sábado, 2 de abril de 2011

Tavarede - Desde quando?


Como é costume dizer-se, perde-se na bruma dos tempos a origem de Tavarede.


No vale de S. Paio, junto ao caminho que atravessa o vale desde o Saltadouro até à estrada da Serra da Boa Viagem, existe um rochedo, na margem direita do ribeiro, que, habilidosamente, transformaram em mesa, tendo disposto em volta uns toscos assentos e que, nas tardes quentes do verão, proporcionam, sob a sombra da nespereira enorme, um aprazível local para uma saborosa merenda. É curioso verificar que aquele rochedo é, na verdade, um enorme conglomerado de fósseis marinhos, como certamente por ali haverá outros.


Quer isto dizer que em tempos remotos, todo o vale de S. Paio e a vasta bacia onde posteriormente nasceu Tavarede, se encontrava coberto pelas águas do mar. Certamente que em toda esta zona só estariam a descoberto os pontos mais altos, como a serra que se estende desde o Cabo Mondego até Maiorca, com relevos mais ou menos acentuados.


Outros montes haveria a descoberto. Sabe-se, de fonte segura, que o maciço da actual Serra da Boa Viagem foi zona habitada por animais pré-históricos, os dinossáurios, havendo vestígios das suas pegadas, em especial nas falésias do Cabo Mondego. Havendo animais, caça, é lógico, portanto, admitir que também aqui haveria, desde os mais remotos tempos, a presença do homem que, conforme o mar ia pondo a descoberto novas áreas, por aí se iria estabelecendo, sempre nos pontos mais altos.


“...Toda esta zona se achava integrada no território que constituia a Lusitânia, que primitivamente ficava compreendida entre o rio Tejo, ao sul, e o mar Cantábrico, ao norte. Em toda a Lusitânia há vestígios seguros da existência do homem pré-histórico desde o primeiro período da Idade da Pedra... ...O homem do Paleolítico vivia ao ar livre, em cavernas ou em cabanas de folhagem e ramos, revestia-se de peles de animais e usava instrumentos toscos de pedra lascada: machados, raspadores, furadores, pontas de zagaia, e arpéus feitos de osso ou chifre... ...Os homens do Neolítico, além de usarem instrumentos mais aperfeiçoados de pedra polida, constróem as primeiras habitações fortificadas - castros ou cercas - geralmente no cimo dos montes... ...Nos monumentos megalíticos, dolmens ou antas, e nas grutas neolíticas aparecem, entre os espólios encontrados, armas (machados, facas, pontas de setas), objectos de uso doméstico (agulhas e botões de osso), objectos de adorno (contas de colar de osso, de âmbar, etc.), peças de cerâmica, feitas à mão, por vezes ricas em ornatos decorativos, etc., etc., (História da Civilização Portuguesa).”


Na Gazeta da Figueira de 21 de Setembro de 1895 e a propósito das pesquizas e escavações arqueológicas levadas a cabo pelo ilustre historiador e arqueólogo figueirense, dr. António dos Santos Rocha, publicava-se: “Mais uma descoberta archeologica. No sitio do Crasto, freguesia de Tavarede, que tem sido objecto de várias pesquizas, sem resultados apreciaveis, começam a apparecer fragmentos de cerâmica muito interessantes. Uns apresentam os caracteres das louças Neolithicas da região; e outros assemelham-se ás louças pre-romanas das cividades do Minho. A existencia de toscas fortificações, cujos vestigios são manifestos, e sobretudo a tradição local de que em tempo os homens guerreavam ali á pedrada para a colina fronteira, ao nascente, dão um alto valor a esta descoberta, que vae proseguir-se com excavações regulares”, Posteriormente, no mesmo jornal, refere-se que, no chamado “monte crasto”, no Prazo, foram descobertas as ruinas de uma pequena povoação, toscamente fortificada, que se atribui aos princípios da dominação romana na península, ou seja, aos fins do século III antes de Cristo. Exumaram-se alicerces de habitações, numerosos rebotalhos de cozinha, instrumentos de trabalho e restos de adorno de utensílios domésticos. “...a sociedade fez novas sondagens na parapeito setenptrional do crasto, freguezia de Tavarede, descobrindo restos d’um muro de fortificação, feito de pedra secca, e por debaixo d’elle, alguns fragmentos de louça pintada, como a de Santa Olaya, e nas terras que formam o mesmo parapeito muitos outros fragmentos de louças semelhantes às já recolhidas nos fundos das cabanas do interior do recinto fortificado.


Estes factos indicam que a fortificação fôra levantada pelos proprios homens que deixaram alli os restos das suas habitações, em plena idade do ferro”. (Boletim da Sociedade Archeológica - 1903/1904). Este “monte crasto”, no Prazo, ainda hoje assim chamado, situa-se no limite norte da nossa freguesia, na vertente meridional da serra, e onde começa o vale de S. Paio. Um pouco acima do local onde se encontra o rochedo ao princípio referido. Vários objectos encontrados na região, e que se encontram no Museu Dr. Santos Rocha, na Figueira da Foz, como machados de pedra, atestam o povoamento da região nos longínquos tempos da pré-história. E depois?


Bom. Sabe-se que “a rica documentação neolítica da região e da abundância de dólmenes nas alturas que rodeiam Tavarede (serras de Buarcos - Brenha), onde as espécies dolménicas são numerosas” confirma, como atrás se refere, o povoamento deste território desde os tempos pré e proto-históricos. Um documento dos fins do século XI, situa o local de Tavarede no “Castro Laurelle prope civitas Sancte Eolalie juxta flumen Mondeco”.


Parece, portanto, que aquela zona do actual crasto, no Prazo, se estenderia pela serra até Quiaios e Brenha, e se denominava “castro Lourelhe”, assim chamado nos princípios da nacionalidade. Toda esta região, já antes do século XII, era dominada pelo “notável castelo medieval de Santa Eulália (ou Santa Ovaia), que assentava sobre um fortíssimo castro da idade do ferro” (pelo menos). Sobre Santa Eulália, achamos interessante a transcrição do seguinte apontamento: “foi assim chamado um castelo notável que existiu, com seu domínio, no litoral do Mondego”, situação que o cronista Frei A. Brandão assim descreve:


Este castelo de Santa Eulália... era fortíssimo pelo sítio e acomodado pela abundância da terra a se fazer guerra dele, e por este respeito mui estimado os anos passados, em que servia de freio aos mouros da Estremadura e de escudo à gente cristã. Para o que é de saber que, junto á vila de Montemor-o-Velho, para a parte do norte como um quarto de légua, se levanta uma serra não muito alta, a qual, correndo para o ocidente por algum espaço, fica cercada de campos fertilíssimos e terras mui abundantes. A ponta desta serra, dividida do mais corpo por espaço de cinquenta passos, faz um monte levantado em forma de ilha, rodeado de todas as partes dos mesmos campos. Terá de circuito seiscentos passos, e ficando pela parte do ocidente rocha talhada a pique e pelos outros subida dificultosa. (Grande Enciclopédia Luso-Brasileira).


Foi nesta zona que os Fenícios estabeleceram uma muito importante feitoria comercial, (Séculos XII a V a.C.). Será lógico, portanto, admitir-se que, sendo o local de Tavarede relativamente protegido do mar, embora ligado ao rio Mondego por um esteiro que subia até à povoação, fosse colonizado por aqueles povos, inclusivamente como ponto de vigia contra possíveis invasores vindos do oceano Atlântico, com pretensões de saquearem os seus ricos domínios em Santa Eulália e arredores.


Talvez, posteriormente, todos estes territórios fossem dominados por gregos e cartagineses. Os vestígios, até agora descobertos, ainda não permitem ter uma certeza absoluta de todos os povos que habitaram, durante séculos, a povoação de Tavarede.


Também se não encontra assegurada a origem do topónimo Tavarede. Descenderá o nome de “Tavared” uma muito remota povoação árabe, que existiria nas costas do mar Vermelho? Provirá do radical semita “Tavah” e da desinência latina “Etum” que, combinadas, levaram a “Tavahetum - Tavaretum - Tavarede” ? “Tavah” era o nome que os colonos fenícios e cartagineses, habitualmente famílias, davam aos limites das suas propriedades ou domínios, estabelecidos normalmente nos acidentes orográficos, dominando cada família os terrenos circumvizinhos. Nesta região, e segundo documentos antigos, havia abundantes “Tavahs” e, realmente, Tavarede está rodeada de muitos acidentes orográficos, uns mais elevados que outros. Talvez, por esse facto, tenham resolvido respeitar a designação, embora reunindo todos num só. O sufixo “Etum”, que em português deu “Ede”, era empregado pelos romanos nos substantivos colectivos, representando um determinado conjunto, como, por exemplo, vinhedo. Terá sido esta a origem do nome de Tavarede? A palavra de origem latina “Tabes” significa humedecer, apodrecer, decompor. Tavarede está situada em terras que foram pantanosas, húmidas e doentias. Porventura a antiga Malinária, de que nos falam os antigos e que a situam no território de Montemór-o-Velho (Album Figueirense - 1940).


Não podemos esquecer que o sufixo “Etum”, além de significar conjunto de vinhas, (razão porque a zona de Cantanhede, grande produtora de vinhos, tem tantas povoações igualmente terminadas em “ede”), também significava conjunto de mosquitos ou moscas. Terá sido “Tabes” (terra pantanosa) mais “Etum” (conjunto de mosquitos) a origem do nome de Tavarede?


Bem procurámos, mas não conseguimos encontrar nada sobre auela Malinária. A palavra, por corruptela, deverá derivar de maligna (febre). Será que a nossa terra era assim tão doentia ou insalubre? Também é possível que o topónimo “Tavaredvi”, do século XI, seja um locativo que se relacione com Távora “antigamente Távara” de que tenha derivado. O que se sabe é que a povoação é de origem antiquíssima, tendo sido despovoada pela acção dos muçulmanos que, presume-se, além de terem dado origem ao despovoamento, pela fuga das populações, terão destruido a mesma, incluindo a já então existente igreja de S. Martinho de Tavarede. S. Martinho, um bispo turonense que viveu no século IV d.C., era um dos santos mais populares, razão porque, talvez, tenha sido nomeado padroeiro de Tavarede, sendo já referido no século XI como o orago da vila de Tavarede. Sobre este Santo posteriormente nos debruçaremos e acabemos, por aqui, as nossas divagações.


(Tavarede - Terra de meus avós - 1º.)

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