quarta-feira, 5 de maio de 2010

Junta Paroquial de Tavarede

Breve chegou a Tavarede a notícia da implantação da República no dia 5 de Outubro de 1910.
Um dos correspondentes locais, publicou na Imprensa figueirense, no dia 26 daquele mês a seguinte notícia:
Chegou, emfim, a Republica!
É agora que nós vamos reconhecer os nossos direitos de cidadãos; é agora que nós vamos presenciar uma administração honesta e economica no paiz.
No nosso pequeno meio havia ainda pessoas que encaravam a Republica como um regimen em que não havia rei nem roque, em que se matava e se roubava sem haver ninguem que isso impedisse. É exactamente o contrario.
É a Republica que vae garantir aos cidadãos os direitos que a monarchia lhes não garantia. É a Republica que não vae roubar dos cofres publicos o dinheiro da nação, como a monarchia roubou. É a Republica que irá salvar o paiz do abysmo em que a monarchia o precipitava, e restaurar-lhes no estrangeiro o credito e respeito perdidos.
Renasceu em nós, portuguezes, uma alma.
A Republica estava dentro dos nossos peitos a palpitar, na ancia de quem se sente junto da morte. Os nossos pulmões não se enchiam d’ar; hoje, porém, respira-se. Saudamos, pois, d’aqui, d’esta poetica aldeia, o grande povo de Lisboa, e o Governo Provisorio da Republica Portugueza, saudação carinhosa onde vae toda a ancia d’um republicano, onde vae toda a alma d’um revolucionario.
Entretanto foi nomeada a 1ª. Comissão Paroquial Republicana:
Está já constituida a commissão parochial republicana d’esta freguesia, que tomou posse no preterito domingo, pelos seguintes cidadãos:
Effectivos – José Joaquim Alves Fernandes, Manuel Fernandes Junior, Antonio Medina, Antonio Graça, José Garcia.
Substitutos – Luis João Rosa, José Maria d’Oliveira, Antonio Secco d’Oliveira, Joaquim dos Reis Terreiro, Ricardo Simões. São homens honestos e trabalhadores e por isso Tavarede terá d’elles a esperar muitos beneficios.
Para o cargo de regedor efectivo foi nomeado Gentil da Silva Ribeiro e para seu substituto Francisco Cordeiro.
Todos nós sabemos que, desde sempre, a nossa terra tem sido pródiga em questões políticas. Maioritariamente republicana, progressistas e regeneradores, também cá havia, como em todo o lado, numerosos liberais e conservadores. Daí que as polémicas surgiam com frequência nos jornais figueirenses, pelas notas enviadas pelos correspondentes locais.
Algumas iremos publicando, sem qualquer intenção política, da nossa parte, mas sim porque as achamos curiosas. Eis uma pequena amostra:
Todos os bons republicanos devem combater os caciques que pelas eleições opprimiam consciencias, obrigando cidadãos a votarem por elles.
N’esta minha pobre aldeia poucos são os que estão livres d’essas aves de rapina que ainda esperam escravisar nas proximas elleições aquelles que se deixam burlar.
O caciquismo é um grande mal, e não é tão facil de extinguir como muitos proclamam, porque caciques não o são apenas alguns individuos disseminados por essas aldeias fóra, caciques eram quasi todos os que viviam mais ou menos á custa do Estado, além dos que o Estado protegia ante todas as especulações, vaidades, egoismos e interesses.
Se com a Republica se extinguiu uma Monarchia que, há uns poucos de seculos, exercia vinganças, crimes e atrocidades sobre um povo generoso e bom, que, sedento de liberdades, jazia sob o jugo tyrannico d’essa dinastia de ambiciosos e maus, que para viver no luxo e na crapula, gastavam em longas passeatas, em faustosos saraus e deliciosos banquetes o dinheiro arrancado á força ao povo faminto por meios fraudulentos e violentos, e com demasiadas e escandalosas contribuições, devem-se extinguir tambem para sempre os caciques – Ladrões de consciencias!
Se os homens que se põem á frente da Republica não forem o que devem ser, o caciquismo é dentro da Republica o mesmo que era dentro da Monarchia!
Os caciques, são os mandões que procuram escravisar consciencias, envenenar sentimentos, anniquilar energias e que teem espalhado por ahi que são republicanos, que já eram republicanos, toda essa intriga surda que por ahi vae, todos aquelles, que não são tolos ou tolos se não fingem, perfeitamente reconhecem que só procuram servirem-se a si proprios, continuando a vida velha e ainda dando-lhe mais amplitude sob o rotulo republicano, esse rotulo que muitos republicanos mesmo ajudam a pintar nas suas taboletas, avivando-o com as côres sagradas da revolução republicana, essas que elles, monarchicos, se a revolução não triumphasse, cobririam com o sangue do assassinio, com o crepe negro do luto de milhares de victimas, como fizeram quando da revolução não triumphante de 31 de janeiro!
É preciso libertar dos caciques o operario, esse escravo que arranca da terra maldita os espinhos para a sua corôa de martyrios, regados a suor e sangue, porque são esses os mais escravisados pelos caciques.
O tempo do posso, quero e mando vae passado, por isso quer queira, quer não queira, o caciquismo há-de extinguir-se a bem ou mal, porque a Republica há-de fazel-os entrar na ordem!
No ano de 1914 houve eleições. Tiveram que ser repetidas devido a reclamações surgidas. A notícia que transcrevemos dá-nos conhecimento do que se passou.
A primeira eleição paroquial da freguezia de Tavarede, realisada em tempo normal, tinha dado a vitória aos republicanos. Magra vitoria tinha ela sido, na verdade, pois lhe fôra dada pela maioria de apenas um voto. Mas, emfim, parecia que tendo a eleição corrido com regularidade, tudo estava bem e que ao caso não seria dada maior importancia pela cacicada monarquico-reacionária que traz o evolucionismo da Figueira alugado atrelado ao seu carro da triunfal administração municipal, que é uma espécie de velha carroça de lixo blindada e armada de metralhadoras eleiçoeiras para o efeito... e mais nada. Parecia que a cacicada, conseguindo ainda dominar as outras freguezias ruraes, se aquietaria. Parecia que tudo estava bem, mas não estava. A cacicada sabe que a sua influencia é uma barreira d’areia e não sofre que n’ela se abra brecha porque receia que, uma vez rôta, seja impossivel segurá-la.
Em tres eleições sucessivas, na eleição de deputados, na eleição da camara, na eleição da junta de paroquia, na cidade, com todos os temperos, apesar de chamadas ao serviço efétivo todas as mulas de reforço, verificou-se que a cidade se lhe fôra. Pois bem: mascare-se a cidade, como agora se diz que fazem os beligerantes da conflagração europeia às cidades fortificadas que não se rendem, e passe-se adiante. Perdeu-se a cidade? Pois salve-se o campo, salvem-se as freguezias ruraes, mas integralmente, que nem uma se perca!
Aí está porque se repetiu a eleição de Tavarede.
Arranjaram-se pessoas sem escrupulos, que para estas coisas sempre são uteis, e, armada uma estrangeirinha, anulou-se a eleição, que no domingo, ante-ontem, teve de ser repetida.
A eleição, em si, não tinha maior importancia, só a tomou pelo caráter que os reacionarios lhe quizeram dar. Moveu-se tudo, praticou-se toda a espécie de pressões.
Ninguem pense que a eleição foi disputada entre republicanos democraticos e republicanos evolucionistas. Caraterisadamente entre republicanos, pura e simplesmente republicanos, e reacionarios, pois não nos consta qus os srs. dr. Joaquim Jardim e padre Manuel Vicente principaes empresarios que apareceram, sejam republicanos.
Os nossos correligionarios tinham consultado os cadernos eleitoraes e verificado que deviam vencer a eleição sem esforço algum. Mas, à ultima hora, tiveram conhecimento por alguns eleitores de que sobre eles andava o sr. dr. Joaquim Jardim, monarquico declarado, e antigo e conhecido cacique, com saudade das duzentas libras, a fazer toda a espécie de pressões, e, então, tiveram tambem pelo seu lado, de se pôr em campo. E o que observaram foi curiosissimo. Um vinha dizer que o sr. dr. Joaquim Jardim procurara trapaceiramente meter em cabeça a um eleitor, para o irritar, que tinham sido os democraticos que o haviam eliminado do recenseamento e obrigado a requerer de novo, quando a verdade é que o eleitor foi muito bem e devidamente eliminado, como muitissimos outros pelo secretario recenseador sr. Camolino de Sousa, aliás, correligionario do sr. dr. Jardim, por não estar recenseado por saber ler e escrever. Outro que não podia ir votar segundo sua vontade porque o sr. dr. Duarte Silva, a pedido do sr. dr. Joaquim Jardim, o mandava votar com ele. Outro que o sr. Jorge Laidley, tambem a pedido do sr. dr. Jardim, lhe fizera o mesmo. Outro que o sr. Carlos Pestana... idem. Outro que o sr. Adriano Aguas... idem. Outro que o sr. dr. Jardim lhe tinha ido bater à porta, que tinha mandado chamar os homens a casa d’ele – que honra para a familia! – e lhe tinha mandado dar duas rodas de vinho – que despeza e que honra para a pinga! Um pobre velhote, de apelido Lontro, que tinha sido despedido do serviço da limpeza publica por ter ido votar com os republicanos e a quem estes por esse facto tinham procurado e arranjado trabalho, foi, uma vez verificado que era eleitor em Tavarede, chamado outra vez para o serviço da camara para votar e provavelmente... para ser posto na rua outra vez, depois das eleições. Etc. etc. O padre, pelo seu lado, espalhava variada patranha, a historia caluniosa dos toques dos sinos, etc., e lá andava, com o seu aspéto de chouriço bem cheio e luzidio a desmentir os efeitos que atribue à lei da Separação, de porta em porta, na faina eleiçoeira, a prégar a guerra santa aos republicanos e a anunciar que, com o sr. dr. Jardim, venceria as eleições por uns trinta votos. E até o sr. José Maria Cordeiro, galopim do sr. dr. Jardim, tinha carregado com umas boas duzias de foguetes para festejar a vitória e arreliar os republicanos.
Mas chegou o dia da eleição, antes d’hontem, e não houve mais remedio, os republicanos foram até Tavarede vigiar a eleição. Ali souberam que o ilustre presidente da meza, cujo nome nos abstemos de publicar porque ninguem o conhece senão por um aliás bem cabido nome de troça, tinha feito imposição a uns trez rapazes republicanos para votarem com ele e, para verificar que eles o não enganassem, assinalou-lhes a lista com nomes escritos a tinta encarnada! Com efeito, um nosso correligionario conseguiu verificar esta mariolada, isto é, que as trez listas entraram na urna, e conseguiu mesmo apoderar-se d’elas. O padre, catolica creatura, teve a desvergonha de abrir a egreja para lá instalar os srs. dr. Joaquim Jardim, Carlos Pestana, José Fonseca e o Borras para assaltarem os eleitores que vinham dos lados de Caceira e Casal da Robala e procurar trocar-lhes as listas! Que espirito religioso, que respeito pela egreja tem este padre!! Sucedeu até que um d’estes senhores, o Borras, interpelou um eleitor lançando-lhe em rosto que ele tinha prometido ao sr. Patricio votar com ele; mas o eleitor que não tinha papas da lingua, respondeu-lhe à letra, dizendo que fosse ele e o sr. Patricio a uma coisa que tambem são... borras!
Foi, como se vê, um espétáculo indecente o que os srs. dr. Joaquim Jardim, José Fonseca, Borras, etc. deram.
E para quê?
Para perderem a eleição por sete votos, que tanto foi a suficiente diferença que deu d’esta vez a vitória aos republicanos.
Venceram com mais seis votos do que da outra vez.
Tambem não foi por muito, não.
Mas, emfim, sempre venceram.
A lista republicana que triunfou era constituida pelos seguintes cidadãos:
Efétivos – Luiz João Rosa, Antonio Graça, Antonio da Silva Coelho e Jaime da Silva Broeiro.
Substitutos – João Miguens Fadigas, Manuel Vigario, Manuel Carvalho e José Miguens Fadigas.
D’esta lista o mais votado obteve 63 votos. E da lista monarquica, para efétivos, foi eleito José Luiz Mota, com 58 votos; e para substituto Antonio Duarte da Silva, com 57.
Era ou não era interessante o período eleitoral em Tavarede?

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