sábado, 28 de maio de 2011

UMA VISITA À IERAX



Saímos da Figueira em direcção a Tavarede. Esperámos que os semáforos passassem a verde, atravessámos a povoação e deparámos com a igreja. Subimos a estrada que se situa ao meu lado direito e, poucos metros volvidos, eis a IERAX – a fábrica que faz os sacos de plástico, no dizer do leigo – o nosso destino. Ora vamos lá ver como se fazem os sacos.


Começamos por ser extremamente bem recebidos pelo sócio-gerente sr. Fernando J. Ferreira da Silva, que tirando uns bons nacos ao tempo de trabalho absorvente, nos forneceu as informações pretendidas bem como nos acompanhou na visita às instalações da fábrica. Ao santuário do plástico afinal.


O início da construção do complexo fabril remonta a 1968, ainda que nessa altura as dependências fossem reduzidíssimas. A sua laboração teve início ainda nesse ano, em pequena e rudimentar escala. Foi adquirida por esta gerência em 1978 tendo, então sim, beneficiado de profundas e progressivas obras bem como sido alargado o parque industrial e a problemática do fabrico.


A sua área – contando com a vastidão dos terrenos circundantes – é de 67 000 m2 sendo a área coberta superior a 6 000 m2.


Situação exacta, já a demonstrámos em “croquis”, no início desta crónica. É fácil lá se chegar.


Número inicial de postos de trabalho (em 1968) – 10.
Em 1978: 50.
Em 1981: 91, sendo 67 homens e 24 mulheres.


Vamos agora tentar explicar, por palavras simples, o que existe de maquinaria: máquinas de extrusão (já explicaremos o palavrão) – 7, de injecção – 4. De impressão e flexografia (até 6 cores) – 4. Corte, soldagem e rebobinagem – 7. De acabamentos – 26. Total – 50, exceptuando as de pequeno porte e de escritório. E ainda as do parque automóvel e de armazém.


Todas estas máquinas juntas formam uma autêntica linha de produção não sendo aproveitáveis sem a ajuda de outras. São de produção sequencial, em espessuras e larguras de filmes e mangas para os diversos fins de aplicação.


E, como é óbvio, vai a administração da fábrica acompanhando a evolução do país tentando desde já preparar o futuro com a procura de novas e actuais máquinas para um melhor acompanhar da produção – isto em forma, também, de novos processos. Faz-se notar que o mercado externo tem outras exigências e qualidades, e desde já se procura emparceirar com a própria CEE.


E a CEE tem muito que se lhe diga. As peças produzidas nos países desta organização têm de ser embaladas em sacos especiais, o mesmo acontecendo aos produtos portugueses, sendo necessário nova maquinaria tendente a cobrir tudo isto. Enfim, toda uma exigência de um saco próprio com as características exigidas – o saco artístico industrial que cobrirá todas as exigências.


Estes irão servir para tudo. Saiem da fábrica em filme técnico, que são umas folhas de plástico bem compridas e largas, que depois, nas fábricas que possuem as máquinas necessárias as vão fechando já com o produto dentro e pronto a seguir para o mercado.


Encontrámos um exemplo deste sistema na fábrica de arroz de Ernesto Morgado, no Alqueidão.


Resumindo: a IERAX produz sacos artísticos e industriais, para uso comercial, e embalagens para fins industriais e agrícolas, quer para consumo interno, quer externo.


Aqueles nossos conhecidos sacos das compras são aqui feitos.


Se seguirmos a linha de produção constatamos que se trabalha principalmente em polietilenos de alta e baixa densidade, que já são produzidos em Portugal pela CNP (Companhia Nacional de Petroquímicos, EP). Depois da entrada deste produto na fábrica, segue para a extrusão, que é a fusão das resinas (polietilenos). Nesta operação as resinas são transformadas em “mangas” e filmes de diversas espessuras, aptos para os fins a que se destinam. Segue-se a impressão, o corte, soldagem e rebobinagem (esta no caso de filmes técnicos).


Produzem cem toneladas mensais. A exportação apenas tem expressão na que provém de valores acrescentados e que a empresa considera exportação indirecta, isto é, produzem-se embalagens para produtos agrícolas, do mar e têxteis, entre outros, que depois são exportados. Consequentemente, o plástico também o é.


A situação económica? Enfim, a crise portuguesa reflecte-se nas empresas. No entanto, os ordenados, caixas, impostos e afins, encontram-se em dia. No dizer do administrador da IERAX as dificuldades provém da própria CNP, que em dificuldade dificulta todas as outras empresas. É que a inflação atinge os 300 por cento. Não sendo da ordem dos 28-30 por cento como por aí tentam fazer crer.


A maioria do pessoal pertence a Tavarede, exceptuando algum pessoal especializado, que vem de fora. Orgulham-se de nunca terem sofrido nenhuma greve ou paralização laboral e consideram-se bem vistos pela população local, para a qual nunca faltam com donativos para as suas beneficências. Acompanham sempre os contratos colectivos de trabalho, não dando azo a reinvindicações.


A empresa IERAX possui ainda um gabinete de desenho, uma secção fotográfica para trabalhos a cores e artes finais e possui fabrico próprio de clichés de fotopolímeros. Os escritórios são computadorizados, possuindo uns vastos arquivos extraordinariamente bem organizados prontos a acudir rapidamente a qualquer solicitação.
Vejam bem: em terrenos, maquinaria e computadores, estão ali quase um quarto de um milhão de contos, isto aos preços de alguns anos atrás! É obra!


A nossa obra, de entrevistar e visitar todo aquele vasto complexo, chegou ao fim. Saímos satisfeitos. Constatámos, mais uma vez que a indústria, no nosso concelho, não se encontra inerte.


(A Voz da Figueira - 3 Maio 1984)

DE CASA DE CULTURA A... TABERNA! (3)

(continuação)


Uma questão religiosa


Não nos vai ser nada fácil escrever este capítulo. É que é sempre possível alguém mais desprevenido julgar que nos movem segundas intenções, especialmente sobre algum ou alguns dos intervenientes nos acontecimentos que a seguir irão ser narrados.


Nada disso. A nossa única pretensão, e bem a sabemos bastante ambiciosa, é deixar aqui descrita, em especial para os mais novos, que os desconhecem totalmente, alguns dos principais factos relacionados com a história da nossa terra. Aliás, as fontes onde recolhemos as notas que nos irão servir, estão ao alcance de qualquer um.


Pensámos, maduramente, em omitir os nomes dos intervenientes na polémica que se irá dar a conhecer. Mas, afinal de contas, para quê? É natural que, numa ou noutra situação, se tenha dito e escrito demais, mas a história é mesmo assim e, se a queremos relatar, não devemos acrescentar ou retirar algo aos factos sucedidos. Também não queremos dizer que tenham havido ou sido cometidos actos menos correctos ou desprestigiantes. A época era mesmo assim e os intervenientes viveram os casos com verdadeira paixão.


Mas vamos prosseguir com a nossa tarefa. As notas seguintes, neste capítulo e no posterior, completam, em conjunto com o primeiro, uma história real que teve enorme influência na vida cultural e associativa em Tavarede, nos anos 20 e 30 deste século.

* * * * *

O dia 12 de Agosto de 1928 marcou profundamente toda a população da freguesia de Tavarede, e não só. Era domingo. Com destino a Fátima tinha partido de manhã, da nossa terra, uma peregrinação de fiéis católicos, desejando participar nas cerimónias religiosas que ali teriam lugar nessa noite e no dia seguinte.


O director espiritual da peregrinação era o reverendo padre Manuel Vicente, pároco da nossa freguesia.


Foi por volta das 5 horas da tarde que ocorreu o acidente, na ladeira de Reguengo Fetal, entre a Batalha e Fátima.


O condutor da camionete que originou o desastre, no início da ladeira buzinou para que a camionete dos tavaredenses lhe deixasse a passagem livre. Esta “afastou-se um pouco, do meio da estrada para o lado, em que há um declive de sete metros, a fim de deixar passar a outra. Neste momento, a camioneta de Alcobaça passou-lhe à frente, mas, como a estrada é muito apertada e a manobra não fosse feita com a necessária perícia, o cubo da roda do segundo veículo foi bater, violentamente, na roda esquerda da frente do primeiro. Este, com a rude e inesperada pancada, perdeu a direcção, resvalando para o declive e dando uma volta completa”.


Com maior gravidade ficaram feridos somente dois ocupantes: Abílio Simões Baltazar, um dos proprietários da Quinta do Robim, que dado o seu estado crítico foi enviado para casa, onde faleceu pouco depois da chegada “no meio de horrorosos sofrimentos” e o padre Manuel Vicente, que sofreu uma forte comoção cerebral e apresentava várias contusões graves.


A sua forte compleição física terá contribuido para, na volta da camioneta, sofrer diversas lesões interiores. Tendo sido internado no hospital de Leiria, e apesar de aparentar estar a reagir bem, a verdade é que acabou por sucumbir alguns dias depois. O seu funeral, para Tavarede, encontra-se descrito no nosso segundo caderno.


Como breve comentário diremos que este pároco era bastante admirado e acarinhado pelo povo da freguesia. Havia sido transferido para esta paróquia em fins de 1901 e, o seu trato afável, conquistou os tavaredenses, mesmo aqueles que não eram católicos. Acompanhou a vida associativa, especialmente na Sociedade. “O presidente da direcção fez o elogio breve mas bem significativo de Manuel Vicente, agradecendo-lhe ao mesmo tempo todas as atenções e sacrifícios em favor da Sociedade, dizendo que só um homem da sua têmpera, com uma vontade igual à sua, seria capaz de tantas canceiras em prole de uma terra que lhe era desconhecida. Tanta noite perdida, indo longe da sua casa, muitas vezes debaixo de chuva, levar aos outros o produto do seu recurso intelectual, só da sua candura de alma se poderia obter”.

* * * * *

Após o falecimento do padre Manuel Vicente abre-se um novo ciclo na história de Tavarede. Sucedeu-lhe na paróquia, poucos meses depois, o reverendo padre José Martins da Cruz Diniz.


Muito jovem, acabára de ser ordenado padre, bastante inteligente e declaradamente conservador, parece que terá ficado deveras surpreendido com a pouca frequência que muitos tavaredenses dedicavam à sua igreja.


As lutas políticas, com a recentíssima instauração da ditadura salazarista, tinham aberto profundas brechas na população da aldeia. Não esqueçamos que a grande vítima acabaria por ser uma associação: o Grupo Musical.


O novo sacerdote de imediato iniciou o trabalho da “reconversão” dos seus paroquianos. Era o seu papel. E, segundo os elementos que conseguimos, parece ter bem desempenhado o mesmo. Mas, claro, encontrou adversários pela frente e, digamos, de respeito.


Não foi só em Tavarede que estas lutas ocorreram. Por esse país fora, casos semelhantes terão sido inúmeros.


A igreja, conservadora por tradição, o poder político ultraconservador, os republicanos destituídos do poder, dois anos antes, algo liberais mas essencialmente progressistas, forçosamente provocaram situações de choque, nalguns casos mais ou menos pacíficas, mas noutras bastante violentas, sobretudo na imprensa. A violência escrita, talvez ainda mais que a verbal, foi muita e por alguns anos.


Atentemos, para começar, nesta notícia publicada em “O Figueirense”, de 7 de Novembro de 1929:

PELA IGREJA

“Depois que se encontra nesta povoação o novo Paroco, teem-se dado scenas bastante desagradaveis, que colocam mal o povo desta povoação.


Lá porque o sr. Prior chamou á Igreja, um numero já bastante avultado de crentes, que teem fé em Deus, os inimigos da Igreja, (os maçons) fazem os possíveis para desanimar o novo Paroco.


E dão-se casos ridiculos. Varias vezes teem-se organisado grupos de analfabetos que vão para o adro da igreja cantarolar e fazer grande berreiro no momento em que no templo estão em oração. E aqueles que vieram pedir por favor, que se calassem, foram mal tratados!...


Mas como isto ainda fosse pouco, deu-se uma scena vergonhosa e vil, na ultima quarta-feira.


Quando na igreja se encontravam na oração, entrou uma trupe de seis. Quatro ficaram á entrada, e dois começaram a passear dentro da igreja como se ali fosse algum picadeiro. Como viram que não lhes ligavam importancia, começaram a ofender o sr. Prior.


Chegaram até ao ponto de o desafiar cá para fóra. Ora isto, francamente, é vergonhoso. Tudo nos leva a crer, segundo consta, que estes analfabetos incorrijiveis, andam a ser pagos por meia duzia de maçons, para ver se conseguem atingir o alvo desejado.


Mas não conseguem, porque uma forte muralha vai de encontro ao seu ódio - o desprezo. A igreja não obriga seja quem fôr a ir lá, portanto os que a não querem respeitar, não vão lá. Por hoje poupamos a vergonha de não publicar os nomes destas trupes, sem educação, mas se estas scenas continuarem, serão os seus nomes aqui publicados, para sua vergonha e de seus pais.”


(continua)

quinta-feira, 26 de maio de 2011

DE CASA DE CULTURA A... TABERNA! (2)

(continuação)



Passou, assim, de desejado a indesejado, de benemérito e protector a difamador!... As razões? Querer receber o seu dinheiro? Houve, da sua parte, difamações? Quais teriam sido? Respostas para estas questões não as conseguimos obter.


E em Junho de 1930, após diversas diligências para solucionar o caso, foi deliberado vender o prédio. Assim fizeram. O Grupo, esse, porque, entretanto, nem a renda conseguia pagar, e porque o comprador vendeu a casa pouco depois e o novo comprador quis a casa, como veremos lá mais para diante, o Grupo, diziamos, teve que mudar. Foi para o palácio dos condes de Tavarede, onde se manteve durante largos anos, mas já sem uma das suas principais actividades, senão mesmo a principal: o Teatro.

* * * * *

E deveriamos, talvez, terminar aqui este capítulo da história que estamos agora a tratar.


Mas, embora com algumas repetições de cadernos anteriores, e porque o facto atrás narrado acabou por ter importantes alterações ao meio cultural tavaredense, vamo-nos permitir ainda acrescentar umas coisas.


Já dissémos, portanto, que com a venda da sua sede e posterior transferência para o palácio, acabou o teatro no Grupo Musical.


Vamos, porém, reflectir e ponderar um pouco sobre o que entretanto aconteceu com a grande maioria dos amadores da secção dramática daquela colectividade.


Tinham alcançado notáveis êxitos, quer no drama ou na comédia, quer no teatro musicado. Vários amadores tavaredenses se tinham distinguido, com a sua intuição natural para esta arte.


De todas as figuras do grupo, uma houve que bem alto se elevou. Falamos de Violinda Medina e Silva. Começou bem cedo a representar, aos 12 anos, levada pela mão de seu pai, António Medina, acompanhada por José Medina, seu tio e outro dos grandes amadores tavaredenses, que foi pena ter falecido tão prematuramente, e por seu irmão mais velho, António.


Mestre José Ribeiro, evocando Violinda Medina para uma pequena notícia sobre a sua morte, a pedido daquele seu irmão António, acaba, assim, a carta: “E o Teatro de Tavarede sempre o vejo e sinto com a Violinda Medina - admirável Mulher que a paixão da filha única, brutalmente arrancada ao seu grande amor de Mãe, matou para toda a alegria, só lhe deixando alma para resignadamente desfiar o rosário das desventuras”.


Pois bem, temos uma recolha exaustiva de comentário e críticas feitas, durante décadas, a Violinda Medina por distintos críticos teatrais. Esperamos, um dia, trabalhá-los, mais aprofundadamente, e fazer deles um pequeno caderno que, nas colectividades aonde representou, a recordem. Mas, temos que o dizer, seria injusto só recordar esta amadora que, em 1930, era a primeira figura do teatro no Grupo Musical. Lembremos, por exemplo, Manuel Nogueira e Silva e Fernando Severino dos Reis, sem menosprezar a real valia de mais uns tantos.


Acabado o teatro no Grupo Musical, onde se iniciaram e guindaram ao primeiro plano, que fazer? Bem sabemos que entretanto foi fundada nova secção dramática, a do Grémio Educativo, que por mais dois ou três anos utilizou a casa que havia sido do Grupo. Este tema será desenvolvido lá mais para diante, para tentarmos descrever, com a maior clareza, toda a história daquela casa e os acontecimentos relacionados com ela e que acabaram por originar a total ruína, do edifício, claro.


Teve enorme influência, na ocasião, e como depois explicaremos, a situação política vivida nos finais da década de 20 e princípios da seguinte, bem como as convicções religiosas e ideológicas dos tavaredenses de então,nomeadamente daqueles que pertenciam aos “quadros” do Grupo Musical.


Uns, democratas liberais, isto em termos actuais, outros conservadores, enquanto, que na Sociedade de Instrução Tavaredense pontificavam mais os republicanos, mais progressistas.


O que aconteceu foi que, e em relação ao pessoal do teatro do Grupo, enquanto os conservadores se integraram na nova associação, o Grémio Educativo, de índole religiosa, os outros, aqueles que, à distância, classificamos de liberais, ou abandonaram a arte dramática ou passaram-se para o grupo da SIT. E não foi nada pacífica esta mudança de “camisola”. Desde vendidos a traidores, e outros termos até mais soezes, muito tiveram de ouvir e suportar dos seus anteriores companheiros, e não só.


Mas, analisando agora a situação, apetece-nos dizer que foi uma tomada de posição acertadíssima.


Pois teria sido admissível perderem-se tais talentos? Se eles alcançaram tal posição teatral em condições difíceis, isto é, com um amadorismo bem antiquado para aquela época (bastará recordar que nem havia a tiragem individual de papéis, e a sua fixação era feita “por ouvido”, nos ensaios), como seria em diferentes condições, como as que foram encontrar na Sociedade, com a direcção do extraordinário homem de teatro, mestre José Ribeiro, ensaiador do grupo cénico, com novas e modernas técnicas de ensaio, papéis tirados individualmente para que cada um os pudesse estudar e decorar em casa, por exemplo, palestras sobre o tema, explicações sobre isto e aquilo, sobretudo sobre os personagens que iriam desempenhar, e tantas outras coisas?


Foi assim que, com os elementos já em actividade e com os reforços provindos da extinta secção dramática do Grupo Musical, a partir daqueles anos, o grupo cénico da Sociedade conseguiu reunir o extraordinário conjunto de amadores que tão alto, e por esse país fora, elevou a tão grandes alturas o seu nome e o nome da terra que, todos eles, tanto amaram: Tavarede.


Esqueçamos as causas terríveis que foram vividas na e por causa da casa que estamos a historiar. Esqueçamos, até, alguns casos bem dramáticos vividos por alguns amadores em consequência do ocorrido e que deixaram profundas sequelas, esqueçamos, igualmente, a perda de um grupo cénico em grande actividade e que muitos serviços prestou à cultura tavaredense. Lembremos, unicamente, que, na nossa terra, afinal houve uma causa que ganhou: o Teatro.

(continua)

sábado, 21 de maio de 2011

Clarice Rodrigues Oliveira



Tavaredense, nasceu em Outubro de 1912, filha de João de Oliveira e de Guilhermina Rodrigues Cordeiro. Casou com António Martins de Sousa Gomes, e teve uma filha, Graça. Faleceu em 14 de Abril de 1988.


Muito nova, acompanhando seu pai e seu irmão António, começou a integrar o grupo dramático do Grupo Musical, revelando-se uma excelente amadora, participando em muitas peças, operetas e comédias. A propósito da sua interpretação na peça Noite de Santo António, um crítico refere “ tem voz, tem gesto, mas… teve medo, que a levou a fraquejar em certa altura. Deve perder esse medo; quando se possuem qualidades reais e verdadeiras, como ela possui, não há que temer e deve-se fazer realçar todos os recursos”.


Quando a colectividade terminou a sua actividade teatral, passou, com seus familiares, a fazer parte do elenco do Grémio Educativo, onde se manteve enquanto este teve actividade.


Seu marido, foi hábil músico, tendo organizado um conjunto que, ainda que por poucos meses, abrilhantou as festas do Grupo Musical.


Caderno: Tavaredenses com história

José Fernandes Matoso



No jornal “A Voz da Justiça”, do dia 28 de Abril de 1928, encontrámos a seguinte notícia:


“É, actualmente, raro o registo da morte de centenários no nosso concelho. Deu-se há dias o do sr. José Fernandes Matoso, natural do Saltadouro, freguesia de Tavarede, de quem hoje damos o retrato.


Era um tipo interessante, e conservou até final a lucidez de espírito. Casou pela primeira vez aos 38 anos, havendo desse matrimónio quatro filhas, das quais sobrevivem duas: Maria e Emília Loureiro Fernandes.


Casado em segundas núpcias com Emília da Silva Custódio Fernandes, houve deste matrimónio 11 filhos, dos quais sobrevivem 5: Teresa, Amélia, Beatriz, Celeste e João da Silva Fernandes. Deixa ainda 18 netos.


Em Novembro de 1902, sua mulher Emília Custódia, deu à luz três crianças, sendo duas raparigas e um rapaz.


Há 9 anos que o sr. José Fernandes Matoso vivia na Figueira. O retrato que hoje reproduzimos tem uns 4 anos”.

“… com a idade avançada de 107 anos, faleceu. Era pai de João Fernandes, proprietário da Sapataria Fernandes, e sogro de Aniceto Joaquim Afonso, sargento. O bondoso velhinho era natural do Saltadouro”.



Caderno: Tavaredenses com história

DE CASA DE CULTURA A... TABERNA! (1)

Vamos dar início a uma 'espécie' de inovação, regressando à maneira dos folhetins que tanto estiveram em voga, nos finais dos séculos dezanove e princípios do século vinte. São histórias demasiados compridas para serem publicadas de uma só vez. Começamos por contar a história de uma casa que, tendo sido um verdadeiro 'santuário' da cultura popular, acabou, tristemente, em taberna, sendo, nos dias de hoje, uma mercearia. Se, porventura, os meus amigos visitantes não gostarem deste género de contar historietas da nossa terra, sejam francos, digam-me que eu abandonarei tal sistema. E vamos ao primeiro capítulo:


Uma casa que deixou saudades

No livro “50 Anos ao Serviço do Povo”, ao lembrar as casas “onde se representavam peças que fizeram correr rios de lágrimas e provocaram indigestões de gargalhadas”, Mestre José Ribeiro fala, entre outras, “na de Joaquim Águas, pai do velho capitão Águas, José Joaquim Alves Fernandes Águas, prédio em que mais tarde esteve o Grupo Musical Tavaredense”.


Embora, no segundo caderno, já por várias vezes tenhamos referido esta casa, especialmente quando ali tiveram as suas sedes o Grupo Musical e de Instrução Tavaredense e, posteriormente, o Grémio Educativo e de Instrução Tavaredense, não resistimos à tentação de aprofundar e aqui deixar, embora resumida, a história daquela casa que, durante mais de quinze anos, teve uma importância extraordinária no desenvolvimento cultural de Tavarede e que, por circunstâncias que procuraremos desenvolver no decorrer desta nossa história, acabou ingloriamente em ruínas, nos finais dos anos 30, tendo sido reconstruída e reconvertida em “mercearia e vinhos”, para não dizermos “taberna”, que, aliás, ainda conhecemos.


Não o fazendo totalmente, ocupava uma boa parte do quarteirão que, actualmente, é limitado a sul, pela Rua A Voz da Justiça; a norte, pela Rua do Grupo Musical e de Instrução Tavaredense; do nascente, pelo Largo D. Maria Amália de Carvalho; e do poente, pela Rua D. Francisco de Mendanha.


Nos “velhos” tempos em que ali residia Joaquim Águas com sua família, lá se representava Teatro. Em condições deficientes, acreditamos, pois a sala de espectáculos era a ampla loja do rez do chão,mais apropriada a uma casa de arrecadação de lavradores do que a representações dramáticas, mas, certamente, com imensa vontade e satisfação.


Também é nossa convicção que foi ali que, nos últimos anos do século passado, funcionou um grupo teatral denominado “Bijou Feminino” e que igualmente foi ali que ensaiou e tocou uma tuna que denominaram “Bijou Tavaredense”.


Esta nossa historieta começa, portanto, com este breve apontamento. Vamos, agora, avançar um pouco no tempo.


Já sabemos que em Agosto de 1911 se funda o Grupo Musical e de Instrução Tavaredense, facto, aliás, bastante desenvolvido no já citado segundo caderno. As condições deficientes que esta jovem colectividade dispunha na sua primeira sede, na loja da Tia Romana Cruz, ao Largo do Paço, chamaram a atenção do abastado carritense Manuel da Silva Jordão, que havia comprado a casa de que estamos a tratar e que “motivado pelos fins propostos pelos activos dirigentes da nova associação, lhes cedeu aquela casa, colaborando nas obras necessárias para a construção duma boa sala de espectáculos”.


A inauguração teve lugar em Janeiro de 1915. Lembremos um pouco da notícia desta inauguração: “Com a maior solenidade, realisou-se no ultimo sabbado, como estava marcado, o primeiro espectaculo na nova séde d’aquella casa d’instrucção musical e teatral, que decorreu animadissimo.


Pouco antes de se começar o espectaculo foi, pelo sr. dr. Manuel Gomes Cruz, proferido um discurso, que enthusiasmou o publico, e não só a este como também aos sócios do Grupo Musical.


Aquelle senhor ao dizer, entre outras coisas, que o honravam com aquelle progresso na sua terra, e não só a elle como a todos os seus conterraneos, foi, para a numerosa assistência, que o ouvia com o maior respeito, uma alegria, e pouco depois, agradecendo em nome de todos os sócios d’aquella colectividade ao seu grande benemérito, ao seu grande protector, sr. Manuel da Silva Jordão, foi-lhe inaugurado o seu retrato, tocando a orchestra o hymno da Associação”...


A actividade da colectividade, que se desdobrava em teatro, música, escola nocturna, desporto e convívio, em breve mostrou a necessidade de novas obras.


Foram concluídas em Dezembro de 1924 e a elas se refere este recorte:


“Com as obras que a Direcção vigente meteu hombros e que já se encontram concluídas, esta associação é, hoje, sem dúvida alguma, pelas modificações nela introduzidas, uma das colectividades do concelho que melhor se acham instaladas, pois que possuindo todos os requisitos duma sociedade moderna tais como salas próprias para ensaios, leitura, recreio, etc., etc., estas são explendidamente iluminadas a electricidade”.


Sabemos já os êxitos alcançados nesta casa com o teatro e com a música. Também sabemos que, antes destas últimas obras, uma nova aspiração havia nascido aos então directores, que era a aquisição do edifício, para terem uma sede própria.


Haviam sido encetadas as necessárias diligências com o proprietário do prédio, de quem, como consta em actas da Direcção e da Assembleia Geral da colectividade, algumas já transcritas por nós, receberam a melhor compreensão e disponibilidade.


Foi feito o negócio, liquidado parcialmente e estabelecidas as condições para o pagamento da parte restante.


Mas... o problema é que, quando se estabelecem condições, há que cumpri-las. E a verdade é que, grande amigo e grande benemérito, o sr. Jordão começou a ver correrem os meses e os anos e nada de lhe pagarem, ou pelo menos amortizarem, a dívida contraída.


Curioso o facto de em 1928, quatro anos após a venda, aquele senhor escrever uma carta a dizer que desejava a liquidação em Novembro dêsse ano (quatro meses depois da carta), e a Direcção ter deliberado “não responder sem primeiro se averiguar se se consegue hipotecar o prédio a outro pela dívida principal do Grupo”.


As diligências não resultaram e, quanto ao pagamento, mais uma vez nada houve.


Devem ter azedado os ânimos bastante. Bastará recordar que, na sua reunião de 13 de Março de 1929, a direcção deliberou: “o presidente da direcção deu conhecimento que já havia liquidado contas com o principal credor do Grupo, sr. Manuel da Silva Jordão, propondo que o mesmo sr. fosse suspenso de sócio até à realização da primeira Assembleia Geral, pela qual deverá ser demitido, para o que se tem em vista o que se encontra estatuído, pois não só difamou o Grupo como menosprezou a honorabilidade de todos os componentes da sua direcção e ainda que, em atenção à incorrecção manifestada, ou por outra, posta em prática pelo mesmo sr. Jordão, propoz também que fosse retirado imediatamente, da nossa sala de espectáculos, a sua fotografia, que ali se achava exposta...”. (continua)

quinta-feira, 19 de maio de 2011

O CASO DA "VOZ DA JUSTIÇA"

A propósito da local aqui publicada no último número sobre o célebre caso da “Voz da Justiça”, enviou-nos o sr. José da Silva Ribeiro o seguinte esclarecimento:


“Tavarede, 26 de Março de 1977
Prezado Amigo Sr. Anibal de Matos


No seu jornal de ontem li uma notícia sensacional, publicada em bom relevo e com um título também sensacional: Encerrado o caso da apreensão das máquinas e material que levou à extinção da tipografia do jornal “A Voz da Justiça”.


O quê?! Teria sido finalmente concluido o processo que corre pela 2ª Secção da Comissão Nacional de Inquérito do Ministério da Justiça?! O meu espanto logo se desfez à leitura das primeiras linhas. Não, não era nada a conclusão do processo: apenas um equívoco baseado numa nota publicada pela Comissão Administrativa da Junta Distrital de Coimbra.


Dê-me licença, amigo Anibal de Matos, que o esclareça e lhe dê elementos com que possa corrigir o erro da notícia e informar com segurança os seus leitores.


O caso da “apreensão” que o título da notícia refere é o do roubo da Tipografia Popular, Lda pela gente de Salazar, praticado há quase 40 anos. É verdade – quase 40 anos. E não está nada “encerrado”!.


Mergulhado naquele esquecimento que era norma do Salazarismo, dali o foi arrancar, pouco depois do 25 de Abril, precisamente a 22 de Junho de 1974, o meu velho amigo e patrício António Medina Junior, trazendo-o para a luz no seu Jornal de Sintra daquele dia. Foi ele, o Medina – não o esqueçamos, - quem deu origem ao processo a que atrás me refiro. O Medina foi notificado para fornecer à Comissão Nacional de Inquérito todos os elementos relacionados com os factos referidos no Jornal de Sintra. Em consequência, foram chamados a prestar declarações o dr. Rafael Sampaio, o dr. Adelino Mesquita e o Valdemar Ramalho. A estas declarações assistiu o advogado dr. Luis de Melo Biscaia. Se alguma vez (quando?...) o processo encerrar com sentença digna, que os herdeiros dos Sócios já falecidos fixem estes dois nomes – do Medina e do dr. Biscaia: o primeiro porque veio lembrar o que estava esquecido, o segundo porque, como figueirense, como simples cidadão democrata e depois como Deputado, tomou iniciativas para que não morresse definitivamente o caso da Voz da Justiça.


Perdoe esta digressão por águas passadas, que não desejo estagnadas.


Concretamente quanto às máquinas que estão em Semide: Não são todas as que, por ordem de Salazar, a polícia levou da tipografia da Figueira. O bolo, para além de contemplar Bissaia Barreto, que era então dono e senhor do distrito de Coimbra, foi distribuido por outras partes. Na acção civel que contra o Estado, a Polícia (PVDE) e outros foi posta no Tribunal desta cidade, indicava-se no artº 16º que “o réu Leitão transportou na sua caminheta, diz-se que para Lisboa, uma das melhores máquinas da autora” e no artº 17º referia-se que o réu Balsas e por ventura outras pessoas transportaram para vários locais quanto existia na Tipografia Popular, Lda. O processo desta acção, posta pela Tipografia Popular Lda descobriu-o o dr. Luis de Melo Biscaia, que tanto e tanto se tem interessado por não deixar esquecer o caso da Voz da Justiça. A esta acção foi dado o valor de 1.200 contos. No inventário sumaríssimo feito pela Policia quando do encerramento da tipografia, a todas as máquinas que ali havia foi atribuida a verba de 219 contos. Ora, as máquinas que estão em Semide de modo algum podiam considerar-se como indemnização do roubo feito à Tipografia Popular Lda. Porque, amigo Anibal de Matos, o roubo praticado não constou apenas de algumas máquinas que estão em Semide – constituem somente uma parcela muito pequena -, o roubo foi total: máquinas (uma nova, a mais valiosa, que nem sequer ainda estava paga, foi levada para Lisboa), armazém de papéis, colecções de tipos comuns e de fantasia, enorme variedade de outro material gráfico, biblioteca, valiosas colecções de jornais, os próprios livros de actas e da escrita da Empresa, numa palavra – tudo, só ficando as paredes do edifício, e estas mesmo depois de lhes terem arrancado os lavatórios. Eram instalações modelares, bem apetrechadas, salas próprias para impressão e para composição, salas de redacção e administração, etc.


Os valores que estou a referir são os de há 40 anos! Em linguagem monetária de hoje em quantos milhões de escudos deveremos traduzi-los?


Não, deixe-me repeti-lo. As máquinas que estão em Semide ninguém as aceitaria como indemnização daquele roubo para encerrar o caso. E não deve esquecer-se que os sócios ainda vivos da Tipografia Popular Lda são apenas dois; mas os sócios falecidos deixaram herdeiros. Os dois sobrevivos estão muito velhos; os herdeiros dos falecidos, esses são novos ainda e talvez tenham suficiente paciência para esperar a conclusão do processo que o Sr. Ministro da Justiça, respondendo ao requerimento do Deputado dr. Luís de Melo Biscaia, disse estar para breve... Isto foi em 9 de Março do ano passado...


Desculpe-me ter roubado tanto espaço a “O Figueirense”, se entender que deve publicar este esclarecimento; mas permita-me ainda que reafirme o meu louvor e agradecimento à Comissão Administrativa da Junta Distrital de Coimbra, que honradamente veio a Tavarede, onde sabia que residia um dos dois sócios ainda vivos da Tipografia Popular Lda, dar conhecimento da existência das máquinas na instituição que administra. Regosijo-me com a sua resolução de dar total aproveitamento às obras de assistência que tem a seu cargo, nomeadamente admitindo um monitor tipográfico que possibilitará, agora, arrancar do túmulo em que enferrujavam as máquinas que foram da “Voz da Justiça” e na Escola Profissional de Semide bom serviço podem prestar na preparação de bons trabalhadores das artes gráficas. Penso que, dadas as circunstâncias, deixar as velhas máquinas da “Voz da Justiça” a trabalhar naquela instituição, é mais digno e proveitoso destino que se lhes poderia dar.



Grato se confessa o que já foi seu camarada, José da Silva Ribeiro-



'O Figueirense - 1977-04.01'

Arte do Povo e para o Povo

Entre os muitos deslumbramentos que em mim causou a viagem aos países nórdicos, ocupa um lugar destacado a protecção do Estado e das comunas ao teatro do povo, dando à expressão o seu verdadeiro significado – artistas do povo representando para o povo. Particularmente na Finlândia, onde me apercebi com mais detalhe do problema, essa protecção ultrapassa o dever do estado para atingir as culminancias duma verdadeira consagração nacional. São às dezenas os grupos de amadores que, desde as regiões polares até Helsínquia, se dedicam, no intervalo das suas vidas de trabalho afadigado e operoso, a fornecer ao público o precioso alimento espiritual de que, só o teatro, na sua simplicidade e na sua estreita comunhão, é capaz. Não posso, é claro, pronunciar-me sobre o valimento desse teatro, pelo desconhecimento completo da língua arrevezada e difícil, mas o que posso garantir é que ouvi a artistas finlandeses as melhores referências e a afirmação de que são esses núcleos os permanentes mantenedores do prestígio dum espírito sem o qual o teatro acaba por estiolar-se! E é precisamente desses núcleos que saem os grandes artistas profissionais, para os quais, segundo parece, se não exige um exame declamatório e enfatuado…


Por aquilo que ouvi, não é possível fracassar na Finlândia uma iniciativa deste género, a não ser por incapacidade congénita dos amadores, pois as facilidades económicas são tão grandes e o acesso aos teatros tão acentuado que, agrupados os artistas e expostas as suas pretensões, o ambiente oficial ou comunal e a compreensão pública se manifestam, não no campo das promessas, mas sim no das certezas e realidades.


Parece-me ser este o caminho e esta a única solução. Se assim sucedesse, entre nós, é natural que o Teatro não apresentasse o aspecto confrangedor que o arrasta pelo Parque Mayer ou que as iniciativas altas e honradas de alguns homens sérios morressem desfalecidas e sem protecção. Isto no que respeita à compreensão oficial do papel dos pequenos núcleos porque, como é óbvio, o que se passa com os grupos profissionais excede todas as críticas.


Mas vem isto a propósito de dois acontecimentos ocorridos no nosso meio artístico, para os quais chamo a atenção dos interessados e dos próprios poderes políticos.


O primeiro é do conhecimento geral:
A grandeza do Teatro dos Estudantes de Coimbra, dirigidos pelo saber e pelo sacrifício do professor Paulo Quintela, cuja fama ultrapassa as fronteiras e constitui grande jubilo para todos os portugueses, através da atmosfera de entusiasmo que o envolveu na sua digressão pela Alemanha, Itália e Espanha, sobretudo nos dois primeiros países, em que a cultura teatral faz parte integrante da cultura geral.


O segundo é a arte excepcional do grupo de Tavarede, cujo “Frei Luiz de Sousa”, recentemente representado em Leiria, demonstra a que altura pode chegar a massa anónima do povo quando iluminada pelo trabalho persistente e pela humana cultura dum José Ribeiro.


No primeiro caso há que contar, sem dúvida, com a preparação dos jovens artistas, estudantes universitários, conhecedores do ambiente e da literatura, ou, pelo menos, acessíveis à compreensão dos temas e dos personagens. É um facto a contar que não desmerece do valor e da beleza desse agrupamento de “elite”.


Mas o segundo?


Haverá melhor expressão de riqueza popular do que esses artistas proletários, debruçados dia a dia, nos trabalhos duros da profissão e entregues nos longos serões à “compreensão” dos seus papéis, sem cultura, alguns analfabetos e outros sabendo ler mas ilaqueados pelas dificuldades intelectuais duma rápida assimilação?


Mesmo que tenham à sua frente um homem invulgar como José Ribeiro, seu mestre e companheiro, como desconhecer o esforço hercúleo dessa massa erguendo-se à contemplação da beleza e sabendo-a transmitir de forma a causar inveja a alguns filiados no Sindicato profissional?


Só quem, como nós, assistiu à representação do “Frei Luiz de Sousa” pode avaliar da emoção, da verdade e da sinceridade, que esses proletários-artistas põem ao serviço duma arte, que eles tanto sentem nos recessos das suas almas de eleição, embora tocados por uma simplicidade comovedora e aliciante.


Por aqui se aquilata a necessidade de proteger esses núcleos, tal como se pratica nos países do norte europeu. Protecção que terá de ser eficiente no aspecto das facilidades oficiais, na isenção de taxas e sobretaxas, no acesso aos teatros, na oferta de literatura especializada e na abertura de pequenos anfiteatros, onde os responsáveis e os esclarecidos exponham, em conversa fácil, os problemas da arte teatral.


O mesmo principio deverá ser aplicado a todas as manifestações de arte do povo, sejam eles os orfeãos magníficos que possuímos e que vivem uma hora difícil e agónica, as orquestras populares e as manifestações plásticas dos nossos artistas populares e desconhecidos.


A “carolice” não pode fazer milagres e não é justo exigir-se das bolsas particulares e do suor não compensado de meia dúzia, todo um trabalho em beneficio da Nação e, portanto, de todos nós.


É esta uma das modalidades duma política do espírito, a que daríamos a nossa adesão se alguém se lembrasse de a efectivar.


Quando será? (República - 1952.11.13)

segunda-feira, 16 de maio de 2011

TAVAREDE HOMENAGEOU CAMÕES

O Dr. Hernâni Cidade, no palco da SIT, depois do espectáculo de homenagem a Camões



Conforme já aqui tivemos ocasião de noticiar, o categorizado grupo cénico da benemérita Sociedade de Instrução Tavaredense (quase 70 anos de permanente actividade, posta, com a maior devoção e ternura, ao serviço da cultura popular), mais uma vez voltou a dar amplas provas do seu reconhecido valor e da sua incontestada capacidade artística.



E mais uma vez soube impor os seus relevantes e incontestados méritos, numa aceitação total, plena de emoção e de delirantes aplausos, perante um público categorizado e exigente, em que se encontravam gradas personalidades de Lisboa, Figueira, Coimbra, Leiria, etc., etc., algumas das quais se habituaram, desde há muito, a ir ao encontro dos amadores-artistas de Tavarede, nas suas representações teatrais – para as apreciar e aplaudir, não por mera e generosa benevolência, mas por convicção e inteira justiça.



Sábado, 4 de Novembro. Mais um espectáculo, no elegante e confortável teatrinho de Tavarede (totalmente remodelado e beneficiado, há poucos anos, graças à generosa ajuda material da benemérita Fundação Gulbenkian), com a muito grata e honrosa presença do eminente Prof. Dr. Hernâni Cidade, ilustre presidente da Comissão Nacional das Comemorações de “Os Lusíadas”, que de Lisboa, acompanhado de outras também ilustres personalidades, ali se deslocou.



O espectáculo comemorativo do 4º Centenário da Publicação de “Os Lusíadas”, de Luís de Camões, constava da representação do “Auto de El-Rei Seleuco”, da autoria do imortal Poeta; e de uma “Evocação”, em duas partes e dez quadros (a 1ª parte – “O Trinca-Fortes” (1551), com as cenas “Encontros no Mal-Cozinhado”, “A merenda da Infanta” e “Do tronco para a Índia”; e a 2ª parte – “Os Lusíadas” (17 anos depois), com as cenas “Regresso da Índia”, “… e ninguém mais falou nele!”, “Ante o censor dos Lusíadas”, “O Velho do Restelo”, “O Adamastor”, “Concilio dos Deuses” e “Quem compra os Lusiadas”, da autoria de mestre José Ribeiro, interpretada por mais de 50 dos seus briosos e consagrados pupilos; caprichosamente montada, vestida e encenada, sob o maior rigor, pelos apaixonados amigos da SIT, de Lisboa, srs. Alberto Anahory, que estudou e preparou todo o primoroso guarda-roupa, histórico e de fantasia; António Tomás, que gravou, amavelmente, a “Voz de Garrett” e a “Voz dos Lusíadas” e realizou toda a sonorização; José Maria Marques, que se incumbiu da cenografia, a todos os títulos brilhante e rigorosa, excepção feita a algumas cenas no “Mal Cozinhado” e do”Concilio dos Deuses”, com as quais foram evocados os ilustres e saudosos amigos daquela benemérita instituição cultural (que tanto tem sabido honrar a sua linda aldeia, senão o Concelho da Figueira e o próprio distrito de Coimbra, onde não é ignorado o real valor dos amadores teatrais tavaredenses), prof. Manuel de Oliveira e Rogério Reynaud (este figueirense) e o actual padre da paróquia local, dr. João Evangelista Amado, que orientou o cântico litúrgico.




E – já agora – expliquemos os precedentes que motivaram tão louvável e patriótico movimento artístico e conduziram o José Ribeiro à decisão – a todos os títulos louvável – de procurar vincar, pelo teatro, na sua aldeia e pelos seus pupilos, esta histórica efeméride.




Tendo sido previamente convidado – muito digna e acertadamente - pela Câmara Municipal (pelouro da cultura) para estudar a maneira de pôr em prática a representação, na Figueira da Foz, por intermédio do laureado núcleo dos seus amadores, uma peça alusiva à Comemoração do 4º Centenário da Publicação de “Os Lusíadas”, aquele nosso ilustre conterrâneo e muito prezado e velho amigo – coração de oiro e alma sempre aberta às mais elevadas e dignificantes iniciativas culturais e filantrópicas -, prontamente correspondeu a tão delicada incumbência…



… escrevendo, ensaiando e preocupando-se, ainda, apaixonadamente – como é próprio dos seus brios e das suas reconhecidas exigência – com a montagem das peças a que acima aludimos…



… e cujas representações (cremos que já em número de seis ou sete), quer na oficial – chamemos-lhe assim – realizada no Grande Casino Peninsular, que redundou, ao que nos foi informado, numa consoladora e delirante apoteose, tendo nessa altura sido conferida à veneranda Sociedade de Instrução, num relevante acto de consciência e de justiça, a Medalha de Mérito (Ouro) da Câmara Municipal, quer em Tavarede, redundou num assinalado e consolador êxito…



… e numa grande satisfação e alegria para José Ribeiro e para os seus simpáticos e garbosos discípulos.



E pressentimos este “fenómeno”, porquê?



Precisamente porque – e tão sentimentais e dignificantes decisões não nos consta que houvessem sido tomadas por mais ninguém, no País, com mais possibilidades e obrigações morais para o fazer – mas não fez -, isso proporcionaria mais uma admirável oportunidade para provar que à humilde gente de uma linda aldeia portuguesa, toda devoção e paixão pelo teatro, não havia escapado mais uma data histórica e, como tal, sentiria orgulho em comemorá-la!...



Assim, e a exemplo de que acontecera nas respectivas datas, em que na SIT, em Tavarede, foram comemorados, com a maior relevância e dignidade, o 5º Centenário de Shakespeare; o Centenário de Almeida Garrett; o Centenário do Infante D. Henrique; o Cinquentenário da Morte de D. João da Câmara e o Centenário de Marcelino Mesquita; se aos reconhecidos méritos dos amadores-artistas da linda terra do limonete tinha isso sido possível, essa grande honra, graças à batuta-mágica de mestre José Ribeiro, na sua qualidade de autor e ensaiador competentíssimo, porque não havia ele, acedendo, de ânimo jubiloso, ao que, em tal sentido, lhe fora solicitado oficialmente, de aproveitar a oportunidade para marcar, mais uma vez, uma relevante posição do seu admirável querer e das suas ricas possibilidades intelectuais e artísticas, escrevendo, ensaiado e pondo em cena a referida peça, comemorativa da patriótica efeméride do 4º Centenário da Publicação de “Os Lusíadas”, de Luís de Camões?



Ora foi precisamente isso que se deu…



E com que prestigiante elevação!...



Foi, pois, ao espectáculo do passado dia 4, realizado no teatro da SIT, que o ilustre professor jubilado da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, sr. Dr. Hernâni Cidade, eminente presidente da Comissão Nacional das Comemorações Camonianas – que desde há muitos anos se digna honrar-me com a sua preciosa amizade, a pontos de já por diversas vezes ter colaborado no meu “Jornal de Sintra” -, esteve presente e se fez acompanhar de diversos intelectuais seus amigos.



Entusiasmado por meu filho, que dias antes, vindo do Norte e indo beijar a familia a Tavarede (onde também nasceu), assistiu a uma representação da aludida peça, também, com ele, a esposa e filha, minha mulher e um casal amigo, ali me desloquei.



Dou-me por muito feliz tê-lo feito. O contrário redundaria numa carga de remorsos que nunca mais deixaria de pesar-me na consciência…



Ao abrir o espectáculo, José Ribeiro, descendo ao proscénio, num improviso felicíssimo, como sempre, cumprimentou e saudou, brilhantemente, o ilustre e categorizado académico, regozijando-se com a grata presença de tão elevada personalidade, que honrava, sobretudo a veneranda colectividade de cultura popular da sua terra e os seus humildes amadores teatrais, todos gente do povo, para quem pediu a maior generosidade e benevolência na interpretação das peças que iriam apreciar.



E o espectáculo começou pela ordem em acima referida…



… e acabou, sob uma estrepitosa, interminável e delirante salva de palmas, devidas aos artistas competentes, e chamadas entusiásticas a José Ribeiro . que bem mereceu, de facto, as retumbantes manifestações de carinhoso apreço de que foi alvo!



Antes do pano baixar, o ilustre espectador, sr. Dr. Hernâni Cidade, subiu ao palco, onde lhe foi entregue, por uma amadora, um lindo e viçoso ramo de flores, após o que, no uso da palavra, proferiu um eloquente discurso – que foi bem uma magnifica lição histórica – em que envolveu, na simpática pessoa de José Ribeiro, o seu apreço ao grupo cénico que acabara de apreciar e o seu abraço de simpatia ao bom povo da linda aldeia em que se encontrava, rodeado dos mais cativantes e bem merecidos carinhos.



Uma apoteótica salva de palmas coroou a magistral lição do ilustre orador.



No salão de recepções da SIT foi, depois, servido a convidados de honra presentes ao espectáculo, amadores cénicos, etc., um suculento “copo-de-água”, que deu ensejo a que todos os presentes se regalassem de ouvir mais dois brilhantes discursos, primeiro, pelo velho amigo José Ribeiro, depois, pelo eminente presidente da Comissão Nacional das Comemorações de “Os Lusíadas”.



Mais uma vez saí, orgulhoso, de Tavarede – e profundamente envaidecido pela cada vez mais aprimorada capacidade artística dos meus conterrâneos! Só é pena que, tanto o espectáculo de agora, como tantos outros que lá têm sido realizados, todos da mais reconhecida e categorizada interpretação e rigorosa encenação, fiquem só por ali e pela Figueira…



Um grande abraço de parabéns, pois, ao “velho” Zé Ribeiro e aos seus pupilos, entre os quais a “hierarquia” dos Medinas continua a estar bem representada – em quantidade e qualidade – graças a Deus!...



De represso a Sintra, pensei em dirigir um pedido de duas palavrinhas, sobre os tavaredenses, a tão ilustre catedrático, quase certo de que não deixaria de ser gratamente atendido; e, como tal, assim o fiz, tendo logo merecido a desvanecedora atenção de Sua Exª, que se dignou honrar-me com a carta que se segue – e aqui se agradece, reconhecida e gratamente, com um sincero e respeitoso abraço de muita admiração e estima. Bem haja, pois, por tamanha honra, sr. Dr. Hernani Cidade:



Sr. António Medina, Meu prezado amigo:



Tenho o tempo tomadíssimo, mas não lhe posso negar as palavrinhas que me pede sobre o espectáculo a que ambos assistimos na sua terra, na inesquecível noite de 4 de Novembro.



Foi tudo para mim uma impressionantíssima surpresa! Sem me deter na maneira como fui acolhido, com simpatia de tão espontânea generosidade e com palavras de tão calorosa eloquência, prefiro falar-lhe do modo como eu próprio fui empolgado pela interpretação do auto camoneano – El-Rei Seleuco. Inteligente a interpretação, adequado o cenário, com a necessária dignidade o vestuário, e tudo em termos de dar a melhor evidência a certa grande realidade excepcional: uma exemplaríssima dedicação de José Ribeiro pela educação do povo humilde da sua aldeia e a colaboração de todos nessa obra admirável com a entusiástica aceitação dela – a melhor, a mais comovida e autêntica maneira de lha agradecer.



José Ribeiro merece aquele ambiente de calorosa estima e de enternecida admiração, que lhe dedicam todos os colaboradores, todo o povo de Tavarede. E até na formação de tal ambiente está demonstrada a superior sensibilidade do povo a cuja educação ele com tanta bondade e com tanta inteligência consagra a sua devoção cívica e a sua humaníssima paternidade. Na verdade, é uma surpresa gratíssima sentir como todos desempenham os seus papéis! Sem um comum fundo de cultura superior à habitual em pessoas de aldeia e profissão humilde, não seria possível tanta maleabilidade na interpretação e representação das figuras, na adequação a estas de falas e atitudes, quer naquele auto, quer na Evocação de Camões e “Os Lusíadas”, da autoria do seu ilustre conterrâneo.



É uma bela obra, a que José Ribeiro está realizando. Mas é o de melhor colaboração possível, o ambiente moral e até artístico em que tem a felicidade de trabalhar. Merecia-o o seu talento; merecia-o a sua simpatia, a que nem falta a espontânea eloquência com que sabe comunicar-se.



Aqui tem, meu querido amigo, o que, da abundância do coração, me veio ao bico da esferográfica.
Tudo isto e ainda um abraço do seu amigo Hernâni Cidade. (Jornal de Sintra - 1972-11-25)

sábado, 14 de maio de 2011

Chá de Limonete - livro



Devido a umas buscas que ando a fazer, bastante difíceis por sinal, sobre a história da nossa terra e também da família Quadros, morgados e condes de Tavarede, não tenho grande disponibilidade para continuar, por agora, com estas historietas sobre a minha terra natal.


No entanto tenho muita coisa que ainda queria aqui transmitir, pois Tavarede foi fértil em temas interessantes.


Além de continuar com a publicação de alguns 'Tavaredenses com história', vou publicar algumas notícias, das muiotas que recolhi, e que estão nos 13 ou 14 cadernos que compilei da imprensa figueirense. Julgo que terão interesse. Hoje abri o caderno dos anos 50 do século passado. E lá foi encontrar, entre coisas curiosas, muitos escritos aquando da publicação do livro ' Chá de Limonete ', da autoria de Mestre José Ribeiro, por ocasião das Bodas de Ouro da SIT. Pena este livro estar esgotado. Mas. vejamos duas dessas notas:

Mais e mais temos de nos convencer de que Portugal não é só Lisboa: está ante nós uma xícara do delicioso “Chá de Limonete”, que é uma lição muito para meditar…
Em uma pequenina aldeia, lá para as bandas da Figueira da Foz, existe uma agremiação notável: deve ser pobre, pelo modesto centro onde actua e pela exiguidade das quotas dos seus sócios mas é rica de boa vontade e dedicação; é rica pelo fim que tem em vista e cumpre denodadamente – é a Sociedade de Instrução Tavaredense. A forma de cultura que adotou é a instrução pelo teatro. E assim instrui, educa e distrai.
Mantem o seu grupo cénico mas, para bem cumprir o seu mandato, cada peça a representar é o pretexto para uma alegre e proveitosa lição, desde a explicação dos vocábulos pouco acessíveis aos menos cultos, até ao estudo da divergência de géneros e estilos, ao esclarecimento de épocas, usos e costumes.
E há 30 anos que dura esta acção cultural!
Pois foi ao serviço da simpática e prestimosa Sociedade Cultural de Tavarede que José da Silva Ribeiro colocou o seu mérito de escritor dando ao grupo cénico a fantasia “Chá de Limonete”. E aqui, com esse trabalho, surge outra lição – lição de aprumo, lição de moral. O “Chá de Limonete” prova aos nossos revisteiros, que tão frequentemente recorrem à obscenidade, que se pode fazer trabalho meritório, teatro movimentado, atraente, sem abandonar a linha de decoro, sem esquecer que a principal e mais alta missão da cena é educar e moralizar, que para criar a beleza não é necessário estadear no palco montes de carne nua.
Às qualidades apontadas, o reconfortante “chá” junta ainda a alegria e a arte.
Esta peça tem uma curiosa novidade: é uma proveitosa lição de história. Levezinha, que o público a quem se destinou não está ainda em condições de profundar muito. Poderíamos chamar-lhe revista histórica ou monografia teatralizada.
Os sucessos, interessando o local, desde a sua antiquíssima origem, vão sendo referidos pelo “Velho Tavarede”, o respeitável ancião que tudo presenciou… E os quadros vão-se sucedendo, na mutação de revista e o público vai tomando conhecimento, a sorrir, do que foi a sua terra.
Original e muito interessante.
Mas o “Velho Tavarede” é tão velho, tão velho, que embora sabedor e de memória prodigiosa, já vai tendo lapsos, percalços de senilidade… E, por isso, e só por isso, se lhe teria varrido da ideia aquele convento das freirinhas da Esperança e o outro, o convento quinhentista e ainda, esquecimento de maior monta, o nome do nobre, douto e piedoso Dom Francisco de Mendanha, talvez o mais notável filho de Tavarede, que, depois de ter cursado letras em Paris, como ao regressar à pátria já tivesse falecido seu avô, renunciou ao Mundo procurando a paz do claustro. Mas aí, o douto cruzio, teve de exercer cargos de alta importância na sua Ordem.
Facto interessante: foi D. Francisco de Mendanha quem assistiu como Cancelario da Universidade de Coimbra ao acto de “Mestre em Artes” do infeliz Rei D. António, Prior do Crato.
Mas a mão já trémula do simpático Velho Tavarede deixaria cair de entre os outros o pergaminho onde em letras de oiro estava escrito o nome do culto e piedoso D. Francisco de Mendanha.
Bastaria a cena do acto de “Mestre em Artes” de D. António, com a assistência do Cancelario D. Francisco de Mendanha, para dar um final grandioso a qualquer dos actos da sua fantasia.
E poderia talvez influir com esse trabalho para se dar a uma rua de Tavarede o nome do nobilíssimo e notável padre cruzio D. Francisco de Mendanha.
“Chá de Limonete”… Limonete, Lúcia-lima, erva-luísa, bela-luísa, doce-lima… Chá perfumado que o nosso paladar muito aprecia e que recomendamos como remédio já muito antigo contra as dores de estômago, especialmente as desses estômagos delicados que não conseguem digerir as revistas que por aí pululam…
Muito digno de leitura por elucidativo e bem escrito, o prefácio. (A Voz)



José da Silva Ribeiro é dos homens, neste País tão arredado das coisas da Arte, que mais tem feito pelo teatro de amadores. A ele se deve a actividade constante do grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense, com uma obra notável de cultura e divulgação teatral.
José da Silva Ribeiro, pelo seu saber, pela sua inteligência, pela sua fé inabalável nos destinos do teatro e da sua magnifica influência no público, pode, com absoluta justiça, considerar-se um mestre. É ao povo que vai buscar os seus colaboradores e dessa gente simples da terra tem sabido arrancar autênticas vocações e sabido moldar comediantes. A propósito do seu grupo, é José da Silva Ribeiro quem escreve: “Tenha-se presente que se trata de um grupo de amadores de uma pequena e humilde aldeia, pobre entre as que mais o são. Aqui se encontram os trabalhadores do campo e da oficina: rapazes e raparigas da enxada, que passam o dia cavando as terras e vêm à noite ao ensaio; operários carpinteiros, pedreiros, serralheiros, raparigas dos alfaiates e das modistas da cidade vizinha, um ou outro empregado de escritório também”.
Agora, José da Silva Ribeiro escreveu para o seu grupo uma fantasia em três actos e 24 quadros, “Chá de Limonete” (histórias de Tavarede), de rara beleza e sabor nitidamente regional, como convinha à intenção da obra. O autor foi à sua “humilde e pequena aldeia” e soube arrancar-lhe tudo quanto em tradição, pitoresco e beleza poderia interessar o espectador. “E se para mais não servir – afirma José da Silva Ribeiro – nem mesmo como espontâneo e franco depoimento de quem vem à barra dizer da sua razão e justiça sobre o teatro de amadores, “Chá de Limonete” ficará como testemunho da nossa dedicação à terra humilde onde nascemos e temos vivido, como hino ao trabalho rural e também como afirmação da simpatia que votamos e da solidariedade que nos liga aos homens da enxada da nossa aldeia, incessantemente cavando o amargo pão de cada dia em terras que não são suas”.
O autor conseguiu, inteiramente, o seu objectivo com a sua obra, quer no palco, em que teve a colaboração de António Simões, que compôs a partitura, e a de mestre Manuel de Oliveira, que desenhou as maquetes dos cenários, quer agora, publicando-a, como um belo documento do seu talento.
José da Silva Ribeiro não merece apenas a gratidão dos seus conterrâneos, da gente simples da sua aldeia, “pobre como as que o são”; merece-a também de todos quantos amam o Teatro. (O Século)


sexta-feira, 6 de maio de 2011

9 de Maio de 1516 - Foral



Foi D. Manuel I, por graça de Deus rei de Portugal e dos Algarves, etc., que, no ano de 1516, deu foral a Tavarede.


Os privilégios, eram para o Cabido, pois, como donatário do couto, pertenciam-lhe os direitos reais. E os tributos, quem os pagava, era o povo. E havia muitos...


Sobre este assunto, consideramos que a análise deste foral, bem como dos restantes tributos que pendiam sobre a vila de Tavarede, deverá ser incluida na parte em que nos debruçamos sobre a vida do povo.


Lá se encontrará um importante trabalho publicado pelo dr. Santos Rocha, em “Materais para a história do concelho da Figueira”, onde descreve os direitos reais, os direitos de entrada e de saída, as franquias, as portagens, os dízimos e os oitavos, as sisas, o eiradego, a colheita e, finalmente, o do forno da poia, este último dos fidalgos de Tavarede, mas ao qual também os moradores do lugar da Figueira da foz do Mondego não escapavam...


Para a câmara de Tavarede é que muito pouco era, pois, até do devido rendimento da sisa, cobrada pelos almoxarifes da Alfândega, “lhes passavam recibo dele, contentando-se com qualquer coisa que os almoxarifes lhes davam, para não perderem tudo”!


Mas, para a história da vila e couto de Tavarede, o mais importante é deixar registado o texto foraleiro.


“...O foral de Tavarede foi dado em 9 de Maio de 1516. Dele existe um dos originais no arquivo da Câmara Municipal da Figueira, mas sem a primeira folha, que continha o tributo raçoeiro do oitavo da produção das terras, como indica o índice do mesmo foral. Este facto explica talvez a mutilação: alguém supôs que, subtraindo a folha, ficariam as terras desoneradas de tão vexatório encargo...”


“... Esta falta é muito sensível, atendendo à referência que faz a esse título o dos -Prasos particulares. Eis as suas palavras: “E além da dita terra (de Tavarede e seu termo) ser aforada primeiramente, na medida que dito he, despois os senhorios com as partes fizerão novos contractos e aforamentos, segundo sam concertados por escripturas e titullos, etc.” “Disto se depreende que o termo de Tavarede era um prazo, cuja origem e natureza estavam explicadas na primeira folha do foral...”


“... Provavelmente esse prazo primordial era já de quotas de frutos ou rações, e tinha origem em algum outro foral ou carta de povoação anterior ao de D. Manuel, que fôsse concedido quer pelo rei, quer pelo Cabido da Sé de Coimbra, como donatário; e é talvez a esse foral primitivo que se refere o título da Colheita.


Livro: Tavarede - A terra de meus avós-1º.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

MARIA ÁGUAS FERREIRA



“Há bastante tempo que a bondosa senhora se encontrava doente e apesar dos carinhos da família e dos esforços da ciência, era esperado já o fatal desenlace, que muito consternou não só as famílias enlutadas como as numerosas pessoas das relações da extinta.


Tinha 66 anos de idade e era natural de Tavarede, filha do sr. Joaquim Alves Fernandes Águas, já falecido”.


Era casada com José da Cunha Esteves, antigo capitão da marinha mercante, e morava na sua Quinta do Peso.


Foi grande protectora das colectividades locais. Em 1900 já ofertara uma fita para o estandarte do Grupo de Instrução Tavaredense, extinto em 1903.


Faleceu em Abril de 1924 e o Grupo Musical e de Instrução, de que era sócia desde a sua fundação, prestou homenagem à sua memória, em Dezembro desse mesmo ano, descerrando o seu retrato, que se encontra exposto no seu salão.


Caderno: Tavaredenses com história

José Luis do Nascimento

Natural da vizinha Brenha, onde nasceu no ano de 1919, era filho de Manuel Luís do Nascimento e de Maria Francisco e casou com a tavaredense Efigénia Grilo, da qual teve dois filhos, Guilhermina e António.


Começou a fazer teatro na Troupe Recreativa Brenhense “onde conheceu José Ribeiro, numa ocasião em que ele lá foi dar os últimos retoques a uma peça”.


Quando veio residir para a nossa terra, de imediato começou a dar a sua colaboração ao grupo cénico da Sociedade de Instrução. Desde Chá de Limonete, em 1950, até Na Presença de Garrett, no ano de 1999, foram cerca de 95 os personagens por ele vividas no palco.


Característico, com especial vocação para a criação de figuras populares, recordamos, sem desprimor para outras interpretações, os papéis de Marchante, em Chá de Limonete, Jeremias, barão da sovela, em Terra do Limonete, O homem da Vaca, David Secura, Carro Gandarês, nas diversas fantasias postas em cena por José Ribeiro.










Quando foi homenageado conjuntamente com João Medina (José Luís à esquerda)

“… representarei enquanto tiver forças para o fazer. O teatro deu-me um à-vontade muito grande e grande facilidade de conversa: não tenho medo de falar com um médico ou com um advogado”, disse ele em certa ocasião.


A Sociedade de Instrução nomeou-o sócio honorário em 1982 e homenageou-o publicamente no ano de 2000, num espectáculo promovido para o efeito. Faleceu em 30 de Março de 2005.


Caderno: Tavaredenses com história

António Paula Santos (António dos Prazeres)

Ribeiro de Tavarede - Chá de Limonete - desenho Zé Penicheiro



Nasceu a 12 de Outubro de 1918 e faleceu no dia 21 de Outubro de 1963.



Figueirense, mecânico de automóveis, casou com a tavaredense Elisa Marques, (1.11.1915 – 14.11.1992) passando a residir na nossa terra. Tiveram um filho, António.



Dotado de boa voz, passou a fazer parte do grupo dramático da Sociedade de Instrução, iniciando a sua colaboração em 1948, em Auto da Barca do Inferno, até ao ano de 1961, na fantasia Terra do Limonete.



Foi ele o primeiro intérprete da famosa Canção do Limonete.



Sua esposa, Elisa, também foi amadora do mesmo grupo cénico. Participou no elenco das peças As pupilas do Senhor Reitor, Justiça de Sua Majestade, A Cigarra e a Formiga, O Sonho do Cavador, Canção do Berço, Entre Giestas, O Grande Industrial, etc. Terminou em 1940, colaborando nos Autos Pastoris, uma organização do Grupo Musical.



Caderno: Tavaredenses com história

O CÉLEBRE JANTAR DO DEÃO

A colheita e jantar era um tributo que, todos os anos, o Couto de Tavarede, tal como todos os Coutos da jurisdição do Cabido da Sé de Coimbra, tinham que pagar, em dinheiro e em géneros.


Mas, segundo o Foral que estabelecia esta obrigação, era o Deão da referida Sé que, anualmente e por alturas do S. João, devia visitar os Coutos e receber o dinheiro e os géneros para o jantar, que, segundo dizia o Deão na cena final do primeiro acto do 'Chá de Limonete' "era apenas um farnel".



Ora em 1536 o Cabido resolveu não mandar o Deão mas, sim, três cónegos seus para receber o tributo. E naturalmente, o juiz e os oficiais da Câmara do Couto de Tavarede, escrupulosos cumpridores do legalmente estabelecido, não pagaram, dizendo mesmo aos enviados que só pagariam ao Deão. Estes pediram um documento comprovativo da recusa ed o mesmo foi enviado a El-Rei que, estando em Évora com a sua Corte, ali fez o julgamento ed proferiu a respectiva sentença. Vejamos o processo:



Dom João, por Graça de Deus Rei de Portugal e dos Algarves, daquém e dalém mar em África, Senhor da Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio na Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia. A Vós, Juizes do Couto de Tavarede, jurisdição do Cabido da Sé de Coimbra e a todos os outros juizes e justiças, oficiais e pessoas dos meus reinos e senhorios a quem esta minha carta de sentença fôr mostrada e ao conhecimento dela por qualquer guisa que seja feita, saúde.
Faço-vos saber que perante mim, nesta minha Corte, e Casa de Suplicação e Juizes dos meus feitos, nela foi apresentado um instrumento de agravo que diante Vós tirou o Cabido, Dignidades e Cónegos da dita Sé, aos oito dias do mês de Julho de presente ano de mil quinhentos e trinta e seis, no q ual se continha, entre outras muitas coisas nele contidas, que os ditos Suplicantes vieram com um requerimento por escrito, a Vós ditos Juizes, dizendo nele que o dito Couto era obrigado pagar de colheita e jantar ao dito Cabido, a seu recado para os visitar e lhes administrar justiça, por serem seus vassalos e sujeitos a toda a jurisdição cível ser sua, e sendo visitadosx em cada ano, até ao S. João de cada ano, e então eram as colheitas seguintes, a saber: dos moradores do dito lugar de Tavarede sem os do termo, pagavam pelos seus livros dos Direitos Alfandegários, seiscentos e oitenta reis da moeda ora corrente, e mais, pelas heranças do lugar da Chã e casais de cada um, dois carneiros e dois cabritos, e seis almudes de vinho da medida corrente, e dez galinhas e um quarteiro de cevada pela medida corrente de Coimbra, e mais cem pães ou por cada pão dois reis da sobredita moeda ora corrente, cinco reis para especiarias ou por elas cinco reis da sobredita moeda ora corrente, e meio alqueire de manteiga e outras coisas e vinagre que baste para as ditas coisas se cozinharem, a qual colheita ou jantar Vós Juizes e oficiais em cada ano fintáveis pelo concelho e pelo povo dele, segundo acima ficava declarado, e era tão antigo que não havia memória dos homens em contrário e o preço era notório dever-se, e assim o tinham por leis na sua Câmara, e ora findo como foram em nome do dito Cabido, Francisco Monteiro e Henrique de Sá e Jerónimo Salvado, cónegos, a visitar o dito Couto antes do S. João, neste ano de quinhentos e trinta e seis, no primeiro dia de Junho da dita era, e visitando e provindo em tudo o que era necessário, os ditos Juizes e oficiais punham dúvida a pagarem e lhe darem a dita colheita e não eram obrigados, pelo que vos requeria lhe desseis a pagásseis a dita colheita e o jantar deste ano de quinhentos e trinta e seis, como em cima era declarado.
E melhor, se melhor de direito lhe pertencesse segundo seu costume, e não querendo lhes fosse dado seu instrumento com sua resposta, ou sem ela se a dar não quizesse, e com fé do tabelião do que no caso se passava e com o teor das visitações aos visitados réus, e protestavam serem privados de tão manifesto agravo, do qual agravavam para mim e meus desembargadores e de haver todas as perdas e custas e danos e interesses por quem de direito fosse, segundo que tudo isto mais cumpridamente era contido no dito instrumento.
Respondeu o Juiz e vereadores e procurador do dito Couto, dizendo na sua resposta que a colheita ou jantar que no requerimento se dizia, que era devido ao Cabido da Sé no dito seu Couto de Tavarede em cada ano, e que requeriam que o desse ao dito Cabido o ano presente de trinta e seis, por dizer que Francisco Monteiro, Henrique de Sá e Jerónimo Salvado, cónegos dessa Sé, foram visitar o dito Couto, agora no primeiro dia de Julho do presente ano, pelo que diziam eles Juiz e Oficiais que não podiam mandar pagar ao dito Cabido a dita colheita e jantar, que lhes era pedido, pelo dito concelho de Tavarede ter no Foral o contrário.
A saber: dava o dito Foral que, indo o Deão da dita Sé pessoalmente visitar, uma vez por ano, o concelho de Tavarede, os moradores do dito lugar lhe pagassem, a ele Deão, a referida colheita e jantar, e porque o Foral assim o mandava expressamente, sem nenhuma limitação, sempre de tempo imemorial que eles oficiiais se acordavam, e sempre a dita colheita e jantar se dera e pagara ao Deão, que era da dita Sxeé, e se pagavam agora a João Rodrigues Ribeiro, Deão actual da dita Sé, o qual em cada ano pessoalmente a vencia e se lhe pagava sem nunca os do Cabido tal colheita e jantar pedirem senão agora, se eles, do Cabido, tivessem alguma Provisão minha em que mandasse que lhe fosse pago sem embargo do Foral, que lhe mostrassem e a guardariam e cumpririam em tudo, porque o que dizia em seu Regimento não bastava para lhes ser dado o que pediam, pelo dito Foral ser em contrário, pelo que requeriam ao tabelião que nos instrumentyo que lhes havia de passar, tresladasse neles as verbas do Foral que no dito caso falavam, porque eles não tinham em Câmara outra lei por onde se regiam acerca dele, somente estas verbas, que apontavam no dito instrumento eram tresladadas, e sem isto os do dito Cabido se quisessem instrumento de agravo, que pediam lhe fosse dado e contestavam de treplicar, se cumprisse segundo que tudo isto mais cumpridamente era contido na dita resposta, ao que os juizes, vereadores e procuradoer responderam ao dito requerimento, ao qual outrossim respondeu o Deão, dizendo em sua resposta, que era verdade, que ele, como Deão, estava em posse por dez, trinta, cinquenta, cem anos a esta parte, e por tanto tempo que a memória dos homens não era em contrário, e se nisso houvesse dúvida daria testemunhas no concelho e fora dele, se por si e pelos Deões antepassados e antecessores deverem, em cada ano, ir visitar o dito Couto de Tavarede, o jantar que ora o Cabido dizia e pedia, não indo ele Deão em pessoa se não devia dar a pessoa alguma outra do Cabido, e ficava no concelho, como a todos era notório e muitas vezes ficara , em tempo dele Deão e seus antecessores e assim o tinham muitos jantares noutros lugares em que o Cabido não tinha jurisdição e mesmo noutros em que a tinha.
Como era este por serem prestes do seu Deão, como são a terça da Lousã e de Vradigos, que tinham certas igrejas no Arcediago do Vouga e noutras partes em que o Cabido não tinha jurisdição alguma, pelo que, neste presente ano de trinta e seis, que ao dito Couto de Tavarede de Fora vencera e merecera a dita colheita e jantar, e o foram tirar e mandar a sua casa como sempre fizeram desde o dito tempo, e portanto o Cabido não tinha razão no que pedia nem de sgravar de Vós juizes, segundo que tudo isto mais cumpridamente era contido na resposta do dito Deão, as quais respostas o Cabido replicou e o Deão e oficiais treplicaram e como tudo o dito Cabido e Dignidades dele pediram o dito instrumento de agravo, o qual lhe foi dado com o treslado das sentenças, o qual instrumento fora nesta minha Corte apresentado em tempo e forma de vida, e foi junto a outros e outros a este, que o dito Cabido tirou doutros Coutos, e deles foi dada vista às partes, e fora por eles tanto de seu Direito e Justiça alegado, que o dito instrumento me foi levado finalmente concluso, o qual foi visto por mim em Relação com os do meu desembargo.


SENTENÇA


Acordei, visto os requerimentos feitos pelo Cabido da Sé de Coimbra aos Juizes e Oficiais dos Coutos nestes instrumentos contidos e as respostas dos ditos oficiais e assim as respostas do Deão, sentenças dadas sobre a jurisdição dos ditos Coutos e como se mostra pelas ditas sentenças a jurisdição dos ditos Coutos ser julgada ao dito Cabido, por respeito da igual jurisdição e visitação se dão os jantares e colheitas nos Coutos da contenda, o que tudo visto com o mais que dos autos consta, declaro os ditos jantares e colheitas pertencerem ao dito Cabido e mando aos juizes e oficiais dos ditos Coutos, que lhe acudam e façam acudir com eles, segundo forma de suas doações, porque os ditos jantares e colheitas lhes são concedidos e esta declaração e sentença servirá a todos os Coutos nos ditos instrumentos contidos, e os mando que assim cumpram, guardem e façam em tudo muito inteiramente cumprir e guardar como por mim é julgado, acordado, mandado e determinado.
E mando que esta sentença se cumpra e guarde com efeito realmente como da maneira que nela é contido, e porquanto o Cabido pagou parte do Deão cento e sessenta e sete reis, vos mando que requereis que os pague, e se pagar não quiser, o fareis penhorar em tantos dos seus bens móveis e de raíz e lhos façais vender e rematar, de acordo com as minhas ordenações, de maneira que o dito Cabido haja pagamento dos ditos cento e se4ssenta e sete reis, o que assim deve cumprir.
Dada na minha cidade de Évora, onze dias do mês de Agosto. El-Rei o mandou pelo licenciado Álvaro Martins, do seu desembargo e juiz de seus feitos em sua Corte e Casa de Suplicação. Francisco Pires a fez por Afonso Ferandes de Toar, escrivão. Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil quinhentos e trinta e seis.