sexta-feira, 30 de julho de 2010

António José da Costa Pinto

Morgado da Vergieira, que foi instituído em 1753.
Era filho do dr. Matias da Costa Pinto, padre, natural de Presalves, Reveles, e de Isabel Milheira, de Ferreira a Nova. Casou com Rosa Maria de Matos Salazar e Vasconcelos, filha do dr. Simão Pedro, padre, e de Maria Teresa de Salazar e Vasconcelos.
“Foi um morgado de via reduzida e, para base de futuras linhagens fidalgas, excessivamente… sacrílego. Interessante progenitura o formou. Todas as pessoas que outorgaram nessa escritura (constituição de vínculo de morgado), tinham, na verdade, uma situação singular, tanto na família como na sociedade: os novos morgados devem ter sido muito tementes a Deus, pois abundantemente tinham em casa quem lhes pudesse ensinar a cartilha eclesiástica…”.
O morgado foi constituído por: “a quinta da Vergieira (que aforara em phateosim perpétuo, por um alqueire de milho. Situada em Caceira, no cruzamento do caminho que vai da Figueira para Maiorca. Devia estar em mau estado porque na escritura do aforamento só há referências a casebres em ruínas e matos, com terras de semeadura); uma casa na Figueira, na rua que mais tarde se chamou dos Ciprestes, residência do dador; um prédio de quarenta aguilhadas, no campo do Malafago, em Maiorca; e uma azenha na ribeira das Alhadas, de que lhe tinha feito mercê a Universidade de Coimbra. Isto por parte do pai da noiva, que ainda doou, em conjunto com a mãe, uma ínsua que tinham feito na Várzea e que partia com a fonte de El-Rei e com as marinhas do duque de Cadaval.
O pai do noivo doou muitas terras nos campos ao sul do Mondego, diversas quantias em dinheiro, o direito a uma acção litigiosa importante e, até, prédios em Torres Novas”.
Como era da praxe de então, ambos os dadores sujeitaram a doação a missas por alma deles e dos seus ascendentes. O casal teve um filho, Simão Pedro, que ficou na posse de todos os referidos bens, excepto do título de Morgado da Vergieira.


Caderno: Tavaredenses com História

Vicente Ferreira da Silva

Natural do Porto, onde nasceu em 1879, veio muito novo para a Figueira da Foz com sua família, e acabou por morrer em Sintra, em casa de um filho seu, em Março de 1946, com 67 anos de idade.
Foi um destacado amador teatral em diversos grupos dramáticos figueirenses.
Num apontamento seu, transcrito por José Ribeiro em “50 anos ao Serviço do Povo”, escreveu: “Entrei para a Sociedade de Instrução Tavaredense em Fevereiro de 1911 e despedi-me em 24 de Maio de 1915. Em 1910 foram representadas umas comédias sob a minha direcção…” Recorda, a seguir, o nome das peças que ensaiou e nas quais também representou como amador.
“… felicitamos o sr. Vicente Ferreira pela maneira brilhante como ensaiou os simpáticos amadores, que têm dado sobejas provas de se quererem instruir e ao mesmo tempo recrear os sócios”, diz-se numa nota de 1911.
Participou, activamente, na vida associativa, que reconhecia de grande utilidade para a instrução e cultura dos seus paroquianos. Em 1914, numa assembleia geral da Sociedade de Instrução Tavaredense, foi feito “o elogio breve, mas significativo, de Vicente Ferreira, agradecendo-lhe ao mesmo tempo todas as atenções e os seus sacrifícios em favor da Sociedade, dizendo que só um homem da sua tempera, com uma vontade igual à sua, seria capaz de tantas canseiras em prol de uma terra que lhe era desconhecida. Tanta noite perdida, indo longe da sua casa, muitas vezes debaixo de chuva, levar aos outros o produto do seu recurso intelectual, só da sua candura de alma se poderia obter”.
Em 1916 passou a colaborar com o Grupo Musical e de Instrução dirigindo a sua secção dramática. Além de diversas comédias e operetas, ensaiou o drama Erro Judicial, um dos grandes êxitos daquele Grupo. A última peça por si ensaiada com estes amadores, foi a opereta de António Amargo, Ninotte, em 1925.
Aquando do seu falecimento, encontrámos o seguinte apontamento: “Residente na Figueira há muitos anos, conquistando aqui amigos e consideração pelas suas qualidades de carácter e pela forma atenciosa como tratava. Cidadão trabalhador e honesto, foi também um apreciado amador dramático. Ultimamente dedicava-se a cobranças e era fiscal dos empregados no Teatro do Parque-Cine”.
Era sócio honorário da Sociedade de Instrução Tavaredense.


Caderno: Tavaredenses com História

Sociedade de Instrução Tavaredense - 40

Em Janeiro de 1947 foi inaugurado novo estandarte, do qual foi madrinha a srª D. Asta Willing da Cunha Esteves, esposa do sócio Capitão José da Cunha Esteves, da Quinta do Peso.
A Assembleia Figueirense, no dia 28 de Fevereiro de 1948, levou a efeito, no Parque Cine, uma festa em homenagem a Rogério Reynaud. Depois de um prólogo, em que foram apresentadas as cenas “Sol na Charneca”, “Beira-Mar” e “Desfolhada ao Luar”, houve mais quatro partes, a última das quais esteve a cargo do nosso grupo cénico. “A encantadora peça bíblica “O Nascimento do Messias”, foi escolhida expressamente para permitir serem postos em evidência quatro maravilhosos trabalhos de cenografia da autoria do homenageado”.


No ano de 1949 foi levada à cena, pela primeira vez, a peça “Raça”, e em Junho de 1950, foi a vez da comédia, dos Irmãos Quintero, “Pé de Vento”. Foram mais dois triunfos para a SIT. Mas, ainda mais um extraordinário êxito chegou neste último ano. No dia 28 de Outubro de 1950, na nossa sala de espectáculos, foi apresentada, em estreia, a fantasia “Chá de Limonete”, da autoria de José da Silva Ribeiro, com música de António Maria de Oliveira Simões. Encontrámos muitas críticas e comentários a esta fantasia. No entanto, entendemos que será interessante transcrever o que a direcção da colectividade escreveu no seu relatório daquele ano.
“Esta peça exigiu dos seus Autores um trabalho exaustivo, só muito palidamente avaliado por quem de mais perto com eles tratava. Tanto os amadores antigos como os que agora entraram de novo, tiveram nesta peça ensejo de demonstrar a sua boa vontade ensaiando sem descanço, todas as noites, durante cerca de dois meses, para que a peça fosse apresentada na data marcada, o que, por várias razões, era muito importante. Foi um esforço fora do vulgar que a direcção muito sinceramente agradece e que torna os componentes da nossa já famosa secção dramática cada vez mais dignos do reconhecimento da assembleia geral.
Na impossibilidade de registar aqui os nomes de todos os figurantes e demais os numerosos amigos que, de qualquer forma, prestaram o seu concurso, contribuindo assim para o êxito que “Chá de Limonete” obteve, seja-nos permitido citar o sr. José Nunes Medina que, tomando a seu cargo a parte musicada, foi um bom auxiliar do sr. José Ribeiro. Quando se pensou pôr em cena esta peça, foi posta de parte qualquer ideia de lucro; antes pelo contrário: contava-se em que a receita nunca chegaria a cobrir a elevada despesa que a mesma acarretaria. Porém, como se tratava duma peça educativa, com fundo histórico, que mostrava aos tavaredenses (e aos estranhos) muita coisa que desconheciam sobre a sua terra, resolveu-se ir para a frente, isto é, pô-la em cena, embora o resultado financeiro fosse mais que duvidoso”.
Verificou-se, porém, que depois de 14 representações seguidas, uma das quais no Casino Peninsular, “sempre com o maior agrado do público e as mais elogiosas, e algumas delas, honrosas referências, tanto à peça como ao desempenho, “Chá de Limonete” não só está pago mas ainda apresenta saldo”.
Aconteceu, e logo no dia da estreia, um lamentável acidente. “No final, foi feita uma chamada especial a Rogério Reynaud, autor de alguns dos belos cenários da peça. Quando aquele distinto artista descia a escada duma casa anexa para se furtar aos aplausos, caíu tão desastrosamente que sofreu fractura do crâneo e de uma clavícula”.
“A montagem da peça é sumptuosa: cenários, guarda-roupa, até os mais insignificantes adereços, tudo assinala a preocupação de impressionar bem o espectador. Até na urdidura da peça o autor, evitando o clássico “compère” para a ligação dos respectivos números, mostrou o propósito de apresentar obra diferente das outras revistas. Tratando-se, aliás, dum trabalho composto sobre fundo histórico, esse facto lhe conferia já assinalada diferença. A fantasia só colaborou o bastante para quebrar a aridez dos factos históricos, amenizar o espectáculo e levar o espectador a recebê-lo sem enfado. Consistiu nisso o principal e grande esforço do autor. Conseguiu seus fins”. Um pouco adiante, continua a notícia:
“Há até a assinalar quadros e passagens em que faz crítica salutar e construtiva, bem patente no elogio da vida rural, na condenação do vício da taberna, da psicose futebolística, do endeusamento ao fado, em contraste com a indiferença e menosprezo a que são votados os grandes valores intelectuais da Nação. Estamos também com o autor quando pela boca do “Endireita” condena indignamente o “mentiroso” e o “velhaco” que anda pelas igrejas a pretender alardear princípios que não vive. O hipócrita é um ser desprezível, abominável, monstruoso, onde quer que apareça e por maioria da razão quando desce a comprometer, com a doblez do seu procedimento, a causa sacratíssima de Deus”.
A rematar a nossa história de hoje, copiamos um protesto enviado ao fogueteiro habitual. “Embora com profundo desgosto, não podemos deixar de lhe apresentar o nosso veemente protesto pela sucata que nos enviou. Os morteiros de carga inteira para a salva iam-nos acarretando sérios dissabores, pois uma parte deles só rebentavam no chão e outra parte nem sequer rebentavam. Se deseja ter a confirmação do que afirmamos, dirija-se V.Sª. ao Presidente da Junta de Tavarede, que nos quis proibir de acabar de atirar a salva, em virtude do perigo que representavam, caíndo em plena via pública. Os foguetes de bataria também eram bastante fracos não subindo bem e rebentando mal”.

Sociedade de Instrução Tavaredense - 39

“A garridice dos Trajos Portugueses, a que deve o título a festa, apresentou-se bem, em quantidade e em qualidade, quer por parte dos rapazes como por parte das raparigas. Vistosos trajos vestiam as mais lindas cachopas da alegre terra do limonete e das cercanias. O júri viu-se em palpos de aranha, quando quis classificar os três trajos mais expressivos que se apresentaram na festa, pois o salão regorgitava de pares dançantes, vestindo trajos de fantasia ou característicos das regiões portuguesas”. Foi assim que “Notícias da Figueira” comentou uma festa realizada na colectividade, em Outubro de 1946.
Além do concurso dos “Trajos”, também houve concurso de quadras, com referência obrigatória a trajos portugueses. E a notícia conclui: “Mas a terra do limonete não se fica por aqui! A festa continua – no dia 9 de Novembro, com a representação do seu excelente grupo cénico, numa “Noite de Teatro Português”, que há-de ficar memorável e, naturalmente, exige repetição, pois o teatro é pequenino demais para se levar à cena, apenas uma vez, coisa de tal envergadura. Três épocas do nosso teatro serão interpretadas, com as suas características das respectivas épocas e da Arte de Representar. Teatro hierático, com o “Auto da Barca do Inferno”, de Gil Vicente; Teatro romântico, com o 2º acto da “Morgadinha de Valflor”, de Pinheiro Chagas; e Teatro realista, com o 3º acto de “Entre Giestas”, de Carlos Selvagem. O velho Sílvio Pélico dizia a propósito de uns goivos, que eram verdadeiras maravilhas: “Goivos assim, ou de Nice... ou de Pereira!”. Podemos dizer agora “Uma coisa destas... só em Tavarede!”.
A propósito desta notícia, lemos no relatório daquele ano: “Foi um ano infeliz no que diz respeito à actividade da secção dramática... ... não se deu, nem afrouxamento da vontade de trabalhar por parte de todos, nem a mudança de orientação, mas tão somente a motivos de força maior, contra os quais nada podemos”. A ausência ou doenças de amadores e amadoras e o falecimento de familiares próximos, foram obstáculos intransponíveis. Este programa foi apresentado mais tarde, em Tavarede e, também, na Figueira e em Coimbra. E se “na Figueira fôra excepcionalmente apreciado, em Coimbra o êxito foi maior ainda, como ficou bem documentado no que disse a imprensa. Pelo seu valor cultural, pela sua apresentação e pelo desempenho, este espectáculo honra o grupo que o realizou. É nossa opinião que nunca a SIT apresentou programa mais valioso, sob todos os aspectos”.
Em Janeiro de 1947, no Parque Cine, foi apresentado o “Auto da Mofina Mendes”, “uma das mais belas obras de teatro histórico que nos deixou o genial fundador do teatro português e que pela primeira vez se representou na Figueira”. “É de notar como o grupo cénico da SIT enquadrou as personagens simbólicas num cenário propositadamente frio, rígido, representado como cumpria, quase sem “movimento de cena”, a contrastar com as personagens do primeiro plano, que representavam para aquém da cortina: os pastores e a Mofina, aqueles interpretando o “maravilhoso”; estes a “vida terrena””.
Pelo Natal e Ano Bom, foi apresentado um novo programa. “A SIT organizou, para recreio espiritual dos seus associados e pessoas de família, um interessantíssimo serão de arte dramática, ao qual foi dado o título genérico de “O Natal no Teatro”. ... o mais interessante de O Natal no Teatro e da interpretação e da montagem das três pequenas peças – que, como poderá supor-se, visto tratar-se do grupo cénico da SIT, foi impecável – na indumentária, nas caracterizações, nos belos cenários expressamente feitos pelo artista Rogério Reynaud e na boa música do distinto amador António Simões, na montagem, em suma – é que cada uma das peças mereceu especial encenação, visto tratar-se, embora com o mesmo tema, de épocas de teatro e “maneiras” consideravelmente distanciadas. E todos se houveram bem, como, aliás, era de esperar e de harmonia com o que explicou à assistência o director do grupo cénico, José Ribeiro, numa espécie de prólogo ou introdução ao que ia ver-se e ouvir-se, e no qual, em breve escorço, se referiu ao Teatro e à sua evolução, através dos tempos.
Assim, os “Mistérios”, escritos por Gil Vicente para serem “representados ao Príncipe D. João III endereçado às matinas do Natal, na era do Senhor de 1534”, são incluídos no Teatro
hierático, embora interessados com o entremês da “Mofina”; o “Presépio” foi representado conforme a tradição local (afinal mais antiga em Tavarede do que na Figueira), em perfeita liberdade de movimentos dos intérpretes, com os consabidos anacronismos de guarda-roupa, de referências de época, de situação geográfica, etc., tal qual o temos visto durante gerações e gerações, que lhe têm imprimido “coisas de sua casa” e chalaças de ocasião, nos conhecidos quadros dos “Pastores Brutos”, de “As Cinco Pastoras”, de “O Moço e o Cego”, da “Romagem do Diabo” (nesta particularidade está o segredo de jamais ter sido “retirado do cartaz”, em anos e mais anos, através de gerações e gerações, deliciando a assistência e tornando-se motivo de... orgulho de tantos conterrâneos nossos que têm cultivado a chamada arte de Talma. Finalmente subiu o pano e abriram-se as cortinas para a representação da peça bíblica em 1 acto e 4 cenas “O Nascimento do Messias”, com acção desenrolada em Nazaré e em Belém de Judá, no ano de 752 de Roma, peça sem indicação do nome do autor, mas que sabemos expressamente estudada e escrita para esta interessante e curiosa festa e que, muito justamente, agradou a todos!”.

domingo, 25 de julho de 2010

António Vitor Nunes Guerra


Nasceu na Figueira a 20 de Novembro de 1902 e morreu no dia 15 de Agosto de 1977.
Frequentou o Seminário de Coimbra não tendo chegado a ordenar-se.
Foi um dos fundadores do Colégio Academia Figueirense, onde leccionou as disciplinas de Português, Latim, Geografia e Ciências Naturais. No Seminário da Imaculada Conceição, da Figueira, também foi professor nas aulas de Latim, Francês e Ciências. Foi, ainda, professor na Escola Preparatória Dr. João de Barros.
Dedicou enorme actividade ao Museu Dr. Santos Rocha, de que foi director desde Agosto de 1938 e exerceu as mesmas funções na Biblioteca Pública Municipal, desde Janeiro de 1948 até ao ano de 1972, em que se aposentou.
Desempenhou diversos cargos públicos e colaborou com diversos jornais locais, exercendo, em determinado período, o lugar de director de “A Voz da Figueira”.
Casou, em Dezembro de 1923, com Angelina Flor Lopes, natural de Tavarede, filha dos tavaredenses José Lopes Moço e de Angélica Flor Lopes.
Na nossa terra, desempenhou importante actividade no Grupo Musical e de Instrução Tavaredense, onde foi titular de diversos cargos nos órgãos sociais, nomeadamente de presidente da Direcção e da Assembleia Geral e professor na sua escola nocturna. Também pertenceu aos corpos sociais dos Bombeiros Voluntários da Figueira.
Dotado de boa voz de tenor, fez parte do grupo coral daquela colectividade que abrilhantava as missas solenes em diversas igrejas do concelho. “… missa solene, cantando ao coro um grupo de rapazes daqui, que a poder de muito trabalho e de uma forte dedicação, tendo à frente António Vítor Guerra, o ano passado se fez ouvir, pela primeira vez, com muito agrado”.
Também prestou valiosa colaboração à Sociedade de Instrução Tavaredense na montagem de diversas peças e a pedido de José Ribeiro, de quem era grande amigo.


Caderno: Tavaredenses com História


Nota do seu casamento, publicada no jornal '= Figueirense', em 13/12/1923


No sábado da ultima semana, dia Io de dezembro, teve lugar o casamento auspicioso do meu querido amigo António Victor Guerra, guarda-livros muito competente, com a simpática tavaredense menina Angelina Flor Lopes, dilecta filha do sr. José Lopes Moço, ferroviário, e da srª Angélica Flor Lopes.
Após a ceremonia civil, que teve lugar em casa da noiva, realisou-se a religiosa, em que foi celebrante o reverendo sr. Manuel Vicente, depois do que os noivos foram muito cumprimentados por grande numero de pessoas que se encontravam no templo.
Paraninfaram o acto: por parte da noiva, seus tios, srs. João dos Santos Davim e esposa D. Maria da Ascenção Davim; e por parte do noivo, o sr. Joaquim Mendes da Costa, respeitável e honrado industrial, dessa cidade, e a srª D. Belmira Flor Ferreira, tia da noiva.
Ao grande numero de convidados foi oferecido um lauto banquete, no decorrer do qual se notou que havia muita animação e bem-estar.
Ao toast, em que não faltou a champagne, foram levantados efusivos brindes pelas felicidades e venturas dos noivos, que delas são bem merecedores, graças às excelentes qualidades de caracter com que a natureza os dotou.
O noivo agradeceu, de uma forma fácil e fluente, aos amigos que em palavras tão repassadas de sinceridade lhe apeteciam um futuro perene e venturoso, retirando mais tarde, com sua noiva, para a Figueira, onde fixaram residência.
À noite, porem, e antes da sua retirada, houve concerto musical por um improvisado terceto - violino, flauta e violão -, executados por convivas, entre eles o meu particular amigo sr. P.e Vicente, que mais uma vez se mostrou um fixe dos fixes.
Quando o terceto entendeu que eram horas de se auzentar, porque o adeantado da hora já não estava para pandegas, pôz ponto final no concerto, momento esse que foi para alguém a melhor peça da noite, pois que se sentia mal disposto e com o corpo a pedir cama...Mais uma vez apeteço aos simpáticos nubentes muitas venturas e prosperidades na nova vida que acabam de encetar, pois que são delas bem dignos e merecedores.

sábado, 24 de julho de 2010

Tavarede - aldeia escola


UMA OBRA QUE DIGNIFICA

Em Tavarede, modesta aldeia da beira, ensina-se Teatro!
Para quem descreia da existência dum fogo sagrado, constante e generoso que lute através de todas as contigências e de todas as dificuldades por uma ideia digna e firme do verdadeiro sentido da Arte teatral, ponha os olhos e o cérebro em Tavarede, terra pobre, perdida na Beira pobre.
Esse agregado beirão tem uma associação cultural e recreativa, a Sociedade de Instrução Tavaredense, fundada em 1904 e desde essa data lançada na maravilhosa missão de cultivar e difundir a cultura dos seus próprios associados.
Chega a pasmar como é possível manter-se uma obra duma projecção tão elevada e tão nobre num meio insuficiente, cheio de asperezas da sua condição geográfica e humana.
Desde há trinta anos que um homem de tenacidade e têmpera fora do vulgar, José da Silva Ribeiro, mantém um grupo cénico, na referida Sociedade. Esse grupo, com um reportório vastíssimo do qual indicamos, como representativos exemplos do critério de selecção “A Nossa Casa” de George Mitchel, “Recompensa” e “Três Gerações” de Ramada Curto, “Envelhecer” de Marcelino Mesquita, os Autos de “Mofina Mendes”, da “Barca do Inferno”, “Pastoril Português” e “Todo o Mundo e Ninguém” de Gil Vicente, “Horizonte” de Manuel Frederico Pressler, “A Herança” de Henrique Lopes de Mendonça, esse Grupo, repetimos, vem cumprindo tenazmente e com sacrifícios de vária ordem o programa do seu entusiástico orientador. Como a aldeia é pequena bem poucas são as famílias que não têm representação no agrupamento de amadores. E assim a ideia nascida num momento inspirado de amor pelos outros foi-se invertendo no espírito daqueles trabalhadores do campo e das oficinas, naqueles rapazes e raparigas, operários e cavadores, modistas e empregados de escritório, carpinteiros, serralheiros e pedreiros que ao cair da noite, de corpo cansado pelo trabalho vão alimentar o espírito porque eles não se limitam a decorar as deixas dos seus “papéis” e recitá-los no momento oportuno com maior ou menor ênfase. Procura José da Silva Ribeiro que eles não sejam “fantoches para divertir o público”, como tão bem nos transmite no prefácio duma sua peça ali representada, mas que “tomem a consciência das respectivas personagens, dos sentimentos que lhes são alma, das ideias que as determinam, da época em que vivem, do ambiente em que se movem”. E assim, o grupo cénico tem uma actividade misturada de disciplina escolar e de prazer de passatempo. Suponhamos que foi escolhido para uma próxima apresentação o Auto da Barca do Inferno. À assembleia de actores amadores, ávida de conhecimentos, será exposta a obra vicentina, a época em que viveu o fundador do teatro português, a paisagem humana e social da corte de D. Manuel e de D. João III. Procurar-se-á na bibliografia correspondente o auxílio para uma melhor compreensão. E durante os ensaios os comparsas do auto não terão ùnicamente a preocupação de assimilar o contexto. Há sim uma posição inteligente e culta perante o problema que os seus lábios, os seus gestos e a sua expressão irão desenrolar no palco da aldeia.
Tudo isto é conseguido em tom de palestra, à medida que as peças vão sendo ensaiadas, sem ar de lição que decerto se tornaria insuportável para aqueles homens e mulheres de corpo cansado pelo trabalho mas de alma iluminada pela luz duma arte bem compreendida e ainda melhor ensinada.
De vez em quando são organizados programas de carácter acentuadamente cultural. Como exemplo, um programa já realizado com muito êxito e denominado “Noite do Teatro Português”: I Parte - teatro hierático - Auto da Barca do Inferno; II Parte - teatro romântico - 2º. acto da Morgadinha de Valflor; III Parte - teatro realista - 3º. acto de “Entre Giestas”.
Essas peças quando representadas no teatrinho da Sede obtêm receitas insignificantes que raramente pagam as despesas. E o Grupo, depois de apresentadas aos sócios, leva-as à Figueira da Foz procurando assim obter receitas que cubram as despesas de montagem.
É uma luta constante, uma luta nobre e velha de trinta anos.
A aldeia de Tavarede tem uma obra que dignifica não só os seus conterrâneos como o mundo teatral português. Uma Obra que se traduz não só em representações conscientes de verdadeiro Teatro como em palestras culturais e educativas feitas pelo director cénico.
Já foram abordados assuntos de interesse fundamental na cultura da arte de representar. As origens e evolução do Teatro (o teatro grego, em Roma, o drama religioso da Idade Média, a Renascença), o Teatro Português, as Trilogias Dramáticas (a trilogia ligada de Ésquilo - Oréstia, a Trilogia das Barcas de Gil Vicente, a Trilogia de O’Neill “Electra e os Fantasmas”) a Imortalidade do Teatro, tudo foi descrito em dissertações simples, acessíveis ao meio e sempre acolhidas com um entusiasmo que dá vontade de continuar, feliz e convicto de que quando se quer Teatro não é necessário muito dinheiro, muito público e muita cultura. É necessário, sim, defender e criar nos outros a convicção de que o espírito precisa de Teatro como alimento e não como pura distracção. E só assim se pode conseguir esse maravilhoso milagre teatral de Tavarede, lição puríssima e desassombrada da Arte pela Cultura dos povos.
Ainda há pouco no teatrinho da S.I.T. subiu à cena uma fantasia em três actos e 24 quadros de José da Silva Ribeiro, com música de António Simões, denominada “Chá de Limonete”. Essa fantasia que é a história singela da aldeia desde a sua fundação até aos nossos dias, foi montada a preceito, com cenários e guarda-roupa inteiramente novos, num esforço gigantesco que testemunha a vontade indómita e o admirável caminho seguido pelos amadores de Tavarede. Num livro de excelente apresentação gráfica e fotográfica do acontecimento, tivemos o prazer de constatar até que ponto o amor pelas coisas teatrais está espalhado naquele rincão da Beira. E comparando com o que por cá se passa, fazendo a proporção entre as centenas de Tavarede e os muito milhares de Lisboa fica-nos no cérebro o clarão duma Obra que dignifica, reconhecida não só pelo seu público como por diversas associações humanitárias por ela protegidas em diversas representações de beneficência.
E nós, como verdadeiros amantes do verdadeiro Teatro, daqui dizemos, orgulhosos em ajudar a transmitir a sua mensagem: operários e modistas, cavadores e ceifeiras de Tavarede, homens e mulheres dessa aldeia, reduto duma Arte Eterna, obrigado!

Jornal Magazine da Mulher - Novembro de 1951

Em louvor de Tavarede


Quem seria o Fr. Manuel de Santa Clara que subscreve o soneto adiante transcrito?
Pertenceria ao convento figueirense de Santo António? Ou algum religioso de outro mosteiro, estranho à terra, que por aqui passasse a recrear-se ou aqui viesse em uso de banhos (talvez até hóspede do convento) e nalguma digressão à risonha Tavarede ali se deixasse prender nos encantos da sua paisagem?
Ignoro-o. Poucas, que se nenhumas, infelizmente, são as notívias àcerca dos nossos franciscanos, uma vez sumido, creio que para todo o sempre, o arquivo da casa conventual.
Seja como for, é curioso o soneto desse frade, descritivo da “terra do Limonete”. Nele encontramos referências ao vale e outeiros circunvizinhos; ao regatito humilde que atravessa a povoação e que há perto de 170 anos (o soneto é datado de 1779) era, como se vê, ribeiro, portador, por certo, de mais água e menos lixo; ao palácio quinhentista dos Quadros, hoje mìseramente degradado com vergonhosas mutilações e reparações imbecis; e, finalmente, à abastança de frutos e verduras, do seu fecundo vale, por onde o frade-poeta o avantaja nada menos que ao de Tempe, aos pés do Olimpo, na Grécia de Píndaro e de Anacreonte.

Do manuscrito setecentista donde transcrevi o soneto constam duas versões, se assim apreciarmos umas alterações de pouca monta lançadas à margem dele: no 1º. verso, colinas cheias, em vez de outeiros vestidos; no penúltimo, assim ganhando em vez de assim levando. Escolhi a primeira, quando há anos tive nas mãos o manuscrito; a outra, agora, se me afigura preferível. Vejamos:

Descripção do sítio de Tavarede

Entre outeiros vestidos de verdura,
Um vale gracioso à vista ocorre
Onde um claro ribeiro em giros corre,
Banhando-o de eternal, grata frescura;

Quanto nele se avista, obrou Natura;
Só um nobre Palácio ali concorre
A mostrar que, subtil, o engenho acorre
À simétrica mão da Arquitectura.

Junto às casas e muros bracejando,
Verdes parreiras vão, entre a folhagem,
Seu roxo ou loiro fruto entremostrando.

E a Ceres e a Pomona vassalagem
Rende este vale ameno, assim levando
Ao de Tempe famoso alta vantagem!

1779 De Frei Manuel de Santa Clara

Rejubile a fidalga Tavarede com a notícia deste peça literária, e tome-a como uma jóia mais a engastar na sua coroa condal.

Cardoso Marta

(Boletim C.M.Turismo - 31.Julho.1947 - nº. 18)

Tavarede - Recordações de António da Silva Broeiro - Sobrinho

Quando se ronda pela casa dos trinta, falar da nossa terra, forçoso é que se evoque.
Ainda que não queiramos.
O nosso coração, o nosso sentimento, há-de por fôrça trazer a lume as recordações que estão algemadas à nossa vida...
A saudade aviventa, dá forma a essas recordações, que já se desfaziam na bruma do tempo, e surgem, enriquecidas pela nossa imaginação, as imagens dos nossos tempos de criança...
O nosso primeiro amor! Como ele anda ligado à saudade da nossa terra!?
Quem é que, ao lembrar os tempos ditosos da mocidade, não tem a ela ligado, por laços indeléveis, a lembrança do primeiro amor!? Quem!?
E eu lembro a minha aldeia! A aldeia onde nasci, onde me criei, onde corri, despreocupado e feliz, pelos oiteiros e pelos serrados; pela várzea e pela colina; ora caçando rãs nos valeiros, ora subindo aos choupos à caça de ninhos de pardal!...
... e as manhãs doiradas do sábado de aleluia em que os sinos repicavam festivos, e eu e os cachopitos da minha idade, esbaforidos, corriamos à igreja com uma caneca de água colhida no rio para que o senhor vigário Manuel Vicente no-la benzesse para as nossas mãis borrifarem as casas para que o espírito maldito do bruxedo lá não entrasse...
... e nas manhãs radiosas de domingo de páscoa, eu ia, de fato novo à marinheira, de colar engomado muito branco e laçarote pendente do pescoço, até à igreja, ouvir missa e beijar o menino Jesus que estava deitado numas palhinhas...
... mas meia hora depois, quando eu estivesse farto de andar na brincadeira, com o fato enxovalhado e porco, eu dava um doce a quem fôsse capaz de olhar para mim sem sentir vontade de me bater... Era uma dó! Um fato tão bonito...
Como eu brinquei! Como eu fui feliz...
Era uma criança e a vida não me preocupava.
Mas agora outras cadeias me prendem! Outros amores me preocupam!...
Mas a saudade da minha aldeia, de Tavarede, essa subsiste, e tão intensa, que daqui, eu vejo, com os olhos da alma, a casa onde nasci, e onde minha mãi me aconchegou, me deu os primeiros beijos, e os primeiros açoites...
E bem merecidos êles foram, pelo visto, porque, homem feito já, eu não os esqueço, para me servirem de estímulo em acções presentes...

Lúcia-Lima!

Tavarede, que fica a dois quilómetros e meio da Figueira, dos puxados, aconchega-se na várzea ubérrima, entre encostas verdejantes e floridas.
Quem vai da Figueira pela estrada, depara, sem esfôrço, com o antigo palácio dos Condes de Tavarede, pitoresca construção solarenga, com os seus pináculos ornamentados, as gárgulas e as janelas ogivais, em pedra magnificamente rendilhada.
Já esqueceu ao povo o déspota que em remotos tempos ali viveu intra-muros.
Agora, a apalaçada construção, morre, desprezada, com a sua arquitectura a esboroar-se com o rodar do tempo.
Mas Tavarede tem uma coisa mais pitoresca ainda que o seu histórico palácio: a Lúcia-Lima.
Em noites de verão, os banhistas que se afastam do bulício da cidade, são, quando se aproximam da ridente aldeia, deslumbrados por um perfume intensíssimo que se desprende desta planta.
O limonete, como lhe chamam, na sua linguagem chã, os tavaredenses, é a graça da terra..
Quando vêm, pelo S. João, as cavalhadas de Brenha ou Buarcos, as môças enfeitadas com ramilhetes de limonete no peito gracioso, tem encanto, tem frescura...
O ar recende! E o aroma da Lúcia-Lima no ar embalsamado, faz crer a quem o respira que aquela planta ali se cria com fértil prodigalidade...
E é verdade! Com tanta fartura, tanta, que até já alcunharam a minha linda aldeia de terra do limonete!

Teatro de amadores

Os furiosos do teatro, foram sempre, em Tavarede, dos mais ferrenhos...
Grata lembrança tenho eu na minha mente, a respeito de espectáculos de amadores...
Mas sem ser do meu tempo, já em mil oitocentos e setenta e tal se representavam em Tavarede, as mais difíceis peças no Teatro do Palácio.
A sala de espectáculos de então, é agora uma estrebaria...
O entusiasmo era de tal ordem já nêsse tempo, que a autoridade teve que mandar encerrar a sala de espectáculos por causa das desordens que os despiques provocavam...
A sala encerrou-se mas os amadores redobraram de capricho...
...E foi então que, em 1904, se fundou a actual Sociedade de Instrução Tavaredense.
Os seus fundadores foram: Manuel Rodrigues Tondela, Augusto Biscaia, Manuel Fernandes Júnior, César da Silva Cascão, João Miguens Fadigas, João d’Oliveira, José Cardoso, António Jorge da Silva, António Luiz Motta, Joaquim Saraiva, Fradique Baptista Loureiro, António Gomes d’Apolónia, Manuel dos Santos Vargas e Francisco Cordeiro.
A nova associação propunha-se manter uma escola nocturna que tem funcionado ininterruptamente até aos nossos dias. Para a sua manutenção, angariação de fundos se impunha.
E foi então que se criou um grupo de amadores que, num teatro que era pertença da referida associação, dava espectáculos cujo produto se destinava á subsistência da referida escola, fornecendo material escolar aos alunos, etc.
A instrução aos alunos, nos quais se contavam alguns já homens, era ministrada gratuitamente por amigos dedicados da associação, dos quais é justo destacar Manuel Tondela, já falecido, pai da espôsa do distinto artista figueirense e nosso prezado amigo sr. António Piedade.
Actualmente as aulas nocturnas da Sociedade de Instrução tem uma frequência superior a 80 alunos.
O Grupo Dramático da Sociedade de Instrução Tavaredense, melhorou consideràvelmente desde que o brilhante jornalista e orador José Ribeiro foi nomeado ensaiador.
Espírito culto, conhecedor profundo da arte teatral, êle guindou o grupo de amadores de Tavarede a uma altura que, muito poucos, talvez mesmo nenhum grupo de amadores da província tenha atingido.
Falam a êsse respeito, e melhor do que nós, a quem podem acoimar de suspeito, os críticos das cidades onde se tem exibido, como Figueira da Foz, Porto, Coimbra, Tomar, Vizeu, Leiria, etc.
Críticos exigentes não lhe regatearam louvores.
O Primeiro de Janeiro, O Século, o Diário de Notícias, o Diário de Coimbra, etc. destacaram valores dentro do grupo; e os nomes de Violinda Medina, Emília Monteiro, Maria Tereza, João Cascão, Jaime Broeiro, António da Silva Broeiro, Manuel Nogueira, António Graça, António Santos, etc. surgem aureolados de fama.
O Grupo Dramático da Sociedade de Instrução Tavaredense conta no seu activo com enorme quantidade de espectáculos de beneficência a favor do Asilo S. João do Porto, Ninho dos Pequeninos, Asilo da Infância Desvalida, Diabéticos Pobres, Maternidade, Associação de Socorros Mútuos dos Artistas e Grémio dos Empregados no Comércio e Indústria, de Coimbra, Misericórdia e Jardim escola João de Deus, da Figueira da Foz, Santa Casa da Misericórdia e Sopa dos Pobres, de Tomar, e Jardim escola das Alhadas.
O Grupo Dramático da Sociedade de Instrução Tavaredense teve já um convite para representar em Lisboa, em récita de gala, convite que não poude ser aceite por imperiosos motivos.
Peças representadas pelo Grupo Dramático da Sociedade de Instrução Tavaredense:
O Sonho do Cavador, com 32 representações; A Cigarra e a Formiga, com 12 representações; Em busca da Lúcia-Lima, com 8 representações; Grão-Ducado de Tavarede; Evocação; Noite de Agoiro; Má Sina; A Espadelada (infantil), com 14 representações; Frei Tomaz; Os fidalgos da Casa Mourisca; As três gerações; As pupilas do Sr. Reitor; A canção do Berço; A Morgadinha dos Canaviais; Justiça de Sua Magestade; A Morgadinha de Val-flor; O Grande Industrial; Entre Giestas; Génio Alegre, etc.
O trabalho dessa gente, gente humilde, que trabalha de dia e à noite se instrui no teatro, sofre comparação com o trabalho de artistas...
E os críticos não se cançam!
E o grupo segue, na sua carreira triunfal.
Actualmente ensaia a Recompensa, oferta gentilíssima ao grupo do grande dramaturgo Dr. Ramada Curto. Esta oferta foi um triunfo para o grupo, porque a gentileza do Dr. Ramada Curto, distinguindo o grupo de Tavarede para a interpretação da sua famosa peça, fala mais, e mais alto, do que tôda a crítica portuguesa...

Mais outro grupo!

Mas quando era mais acesa a rivalidade entre os amadores tavaredenses, outro grupo se fundou: o Grupo Musical de Instrução Tavaredense.
Foram seus fundadores, António Medina, José Medina, Ricardo Simões Nunes, respectivamente pai e tios do director dêste jornal, Joaquim Severino dos Reis, Manuel Vigário, José Maria da Silva, José Migueis Fadigas, João Jorge da Silva, A. Medina Júnior, etc.
Lembro-me, de que, quando ainda era um garotelho, fugia de casa para ir assistir aos espectáculos.
António Medina Júnior, António Medina, José Medina, Emília Pedrosa Medina, Violinda Medina e Silva, Manuel Nogueira, etc., representavam então no novo grupo, num despique tão renhido com os de lá de cima, que só a êles se deve sem dúvida a magnífica pleiade actual de amadores que se esforçaram, à porfia, por fazer melhor uns que outros. E o resultado, pode dizer-se que foi maravilhoso...
Dêle saíram amadores que se podem classificar de grandes, em qualquer parte.
A Sociedade de Instrução Tavaredense mantém actualmente, em casa própria, um grupo de amadores teatral e uma escola onde recebem instrução para cima de oitenta alunos.
O Grupo Musical Tavaredense, instalado no Palácio dos Condes de Tavarede, mantém uma aula de música que é frequentada por mais de 40 alunos, não contando com a sua afamada e bem organizada Tuna - a popular Tuna de Tavarede.
Qualquer das associações tavaredenses marcaram já o seu lugar exuberantemente, a pontos de Alguém - com A grande - afirmar, solenemente, que Tavarede, em educação músico-teatral, caminhava na vanguarda de tôdas as terras suas semelhantes de Portugal!

Pic-Nics

Entre os componentes dos dois grupos tavaredenses cada vez são mais estreitas e afáveis as relações.
E assim, todos os anos se juntam, num passeio de franca confraternização, que pode ser para a Serra da Boa Viagem, ou para o pinhal do Sr. Dr. Cruz, na Borlateira. Para lá foi o dêste ano, e lá tirámos os pitorescos motivos fotográficos que publicamos.
As panelas fumegam, e refervem, e os pitéus, feitos ali, num alegre convívio e à sombra amiga dos pinheiros amigos, parece que têm outro sabor, o sabor da liberdade com que são comidos...
Depois há baile. Alegre baile, em que se bate, com mestria, o vira e o estalado.
E é vê-los, os pares, novos e velhos numa porfia, rodopiando e lançando ao ar embalsamado pela seiva dos pinheiros, as cantigas que dizem da alegria dos seus corações sempre moços...
São assim, alegres, os pic-nics da minha terra...
... E eu relembro-os, porque tenho saudades, saudades dos tempos em que, descuidoso, enlaçava a cintura das raparigas, airosas, risonhas, cheirando a limonete...
... e dançava, alegre, o vira e o malhão...

Água fresquinha...

Na várzea, mesmo na várzea, em pitoresca fonte, limpa, encantadora, brota a linfa cristalina... A água de Tavarede, famosa já pela sua pureza, leve e macia, de temperatura agradabilíssima tanto no verão como no inverno, caudal uniforme, é uma das preciosidades da aldeia.
A fonte tem poesia! À tardinha, ao morrer do sol no poente afogueado, as raparigas vão, airosas, de bilha à cabeça, colhêr a água pela fresca...
Em noites de luar, quando o ar está perfumado de limonete a frescura da fonte e os seus assentos de pedra convidam o banhista a um agradável repouso...
E a linfa murmura, murmura sempre, correndo das duas bicas da fonte, e no ar, rescendendo a limonete, a sua canção, canção que não se extingue, é doce inspiração para corações de namorados que adregam de refrescar suas bocas na água múrmura e cristalina da Fonte de Tavarede...

Paisagem!

Passeio magnífico, cheio de beleza, é o que se efectua indo para a Serra da Boa Viagem, passando por Tavarede e Brenha.
A várzea vicejante cortada por frescos canaviais, os ribeiros cantando no leito pedregoso, os vinhedos e os campos de trigo, cortados por extensas fileiras de esguios choupos, dão à paisagem tavaredense o aspecto das várzeas minhotas...
... e lá mais para cima, nos Canos, onde a água, a chapinar na roda das azenhas as faz mover, no rodar bendito que alimenta a mó que há-de transformar o trigo em farinha branca de neve, os salgueiros, delicados, a guardar as hortas, tornam a paisagem diáfana, com a sua folhagem tão mimosa...
... e as velas brancas dos moínhos a rodarem sem parança, no cimo dos montes, e lá dentro a mó rom-rom-rom, sempre, sempre sem descanço, dão ao bucólico panorama, movimento, vida...
... E dão o pão e a fartura aos lares dos aldeões...
... dos aldeões da minha terra!

Publicado em 'Jornal de Sintra' - 20/07/1938


Hospital Militar


Tivemos occasião um dia d’estes de visitar aquelle hospital, que, como se sabe, está instalado na casa que foi do fallecido dr. José Maria, ao alto do Pinhal, e onde posteriormente esteve estabelecido parte do collegio do sr. dr. Mendes Pinheiro.
Agradou-nos sensivelmente esta visita pela boa impressão que nos deixaram as diversas dependencias d’aquelle estabelecimento, que n’um praso muito curto, attenta a orientação que os seus dignos directores teem seguido no sentido de o dotar com todos os melhoramentos indispensaveis, se pode tornar uma casa de saude modelar.
Actualmente é seu director o sr. dr. José Gomes Cruz, digno facultativo civil.
(Gazeta da Figueira - 15.04.1915)

O Cavador e a SIT


O trabalhador é o braço forte do rico proprietario, porque este sem elle não terá o celleiro e a adega a trasbordar.
É do cavador que eu quero falar, d’esse operario que nenhuns direitos tem, o que menos instruido é, o que trabalha incansavelmente para garantir á familia o pão d’ámanhã. D’esse operario que cava a terra para fazer sahir d’ella loiras estrigas e que tem por lar uma casa infecta, onde vê morrer de fome os filhos.
Por toda a parte o cavador é dos operários que mais vive nas trevas da ignorancia, sendo raro o que frequenta a escola e o que manda para ella os seus filhos.
A escola d’elles é a taberna, esse covil de vicios e de crimes, onde todas as noites se juntam para jogar.

Francisco Loureiro - cavador e tocador de violino na Tuna do Grupo Musical

Já o temos dito muitas vezes e hoje repetimol-o: a taberna é o grande mal das classes trabalhadoras, porque é n’ella que o operario vae gastar – jogando e embriagando-se – o que ganha durante uma semana para sustentar a sua familia, que, faminta, se vê morrer n’uma casa infecta, victimada pela terrivel tuberculose.
Os meus patricios, esses escravos que de madrugada, descalços, de enxada ao hombro, encolhidos de frio, caminham para o seu trabalho, não comprehendem bem o que é a taberna, porque se o comprehendessem veriam n’ella todos os males da sociedade, todas as ruinas do operariado, e trabalhariam logo para a demolir.
Quereis passar bem as aborrecidas noites de inverno? Ide para a associação, porque n’esta localidade há uma, que muitas terras mais civilisadas do que a nossa, não possuem. Terão n’ella uma escola para aprenderem a lêr, arrancando se assim da sombra da ignorancia em que se envolvem, e para então comprehenderem os vossos deveres; terão um bom theatro para passarem algumas noites com vossas familias em fraternal alegria, como tambem se instruem, porque o theatro é uma escola.
É a Sociedade d’Instrucção Tavaredense a única associação que temos aqui, por isso todos os trabalhadores devem dar-lhe o seu apoio, reunindo-se n’ella todas as noites e fazendo os seus filhos frequentar a escola, affastando-os o mais possivel das casas dos vicios.
Sabemos que esta benemerita aggremiação dará esta época uma série de récitas aos seus associados, sendo muito breve a primeira com o sensacional drama – A Filha do Saltimbanco, que será desempenhada por alguns moços d’esta localidade e da Figueira.
A boa vontade da direcção da Sociedade d’Instrucção Tavaredense merece os applausos de todos aquelles que desejam vêl-a progredir.
Para a Associação, pois, trabalhadores, porque é ella a nossa escola, onde devemos, primeiro de tudo, instruirmo-nos para que, n’uma patria nova, como a nossa, possamos ser cidadãos conscientes!

(Publicada em 'Gazeta da Figueira - 10.11.1910)

Sociedade de Instrução Tavaredense - 38


Nos dias 27 e 28 de Maio de 1944, a Sociedade de Instrução foi a Pombal dar dois espectáculos, com as peças “O Sonho do Cavador” e “O Grande Industrial”, a favor da “Obra dos Pobresinhos de Pombal” e dos Bombeiros Voluntários daquela localidade. No regresso “por interrupção de luz nos faróis do veículo, este saíu fora do leito da estrada, a pouca distância da referida vila, e tombou-se sobre uma das árvores das margens, a qual evitou uma queda de alguns metros de altura, que podia ter graves consequências”. Felizmente, diz a notícia, foi apenas o susto e este não foi pequeno.
A nossa colectividade não ficou indiferente aos horrores da guerra, e em colaboração com a colónia francesa residente em Portugal, realizou no Parque Cine um espectáculo, a favor das crianças francesas vítimas da guerra, com a peça “Entre Giestas”.


“No “écran” foi passado o mais recente documentário da guerra sobre a libertação de Paris com episódios impressionantes, e cenas de luta, de sangue, de alegria e patriotismo, que ficará como fiel documento pela história fora”. Pelo representante em Portugal do Governo provisório da República Francesa, que estava acompanhado por duas senhoras francesas, vestindo os trajos nacionais da Alsácia e Lorena, foi feito expressivo agradecimento à nossa colectividade.
Entre Giestas
Também, por esta ocasião, recomeçaram as palestras dedicadas, em especial, aos elementos da secção dramática. A primeira, de uma série intitulada “Origem e evolução do Teatro” mereceu, num jornal figueirense, o seguinte comentário:
“Mais vale tarde que nunca... e José Ribeiro, que é profundo em matéria teatral, descreveu-nos, com uma clareza extraordinária – acompanhada de algumas projecções – como foi criado o teatro e a sua origem. Era na verdade indispensável que o soubessem, quem há muitos anos se dedica à nobre arte de Talma. Com o seu formidável improviso e um invulgar poder descritivo, deu-nos imagens maravilhosas de beleza e realismo. Tão belas, que não foram necessários diapositivos nem lanternas para nós as vermos como se fossem projectadas num “écran”. José Ribeiro levou-nos – em pouco tempo – como se fossemos de avião, à Grécia, à Itália, à Inglaterra, à França e à Espanha. Depois desta “viagem” ninguém saía do seu lugar: todos queriam “viajar” mais... É que José Ribeiro descreve com uma facilidade e uma clareza admiráveis”.
Um ano depois, e para inauguração da época 1945/46, realizou-se a segunda palestra sobre o mesmo tema. O mesmo jornal escreve novo apontamento, de que retiramos: “Os amadores de Tavarede sentem-se orgulhosos por terem um ensaiador que conhece profundamente de teatro. Técnico distinto, ensaia duma forma admirável: conhecendo os segredos da Arte, ele consegue que os seus colaboradores façam milagres. Para conseguir o seu fim educativo não se limita só aos ensaios, quere que os amadores tenham um mínimo de cultura. E então resolveu ensinar, através das suas palestras, um pouco do muito que ele conhece sobre a arte de Talma. A segunda palestra não foi inferior à primeira. Apesar de não ter sido acompanhada de projecções – por não se conseguir lanterna para projectar gravuras – ela não deixou de ser brilhante. José Ribeiro consegue dar-nos através do seu grande poder descritivo imagens cheias de vida. Formidável diseur, leu-nos o célebre “Monólogo do Vaqueiro”, uma passagem de “A Castro” e os finais do 2º e 3º actos de “Frei Luís de Sousa”, que impressionaram a assistência pela maneira como foram ditos”.
Esta notícia está assinada por “Um dos amadores” e não erraremos se indicarmos o nome de António Jorge da Silva, como seu autor. A terceira e última palestra desta série, teve lugar no dia 20 de Julho de 1947, mas, contrariamente às primeiras, não encontrámos qualquer notícia.
No relatório do exercício de 1945, está exarado o seguinte “Reconhecimento - ..... uma especial referência ao exmo. sr. Manuel Frederico Pressler, cumprindo-nos o grato dever de levar ao conhecimento de todos os consócios que, além de lhe ficarmos a dever uma peça admirável como é o “Horizonte”, que mais veio enriquecer o nosso repertório, devemos-lhe, também, a cedência, em proveito do nosso fundo de obras, dos seus direitos de autor, que impôs como condição teríamos de receber mesmo nos espectáculos dados por nós em prol de instituições de assistência..... reconhecimento sincero que já uma vez tivemos o prazer de lhe testemunhar, convidando-o para assistir a um jantar que lhe dedicámos, na nossa sede, e a que nos deu a honra de assistir, tendo este decorrido num ambiente de franca cordialidade, de maneira a deixar todos satisfeitos”.
O ilustre dramaturgo respondeu “... agradecer as palavras tão gentis exaradas no vosso relatório e a grande honra que me fizeram nomeando-me Sócio Honorário dessa prestimosa Colectividade. Mais uma vez quero afirmar o prazer que tive em que “Horizonte” fosse representado pelo vosso Grupo Dramático que, em todas as representações desta peça, actuou de maneira notável. Quanto à cedência dos direitos, nada há a agradecer-me. Servindo a Sociedade de Instrução Tavaredense, mesmo modestamente como fiz, prestei um serviço ao Teatro português; e, se o Teatro é a vossa causa, é também a minha causa”.

Foto: 'Entre Giestas'

Sociedade de Instrução Tavaredense - 37

No dia 10 de Outubro de 1942, foi levado à cena “O Sonho do Cavador”. Calculou a direcção que seria a 50ª representação e pensou comemorar o facto. “Pode haver uma pequena diferença para mais ou para menos, pois apesar dos esforços feitos nesse sentido, ainda não nos foi possível precisar ao certo o número de representações, por falta de elementos”. Por este motivo, e atendendo a que a peça nunca pagou quaisquer direitos aos seus autores, foi deliberado que num dos intervalos daquela representação se homenageassem os referidos autores.
Foi uma festa surpresa. E, além de vários ramos de flores, foi feita a oferta ao ensaiador sr. José Ribeiro de um relógio de pulso e ao maestro e compositor sr. António Simões um objecto de prata. O nosso conterrâneo não gostou da atitude tomada e, de imediato, enviou à direcção a seguinte carta:





“A linda festa com que fui surpreendido comoveu-me e aviva mais ainda os motivos de reconhecimento que já tenho para com os componentes do grupo cénico. Lamento, sinceramente, que a vossa amisade não respeitasse as conveniências de todos – as da SIT e as minhas. O objecto que me ofereceram era dispensável: só serviu para empanar um tanto a grande alegria que a vossa festa me deu. O dinheiro da SIT, ganho com tanto esforço por todos nós, não é para ser mal gasto. Foi um mau acto que praticaram, tanto como de administração perdulária como incitamento à indisciplina. Não se devia esquecer isto, que agora pode dizer-se: o ensaiador tem obrigação de aturar porque... recebe presentes. Acresce que, não estando eu sozinho como presenteado, nem sequer posso corrigir o vosso erro pela única maneira viável, porque poderia ofender quem não deve ser ofendido”.
Como se costuma dizer, Mestre José Ribeiro “cavou sempre com a mesma enxada”. Num dia do seu aniversário natalício, a direcção, em colaboração com os amadores e amadoras do grupo cénico, resolveu ir cumprimentá-lo a sua casa. A amadora Violinda Medina, a pedido dos directores, havia comprado uma camisa para lhe oferecer. Aceitou-a, mas, depois, exigiu saber o seu custo e entregou à colectividade o respectivo valor... para não ficar em dívida!
Durante várias décadas, a nossa terra foi um verdadeiro “alfobre” de músicos. As tunas que aqui existiram bem o confirmam. No entanto, e por motivos que desconhecemos, esta arte passou a ser um pouco esquecida pelos tavaredenses. Para as peças musicadas, muito em especial a partir da segunda metade dos anos vinte, a orquestra passou a ter a colaboração de grandes e dedicados amigos da colectividade, nomeadamente de Brenha e Alhadas. A ilustre Família dos “Cardosos”, foi a principal fornecedora, praticamente única, em instrumentos de corda (violinos e violoncelo).
Pois é de dois músicos brenhenses que vamos transcrever dois apontamentos que encontrámos em cartões que enviaram por ocasião do aniversário comemorado em 1942. A sua dedicação à causa do teatro tavaredense merece bem esta breve evocação. O primeiro, é de Joaquim Cardoso, o mais velho na colaboração: “Sem a Sociedade de Instrução Tavaredense eu não saberia o que sei, não conheceria o que conheço nem sentiria o que de belo senti no decorrer dos anos que me foi grato conviver no seio de tão filantrópica colectividade. Por isso um abraço de agradecimento aos velhos veteranos da Sociedade, especializando o seu chefe da Secção Dramática, figura de inegualável valor e saber que é o meu querido amigo José da Silva Ribeiro”.
O outro apontamento foi enviado, na mesma data, por um outro velho amigo e colaborador brenhense, Eugénio Gomes Luís. Escreveu então: “Faço votos para que as novas gerações saibam compreender os esforços que os veteranos e os que já descansam a vida eterna, dispensaram em proveito da instrução de Tavarede, e regozijo-me por saber que acabam de adquirir a sede. Ávante, rapazes! Dos fracos não reza a história! Eu já estou velho e quase caduco, mas se mesmo assim vos prestar para alguma coisa, mandem sempre”.


Em Tomar, a Sociedade Filarmónica Gualdim Pais resolveu atribuir à nossa colectividade o diploma de Sócio Honorário. E, juntamente com uma cópia da proposta, enviaram a carta de que copiamos: “....... atitudes como a vossa, deslumbram-nos; servindo de Exemplo do melhor e bem dignos de seguir, porquanto se nos depara surpreendente, pelo trabalho árduo e vivificador, cheio de beleza e sentimento de Arte Humana pela Vida, e de Vida pela Arte. Maravilhosa concepção esta, dum forte espírito disciplinado e criador, nas pessoas de todos os componentes do Grupo, e do eloquente e incontestados mérito e inteligência do nosso querido Amigo, José da Silva Ribeiro, que tão proficientemente sabe cimentar, mesmo no mais rude elemento, os melhores e salutares princípios de Solidariedade”.
Fotos: 1 - Auto da Mofina Mendes; 2 - O Grande Industrial

Sociedade de Instrução Tavaredense - 36

A década de 1940/1950 é de grande actividade. Aliás, a compra do edifício da sede, as obras necessárias e a aquisição do terreno anexo onde, anos mais tarde, se construíu o pavilhão desportivo e que, quando da compra, passou a ser utilizado para as grandes festas de arraial e da prática desportiva, nomeadamente basquetebol e voleibol, haviam esgotado todos os parcos recursos financeiros.
Bastará atentar-se nos números: 147 espectáculos durante esses dez anos, dos quais 49 em benefício de diversas instituições. Como peças, além das já referidas anteriormente, “Recompensa”, “A Morgadinha de Valflor”, “Génio Alegre”, “O Grande Industrial”, “Entre Giestas”, “Envelhecer”, “Horizonte”, outras passaram a fazer parte do repertório do grupo cénico, como "Sonho duma Noite de Verão”, “O sr. Tibúrcio”, “A Nossa Casa”, “Injustiça da Lei”, “Cobardias”, “Raça” e algumas comédias, tendo, também, sido renovado “O Sonho do Cavador” e apresentado ao povo tavaredense, pela primeira vez, Gil Vicente, com os autos “Mofina Mendes” e “Barca do Inferno”. Grande êxito, neste período, alcançou igualmente o espectáculo “Noite de Teatro Português”, uma compilação de Mestre José Ribeiro, que recebeu elogiosas críticas, como adiante veremos.
Se contarmos as peças que o grupo tavaredense tinha em representação, naqueles dez anos, (cerca de quinze), teremos de reconhecer que era enorme o esforço e a dedicação dos amadores e do seu ensaiador.



Os espectáculos para fins beneficentes eram sempre bem acolhidos. São inúmeros os agradecimentos recebidos pela colectividade. Deles, escolhemos este, que consta duma carta recebida da Comissão de Assistência da Pampilhosa do Botão: “Foi valioso o seu auxílio e não temos palavras com que vo-lo agradeçamos. Sentimos comoção só em pensá-lo. O melhor agradecimento que podemos fazer-vos é dar-vos a certeza de que, a vossa vinda aqui, contribuíu para matar a fome a muitos desgraçados e para vestir alguns esfarrapados: dar esmolas já que a justiça não existe. Para vós, que sabeis sentir, esta será a mais valiosa recompensa. Depomo-la nas vossas mãos com a mesma comoção com que temos ouvido as súplicas de mães com fome e semi-nuas que se nos dirigem. São as suas lágrimas e os sorrisos das crianças que temos para vos ofertar. Aceitai-as, pois, com a nossa Gratidão”.
A escola nocturna prestou inestimáveis serviços na instrução e educação do povo tavaredense. Mas, em 1942, não abriu as suas aulas. Um decreto, que regulamentava o ensino particular, a partir daquele ano, impunha que, como escola de ensino particular requeresse o correspondente alvará e os seus professores teriam de ter as habilitações académicas iguais aos professores do ensino oficial. Impossível cumprir estas determinações.
Em Abril de 1942, e para cumprimento do decreto 31908, foi escrita uma carta ao Comissário Adjunto da Organização Nacional da Mocidade Portuguesa: “Durante mais de 30 anos esta colectividade manteve a sua escola nocturna, especialmente frequentada por adultos e na qual se ministrava o ensino das primeiras letras, ensinando-se a ler, escrever e contar. O seu fim era reduzir o número de analfabetos que, por trabalharem durante o dia, só à noite podiam frequentar a escola. Felizmente, com o decorrer dos anos, pode hoje quase dizer-se que não há analfabetos nesta localidade. E como as crianças em idade escolar frequentam as escolas primárias oficiais diurnas que funcionam nesta freguesia, a frequência da nossa escola nocturna foi sensivelmente diminuindo. Presentemente esta escola já não funciona”.
Ainda houve, posteriormente, várias tentativas de reabrir a escola nocturna, mas não se conseguiu forma de ultrapassar os obstáculos legalmente impostos. E terminamos as nossas histórias sobre a escola nocturna da SIT com este retalho que retirámos do livro “50 Anos ao Serviço do Povo”


“Escrevemos estas notas e vemos surgir diante de nós a figura de António da Silva Broeiro. Estamos a ouvi-lo naquela sessão solene em que, pouco antes de morrer, a todos surpreendeu e comoveu com a sua expontânea e impressionante confissão. Apresentava-se como produto da Sociedade de Instrução Tavaredense: Eu sou, dizia ele, o que a Sociedade de Instrução Tavaredense de mim fez. Devo-lhe tudo. Comecei lá em baixo, na escola da noite, onde me ensinaram a ler, escrever e contar. Só à noite podia ir à escola: teria ficado analfabeto se não fosse a escola nocturna. Depois trouxeram-me para o teatro (e recordava o nome de João dos Santos), ensinaram-me a compreender o que lia, ensinaram-me a falar, a conversar, a ouvir. Aqui fui instruído e educado. Recebi lições, aprendi coisas, tive ensinamentos, fixei exemplos que me serviram pela vida fora. A acção da Sociedade de Instrução Tavaredense exemplifico-a em mim próprio”.
Fotos : 1 - 'Génio Alegre' (Violinda Medina, Maria Teresa Oliveira e João Cascão); 2 - António da Silva Broeiro (tio)

terça-feira, 13 de julho de 2010

Sociedade de Instrução Tavaredense - 35

As negociações para a compra do edifício da sede resultaram frutíferas. E em nova assembleia geral extraordinária, no dia 24 de Julho de 1940, foi prestada a informação das conversações havidas com o sr. Arménio Santos. “Este esclareceu que de modo algum pensara em impor o despedimento à Sociedade de Instrução Tavaredense; que, reconhecendo as dificuldades desta, reduziria a renda para cem escudos mensais; e, tomando em conta as obras feitas pela
Sociedade, a que atribui o valor de doze mil escudos, e dando ao quintal o valor de oito mil escudos, se a Sociedade preferir adquirir o edifício, vendê-lo-ia por trinta mil escudos. Por fim, e mostrando a melhor vontade e acentuando que a Sociedade adoptaria a solução que preferisse, o sr. Arménio Santos acedeu a vender a casa por vinte e quatro mil escudos”.



Depois de discutido o assunto, e porque a colectividade tinha, naquela ocasião, os recursos necessários, foi deliberado aceitar a proposta para a compra do prédio por vinte e quatro mil escudos. Igualmente a assembleia foi informada que, caso a Sociedade viesse a ter a necessidade de adquirir algum terreno anexo para futuras obras, o sr. Arménio Santos, em caso de resolver vender esse terreno, daria a preferência à Sociedade para a sua compra total ou parcial.
O grupo dramático prosseguia, normalmente, a sua actividade. Registamos a nota de que, ao espectáculo realizado no Casino Peninsular, no dia 27 de Março de 1940, que reverteu em benefício do Hospital da Misericórdia da Figueira, com a peça “Entre Giestas”, assistiu o seu autor, Carlos Selvagem, que “exprimiu a sua admiração pelo admirável conjunto que observou na interpretação da sua peça”. Este dramaturgo havia já prescindido dos seus direitos de autor, para esta peça, em benefício da nossa colectividade.
Entre Giestas
Mais uma vez o grupo se deslocou a Tomar, em espectáculos cuja receita se destinou à Casa dos Pobres. Representaram-se as peças “Entre Giestas” e “O Grande Industrial”. Das representações destas peças “que a interpretação dos seus comediantes conseguiu arrancar à gélida plateia tomarense o quente aplauso duma verdadeira apoteose”, um jornal local termina os seus comentários desta forma: “Nesta despretenciosa resenha dum acontecimento semanal, não podemos deixar de destacar “Clara”, no “Entre Giestas”, encarnação viva do “Angelus” de Millt, ou de aplaudir “Consuelo”, na descrição primorosa do “repique” como dois extremos histriónicos de invulgar relevo. Todavia, se muito admirámos Violinda Medina, João Cascão, os Irmãos Broeiro e outros, mais admirámos ainda o milagre de Tavarede, pela fraternidade que une aquele grupo, que há tantos anos vêm dando uma lição de optimismo e de arte, fazendo do Belo o Bem, ao qual Tomar, os pobres de Tomar, já há muito são devedores”.
Durante o ano de 1941, a colectividade perdeu dedicados sócios. O director do grupo cénico, Mestre José Ribeiro, na sua qualidade de presidente da assembleia geral, na reunião da aprovação das contas daquele exercício, “disse que tinha um triste dever a cumprir: o de evocar ali a memória de três queridos e ilustres consócios que a morte nos roubara: João Gaspar de Lemos Amorim, o escritor e poeta distintíssimo, que durante muitos anos, desde o seu regresso de África até, pode dizer-se, à sua morte, deu à nossa colectividade o concurso da sua brilhante inteligência, tendo o nosso grupo cénico representado algumas peças da sua autoria; Dr. José Gomes Cruz, médico distinto, grande cidadão e fervoroso apóstolo da instrução e da educação popular, cuja acção neste capítulo foi notável no concelho da Figueira da Foz, estando o seu nome ligado à vida da Sociedade de Instrução Tavaredense; e Manuel Jorge Cruz, outro tavaredense que muito honrou a nossa terra e cuja vida foi um exemplo admirável de nobreza e de bondade, tendo prestado à vida associativa de Tavarede serviços inesquecíveis”. Propôs, então, que na acta ficasse exarado um voto de profundo pesar pela morte daqueles queridos consócios e se guardasse um minuto de silêncio em homenagem à sua memória, o que foi aprovado por unanimidade e aclamação.




Como simples registo, anotamos que, pelo Natal e Ano Novo, nos anos de 1940 e 1941, o Grupo Musical e de Instrução Tavaredense quis fazer reviver, pelo seu grupo cénico há muitos anos extinto, uma velha tradição. Para tal solicitou à Sociedade de Instrução a cedência da sua sala de espectáculos para a representação, naquelas datas, do célebre 'Presépio', no que foi atendido, tendo esta colectividade colocado à sua disposição todo o material necessário, desde cenários ao guarda-roupa, tudo gratuitamente. Nestes espectáculos a maior parte dos intérpretes eram componentes do grupo cénico da Sociedade de Instrução, para onde haviam transitado, após a extinção do grupo cénico do Grupo Musical em 1931.
Tinhamos, então, seis anos. Mas recorda-nos perfeitamente que, no quadro 'A Passarola', o intérprete do 'Pastor', o nosso saudoso Pai, Pedro Medina, nos levava às cavalitas, enquanto subia a serra amparado ao seu bordão...

Fotos: a antiga sede da SIT e o 'Presépio' (antigo) pelo Grupo Musical

Sociedade de Instrução Tavaredense - 34


Muitas vezes somos surpreendidos quando vasculhamos velhos arquivos. Na correspondência da nossa colectividade, que é pena não existir anterior a 1937, encontrámos uma carta do director cénico, datada de 5 de Maio de 1937 e dirigida à direcção, na qual ele refuta alguns ditos. “Não é a primeira vez que directamente me dizem que já não há espectáculos em Tavarede porque me recusei a ensaiar o grupo dramático. Nada menos verdadeiro”.
Sabemos, até por conhecimento pessoal, que muitas vezes o director cénico escreveu às direcções sobre problemas surgidos, muito em especial sobre a falta de assiduidade de alguns amadores aos ensaios por ele marcados. Mas, confessamos, esta carta não conhecíamos. E depois de rebater aquele dito, escreveu:
“Quanto ao mais, tudo continuarei a fazer como até aqui, pois muito bem sei eu que não é fácil substituir-me de momento na actividade que até aqui tenho desenvolvido. Continuarei, pois, a escolher peças, a tratar de direitos de autor, de cenários, de músicos, de guarda-roupa, de montagens, de propaganda, até mesmo de fazer a limpeza ao palco, se tanto fôr preciso – e já não seria a primeira vez. Acharão pouco ainda? Mas, afinal, o que é que eu me nego a fazer? Apenas isto: falar aos amadores, pedir-lhes o altíssimo favor ou dar-lhes ordens para comparecerem. Estou cansado de
pedir favores e fartíssimo de dar ordens. Nem mais uma vez o farei. Nenhum amador ou amadora irá representar porque eu dei ordem; nenhum amador ou amadora irá representar para me fazer favor.
Por momentos chega a parecer que só uma pessoa tem obrigação de trabalhar: eu. Os outros... fazem favor ou obedecem ao dono... Ora eu não estou disposto a ensaiar escravos, mas tenho, sim, grande prazer em ensaiar pessoas conscientes e livres. E também não quero proceder como se eu tivesse no teatro interesses que os outros não têm. Isto é tudo quanto há de mais claro, mas, se precisarem de mais desenvolvidas explicações, estou às ordens para dá-las imediatamente...”.
Todos quantos passaram alguns anos por esta Sociedade, como amadores, directores ou colaboradores, e tenham acompanhado a actividade de Mestre José Ribeiro, recordar-se-ão que, muitas vezes, ele tinha estes “desabafos”. Não raramente, até, um pouco injustos. Alguns amadores ou algumas amadoras, pela sua vida particular ou profissional, nem sempre podiam ter a disponibilidade de horários que ele estabelecia. Mas todos reconheciam que tudo o que ele dizia era fruto de uma dedicação sem limites, tanto à colectividade como ao teatro.
Recordamos agora que, desde a sua fundação, a Sociedade de Instrução sempre utilizou, gratuitamente, a casa do Terreiro, propriedade de João dos Santos e que, pelo seu falecimento em 1931, os herdeiros concordaram manter a mesma situação. Até que, em Maio de 1940, os directores tomam conhecimento de uma carta do sr. Arménio Santos, que, em seu nome e em nome dos restantes herdeiros, comunica que “em virtude da sua actual situação financeira, lhes era impossível continuar a ceder gratuitamente a sua casa”. Foi, então, efectuado um contracto de arrendamento estabelecendo a renda mensal de cento e setenta escudos.
Era um encargo bastante pesado para as posses da colectividade e pensaram na aquisição do prédio. Contactados os proprietários, eles informaram que estavam na disposição de vender o prédio por 50 mil escudos com o quintal, ou 40 mil sem o mesmo. Mas esta importância era incompatível com as possibilidades da associação, além de que entendiam o prédio não valer tal montante. Foi, então, convocada uma assembleia geral para tratar do caso.
“Depois de discutido o assunto, a assembleia deliberou que se comunicasse ao sr. Arménio Santos que à Sociedade era impossível pagar a renda de cento e setenta escudos; e na hipótese de ele não poder reduzi-la, a partir de 1 de Agosto próximo, para cem escudos ou vender o edifício por quantia compatível com os recursos da Sociedade, esta ver-se-ia coagida a sair da casa onde, desde a sua fundação, tem vivido, devendo neste caso a direcção entender-se com a direcção do Grupo Musical e alugar casa para instalação da sede e guarda do mobiliário e outros haveres, ao mesmo tempo que trataria das diligências necessárias para a construção duma sede”.


Por impedimento do presidente da assembleia geral, João Gaspar de Lemos Amorim, presidiu à sessão Mestre José Ribeiro, que “evocou a memória do fundador desta casa onde nos encontramos, que especialmente a adaptou a teatro – o extinto e benemérito cidadão João Costa, e a do nosso saudoso sócio benemérito João dos Santos, sem cuja generosidade a Sociedade de Instrução Tavaredense não poderia ter realizado a obra de que se orgulha. Recordou ainda que, após a morte de João dos Santos, procurando-se obter a passagem da sede para a pose da Sociedade, para o que era indispensável a aquiescência dos herdeiros, encontrou-se no herdeiro sr. Arménio Santos, a mais completa boa vontade e ampla generosidade, pois logo declarou que a sua parte a oferecia completamente à Sociedade, mas esta tentativa não pôde ir por diante, porque se esbarrou na negativa da herdeira srª D. Felismina Santos, que declarou que não cederia nem uma telha...”. As negociações continuaram.

Fotos: José da Silva Ribeiro e Grupo cénico 1938

Sociedade de Instrução Tavaredense - 33


Embora tivessemos vontade de recordar, ou antes, de dar a conhecer aos nossos leitores, tudo quanto Mestre José Ribeiro escreveu sobre teatro e, principalmente, sobre o teatro em Tavarede, durante a sua prisão, não é possível fazê-lo. Ocupar-nos-ia imenso espaço. Mas, é pena, porque, na verdade, tudo aquilo acaba por fazer parte integrante, embora indirectamente, da história da nossa centenária colectividade.



Cortejo Etnográfico 1940


Entretanto, e que nos seja perdoado o atrevimento, ainda vamos buscar mais dois retalhos, os quais escolhemos das cartas que escreveu à amadora Violinda Medina. O primeiro foi escrito no Porto, em Março de 1939. “........ oiça lá a promessa que lhe faço: hei-de ler-lhe os 5 actos da “Psyché”, de Molière, verdadeira maravilha do género. Quero que a Violinda fique fazendo uma ideia do que já o Molière fazia no século 17. A “Psyché” devia ser um espectáculo grandioso, cheio de delicadeza e ao mesmo tempo rico de fantasia, de grandiosidade espectacular, sem falar na riqueza literária, na qual Corneille tem também grande quinhão – o principal quinhão.
Não faz ideia! O pior é que, estando em francês e tendo eu de lha ler em português, sai coisa estropiada, porque é impossível traduzir à leitura sem estragar a linguagem. Mas quero que aprecie a técnica, a construção da peça, e a grandiosidade do espectáculo. Eu não conhecia isto! Que vergonha! Sou um ignorante! E alguns que por aí andam, com ares de saberem muito, conhecem de teatro ainda menos do que eu...”.
Finalmente, e na última carta que enviou à mesma amadora, em Maio de 1939, já de Lisboa, onde foi julgado e absolvido, José Ribeiro escreveu a determinada altura: “Poderá a Violinda voltar a fazer a Clara, do Entre Giestas? E quando? Sabe, estão aqui amigos que gostam de teatro e são amigos do Ramada (Curto). De modo que, a propósito da “Recompensa”, e como alguns companheiros vindos do Porto falaram do grupo tavaredense, entabulou-se conversa teatral. Durante mais de uma hora, os meus amigos Major Areosa, dr. Basílio, Coronel Ramos, Castro e outros, ouviram-me falar da “Canção do Berço”, da crítica estrangeira, da adaptação cinematográfica e da tradução portuguesa que a Sociedade de Instrução representou. O curioso é que, quando eu lhes descrevi a peça, ao terminar reparei que todos estavam comovidos e os olhos do Coronel Ramos e do dr. Basílio tinham lágrimas. Esta boa gente escuta-me, com atenção e não me chamam maçador!”.
Como dissemos, muito mais de interessante e que podia integrar-se nas nossas histórias, se encontra nas muitas cartas trocadas. Mas, sobre este assunto, ponto final, como se costuma dizer.


Ainda em 1938, a 24 de Abril, o grupo tavaredense levou à cena outra peça que deixou fama: “Génio Alegre”. E foi com esta peça que, no dia 22 de Julho de 1939, tendo, entretanto, regressado Mestre José Ribeiro e restabelecida a saúde de Violinda Medina, retomaram a actividade teatral, depois de um interregno superior a um ano, precisamente num espectáculo de homenagem àquela amadora que “depois da sua grave doença retoma o seu lugar no nosso grupo cénico”.
Com tanta energia e vontade se dedicaram aos ensaios e récitas que, de 22 de Julho de 1939 a 1 de Janeiro de 1940, realizaram doze espectáculos em Tavarede, Buarcos, Figueira, Coimbra e Quiaios, com as peças “Génio Alegre”, “Entre Giestas” e a nova peça “Recompensa”.
E do relatório da direcção do biénio 1938/1939, transcrevemos dois breves apontamentos. O primeiro, e depois dos habituais agradecimentos aos amadores, refere “...... para os outros, isto é, para os que, com razão ou sem ela, se afastaram sem a mais leve explicação, vai a indiferença fria e serena dos que ficaram. Igualmente para os que procuram fazer facilmente a digestão sem serem incomodados; para os que tudo criticam por prazer de criticar e que nada produzem em benefício da colectividade; para os chefes de comícios rebeldes de comissões de desagregação na via pública e na taberna, vai o nosso profundo desgosto e também a nossa indiferença!”. E terminam o referido relatório com este apelo: “à direcção que nos suceder e ao director do nosso grupo cénico, pedimos que se não esqueçam de auxiliar, na medida do possível, os associados doentes ou os sem trabalho; que se lembrem, sempre, que são os componentes do grupo cénico os mais sacrificados e, por conseguinte, tanto rapazes como raparigas, homens como mulheres, os que mais direitos têm em ser auxiliados”.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

António Pedro de Carvalho

Comerciante, com estabelecimento de mercearias e vinhos. Foi ele quem, em 1938, adquiriu à Diocese de Coimbra o edifício onde tiveram a sede o Grupo Musical e, depois, o Grémio Educativo. Este prédio era pretendido por uma comissão de moradores, encabeçada por Belarmino Pedro, para ali instalarem uma Casa do Povo. Não o conseguiram e António Pedro de Carvalho, instalando ali o seu estabelecimento, deu-lhe, ironicamente, o nome de Loja do Povo. Era natural do lugar de Lameira, da freguesia de Luso, Mealhada, e casou com Etelvina Pereira, da mesma localidade.
Profissionais do mesmo ramo, manteve grande rivalidade com António Lopes. Tiveram mesmo graves desavenças. No entanto, vamos recordar um episódio ocorrido entre os dois, que, na verdade, acabou por ter graça e que ocorreu em Agosto de 1961.
António Lopes deixara o cargo de presidente da Junta de Freguesia e era o correspondente local do jornal “O Figueirense”. Passou, até, a ser um grande crítico em relação à actividade daquele órgão autárquico. Escreveu, então, uma local, sobre o funcionamento do relógio da torre da Igreja, que havia sido adquirido por subscrição pública, onde referia “…um destes últimos dias, eram sete horas e dez minutos no nosso companheiro de há mais de quarenta anos e que diariamente acertamos pela Emissora Nacional, os ponteiros do relógio da torre de Tavarede marcavam seis e meia horas e ouvimos, nada mais nada menos, do que bater… treze badaladas!”.
António Carvalho não perdeu a oportunidade para mais uma “ferroada”. Escreveu para aquele jornal uma carta de onde recortamos este pedaço: “Tem toda a razão o seu solícito correspondente, sr. Director! Toda a razão!
Mas eu peço a devida licença para dizer que, com todo o arrazoado de agora — e outros de igual quilate em números transactos - o correspondente pretende talvez que, quem tem a infelicidade de o ler, se convença de que caiu sobre esta terra, de há dois anos para cá, uma série de desgraças só pelo facto da Junta de Freguesia não ser ainda presidida pela pessoa que durante 14 anos desempenhou essas funções a seu belo talante.
Se é como suponho, aconselho que tenha mais calma, pois pode candidatar-se daqui por dois anos e pico e montar negócio dentro do burgo. Isto, agora, é uma calamidade!
Mas o que eu lamento — e o que toda a gente de bom senso certamente também lamenta - é que só agora o seu correspondente veja que o relógio anda "desorientado", pois é doença - congénita! - que trouxe já da terra onde foi fabricado — Tarouca.
Ele sabe que é assim; o pobrezito já veio daquela terra enguiçado, e talvez tenha até - quem sabe? - responsabilidade na sua aquisição. E se a doença - de nascença! - tem cura, o remédio devia ter-lhe sido ministrado por quem de direito, há muitos anos, que bastante tempo para isso tiveram.
Quem hoje no caso podia intervir — se o mal tivesse remédio — responsabilidade alguma tem na aquisição de aparelhagem tão ordinária, que há dilatados anos - ou só agora? - vem desorientando o povo da terra do limonete.
Além disso, julgo não ser de admirar que o relógio "marque" tão pessimamente, se atendermos aquilo que o seu solícito correspondente diz a respeito do seu próprio relógio... "eram sete horas e dez minutos no nosso companheiro de mais de quarenta anos e que diariamente acertamos pela Emissora Nacional "...
Outra desgraça, senhores da terra do limonete!
Também regula mal o relógio do correspondente em Tavarede do jornal "O Figueirense", pois que diariamente desde há 40 anos, pelo menos, o acerta pela Emissora Nacional! É bem certo que uma desgraça nunca vem só! O facto, que deveras lamentamos! — leva-nos a concluir que o correspondente o adquiriu também na Tarouca; se assim não foi, isto é, se a proveniência é outra e de marca de confiança absoluta, o relógio não regulará bem, pelo facto, - talvez! da companhia...”.
Caderno: Tavaredenses com História

Sociedade de Instrução Tavaredense - 32


Encontram-se muitas críticas e comentários às diversas representações de “O Grande Industrial”. Recolhemos este apontamento: “...... Já nos tinham falado com admiração, dos amadores que aqui representaram (Coimbra) “O Grande Industrial”, no Teatro Avenida. Na verdade, é preciso raro talento da parte de quem escolheu entre humildes trabalhadores, as personagens que haviam de interpretar, não só as figuras exteriores, de casacas e vestidos elegantes, como o “interior”, a alma tão diferente, tão afastada, da dos seus intérpretes, pela sua condição..... Mas seria injusto deixar de confessar que entre os elementos do grupo de Tavarede existem surpreendentes vocações, alguns amadores tão bons como certos profissionais da cena”.
Pelas festas comemorativas do 34º aniversário da fundação, um novo êxito subiu à cena no palco de Tavarede. Estreou-se, no dia 22 de Janeiro de 1938, a peça “Entre Giestas”, do dramaturgo Carlos Selvagem.
Devemos referir que, em Julho de 1937, a polícia política havia suspendido a publicação do jornal figueirense “A Voz da Justiça”, dos tavaredenses Manuel Jorge Cruz e José da Silva Ribeiro, entre outros sócios da Tipografia Popular, saqueando e roubando todo o equipamento e maquinaria. A Sociedade de Instrução Tavaredense foi bastante prejudicada. Aquele jornal foi, desde a sua fundação, um verdadeiro “porta-voz” da colectividade. José Ribeiro, com a intenção de ajudar os operários daquela tipografia, que ficaram desempregados, tentou um novo periódico, “Jornal da Figueira”. Também por problemas políticos, esta publicação não vingou. Teve uma curtíssima existência, somente entre Abril e Julho de 1938. Com mais uma prisão do seu ensaiador, novamente o grupo cénico tavaredense se viu forçado a interromper a sua actividade, que, naquela ocasião, era já enorme, graças ao repertório em cena.







O Grande Industrial (Manuel Nogueira, António Graça e Violinda Medina)





Durante o seu cativeiro, desta vez na prisão do Aljube, no Porto, José Ribeiro esteve com o seu pensamento sempre em Tavarede e no teatro. A sua principal amadora, Violinda Medina e Silva, havia novamente adoecido. As notícias que José Ribeiro recebeu, sobre esta doença, afligiram-no. Escreveu-lhe, então, uma longa carta.
“........ Calcule a Violinda com que saudades lembro os ensaios... O meu grande desejo conhece-o a Violinda, conhece-o toda a sua família e conhecem-no todos os nossos amigos do teatro: que se restabeleça completamente. Com a saúde há-de voltar-lhe a alegria, que tanto lhe admiramos. A sua saúde é preciosa, para a sua filha, para a sua família, para mim e para os nossos companheiros do grupo. Olhe que o grupo não pode passar sem a Violinda! Esta afirmação, que é verdadeira, não pode servir para considerar interesseiros os meus desejos de melhoras. Não: acima de tudo a saúde da Violinda, mesmo com sacrifício do teatro, se tanto fosse preciso. E olhe que, se a Violinda agora deixasse o grupo, já lhe tinha prestado serviços relevantíssimos, inesquecíveis e que não podem ser-lhe pagos senão com a gratidão de todos nós – e à frente de todos, nesse preito de gratidão, coloco-me eu. Pense, pois, na sua saúde como primeira razão”.


Entre Giestas (Francisco Carvalho,Fernando Reis e João Cascão)


Também escreveu à direcção da colectividade, lembrando que “a exemplo de casos idênticos, era conveniente auxiliar-se, devido ao seu estado de saúde, a nossa amadora Violinda Medina, caso se verificasse que, efectivamente, ela necessitava de qualquer auxílio”. Como a direcção tivesse conhecimento de que, na verdade, “a doente tinha feito grandes despesas, logo que assentou no quantitativo a conceder, com a condição de se não divulgar, razão porque aqui é omitida”.
Realmente, e consultando o livro de caixa, não se encontra qualquer vestígio deste auxílio. Encontramos, sim, a compra de um aparelho de telefonia, da marca RCA, usado, por 700$00 e uma mobília com 13 peças, por 1.600$00!!! Como termo de comparação, registe-se que um espectáculo no Casino Peninsular, com a peça “O Grande Industrial” teve uma receita bruta de 2.288$00 e uma despesaa de 1.174$10. Acrescentemos que, naqueles tempos, os foguetes para o aniversário custaram 140$00 e que um almoço, oferecido por ocasião do Natal, aos amadores e colaboradores do grupo dramático, importou em 851$95, mais 100$00 pagos à orquestra “Caixeiros Melody-Jazz”, que abrilhantou o mesmo!

Sociedade de Instrução Tavaredense - 31


Havíamos dito que voltaríamos à peça “Canção do Berço”. A Misericórdia da Figueira organizou um espectáculo, no Casino Peninsular que, no dizer da imprensa de então, era “a primeira vez que, no nosso país, se apresenta um programa com estas características: permitir apreciar a mesma obra num só espectáculo, nas duas interpretações diferentes: a teatral e a cinematográfica”.
A primeira parte do programa constou da representação, pelo nosso grupo cénico, da peça Cancion de Cuna, de Martinez Sierra, traduzida pelo poeta dr. Carlos Amaro, com o título de “Canção do Berço”, e a segunda parte teve a projecção do filme “Filha de Maria”, uma adaptação cinematográfica daquela obra, realizada por Mitchell Lisen, para a Paramount. Este espectáculo, “em todos deixou a mais agradável impressão, recomendável pela sua feição artística e também porque o seu produto revertia a favor da benemérita instituição local que é a Misericórdia da Figueira”.
Na assembleia geral efectuada para a aprovação as contas de 1936, foi apresentada pela direcção uma proposta para “a criação duma caixa de socorros aos sócios necessitados nos casos de doença ou invalidez, e auxílio de funeral, e por isso vos propõe que seja nomeada uma comissão que estude a melhor forma de dar realização a este pensamento se acaso a digna assembleia o achar viável, e que a mesma comissão se encarregue de administrar as receitas que venham a ser angariadas para esse fim, isto para que se não diga que a nossa colectividade é mãe para os de fora e madrasta para os seus”.
Não era a primeira vez que se pensava neste assunto. A direcção continuava, dentro das suas modestas possibilidades, a socorrer os mais carenciados, muito em especial a alguns dos amadores, mas o seu cofre era pequeno. Foi por isso que, aprovando a ideia, a assembleia nomeou para constituirem aquela comissão os sócios António Augusto de Figueiredo, António Rodrigues dos Santos, António Ferreira Jerónimo e João da Silva Cascão.
Desde já acrescentamos que não teve finalização. Numa assembleia posterior, aquela comissão apresentou um relatório com as suas conclusões, informando que “não vê, esta comissão e de momento, possibilidade de se dar execução a este pensamento tão simpático, que exige receitas que não é possível obter, nem mesmo recorrendo a espectáculos, pois estes, como se tem visto, dão insignificante receita”.


Grupo cénico da S.I.T. em 1939

Ainda naquela assembleia geral foi proposto e aprovado um voto de sentimento pelo falecimento do sócio benemérito Joaquim Fernandes Estrada, que deixou em testamento a quantia de 6.000$00 a esta Sociedade. Três anos mais tarde, é comunicado à assembleia geral que “por motivo de questão que transitou em julgado”, aquele donativo ficou reduzido à importância de 497$70.
Pode dizer-se que, a partir do ano de 1936, há uma nítida evolução do grupo cénico, em termos de reportório. Recordemos que, aquando da fundação da colectividade, em 1904, os espectáculos teatrais consistiam na representação dos chamados “dramas de faca e alguidar”, terminando com uma comédia para aliviar tensões dramáticas. Passou-se depois, e isto por volta de 1912, ao teatro musicado, mais leve, mais vistoso e agradável, com canções que facilmente ficavam no ouvido dos espectadores e que dispunham bem. Fizeram época as pequenas revistas com sabor local e algumas operetas, muitos anos depois ainda recordadas com saudades.
Digamos que, dos “dramalhões” como “A mãe dos escravos” e o “Amor de Perdição”, se passou às aplaudidas peças “Os Amores de Mariana”, “Entre duas Avé-Marias” e “Noite de S. João”. Como as pequeninas fantasias “Na Terra do Limonete” e “Dona Várzea” haviam caído no agrado do povo, João Gaspar de Lemos e José Ribeiro, com a colaboração musical do maestro amador António Simões, retomaram aquela linha teatral, situando em Tavarede a acção de operetas e fantasias, como “Em busca da Lúcia-Lima”, até à “A Cigarra e a Formiga”, passando por “Pátria Livre”, “Grão-ducado de Tavarede” e “O Sonho do Cavador”. Em 1931, talvez devido a ter o grupo cénico reforçado com os elementos vindos do extinto teatro do Grupo Musical, iniciaram-se as representações de outro tipo de teatro, com as peças extraídas dos romances de Júlio Dinis, por exemplo, e que tanto sucesso alcançaram.


Estandarte oferecido por Joaquim Fernandes Estrada, inaugurado em 1929 (frente)

Uma ou outra peça diferente, e recordamos “Canção do Berço”, “As Três Gerações”, “A Morgadinha de Valflor” e mais algumas, terão sido o ponto de partida para a série de peças mais actuais, permitindo-nos citar, como referência, a apresentação, em 20 de Março de 1937, de “O Grande Industrial”. O romance de George Ohnet havia sido adaptado ao teatro por Ilda Stichini, dizendo-nos o programa da estreia que “é um romance que toda a gente conhece, que seduziu os produtores de cinema e foi transportado para o teatro com absoluta fidelidade, tanto nas figuras como na efabulação. Nos quatro actos da peça a acção acompanha o romance, desenvolvendo-se num crescente de interesse que se mantém até final”.