segunda-feira, 3 de maio de 2010

Grupo Musical e de Instrução Tavaredense - 19

O ano de 1927 correu normal, com os esforços da angariação de fundos. Mas as receitas continuavam a ser insuficientes. Apesar dos espectáculos terem sempre muita assistência, mesmo os realizados fora da sede, os proventos obtidos, depois de deduzidas as despesas normais, deveriam ser reduzidos. Além disso, os custos de montagem das peças, nomeadamente cenários e guarda-roupa, bem como a manutenção do instrumental da tua, do material necessário ao funcionamento da escola nocturna, onde o ensino era inteiramente gratuito, e demais despesas correntes e de conservação, absorviam, por compelto, não só estas receitas como, inclusivamente, os valores obtidos com a quotização.

Desta forma, não admira que as dívidas fossem aumentanto. Havia, portanto, que tomar novas medidas. Em Janeiro de 1928, com intuitos de reactivar e dinamizar toda a actividade, a Direcção tomou a inciativa de proceder às seguintes nomeações, posteriormente ratificadas em Assembleia Geral: Director cénico, Raúl Martins; Ponto, Joaquim de Sousa Braz; Arquivista de músicas, António de Oliveira Cordeiro; Bibliotecário, Manuel Nogueira e Silva; e Electricista, José Maria Matias. A tuna era ensaiada, no mesmo ano, por António de Oliveira Cordeiro e tinha a regência efectiva de Eduardo Pinto de Almeida.

Ainda continuava o problema das acções. E, em 22 de Janeiro de 1928, a Asembleia Geral que ratificou as nomeações acima, votou favoravelmente a seguinte proposta da Direcção.

“Relativamente aos sócios que tomaram o encargo de ficar com obrigações do Grupo, a quem a Direcção, para facilitar o pagamento, permitiu que fossem dando um tanto por semana até perfazerem o seu valor e acontecendo que alguns sócios nunca chegaram a totalizar o valor das obrigações e querem agora achar-se com direito ao reembolso do dinheiro dado por conta, como se o devedor fosse o Grupo, “tem a honra de propor para que a esses sócios sejam já entregues as obrigações com que se subscreveram e que, como caução, estavam em poder da Direcção, bem como a todos os sócios subscritores que ainda não concluiram o seu pagamento, quer tenham ou não em seu poder as respectivas obrigações, sejam considerados devedores do Grupo, sem direito algum ao dinheiro que já deram, salvo quando, por sorteio, lhes couber a amortização das mesmas””.

E para a emissão de várias propostas importantes, no mês seguinte reuniu novamente a Assembleia Geral que, por unanimidade, aprovou os seguintes documentos apresentados pela Direcção:

1ª. Proposta: “1º. - Propomos que provisoriamente seja facultada a admissão de sócios correspondentes aos individuos residentes ou não na freguesia; 2º. - que, como a situação de sócio foi criada por deliberação da A. G. de doze de Dezembro de mil novecentos e vinte e cinco, e não lhe limitou nem garantiu direitos, propomos: que os sócios correspondentes, como é uso e costume nputras associações, não tenham direito a voto, nem a serem votados para qualquer cargo dos corpos gerentes, usufruindo, de resto, todas as regalias dos sócios efectivos”.
2ª. Proposta, baseada na necessidade financeira do Grupo: “Propomos a organisação de uma garraiada no Coliseu Figueirense, no próximo mez de Maio.
3ª. Proposta: “Com o fim de esclarecer dúvidas que possam suscitar-se ácerca da acquisição do prédio onde se encontra instalada a sede do Grupo, propomos para que seja dado conhecimento do conteúdo da escritura de compra do referido edifício à Assembleia Geral, na parte que respeita ao assunto”.

É nítida a intenção da tentativa de angariar mais sócios e a realização de dinheiros para honrar os compromissos assumidos que, como se depreende da terceira proposta, já davam origem a boatos malévolos. Tanto assim que, datada de 28 de Fevereiro de 1928, e assinada pelo sócio José Maria de Carvalho, vem publicada no jornal “O Figueirense”, a seguinte carta dirigida ao seu director:

“Permita-me, Snr. Director, que eu, não abusando da sua benevolência e bom acolhimento, lhe venha roubar um bocadinho do seu mui lido e apreciado jornal, com o fim unico e exclusivo, de defender os interesses e o bom nome náo só desta colectividade, como tambem o de dois homens que estão sendo alvos da mais vil e torpe calúnia.
Ora vamos por pontos e por partes: Como é do conhecimento de todos nós, sócios da colectividade de que venho referir-me, a casa onde hoje se encontra instalada a sua séde, foi, ha uns anos, adquirida por meio de acções, ao Sr. Manuel da Silva Jordão, dos Carritos. E como fossem os Snrs. João d’Oliveira e Antonio Medina os compradores do referido prédio. tem-se pretendido, agora, fazer acreditar de que a casa estava em nome dos compradores, e não do Grupo Musical, e de que todos os sócios haviam sido vigarisados.
Não está certo. O que é certo, e é realmente verdade, é serem os Snrs. João d’Oliveira e Antonio Medina, quem compraram a casa, mas não em seu nome. Pois se a escritura reza da seguinte maneira: Vendedores, Manuel da Silva Jordão, e Esposa, e comprador Grupo Musical Tavaredense, - portanto, é a casa pertencente á mesma colectividade. Assim é que está certo.
E, para mais, os srs. João d’Oliveira e António Medina, eram pessoas incapazes de praticar um acto tão censuravel de, com o dinheiro de algumas dezenas de socios, adquirir a casa em seu nome e para si.
Bem sei, sr. Director, que são as aves nêgras, aquelas aves de pio agoirento, que querem difamar duma maneira tão baixa e nojenta, o nome duma colectividade que bastantes beneficios vem prestando ao povo tavaredense, ministrando-lhe de noite, aulas de música e instrução.
Com que direito se difama assim, não só o nome duma colectividade que tem sabido manter o nome já bastante honroso que disfruta no nosso concelho, como tambem os nomes de dois homens que estão muito acima de qualquer calunia mesquinha que lhes seja lançada?
Com que direito se quer caluniar, quem, nem sequer, importancia liga a tais mizérias?
Eu, sr. Director, não sei, qual a vantagem que tem essa difamação, sobre o nome do grupo Musical Tavaredense, que tantas vezes tem sabido colher loiros não só para si como tambem para a sua terra, que bastante beneficia.
Termino, pois, mas não sem deixar aqui bem vincada a minha maior indignação contra todos aqueles que lançam suspeitas sobre o Grupo Musical Tavaredense, e tambem sobre aqueles que se encontram á sua frente, trabalhando pelo seu progresso e desenvolvimento.
E mais uma vez digo, em abono da verdade, que os nomes dos srs. João d’Oliveira e António Medina, se encontram muito acima de qualquer calunia mesquinha e aleivosas que lhes sejam dirigidas.
Confesso-me agradecido pela publicação desta”.

Ora aqui começam a surgir, na vida da colectividade, as influências de um novo caso político nacional, entretanto ocorrido a 28 de Maio de 1926. Ainda sem os terríveis efeitos que, meses depois, tiveram de enfrentar, notavam-se, perfeitamente, que, mais dia menos dia, se ocorreria uma cisão entre os elementos principais da associação, situação a que não eram alheios os elementos ditos mais conservadores, a quem aquele movimento veio dar grande apoio.

Não admira, pois, que em Junho de 1928, a Direcção recebesse uma carta de Manuel da Silva Jordão “avisando que o seu saque, aceite do Grupo, se vence no dia 10 de Novembro e que deseja a sua liquidação”. Pois era verdade! O financiamento acordado aquando da escritura da compra do prédio, em que o vendedor se propuzera financiar, ele próprio, metade do valor, para pagamento num prazo razoável, parece que nunca sofrera qualquer amortização por conta. E, note-se, a outra letra, aceite pelos quatro sócios referidos lá atrás, havia sido regularizada mas com recurso a outros financiamentos, nomeadamente do Banco de Portugal.

A Direcção, entretanto, deliberou “não se responder sem primeiro se averiguar se se consegue hipotecar o prédio a outro pela dívida principal do Grupo”.

A 7 de Janeiro de 1929, nova Assembleia Geral para tratar da “Autorização para contrair um empréstimo por meio de hipoteca do prédio da nossa sede, que se destina a liquidar todos os debitos actuais”.
Por informação do presidente da Direcção o débito orçava por 33 contos, aproximadamente, solicitando a colaboração dos sócios, prontificando-se ele a emprestar 5 contos. O sócio sr. João de Oliveira “acha pouco prática, na actual emergência, o empréstimo interno, pelo que é de opinião que se deve autorisar a Direcção a contrair o empréstimo com a garantia hipotecária da sede”.
Depois de discutida foi aprovada a seguinte proposta: “A Assembleia Geral reunida extraordinariamente, a pedida da Direcção para tratar do contraimento dum empréstimo único, cujo fim é destinado a solver todos os outros débitos, resolve dar plenos poderes á Direcção, na pessoa do seu Presidente, sr. António d’Oliveira Lopes, para obter nas melhores condições para este Grupo, um empréstimo de 30 contos, sôbre hipoteca do prédio que é propriedade e sede do Grupo, juntando-se a essa garantia, caso seja necessária, a responsabilidade dos nossos dedicados consócios srs. José Maria Costa, João de Oliveira, António Medina e António de Oliveira Lopes”.

Entretanto não tinham conseguido solver o débito vencido em Novembro do ano anterior. E, igualmente, não tinham tido sucesso as tentativas de obter o empréstimo, pelo que tiveram os directores de resolver a situação, como se constata destes retalhos da reuniões da Direcção, primeiro de 13 de Março, “Nesta sessão, o presidente da Direcção, António de Oliveira Lopes, deu conhecimento que já havia liquidado contas com o credor do Grupo, sr. Manuel da Silva Jordão, propondo que o mesmo sr. fosse suspenso de sócio até à realização da primeira Assebleia Geral, pela qual deverá ser demitido, para o que se tem em vista o que se encontra estatuído, pois não só difamou o Grupo como menosprezou a honorabilidade de todos os componentes da sua Direcção e ainda que, em atenção à incorrecção manifestada, ou por outra, posta em prática pelo mesmo sr. Jordão, propoz também que fosse retirado imediatamente, da nossa sala de espectáculos, a sua fotografia, que ali se achava exposta, o que poude ser feito acto contínuo, visto que nada existe escrito e, portanto, com caracter oficial, que obrigasse a sua estada naquele local, até resolução superior, não deixando, no entanto, de ser levado este gesto ao conhecimentoda digna Assembleia Geral, na primeira oportunidade. Estas propostas foram aprovadas por unanimidade” e na semana seguinte, “Pelo presidente foi dado conhecimento de que tinha conseguido do director do Banco Nacional Ultramarino, sr. Fernando Mendes, um empréstimo da importância necessária para a liquidação de contas com o sr. Manuel da Silva Jordão, por desconto de uma letra de 12 000$00, aceite por ele, presidente, e tendo por sacador o sr. António Medina, com garantia dos srs. João de Oliveira e José Maria da Costa. Esta letra será liquidada logo que se consiga o empréstimo de 30 000$00 do Crédito Predial, que se encontra negociado. A importância paga ao sr. Manuel da Silva Jordão, foi de 11 319$30.

Não se sabe o que terá ocorrido para levar à tomada da posição referida na acta de 13 de Março. O credor, Manuel da Silva Jordão, certamente magoado com a falta de resposta à sua carta e com o não cumprimento do combinado quanto ao pagamento da dívida, terá tido algum, ou alguns desabafos, talvez mais inconvenientes e que melindraram os directores do Grupo.

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