quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Grupo Musical e de Instrução Tavaredense



O Grupo Musical e de Instrução Tavaredense comemora, em Agosto próximo, o seu primeiro Centenário. Já aqui publiquei um pouco da sua história, um pouco do seu passado brilhante e um pouco dos tempos menos bons. Ainda hoje o seu grupo cénico e a sua tuna são recordados com imensa saudade. Mas, de vez em quando, surgem coisas que vale a pena recordar. Por exemplo, a representação da peça 'Mãe Maria', da autoria de Raul Martins, versos de António Amargo e música de Herculano Rocha.


Vem isto a propósito do seguinte: Com as mudanças forçadas que o Grupo Musical teve de fazer ao longo destes 100 anos, perdeu-se muito material que nos contaria o passado da colectividade, especialmente do seu grupo cénico, desaparecido em 1930. Em especial fotografias. E é pena porque deveria ter um espólio bastante grande.


O meu caro amigo e primo Helder Oliveira, tavaredense entusiasta e associativista fervoroso, teve a gentileza de me oferecer quatro fotografias de uma representação teatral do grupo cénico do Grupo Musical, pedindo-me para tentar a sua identificação, não só quanto aos figurantes como, também, ao local onde foram tiradas.


E o caso acaba por ser bastante interessante. Depois de vasculhar os minhas notas, cheguei à conclusão que as mesmas diziam respeito a uma opereta, representada em 1929, com o título de 'Mãe Maria'. Adiante estarão referidos os autores e intérpretes. O curioso é que esta opereta, ensaiada por Raul Martins, também intérprete e autor, só foi representada uma única vez. E foi fora da colectividade, pois, segundo nota encontrada, as dimensões do palco não permitiam a sua representação na sede. Foi na Figueira, no Parque Cine, em Julho de 1929.


Não sei se o resultado terá sido proveitoso, tanto mais que o Grupo Musical atravessava uma das suas maiores crises financeiras. Mas isso é outra história. O facto de ser representada na Figueira e no Parque, levou-me a pensar que as fotografias não teriam sido tiradas na nossa terra. Não tenho ideia de alguma vez ter visto por cá uma palmeira. Pensando no caso, pareceu-me ter localizado o sítio: no quintal das 'Freirinhas', junto ao mercado. Lá está a palmeira e as escadas para o varandim. Estarei certo?


Entretanto, achei por bem transcrever as críticas que foram feitas a esta representação e a resposta que lhe foi dada por António Amargo. A primeira é uma pequena nota, a outra é que interessa.


Supômos que os autôres da Mãe-Maria pensavam fazer uma peçasinha ligeira e fácil, com motivos populares e simples.
Musica sob a regencia de Herculano Rocha, - e está dito tudo, que este musico distinto e habil, tem feito seus créditos. Violinda Medina, a excelente amadora de sempre. Córos fartos enchendo a scena. E vá sem favor, - formosas raparigas, de lindos rostos e garrido aspéto. A casa cheia.
E aplausos nos remates d’acto. Estas recitas são sempre um motivo de cultura – Por isso de elogiar os seus organisadores, o que fazemos com gôsto e justiça. (O Figueirense)


Conforme o nosso jornal noticiou, tivemos no domingo passado, no teatro Parque-Cine, a representação da opereta em 3 actos A Mãe Maria, original de Raul Martins, com versos de Antonio Amargo e musica de Herculano Rocha.
A acção é rasoavel, bem conduzida, e, para não fugir à tradição das peças do genero, é passada numa aldeia do verdejante Minho.
O enrêdo não é de todo vasio de intuitos. Consegue conquistar desde o começo a atenção do publico, mantendo-se o diálogo animado, natural e sugestivo, especialmente quando entra a Mãe Maria e o Prior.
Nota-se, contudo, uma sensivel falta de observação psicológica que embora não seja de gravidade, é deveras lamentavel.
O prior não desempenha ali o papel que aos padres está confiado na terra.
Anda na pandega, bebe rasoavelmente, e chega a sustentar conversas pouco correctas com uma caricata velhota, censurando-a ironicamente e troçando-a – o que não é, positivamente, o dever dum padre. E a mais rudimentar logica não permite aceitar como verosimil que o prior duma aldeia minhota ande a peitar este ou aquele para tirar um desforço violento do boticario e do sacristão, por estes terem tido o desplante de escreverem umas declarações d’amôr a uma sua irmã – como absurdo é alguns dos freguezes deste prior tratarem-no por tu, com uma familiaridade inadmissivel para quem conhece os usos e costumes das boas terras d’Entre-Douro-Minho.
Em suma: O sr. Raul Martins creando d’est’arte o prior da sua peça, deu-nos claramente a perceber a falta total de informação religiosa que domina o seu, aliás, inteligente espirito.
A missão do sacerdote não comporta, certamente, dentro dos fins da paz e amor que a orientam – o perfil moral do seu inverosimil prior que... apenas se sabe que o é por envergar em scena as vestes talares.
Apesar disso é “A Mãe Maria” uma peça interessante, devendo, contudo, dizer que esperavamos melhor, mesmo muito melhor – dada a impressão que nos deixou a representação da opereta dos mesmos auctores “A noite de Santo António” que tem sobre esta evidente superioridade de urdidura e de tecnica.
Não esperavamos, evidentemente, uma obra-prima, mas não previamos que, sobretudo, os versos de “A Mãe Maria”, - fossem duma tão manifesta inferioridade em relação aos da “Noite de Santo António”. Quasi que não parecem do mesmo auctor, poeta brilhante e de destra cultura.
Quanto ao desempenho, destacamos em primeiro logar, Violinda Medina, no papel de Mãe Maria que desempenhou com um á-vontade e uma perfeita correcção, que vieram confirmar os seus anteriores triunfos scenicos. A sua voz é como que um veio de agua cristalina, murmurando suavemente por entre fraguedos, modulando o canto com um raro e precioso sentimento que muitas artistas profissionais, certamente, invejariam. É, sem duvida, uma muito distincta amadora que honra, sobremaneira, Tavarede.
Adriano Silva no Bento Boticário satisfez-nos plenamente, como amador seguro, dizendo com graça e naturalidade. Egualmente Manuel Nogueira no Antonio Sacristão foi um comico impagavel, conquistando a simpatia do publico pela vida invulgar que imprimiu ao papel.
É sem a menor duvida um dos melhores elementos do seu grupo scenico.
Raul Martins, pela forma como se houve no Morgado, bastaria para, com Violinda Medina, salvarem a peça, se ela não tivesse outros méritos.
Foi o correcto galan de sempre, vincando com certeza e consciencia o seu logar.
Manuel Cordeiro, bem. É um novo nas lides de Talma, mas com marcada propensão para a scena e dotes muito apreciaveis.
De Jorge Medina, sómente diremos que “filho de peixe sabe nadar”... Recordámos com saudade seu pae, o malogrado José Medina, cuja boa tradição ele já sabe honrar, registando nós com aprazimento os seus constantes progressos.
Clarisse Cordeiro apesar das suas reaes aptidões para o teatro não poude brilhar no papel de Berta como poderia, pois a sua voz não lhe permitiu dar o relevo preciso. Tem, porem, uma boa dicção e pisa o palco com natural despreocupação.
Os restantes, João Nogueira no Ricardo; Antonio Medina no Mordomo e Helena Gomes na D. Ana, encarnaram bem os seus papeis, não desmanchando o conjuncto.
Os córos geralmente bons; homogeneos e com forte sonoridade tendo, por vezes, deslises sensiveis mas facilmente remediaveis para o futuro.
A musica, ligeira, viva e alegre, dispondo bem o publico. Os scenarios agradaram.
O que, porventura, não agradará é esta nossa critica aos distinctos amadores de Tavarede... Notámos deficiencias, aliás bem naturaes – mas se acharem o nosso juizo parcial ou incompetente – o melhor é recorrerem a qualquer critico amigo que lhes teça o panegirico na Pagina Teatral de “O Século”.
Já agora! Visto que entrou em moda.... (a) Vitalino Modesto (O Jornal da Figueira)

Exmo. Sr. Vitalino Modesto
Li a critica que V. escreveu em o numero passado de O Jornal da Figueira ácerca da opereta A Mãe Maria, da qual fui um dos colaboradores.
No geral, concordo com as opiniões que V. expôz com uma imparcialidade muito de louvar; a Mãe Maria não é felizmente uma obra levada nos motores da Fama – a Fama modernisou-se, já não tem azas, mas sim motores – aos pincaros da lua, nem conquistou para os seus auctores, modestos como V., um fauteuil académico ou algum hábito... nem mesmo o habito do auto elogio: é uma peçazita, sem pretensões e tambem modesta, com alguns defeitos que V. lhe apontou e outros mais passados em claro.
Só com duas afirmações não posso conformar-me:
1ª - V. não acha próprio que o Prior velhote seja um patusco, goste de alimentar a sua intrigazinha e mande sovar o sacristão e outro padecente. Eu entendo-o propriissimo: ministros de Deus tem havido, e dos bons, que nem em outros delegavam o encargo de desancar o proximo, serviço que eles mesmos faziam valentemente a varapau. Já ouviu falar no padre Domingos, de Cabeceiras de Basto, que varria feiras de cacete em punho? Ao pé dêste e de tantos outros o nosso Prior da Mãe Maria é um santo.
2ª - Pareceram-lhe muito inferiores os versos de Antonio Amargo – os versos meus – comparados com os de A Noite de Santo Antonio, outra opereta da mesma trempe, a tal ponto que dir-se-ia não serem do mesmo auctor. Evidentemente, quem anda a lidar com as caprichosas senhoras Musas faz versos melhores ou peores, dependendo o facto dum largo concurso de circunstâncias. E depois... gostos pessoaes não são discutiveis; mas com franqueza – e perdoe o sr. Modesto a minha imodéstia – não dei ainda por tão grande inferioridade, nem compreendo como conseguiu fazer de cór o cotejo dos versos das duas peças, quando eu, o seu auctor, não me atreviria a fazê-lo... sem ler uns e outros antes de escrever a critica. (a) Antonio C. Pinto d’Almeida (O Jornal da Figueira)
Da esquerda para a direita: Raul Martins, Clarice Cordeiro Oliveira, Violinda Medina, Manuel Cordeiro, Jorge Medina e José Silva. Atrás apercebemo-nos de mais figuras, só conseguindo distinguir o da direita, Fernando Reis.

Raul Martins, José Silva e Clarice Cordeiro Oliveira

Adriano Silva e Helena Gomes (?)

Manuel Nogueira e, a espreitar na janela, Manuel Cordeiro

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