram servirem-se a si proprios, continuando a vida velha e ainda dando-lhe mais amplitude sob o rotulo republicano, esse rotulo que muitos republicanos mesmo ajudam a pintar nas suas taboletas, avivando-o com as côres sagradas da revolução republicana, essas que elles, monarchicos, se a revolução não triumphasse, cobririam com o sangue do assassinio, com o crepe negro do luto de milhares de victimas, como fizeram quando da revolução não triumphante de 31 de janeiro!
É preciso libertar dos caciques o operario, esse escravo que arranca da terra maldita os espinhos para a sua corôa de martyrios, regados a suor e sangue, porque são esses os mais escravisados pelos caciques.
O tempo do posso, quero e mando vae passado, por isso quer queira, quer não queira, o caciquismo há-de extinguir-se a bem ou mal, porque a Republica há-de fazel-os entrar na ordem!
No ano de 1914 houve eleições. Tiveram que ser repetidas devido a reclamações surgidas. A notícia que transcrevemos dá-nos conhecimento do que se passou.
A primeira eleição paroquial da freguezia de Tavarede, realisada em tempo normal, tinha dado a vitória aos republicanos. Magra vitoria tinha ela sido, na verdade, pois lhe fôra dada pela maioria de apenas um voto. Mas, emfim, parecia que tendo a eleição corrido com regularidade, tudo estava bem e que ao caso não seria dada maior importancia pela cacicada monarquico-reacionária que traz o evolucionismo da Figueira alugado atrelado ao seu carro da triunfal administração municipal, que é uma espécie de velha carroça de lixo blindada e armada de metralhadoras eleiçoeiras para o efeito... e mais nada. Parecia que a cacicada, conseguindo ainda dominar as outras freguezias ruraes, se aquietaria. Parecia que tudo estava bem, mas não estava. A cacicada sabe que a sua influencia é uma barreira d’areia e não sofre que n’ela se abra brecha porque receia que, uma vez rôta, seja impossivel segurá-la.
Em tres eleições sucessivas, na eleição de deputados, na eleição da camara, na eleição da junta de paroquia, na cidade, com todos os temperos, apesar de chamadas ao serviço efétivo todas as mulas de reforço, verificou-se que a cidade se lhe fôra. Pois bem: mascare-se a cidade, como agora se diz que fazem os beligerantes da conflagração europeia às cidades fortificadas que não se rendem, e passe-se adiante. Perdeu-se a cidade? Pois salve-se o campo, salvem-se as freguezias ruraes, mas integralmente, que nem uma se perca!
Aí está porque se repetiu a eleição de Tavarede.
Arranjaram-se pessoas sem escrupulos, que para estas coisas sempre são uteis, e, armada uma estrangeirinha, anulou-se a eleição, que no domingo, ante-ontem, teve de ser repetida.
A eleição, em si, não tinha maior importancia, só a tomou pelo caráter que os reacionarios lhe quizeram dar. Moveu-se tudo, praticou-se toda a espécie de pressões.
Ninguem pense que a eleição foi disputada entre republicanos democraticos e republicanos evolucionistas. Caraterisadamente entre republicanos, pura e simplesmente republicanos, e reacionarios, pois não nos consta qus os srs. dr. Joaquim Jardim e padre Manuel Vicente principaes empresarios que apareceram, sejam republicanos.
Os nossos correligionarios tinham consultado os cadernos eleitoraes e verificado que deviam vencer a eleição sem esforço algum. Mas, à ultima hora, tiveram conhecimento por alguns eleitores de que sobre eles andava o sr. dr. Joaquim Jardim, monarquico declarado, e antigo e conhecido cacique, com saudade das duzentas libras, a fazer toda a espécie de pressões, e, então, tiveram tambem pelo seu lado, de se pôr em campo. E o que observaram foi curiosissimo. Um vinha dizer que o sr. dr. Joaquim Jardim procurara trapaceiramente meter em cabeça a um eleitor, para o irritar, que tinham sido os democraticos que o haviam eliminado do recenseamento e obrigado a requerer de novo, quando a verdade é que o eleitor foi muito bem e devidamente eliminado, como muitissimos outros pelo secretario recenseador sr. Camolino de Sousa, aliás, correligionario do sr. dr. Jardim, por não estar recenseado por saber ler e escrever. Outro que não podia ir votar segundo sua vontade porque o sr. dr. Duarte Silva, a pedido do sr. dr. Joaquim Jardim, o mandava votar com ele. Outro que o sr. Jorge Laidley, tambem a pedido do sr. dr. Jardim, lhe fizera o mesmo. Outro que o sr. Carlos Pestana... idem. Outro que o sr. Adriano Aguas... idem. Outro que o sr. dr. Jardim lhe tinha ido bater à porta, que tinha mandado chamar os homens a casa d’ele – que honra para a familia! – e lhe tinha mandado dar duas rodas de vinho – que despeza e que honra para a pinga! Um pobre velhote, de apelido Lontro, que tinha sido despedido do serviço da limpeza publica por ter ido votar com os republicanos e a quem estes por esse facto tinham procurado e arranjado trabalho, foi, uma vez verificado que era eleitor em Tavarede, chamado outra vez para o serviço da camara para votar e provavelmente... para ser posto na rua outra vez, depois das eleições. Etc. etc. O padre, pelo seu lado, espalhava variada patranha, a historia caluniosa dos toques dos sinos, etc., e lá andava, com o seu aspéto de chouriço bem cheio e luzidio a desmentir os efeitos que atribue à lei da Separação, de porta em porta, na faina eleiçoeira, a prégar a guerra santa aos republicanos e a anunciar que, com o sr. dr. Jardim, venceria as eleições por uns trinta votos. E até o sr. José Maria Cordeiro, galopim do sr. dr. Jardim, tinha carregado com umas boas duzias de foguetes para festejar a vitória e arreliar os republicanos.
Mas chegou o dia da eleição, antes d’hontem, e não houve mais remedio, os republicanos foram até Tavarede vigiar a eleição. Ali souberam que o ilustre presidente da meza, cujo nome nos abstemos de publicar porque ninguem o conhece senão por um aliás bem cabido nome de troça, tinha feito imposição a uns trez rapazes republicanos para votarem com ele e, para verificar que eles o não enganassem, assinalou-lhes a lista com nomes escritos a tinta encarnada! Com efeito, um nosso correligionario conseguiu verificar esta mariolada, isto é, que as trez listas entraram na urna, e conseguiu mesmo apoderar-se d’elas. O padre, catolica creatura, teve a desvergonha de abrir a egreja para lá instalar os srs. dr. Joaquim Jardim, Carlos Pestana, José Fonseca e o Borras para assaltarem os eleitores que vinham dos lados de Caceira e Casal da Robala e procurar trocar-lhes as listas! Que espirito religioso, que respeito pela egreja tem este padre!! Sucedeu até que um d’estes senhores, o Borras, interpelou um eleitor lançando-lhe em rosto que ele tinha prometido ao sr. Patricio votar com ele; mas o eleitor que não tinha papas da lingua, respondeu-lhe à letra, dizendo que fosse ele e o sr. Patricio a uma coisa que tambem são... borras!
Foi, como se vê, um espétáculo indecente o que os srs. dr. Joaquim Jardim, José Fonseca, Borras, etc. deram.
E para quê?
Para perderem a eleição por sete votos, que tanto foi a suficiente diferença que deu d’esta vez a vitória aos republicanos.
Venceram com mais seis votos do que da outra vez.
Tambem não foi por muito, não.
Mas, emfim, sempre venceram.
A lista republicana que triunfou era constituida pelos seguintes cidadãos:
Efétivos – Luiz João Rosa, Antonio Graça, Antonio da Silva Coelho e Jaime da Silva Broeiro.
Substitutos – João Miguens Fadigas, Manuel Vigario, Manuel Carvalho e José Miguens Fadigas.
D’esta lista o mais votado obteve 63 votos. E da lista monarquica, para efétivos, foi eleito José Luiz Mota, com 58 votos; e para substituto Antonio Duarte da Silva, com 57.
Era ou não era interessante o período eleitoral em Tavarede?

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Ranchos do S. João

Encontramos muitas notas sobre a exibição dos ranchos que se organizavam em Tavarede por ocasião das festas ao São João, e não só. Algumas dessas notícias são bastante curiosas. Normalmente, e nos principios do século vinte, havia dois pavilhões: um no largo do Paço e outro no largo do Forno. Também muitas vezes tinham lugar no Terreiro e no largo da Igreja e a rivalidade não tinha limites. Desta vez vamos até ao ano de 1906, há, precisamente, cento e quatro anos.
Eis a primeira nota:
Lavra grande discordia entre as raparigas que fizeram parte dos dois ranchos que se exibiram na noite de S. João. Todas querem a primazia, e d’ahi lançam mão de certos meios que não depõem nada a favor d’umas e outras. Os epítetos grosseiros e obscenos de que se servem, são improprios de raparigas honestas e sobretudo das que possuam uns rudimentos de boa educação.
Lamentamos estes factos e para eles chamamos a atenção dos chefes de familia afim de evitarem que suas filhas, sem o minimo vislumbre de pudor, usem publicamente d’uma linguagem só adequada a colarejas.
Todas dançaram muito bem, e se tivessem cantado, melhor seria, porque lhes faltava agora a corda e falariam menos.
Na segunda feira realisou-se a costumada corrida de burros. Com grande animação, a rapaziada divertiu-se muito bem, havendo peripecias que despertaram a gargalhada. E assim fecharam as festas de S. João, por este ano.

Mas a má língua continuava...

Continuam as dessidencias entre as dançarinas dos ranchos de S. João. D’uma sabemos nós que foi consultar a Santinha, do Saltadouro e parece que esta afamada feiticeira lhe aconselhou um passeio no dia 25, à Ferreira, e depois de dar ali tres voltas no exterior da egreja com um pé no ar e uma agulha de fazer meia atravessada na lingua, à laia d’arganel, pôr o barrete de S. Tomé na cabeça e à saida do templo lavar a bôca na pia d’agua benta. Deve levar na algibeira um chifre de carneiro de quatro annos d’edade.
Deus permita que a receita dê bom resultado para descanço de tão laxativas pessoas.
O caso, porém, agravou-se...
Prosseguiu hontém a luta entre os dois ranchos dançarinos da localidade. À meia noite começou a campanha e ao raiar a manhã ainda os pares se seracoteavam com toda a galhardia ao som dos trombones, que, sem cessar, nos aturdiam os ouvidos.
Vencido era o primeiro rancho que suspendesse a dança, mas às nove horas da manhã nem um nem outro davam signal de baquear, embora interviessem por vezes algumas potencias estranhas, aconselhando o armistício.
-”É tempo de usar dos direitos que me são concedidos pela lei fundamental da nação portugueza e códigos apensos”, exclamou o nosso conspícuo regedor, que é homem a bulhas contrário, como dizia Tolentino. Dirigindo-se com toda a diplomacia aos chefes das duas facções, com eles parlamentou largamente, e às dez horas, no relógio do António Mota, o mesmo sr. regedor lançava aos ares um foguete, os trombones roncaram o hino da carta adorada, terminando assim a memorável batalha d’hontem.
Vencedores - os donos dos estabelecimentos locaes.
Vencidos - os chefes de família e a ala de tuberculosas d’amanhã.
O pavilhão da vitória deve ser arvorado no alto de S. Martinho e o registo de recompensas faz-se no livro negro dos taberneiros.
Dizem-nos que os ranchos se denominam: um - das solteiras, outro - das casadas. Vae crear-se outro - de viúvas... bem conservadas.
Tem sido muito censurado o procedimento do sr. regedor, dizendo algumas pessoas que ele devia ser enforcado ou metido perpetuamente na penitenciaria. Veremos se o não matam este anno.
Em breve tudo estaria em paz e, no ano seguinte, novamente os ranchos teriam semelhantes notícias.

Grupo Musical e de Instrução Tavaredense - 20

Na verdade, para se tomar a drástica medida da retirada imediata do retrato, além da suspensão de sócio, impele-me a pensar que, com toda a certeza, muito de grave teriam tido os tais desabafos. Não esqueçamos que, anos antes, haviam eleito aquele sócio como benemérito e protector do Grupo Musical. E sem dúvida que o foi, temos que ser justos. É preciso ser muito amigo de uma colectividade para a ajudar como ele a ajudou. E desinteressadamente, diga-se. Mas, claro, tudo tem limites e aqui, volto a referir que, em minha opinião, houve influências políticas de terceiros.

Em Agosto de 1928, havia falecido o pároco de Tavarede, Manuel Vicente, vítima de um acidente a caminho de Fátima. Sucedeu-lhe, na paróquia, um sacerdote ainda novo, José Martins da Cruz Dinis, recém formado e que chegou a Tavarede cheio de vontade de recolocar a Igreja na posição de que havia sido destituída pela lei da separação surgida com a implantação da República. Mas, isso, são outros contos. Aqui, só muito levemente abordo este caso que, espero, ainda desenvolverei num outro caderno de “Recordando”, pois é uma história digna de ser recordada, pois que não deixou de ter capital importância na vida social e colectiva da freguesia.

Em Janeiro de 1929 havia sido contratado para regente da tuna o maestro Herculano Rocha. E tinham decidido “dar um espectáculo com a opereta em 3 actos, Entre duas Avé-Marias, na nossa sede, o qual, conquanto não nos traga uma receita apreciável, serve de preparação para outros espectáculos a realizar noutras localidades, pois que, como é notório, aqueles que se realizam na nossa sede, só nos teem dado uma receita diminuta ou, até, prejuizo”.

Tornou-se imperioso obter um empréstimo que permitisse a estabilização económica da colectividade. Só depois de resolvido este problema, seria possível decidir o futuro da colectividade e das suas múltiplas actividades. E mo dia 23 de Maio deste ano, uma nova proposta foi discutida e aprovada, por unanimidade, em Assembleia Geral.

“Assembleia extraordinária com a ordem de trabalhos: “Discussão de uma proposta da Direcção”.
Foram comunicadas, pelo presidente da Direcção António de Oliveira Lopes, as “demarches” realisadas com o Crédito Predial, concluindo por afirmar que, não tendo podido obter o empréstimo, tivera que se sugeitar ele e outros amigos do Grupo a tomarem á sua conta esse empréstimo, o que fazem ao juro de 15%, preço porque individualmente têm que pedir o dinheiro, ficando, bem entendido, à conta do Grupo o encargo de todas as despesas pela hipoteca do prédio para garantia desse empréstimo. Nessas condições, apresenta a seguinte proposta: “Tendo-me a Assembleia Geral extraordinária de 7 de Janeiro p.p., dado plenos poderes para contrair um empréstimo, por meio de hipoteca da sede do Grupo, afim de solver todos os seus compromissos em letras e como tenho de figurar na respectiva escritura como credor, tenho a honra de propor: que a Direcção, representada como outorgante pelo seu vice-presidente, sr. Luiz Pedsro Pinto, contraia um empréstimo de Esc. 35 800$00 com hipoteca do prédio, que é propriedade e sede do Grupo ao juro máximo de 15% ao ano, aos sócios srs. José Maria da Costa, António Medina, João de Oliveira e eu proponente António de Oliveira Lopes”. Foi aprovada por unanimidade”.

Como se verifica, devido ao volume dos custos dos juros, as dívidas iam-se avolumando. E continuam os conflitos, agora, até, ao nível daqueles que até então tanto se haviam esforçado e lutado pela causa da colectividade. Dois meses depois daquela deliberação, há necessidade da obtenção de um novo empréstimo.

“Assembleia extraordinária, com a ordem da noite: “Liquidação por meio de segundo empréstimo das restantes dívidas do Grupo”. Destinado a solver todos os compromissos do Grupo, em dívida e sem letra, especialmente o crédito do sr. João de Oliveira, cujas instâncias para o seu reembolso levou a Direcção a pedir este novo sacrifício à colectividade.Dóra á vante o Grupo fica obrigado aos sócios que tomaram o compromisso dos seus débitos e para cujo fim tem uma hipoteca da sede da Associação, pedindo, por isso, para que seja aprovada a proposta da Direcção, para um novo empréstimo de Esc. 5 000$00 ao juro igual ao anterior de 15%. Depois de lidos os nomes dos credores e as importâncias em dívida, que vão ser pagas, a proposta foi aprovada por unanimidade. (Não refere nomes nem valores)”.

Infelizmente a situação estava longe de ser controlada. E, inevitavelmente, passou a encarar-se a hipótese da venda do edifício da sede como única forma de resolver e liquidar os débitos. E, então, perante o agravamento das dificuldades, surge, na reunião da Assembleia Geral de 28 de Maio de 1930, uma proposta “para a venda de sede do Grupo, em condições vantajosas, do sócio António de Oliveira Lopes”. Porque, contudo, que “dada a importância do assunto e o facto dos avisos convocatórios não estarem de harmonia com a gravidade do assunto a resolver”, a Assembleia foi da opinião que a Direcção tratasse primeiro de concretizar alguma proposta que considerasse a melhor para a defesa dos interesses do Grupo, após o que a Assembleia se pronunciaria.

Foi assim que foi elaborado, pelo presidente da Direcção em exercício, José Francisco da Silva, um relatório bastante circunstanciado sobre a real situação da colectividade e que foi apresentado à reunião da Assembleia Geral em 11 de Junho seguinte.

“Conforme resolução tomada pela digna Assembleia Geral, que reuniu no dia 27 de Maio p. passado, foi esta adiada sine-die, por não se encontrar devidamente esclarecido e detalhadamente exposto o assunto a tratar, que é já do conhecimento de todos, e com o fim de serem colhidos os necessarios e indispensaveis elementos, para serem apresentados com toda a minuciosidade.
Já sabeis, pois, que o assunto de capital importancia a tratar nesta Assembleia Geral, é o da venda do predio da séde social.
Como informação, dir-lhes-hei que, no dia 7 do corrente, se reuniram no gabinete da Direcção os crédores do Grupo, srs. João d’Oliveira, José Maria da Costa, António Medina e António d’Oliveira Lopes, juntamente com alguns membros da Direcção para combinarem e apreciarem a situação e assentarem definitivamente no caminho a seguir, ou fosse a realisação da venda do predio.
Assim, foram unanimes em que o predio se vendesse ao nosso consocio sr. António d’Oliveira Lopes, pela importancia que se permitiu oferecer (25.000 Esc.), nas condições que já foram apresentadas e que passarei a descriminar mais uma vez.
A resolução tomada pelos citados crédores foi baseada, segundo declararam, na grande vontade de que se encontram possuidos em que continue a viver o nosso Grupo, pois que, monetariamente, ficam mais sacrificados, visto que era natural o aparecimento de outr5o pretendente ao predio, com oferta superior.
Era muito natural, de facto, que tal sucedesse, mas estou absolutamente certo de que as condições impostam seriam bem diversas das apresentadas pelo nosso consocio sr. Antonio d’Oliveira Lopes, condições que não nos conviriam, de fórma alguma, visto o nosso ardente desejo ser o de continuarmos vivendo, ocupando este predio, para nele podermos livremente desenvolver o nosso raio de acção e para podermos auferir o maximo de receita, não só para solvermos o compromisso que vamos tomar, que é a renda da casa, como tambem para indemnisarmos, o mais depressa possivel, os aludidos crédores, que agora são altamente prejudicados.
Já aqui apresentei, na Assembleia Geral do dia 27 do mez findo, que a importancia em divida aos srs. João d’Oliveira, José Maria da Costa, António Medina e Antonio d’Oliveira Lopes, atinge a importante soma de 35.800 Esc. (hipoteca e juro correspondente). Aqueles Senhores teem, além disto, a responsabilidade de mais 5.000 Esc., ou seja a quantia que em Junho do ano findo foi emprestada pelo nosso consocio sr. António Migueis Fadigas, para pagamento de dividas que existiam então, importancia aquela que vence o juro anual de 15%, ou sejam 750 Esc., que, junto ao capital, soma 5.750 Escudos.
Para elucidação e compreensão completa, vou passar a descriminar a importancia total que o nosso Grupo actualmente deve aos crédores em referencia.
Temos, pois:
Hipoteca 31.130$00
Juro 4.670$00
Contribuição de juro para o estado 467$00
“ “ “ “ a Camara 191$00
Total 36.458$00
Desde que a resolução da digna Assembleia Geral seja a de se proceder á venda do predio, os crédores citados tomarão á sua responsabilidade, e sem encargos de espécie alguma para o Grupo, a divida dos 5.750 Esc. (proprio e juro) ao sr. António Migueis Fadigas, com o fim unico de desaparecer para sempre o cancro que até hoje tem minado a nossa colectividade: - os juros.
Assim, juntando mais esta importancia ao total da hipoteca, temos:
Hip. 36.458$00
Letra 5.750$00
Total 42.208$00
Ora se a importancia oferecida pelo predio apenas atinge 25.000 Esc., e se a divida total aos crédores é de 42.208$00, regista-se a seguinte diferença para menos:
42.208$00
- 25 000$00
17.208$00
diferença esta que vai ser paga por aqueles, depois de dividida em partes eguais, o que acusa o prejuizo de 4.202$00 a cada um.
Desta importancia (17.208$00) ficará o Grupo sendo devedor aos aludidos senhores, sem vencimento de juros, ou quaisquer outros encargos, por meio de letra ou compromisso oficial, tomado pela Assembleia Geral e pelas Direcções presente e futuras, indemnisando-os á proporção das disponibilidades monetarias anuais do nosso cofre.
Como tambem já foi dito, todos os encargos, todos os compromissos que até hoje nos tem sugado todo o dinheiro que se tem conseguido arranjar, desaparecerão com a transação em vista, pois que só teremos de pagar anualmente (por mezes) a renda do prédio, que será fixada em 2.000 Esc.
Além desta condição, ou seja o pagamento de 2.000 Esc. de renda, por ano, ha que atender á principal, que é a de continuar o Grupo a ocupar o seu actual predio, por tempo indeterminado, e desde que se cumpra com que estipulará o respectivo contracto de arrendamento a elaborar.
Além da divida que venho de descriminar, ha a considerar mais as seguintes:
A António d’Oliveira Lopes 1.748$45
a Cesario Artur & Filhos 80$40
á Tipografia Peninsular 210$00
a Emilia Rodrigues Cordeiro Lopes 280$00
a Manuel Ferreira 260$00
á Tipografia Popular 200$00
aos musicos que fizeram serviço em Leiria 650$00
á Tipografia Mondego 113$50
outras dividas pequenas (aproximação) 100$00
Total 3.542$35
Esta importancia, segundo meu entender, deve ser liquidada na primeira oportunidade, para então se pensar na indemnisação a pagar aos 4 crédores do Grupo.
Tambem se deve ter em vista que existe mais um débito, na importancia de 7.150$00 Esc., correspondente a 143 acções que se encontram em poder de muitos associados, e que, com justiça, reclamam amigavelmente a sua liquidação em ocasião oportuna.
O Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Geral, melhor do que ninguem, se dignará expôr este assunto e, estou certo, conseguirá a sua solução, a contento de todos.
Nesta exposição rapida, mas conscienciosa, creio ter dado execução ao trabalho exigido para o funcionamento desta Assembleia Geral, por isso, vou terminar, apresentando-lhes, um numeros exactos, a actual divida do nossoi Grupo:
Aos Crédores - Hipoteca 31.130$00
Juro 4 670$00
Contribuição de juros 658$00 36.458$00
Letra a António M. Fadigas 5.000$00
Juro de 15% 750$00 5.750$00
A diversas casas comerciais 3.542$00
Acções em divida 7.150$00
Total geral 52.900$00

Tavarede, 10 de Junho de 1930”

Depois do relatório, transcrevo a acta da reunião que apreciou o mesmo.

“Assembleia extraordinária. Ordem de trabalhos: “Venda do prédio da sede social e outras importantes propostas da Direcção”. O presidente da Direcção lê uma boa exposição sobre o estado financeiro do Grupo e apresenta á Assembleia as duas seguintes propostas: - 1ª. “A direcção, devidamente autirizada pelo sócio sr. António de Oliveira Lopes, que está presente a esta reunião, propõe a venda do prédio-sede deste Grupo - sito na Rua Direita deste logar e freguezia de Tavarede, ao referido sócio, pela quantia de 25 000$00 com a condição do Grupo ficar habitando, como inquilino, pagando a renda mensal de 166$70.Fica mais estabelecido que, em caso de venda, esta colectividade terá o direito de opção”. 2ª. A Direcção, devidamente autorizada pelos credores, propõe que, conforme a exposição feita a esta Assembleia pelo Presidente da Direcção, sr. José Francisco da Soilva, que seja feita a venda do prédio da sede do Grupo ao credor sr. António de Oliveira Lopes, de harmonia com outra sua proposta também apresentada nesta Assembleia, obrigando-se os credores srs. João de Oliveira, José Maria da Costa, António Medina e António de Oliveira Lopes a tomar a seu cargo o pagamento da hipoteca do prédio, juro e contribuições do Estado e Câmara Municipal, no valor de Esc. 36 458$00; bem como o vcredito do sr. António Migueis Fadigas, constante de uma letra de que os mesmos credores são fiadores, no valor de Esc. 5 000$00, que, com os juros vencidos e a vencer, no valor de 750$00, perfaz um total bruto de 42 208$00, importancia esta de que materialmente o Grupo se desobriga, restando-lhe a obrigação moral do reembolso da diferença do valor entre a venda do prédio (25 000$00) e o do seu crédito bruto, Esc. 42 208$00, Esc. 17 208$00, sem juros e pagos conforme as disponibilidades do cofre da Sociedade.. Esta proposta é assinada pelo Presidente da Direcção e pelos quatro crédores interessados, ficando desde já auctorisado o Presidente da Direcção, sr. José Francisco da Silva, a outorgar perante o Notário, afim de dar cumprimento, em nome do Grupo, a esta proposta”.
Estas propostas foram aprovadas por unanimidade, ficando, assim, aprovada a venda do edifício da sede do Grupo, pelo valor de 25 000$00.
dada a palavra ao socio e credor sr. João d’ Oliveira, este passa a expôr aos dignos socios o que tem sido a vida do Grupo desde a compra da sede, a solvencia de compromissos e os sacrificios monetarios que os quatro credores citados na segunda proposta teem feito para levarem a bom termo a missão a que se propuzeram. Pede com grande interesse a todos os socios que auxiliem as Direcções, presente e futuras, a trabalharem com vontade e amôr pelo Grupo, para que possa continuar, como até aqui, a honrar a sua terra, em pról da Instrução.
Depois de várias considerações sobre a vida da colectividade, desde a compra da sede, a solvência dos compromissos e os sacrifícios monetários que os quatro crédores citados teem feoito para levarem a bom termo a missão que se propuzeram, e para minorar as dificuldades financeiras, os seguintes sócios ofereceram as acções que tinham ainda em seu poder do empréstimo inicial: António Duarte Silva, duas; António Francisco da Silva, seis; Adriano Augusto Silva, duas; Violinda Medina e Silva, duas; José Maria da Costa, dez; Manuel da Silva Jordão, vinte, João de Oliveira, quatro; António de Oliveira Lopes, duas; António Medina, dez; José Francisco da Silva, duas; António de Oliveira Cordeiro, duas; Manuel Mendes Ferreira, duas; Adriano Augusto Silva, averbadas em nome de António Migueis Fadigas, duas; Luís Pedsro Pinto, duas; Armando Amorim, três; Armando Amorim, averbadas em nome de Luciano Amaro Coelho, uma; Manuel de Oliveira, duas; Joaquim Severino dos Reis, duasd; num total de 76 acções, representando Esc. 3 800$00.
Antes de encerrar esta sessão, o presidente da Assembleia “agradece novamente, em nome do Grupo, a todos os sócios que ofereceram as suas acções e em especial ao sr. António Duarte Silva, por ter sido o incitador de todas estas dádivas, revelando o gesto de todos os ofertantes a vontade que teem de que o Grupo prossiga no caminho por que enveredou e que tem sabido trilhar, sem desdouro para o seu bom nome e para o da sua terra”.

Grupo Musical e de Instrução Tavaredense - 19

O ano de 1927 correu normal, com os esforços da angariação de fundos. Mas as receitas continuavam a ser insuficientes. Apesar dos espectáculos terem sempre muita assistência, mesmo os realizados fora da sede, os proventos obtidos, depois de deduzidas as despesas normais, deveriam ser reduzidos. Além disso, os custos de montagem das peças, nomeadamente cenários e guarda-roupa, bem como a manutenção do instrumental da tua, do material necessário ao funcionamento da escola nocturna, onde o ensino era inteiramente gratuito, e demais despesas correntes e de conservação, absorviam, por compelto, não só estas receitas como, inclusivamente, os valores obtidos com a quotização.

Desta forma, não admira que as dívidas fossem aumentanto. Havia, portanto, que tomar novas medidas. Em Janeiro de 1928, com intuitos de reactivar e dinamizar toda a actividade, a Direcção tomou a inciativa de proceder às seguintes nomeações, posteriormente ratificadas em Assembleia Geral: Director cénico, Raúl Martins; Ponto, Joaquim de Sousa Braz; Arquivista de músicas, António de Oliveira Cordeiro; Bibliotecário, Manuel Nogueira e Silva; e Electricista, José Maria Matias. A tuna era ensaiada, no mesmo ano, por António de Oliveira Cordeiro e tinha a regência efectiva de Eduardo Pinto de Almeida.

Ainda continuava o problema das acções. E, em 22 de Janeiro de 1928, a Asembleia Geral que ratificou as nomeações acima, votou favoravelmente a seguinte proposta da Direcção.

“Relativamente aos sócios que tomaram o encargo de ficar com obrigações do Grupo, a quem a Direcção, para facilitar o pagamento, permitiu que fossem dando um tanto por semana até perfazerem o seu valor e acontecendo que alguns sócios nunca chegaram a totalizar o valor das obrigações e querem agora achar-se com direito ao reembolso do dinheiro dado por conta, como se o devedor fosse o Grupo, “tem a honra de propor para que a esses sócios sejam já entregues as obrigações com que se subscreveram e que, como caução, estavam em poder da Direcção, bem como a todos os sócios subscritores que ainda não concluiram o seu pagamento, quer tenham ou não em seu poder as respectivas obrigações, sejam considerados devedores do Grupo, sem direito algum ao dinheiro que já deram, salvo quando, por sorteio, lhes couber a amortização das mesmas””.

E para a emissão de várias propostas importantes, no mês seguinte reuniu novamente a Assembleia Geral que, por unanimidade, aprovou os seguintes documentos apresentados pela Direcção:

1ª. Proposta: “1º. - Propomos que provisoriamente seja facultada a admissão de sócios correspondentes aos individuos residentes ou não na freguesia; 2º. - que, como a situação de sócio foi criada por deliberação da A. G. de doze de Dezembro de mil novecentos e vinte e cinco, e não lhe limitou nem garantiu direitos, propomos: que os sócios correspondentes, como é uso e costume nputras associações, não tenham direito a voto, nem a serem votados para qualquer cargo dos corpos gerentes, usufruindo, de resto, todas as regalias dos sócios efectivos”.
2ª. Proposta, baseada na necessidade financeira do Grupo: “Propomos a organisação de uma garraiada no Coliseu Figueirense, no próximo mez de Maio.
3ª. Proposta: “Com o fim de esclarecer dúvidas que possam suscitar-se ácerca da acquisição do prédio onde se encontra instalada a sede do Grupo, propomos para que seja dado conhecimento do conteúdo da escritura de compra do referido edifício à Assembleia Geral, na parte que respeita ao assunto”.

É nítida a intenção da tentativa de angariar mais sócios e a realização de dinheiros para honrar os compromissos assumidos que, como se depreende da terceira proposta, já davam origem a boatos malévolos. Tanto assim que, datada de 28 de Fevereiro de 1928, e assinada pelo sócio José Maria de Carvalho, vem publicada no jornal “O Figueirense”, a seguinte carta dirigida ao seu director:

“Permita-me, Snr. Director, que eu, não abusando da sua benevolência e bom acolhimento, lhe venha roubar um bocadinho do seu mui lido e apreciado jornal, com o fim unico e exclusivo, de defender os interesses e o bom nome náo só desta colectividade, como tambem o de dois homens que estão sendo alvos da mais vil e torpe calúnia.
Ora vamos por pontos e por partes: Como é do conhecimento de todos nós, sócios da colectividade de que venho referir-me, a casa onde hoje se encontra instalada a sua séde, foi, ha uns anos, adquirida por meio de acções, ao Sr. Manuel da Silva Jordão, dos Carritos. E como fossem os Snrs. João d’Oliveira e Antonio Medina os compradores do referido prédio. tem-se pretendido, agora, fazer acreditar de que a casa estava em nome dos compradores, e não do Grupo Musical, e de que todos os sócios haviam sido vigarisados.
Não está certo. O que é certo, e é realmente verdade, é serem os Snrs. João d’Oliveira e Antonio Medina, quem compraram a casa, mas não em seu nome. Pois se a escritura reza da seguinte maneira: Vendedores, Manuel da Silva Jordão, e Esposa, e comprador Grupo Musical Tavaredense, - portanto, é a casa pertencente á mesma colectividade. Assim é que está certo.
E, para mais, os srs. João d’Oliveira e António Medina, eram pessoas incapazes de praticar um acto tão censuravel de, com o dinheiro de algumas dezenas de socios, adquirir a casa em seu nome e para si.
Bem sei, sr. Director, que são as aves nêgras, aquelas aves de pio agoirento, que querem difamar duma maneira tão baixa e nojenta, o nome duma colectividade que bastantes beneficios vem prestando ao povo tavaredense, ministrando-lhe de noite, aulas de música e instrução.
Com que direito se difama assim, não só o nome duma colectividade que tem sabido manter o nome já bastante honroso que disfruta no nosso concelho, como tambem os nomes de dois homens que estão muito acima de qualquer calunia mesquinha que lhes seja lançada?
Com que direito se quer caluniar, quem, nem sequer, importancia liga a tais mizérias?
Eu, sr. Director, não sei, qual a vantagem que tem essa difamação, sobre o nome do grupo Musical Tavaredense, que tantas vezes tem sabido colher loiros não só para si como tambem para a sua terra, que bastante beneficia.
Termino, pois, mas não sem deixar aqui bem vincada a minha maior indignação contra todos aqueles que lançam suspeitas sobre o Grupo Musical Tavaredense, e tambem sobre aqueles que se encontram á sua frente, trabalhando pelo seu progresso e desenvolvimento.
E mais uma vez digo, em abono da verdade, que os nomes dos srs. João d’Oliveira e António Medina, se encontram muito acima de qualquer calunia mesquinha e aleivosas que lhes sejam dirigidas.
Confesso-me agradecido pela publicação desta”.

Ora aqui começam a surgir, na vida da colectividade, as influências de um novo caso político nacional, entretanto ocorrido a 28 de Maio de 1926. Ainda sem os terríveis efeitos que, meses depois, tiveram de enfrentar, notavam-se, perfeitamente, que, mais dia menos dia, se ocorreria uma cisão entre os elementos principais da associação, situação a que não eram alheios os elementos ditos mais conservadores, a quem aquele movimento veio dar grande apoio.

Não admira, pois, que em Junho de 1928, a Direcção recebesse uma carta de Manuel da Silva Jordão “avisando que o seu saque, aceite do Grupo, se vence no dia 10 de Novembro e que deseja a sua liquidação”. Pois era verdade! O financiamento acordado aquando da escritura da compra do prédio, em que o vendedor se propuzera financiar, ele próprio, metade do valor, para pagamento num prazo razoável, parece que nunca sofrera qualquer amortização por conta. E, note-se, a outra letra, aceite pelos quatro sócios referidos lá atrás, havia sido regularizada mas com recurso a outros financiamentos, nomeadamente do Banco de Portugal.

A Direcção, entretanto, deliberou “não se responder sem primeiro se averiguar se se consegue hipotecar o prédio a outro pela dívida principal do Grupo”.

A 7 de Janeiro de 1929, nova Assembleia Geral para tratar da “Autorização para contrair um empréstimo por meio de hipoteca do prédio da nossa sede, que se destina a liquidar todos os debitos actuais”.
Por informação do presidente da Direcção o débito orçava por 33 contos, aproximadamente, solicitando a colaboração dos sócios, prontificando-se ele a emprestar 5 contos. O sócio sr. João de Oliveira “acha pouco prática, na actual emergência, o empréstimo interno, pelo que é de opinião que se deve autorisar a Direcção a contrair o empréstimo com a garantia hipotecária da sede”.
Depois de discutida foi aprovada a seguinte proposta: “A Assembleia Geral reunida extraordinariamente, a pedida da Direcção para tratar do contraimento dum empréstimo único, cujo fim é destinado a solver todos os outros débitos, resolve dar plenos poderes á Direcção, na pessoa do seu Presidente, sr. António d’Oliveira Lopes, para obter nas melhores condições para este Grupo, um empréstimo de 30 contos, sôbre hipoteca do prédio que é propriedade e sede do Grupo, juntando-se a essa garantia, caso seja necessária, a responsabilidade dos nossos dedicados consócios srs. José Maria Costa, João de Oliveira, António Medina e António de Oliveira Lopes”.

Entretanto não tinham conseguido solver o débito vencido em Novembro do ano anterior. E, igualmente, não tinham tido sucesso as tentativas de obter o empréstimo, pelo que tiveram os directores de resolver a situação, como se constata destes retalhos da reuniões da Direcção, primeiro de 13 de Março, “Nesta sessão, o presidente da Direcção, António de Oliveira Lopes, deu conhecimento que já havia liquidado contas com o credor do Grupo, sr. Manuel da Silva Jordão, propondo que o mesmo sr. fosse suspenso de sócio até à realização da primeira Assebleia Geral, pela qual deverá ser demitido, para o que se tem em vista o que se encontra estatuído, pois não só difamou o Grupo como menosprezou a honorabilidade de todos os componentes da sua Direcção e ainda que, em atenção à incorrecção manifestada, ou por outra, posta em prática pelo mesmo sr. Jordão, propoz também que fosse retirado imediatamente, da nossa sala de espectáculos, a sua fotografia, que ali se achava exposta, o que poude ser feito acto contínuo, visto que nada existe escrito e, portanto, com caracter oficial, que obrigasse a sua estada naquele local, até resolução superior, não deixando, no entanto, de ser levado este gesto ao conhecimentoda digna Assembleia Geral, na primeira oportunidade. Estas propostas foram aprovadas por unanimidade” e na semana seguinte, “Pelo presidente foi dado conhecimento de que tinha conseguido do director do Banco Nacional Ultramarino, sr. Fernando Mendes, um empréstimo da importância necessária para a liquidação de contas com o sr. Manuel da Silva Jordão, por desconto de uma letra de 12 000$00, aceite por ele, presidente, e tendo por sacador o sr. António Medina, com garantia dos srs. João de Oliveira e José Maria da Costa. Esta letra será liquidada logo que se consiga o empréstimo de 30 000$00 do Crédito Predial, que se encontra negociado. A importância paga ao sr. Manuel da Silva Jordão, foi de 11 319$30.

Não se sabe o que terá ocorrido para levar à tomada da posição referida na acta de 13 de Março. O credor, Manuel da Silva Jordão, certamente magoado com a falta de resposta à sua carta e com o não cumprimento do combinado quanto ao pagamento da dívida, terá tido algum, ou alguns desabafos, talvez mais inconvenientes e que melindraram os directores do Grupo.