segunda-feira, 3 de maio de 2010

Grupo Musical e de Instrução Tavaredense - 20

Na verdade, para se tomar a drástica medida da retirada imediata do retrato, além da suspensão de sócio, impele-me a pensar que, com toda a certeza, muito de grave teriam tido os tais desabafos. Não esqueçamos que, anos antes, haviam eleito aquele sócio como benemérito e protector do Grupo Musical. E sem dúvida que o foi, temos que ser justos. É preciso ser muito amigo de uma colectividade para a ajudar como ele a ajudou. E desinteressadamente, diga-se. Mas, claro, tudo tem limites e aqui, volto a referir que, em minha opinião, houve influências políticas de terceiros.

Em Agosto de 1928, havia falecido o pároco de Tavarede, Manuel Vicente, vítima de um acidente a caminho de Fátima. Sucedeu-lhe, na paróquia, um sacerdote ainda novo, José Martins da Cruz Dinis, recém formado e que chegou a Tavarede cheio de vontade de recolocar a Igreja na posição de que havia sido destituída pela lei da separação surgida com a implantação da República. Mas, isso, são outros contos. Aqui, só muito levemente abordo este caso que, espero, ainda desenvolverei num outro caderno de “Recordando”, pois é uma história digna de ser recordada, pois que não deixou de ter capital importância na vida social e colectiva da freguesia.

Em Janeiro de 1929 havia sido contratado para regente da tuna o maestro Herculano Rocha. E tinham decidido “dar um espectáculo com a opereta em 3 actos, Entre duas Avé-Marias, na nossa sede, o qual, conquanto não nos traga uma receita apreciável, serve de preparação para outros espectáculos a realizar noutras localidades, pois que, como é notório, aqueles que se realizam na nossa sede, só nos teem dado uma receita diminuta ou, até, prejuizo”.

Tornou-se imperioso obter um empréstimo que permitisse a estabilização económica da colectividade. Só depois de resolvido este problema, seria possível decidir o futuro da colectividade e das suas múltiplas actividades. E mo dia 23 de Maio deste ano, uma nova proposta foi discutida e aprovada, por unanimidade, em Assembleia Geral.

“Assembleia extraordinária com a ordem de trabalhos: “Discussão de uma proposta da Direcção”.
Foram comunicadas, pelo presidente da Direcção António de Oliveira Lopes, as “demarches” realisadas com o Crédito Predial, concluindo por afirmar que, não tendo podido obter o empréstimo, tivera que se sugeitar ele e outros amigos do Grupo a tomarem á sua conta esse empréstimo, o que fazem ao juro de 15%, preço porque individualmente têm que pedir o dinheiro, ficando, bem entendido, à conta do Grupo o encargo de todas as despesas pela hipoteca do prédio para garantia desse empréstimo. Nessas condições, apresenta a seguinte proposta: “Tendo-me a Assembleia Geral extraordinária de 7 de Janeiro p.p., dado plenos poderes para contrair um empréstimo, por meio de hipoteca da sede do Grupo, afim de solver todos os seus compromissos em letras e como tenho de figurar na respectiva escritura como credor, tenho a honra de propor: que a Direcção, representada como outorgante pelo seu vice-presidente, sr. Luiz Pedsro Pinto, contraia um empréstimo de Esc. 35 800$00 com hipoteca do prédio, que é propriedade e sede do Grupo ao juro máximo de 15% ao ano, aos sócios srs. José Maria da Costa, António Medina, João de Oliveira e eu proponente António de Oliveira Lopes”. Foi aprovada por unanimidade”.

Como se verifica, devido ao volume dos custos dos juros, as dívidas iam-se avolumando. E continuam os conflitos, agora, até, ao nível daqueles que até então tanto se haviam esforçado e lutado pela causa da colectividade. Dois meses depois daquela deliberação, há necessidade da obtenção de um novo empréstimo.

“Assembleia extraordinária, com a ordem da noite: “Liquidação por meio de segundo empréstimo das restantes dívidas do Grupo”. Destinado a solver todos os compromissos do Grupo, em dívida e sem letra, especialmente o crédito do sr. João de Oliveira, cujas instâncias para o seu reembolso levou a Direcção a pedir este novo sacrifício à colectividade.Dóra á vante o Grupo fica obrigado aos sócios que tomaram o compromisso dos seus débitos e para cujo fim tem uma hipoteca da sede da Associação, pedindo, por isso, para que seja aprovada a proposta da Direcção, para um novo empréstimo de Esc. 5 000$00 ao juro igual ao anterior de 15%. Depois de lidos os nomes dos credores e as importâncias em dívida, que vão ser pagas, a proposta foi aprovada por unanimidade. (Não refere nomes nem valores)”.

Infelizmente a situação estava longe de ser controlada. E, inevitavelmente, passou a encarar-se a hipótese da venda do edifício da sede como única forma de resolver e liquidar os débitos. E, então, perante o agravamento das dificuldades, surge, na reunião da Assembleia Geral de 28 de Maio de 1930, uma proposta “para a venda de sede do Grupo, em condições vantajosas, do sócio António de Oliveira Lopes”. Porque, contudo, que “dada a importância do assunto e o facto dos avisos convocatórios não estarem de harmonia com a gravidade do assunto a resolver”, a Assembleia foi da opinião que a Direcção tratasse primeiro de concretizar alguma proposta que considerasse a melhor para a defesa dos interesses do Grupo, após o que a Assembleia se pronunciaria.

Foi assim que foi elaborado, pelo presidente da Direcção em exercício, José Francisco da Silva, um relatório bastante circunstanciado sobre a real situação da colectividade e que foi apresentado à reunião da Assembleia Geral em 11 de Junho seguinte.

“Conforme resolução tomada pela digna Assembleia Geral, que reuniu no dia 27 de Maio p. passado, foi esta adiada sine-die, por não se encontrar devidamente esclarecido e detalhadamente exposto o assunto a tratar, que é já do conhecimento de todos, e com o fim de serem colhidos os necessarios e indispensaveis elementos, para serem apresentados com toda a minuciosidade.
Já sabeis, pois, que o assunto de capital importancia a tratar nesta Assembleia Geral, é o da venda do predio da séde social.
Como informação, dir-lhes-hei que, no dia 7 do corrente, se reuniram no gabinete da Direcção os crédores do Grupo, srs. João d’Oliveira, José Maria da Costa, António Medina e António d’Oliveira Lopes, juntamente com alguns membros da Direcção para combinarem e apreciarem a situação e assentarem definitivamente no caminho a seguir, ou fosse a realisação da venda do predio.
Assim, foram unanimes em que o predio se vendesse ao nosso consocio sr. António d’Oliveira Lopes, pela importancia que se permitiu oferecer (25.000 Esc.), nas condições que já foram apresentadas e que passarei a descriminar mais uma vez.
A resolução tomada pelos citados crédores foi baseada, segundo declararam, na grande vontade de que se encontram possuidos em que continue a viver o nosso Grupo, pois que, monetariamente, ficam mais sacrificados, visto que era natural o aparecimento de outr5o pretendente ao predio, com oferta superior.
Era muito natural, de facto, que tal sucedesse, mas estou absolutamente certo de que as condições impostam seriam bem diversas das apresentadas pelo nosso consocio sr. Antonio d’Oliveira Lopes, condições que não nos conviriam, de fórma alguma, visto o nosso ardente desejo ser o de continuarmos vivendo, ocupando este predio, para nele podermos livremente desenvolver o nosso raio de acção e para podermos auferir o maximo de receita, não só para solvermos o compromisso que vamos tomar, que é a renda da casa, como tambem para indemnisarmos, o mais depressa possivel, os aludidos crédores, que agora são altamente prejudicados.
Já aqui apresentei, na Assembleia Geral do dia 27 do mez findo, que a importancia em divida aos srs. João d’Oliveira, José Maria da Costa, António Medina e Antonio d’Oliveira Lopes, atinge a importante soma de 35.800 Esc. (hipoteca e juro correspondente). Aqueles Senhores teem, além disto, a responsabilidade de mais 5.000 Esc., ou seja a quantia que em Junho do ano findo foi emprestada pelo nosso consocio sr. António Migueis Fadigas, para pagamento de dividas que existiam então, importancia aquela que vence o juro anual de 15%, ou sejam 750 Esc., que, junto ao capital, soma 5.750 Escudos.
Para elucidação e compreensão completa, vou passar a descriminar a importancia total que o nosso Grupo actualmente deve aos crédores em referencia.
Temos, pois:
Hipoteca 31.130$00
Juro 4.670$00
Contribuição de juro para o estado 467$00
“ “ “ “ a Camara 191$00
Total 36.458$00
Desde que a resolução da digna Assembleia Geral seja a de se proceder á venda do predio, os crédores citados tomarão á sua responsabilidade, e sem encargos de espécie alguma para o Grupo, a divida dos 5.750 Esc. (proprio e juro) ao sr. António Migueis Fadigas, com o fim unico de desaparecer para sempre o cancro que até hoje tem minado a nossa colectividade: - os juros.
Assim, juntando mais esta importancia ao total da hipoteca, temos:
Hip. 36.458$00
Letra 5.750$00
Total 42.208$00
Ora se a importancia oferecida pelo predio apenas atinge 25.000 Esc., e se a divida total aos crédores é de 42.208$00, regista-se a seguinte diferença para menos:
42.208$00
- 25 000$00
17.208$00
diferença esta que vai ser paga por aqueles, depois de dividida em partes eguais, o que acusa o prejuizo de 4.202$00 a cada um.
Desta importancia (17.208$00) ficará o Grupo sendo devedor aos aludidos senhores, sem vencimento de juros, ou quaisquer outros encargos, por meio de letra ou compromisso oficial, tomado pela Assembleia Geral e pelas Direcções presente e futuras, indemnisando-os á proporção das disponibilidades monetarias anuais do nosso cofre.
Como tambem já foi dito, todos os encargos, todos os compromissos que até hoje nos tem sugado todo o dinheiro que se tem conseguido arranjar, desaparecerão com a transação em vista, pois que só teremos de pagar anualmente (por mezes) a renda do prédio, que será fixada em 2.000 Esc.
Além desta condição, ou seja o pagamento de 2.000 Esc. de renda, por ano, ha que atender á principal, que é a de continuar o Grupo a ocupar o seu actual predio, por tempo indeterminado, e desde que se cumpra com que estipulará o respectivo contracto de arrendamento a elaborar.
Além da divida que venho de descriminar, ha a considerar mais as seguintes:
A António d’Oliveira Lopes 1.748$45
a Cesario Artur & Filhos 80$40
á Tipografia Peninsular 210$00
a Emilia Rodrigues Cordeiro Lopes 280$00
a Manuel Ferreira 260$00
á Tipografia Popular 200$00
aos musicos que fizeram serviço em Leiria 650$00
á Tipografia Mondego 113$50
outras dividas pequenas (aproximação) 100$00
Total 3.542$35
Esta importancia, segundo meu entender, deve ser liquidada na primeira oportunidade, para então se pensar na indemnisação a pagar aos 4 crédores do Grupo.
Tambem se deve ter em vista que existe mais um débito, na importancia de 7.150$00 Esc., correspondente a 143 acções que se encontram em poder de muitos associados, e que, com justiça, reclamam amigavelmente a sua liquidação em ocasião oportuna.
O Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Geral, melhor do que ninguem, se dignará expôr este assunto e, estou certo, conseguirá a sua solução, a contento de todos.
Nesta exposição rapida, mas conscienciosa, creio ter dado execução ao trabalho exigido para o funcionamento desta Assembleia Geral, por isso, vou terminar, apresentando-lhes, um numeros exactos, a actual divida do nossoi Grupo:
Aos Crédores - Hipoteca 31.130$00
Juro 4 670$00
Contribuição de juros 658$00 36.458$00
Letra a António M. Fadigas 5.000$00
Juro de 15% 750$00 5.750$00
A diversas casas comerciais 3.542$00
Acções em divida 7.150$00
Total geral 52.900$00

Tavarede, 10 de Junho de 1930”

Depois do relatório, transcrevo a acta da reunião que apreciou o mesmo.

“Assembleia extraordinária. Ordem de trabalhos: “Venda do prédio da sede social e outras importantes propostas da Direcção”. O presidente da Direcção lê uma boa exposição sobre o estado financeiro do Grupo e apresenta á Assembleia as duas seguintes propostas: - 1ª. “A direcção, devidamente autirizada pelo sócio sr. António de Oliveira Lopes, que está presente a esta reunião, propõe a venda do prédio-sede deste Grupo - sito na Rua Direita deste logar e freguezia de Tavarede, ao referido sócio, pela quantia de 25 000$00 com a condição do Grupo ficar habitando, como inquilino, pagando a renda mensal de 166$70.Fica mais estabelecido que, em caso de venda, esta colectividade terá o direito de opção”. 2ª. A Direcção, devidamente autorizada pelos credores, propõe que, conforme a exposição feita a esta Assembleia pelo Presidente da Direcção, sr. José Francisco da Soilva, que seja feita a venda do prédio da sede do Grupo ao credor sr. António de Oliveira Lopes, de harmonia com outra sua proposta também apresentada nesta Assembleia, obrigando-se os credores srs. João de Oliveira, José Maria da Costa, António Medina e António de Oliveira Lopes a tomar a seu cargo o pagamento da hipoteca do prédio, juro e contribuições do Estado e Câmara Municipal, no valor de Esc. 36 458$00; bem como o vcredito do sr. António Migueis Fadigas, constante de uma letra de que os mesmos credores são fiadores, no valor de Esc. 5 000$00, que, com os juros vencidos e a vencer, no valor de 750$00, perfaz um total bruto de 42 208$00, importancia esta de que materialmente o Grupo se desobriga, restando-lhe a obrigação moral do reembolso da diferença do valor entre a venda do prédio (25 000$00) e o do seu crédito bruto, Esc. 42 208$00, Esc. 17 208$00, sem juros e pagos conforme as disponibilidades do cofre da Sociedade.. Esta proposta é assinada pelo Presidente da Direcção e pelos quatro crédores interessados, ficando desde já auctorisado o Presidente da Direcção, sr. José Francisco da Silva, a outorgar perante o Notário, afim de dar cumprimento, em nome do Grupo, a esta proposta”.
Estas propostas foram aprovadas por unanimidade, ficando, assim, aprovada a venda do edifício da sede do Grupo, pelo valor de 25 000$00.
dada a palavra ao socio e credor sr. João d’ Oliveira, este passa a expôr aos dignos socios o que tem sido a vida do Grupo desde a compra da sede, a solvencia de compromissos e os sacrificios monetarios que os quatro credores citados na segunda proposta teem feito para levarem a bom termo a missão a que se propuzeram. Pede com grande interesse a todos os socios que auxiliem as Direcções, presente e futuras, a trabalharem com vontade e amôr pelo Grupo, para que possa continuar, como até aqui, a honrar a sua terra, em pról da Instrução.
Depois de várias considerações sobre a vida da colectividade, desde a compra da sede, a solvência dos compromissos e os sacrifícios monetários que os quatro crédores citados teem feoito para levarem a bom termo a missão que se propuzeram, e para minorar as dificuldades financeiras, os seguintes sócios ofereceram as acções que tinham ainda em seu poder do empréstimo inicial: António Duarte Silva, duas; António Francisco da Silva, seis; Adriano Augusto Silva, duas; Violinda Medina e Silva, duas; José Maria da Costa, dez; Manuel da Silva Jordão, vinte, João de Oliveira, quatro; António de Oliveira Lopes, duas; António Medina, dez; José Francisco da Silva, duas; António de Oliveira Cordeiro, duas; Manuel Mendes Ferreira, duas; Adriano Augusto Silva, averbadas em nome de António Migueis Fadigas, duas; Luís Pedsro Pinto, duas; Armando Amorim, três; Armando Amorim, averbadas em nome de Luciano Amaro Coelho, uma; Manuel de Oliveira, duas; Joaquim Severino dos Reis, duasd; num total de 76 acções, representando Esc. 3 800$00.
Antes de encerrar esta sessão, o presidente da Assembleia “agradece novamente, em nome do Grupo, a todos os sócios que ofereceram as suas acções e em especial ao sr. António Duarte Silva, por ter sido o incitador de todas estas dádivas, revelando o gesto de todos os ofertantes a vontade que teem de que o Grupo prossiga no caminho por que enveredou e que tem sabido trilhar, sem desdouro para o seu bom nome e para o da sua terra”.

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