sábado, 21 de maio de 2011

DE CASA DE CULTURA A... TABERNA! (1)

Vamos dar início a uma 'espécie' de inovação, regressando à maneira dos folhetins que tanto estiveram em voga, nos finais dos séculos dezanove e princípios do século vinte. São histórias demasiados compridas para serem publicadas de uma só vez. Começamos por contar a história de uma casa que, tendo sido um verdadeiro 'santuário' da cultura popular, acabou, tristemente, em taberna, sendo, nos dias de hoje, uma mercearia. Se, porventura, os meus amigos visitantes não gostarem deste género de contar historietas da nossa terra, sejam francos, digam-me que eu abandonarei tal sistema. E vamos ao primeiro capítulo:


Uma casa que deixou saudades

No livro “50 Anos ao Serviço do Povo”, ao lembrar as casas “onde se representavam peças que fizeram correr rios de lágrimas e provocaram indigestões de gargalhadas”, Mestre José Ribeiro fala, entre outras, “na de Joaquim Águas, pai do velho capitão Águas, José Joaquim Alves Fernandes Águas, prédio em que mais tarde esteve o Grupo Musical Tavaredense”.


Embora, no segundo caderno, já por várias vezes tenhamos referido esta casa, especialmente quando ali tiveram as suas sedes o Grupo Musical e de Instrução Tavaredense e, posteriormente, o Grémio Educativo e de Instrução Tavaredense, não resistimos à tentação de aprofundar e aqui deixar, embora resumida, a história daquela casa que, durante mais de quinze anos, teve uma importância extraordinária no desenvolvimento cultural de Tavarede e que, por circunstâncias que procuraremos desenvolver no decorrer desta nossa história, acabou ingloriamente em ruínas, nos finais dos anos 30, tendo sido reconstruída e reconvertida em “mercearia e vinhos”, para não dizermos “taberna”, que, aliás, ainda conhecemos.


Não o fazendo totalmente, ocupava uma boa parte do quarteirão que, actualmente, é limitado a sul, pela Rua A Voz da Justiça; a norte, pela Rua do Grupo Musical e de Instrução Tavaredense; do nascente, pelo Largo D. Maria Amália de Carvalho; e do poente, pela Rua D. Francisco de Mendanha.


Nos “velhos” tempos em que ali residia Joaquim Águas com sua família, lá se representava Teatro. Em condições deficientes, acreditamos, pois a sala de espectáculos era a ampla loja do rez do chão,mais apropriada a uma casa de arrecadação de lavradores do que a representações dramáticas, mas, certamente, com imensa vontade e satisfação.


Também é nossa convicção que foi ali que, nos últimos anos do século passado, funcionou um grupo teatral denominado “Bijou Feminino” e que igualmente foi ali que ensaiou e tocou uma tuna que denominaram “Bijou Tavaredense”.


Esta nossa historieta começa, portanto, com este breve apontamento. Vamos, agora, avançar um pouco no tempo.


Já sabemos que em Agosto de 1911 se funda o Grupo Musical e de Instrução Tavaredense, facto, aliás, bastante desenvolvido no já citado segundo caderno. As condições deficientes que esta jovem colectividade dispunha na sua primeira sede, na loja da Tia Romana Cruz, ao Largo do Paço, chamaram a atenção do abastado carritense Manuel da Silva Jordão, que havia comprado a casa de que estamos a tratar e que “motivado pelos fins propostos pelos activos dirigentes da nova associação, lhes cedeu aquela casa, colaborando nas obras necessárias para a construção duma boa sala de espectáculos”.


A inauguração teve lugar em Janeiro de 1915. Lembremos um pouco da notícia desta inauguração: “Com a maior solenidade, realisou-se no ultimo sabbado, como estava marcado, o primeiro espectaculo na nova séde d’aquella casa d’instrucção musical e teatral, que decorreu animadissimo.


Pouco antes de se começar o espectaculo foi, pelo sr. dr. Manuel Gomes Cruz, proferido um discurso, que enthusiasmou o publico, e não só a este como também aos sócios do Grupo Musical.


Aquelle senhor ao dizer, entre outras coisas, que o honravam com aquelle progresso na sua terra, e não só a elle como a todos os seus conterraneos, foi, para a numerosa assistência, que o ouvia com o maior respeito, uma alegria, e pouco depois, agradecendo em nome de todos os sócios d’aquella colectividade ao seu grande benemérito, ao seu grande protector, sr. Manuel da Silva Jordão, foi-lhe inaugurado o seu retrato, tocando a orchestra o hymno da Associação”...


A actividade da colectividade, que se desdobrava em teatro, música, escola nocturna, desporto e convívio, em breve mostrou a necessidade de novas obras.


Foram concluídas em Dezembro de 1924 e a elas se refere este recorte:


“Com as obras que a Direcção vigente meteu hombros e que já se encontram concluídas, esta associação é, hoje, sem dúvida alguma, pelas modificações nela introduzidas, uma das colectividades do concelho que melhor se acham instaladas, pois que possuindo todos os requisitos duma sociedade moderna tais como salas próprias para ensaios, leitura, recreio, etc., etc., estas são explendidamente iluminadas a electricidade”.


Sabemos já os êxitos alcançados nesta casa com o teatro e com a música. Também sabemos que, antes destas últimas obras, uma nova aspiração havia nascido aos então directores, que era a aquisição do edifício, para terem uma sede própria.


Haviam sido encetadas as necessárias diligências com o proprietário do prédio, de quem, como consta em actas da Direcção e da Assembleia Geral da colectividade, algumas já transcritas por nós, receberam a melhor compreensão e disponibilidade.


Foi feito o negócio, liquidado parcialmente e estabelecidas as condições para o pagamento da parte restante.


Mas... o problema é que, quando se estabelecem condições, há que cumpri-las. E a verdade é que, grande amigo e grande benemérito, o sr. Jordão começou a ver correrem os meses e os anos e nada de lhe pagarem, ou pelo menos amortizarem, a dívida contraída.


Curioso o facto de em 1928, quatro anos após a venda, aquele senhor escrever uma carta a dizer que desejava a liquidação em Novembro dêsse ano (quatro meses depois da carta), e a Direcção ter deliberado “não responder sem primeiro se averiguar se se consegue hipotecar o prédio a outro pela dívida principal do Grupo”.


As diligências não resultaram e, quanto ao pagamento, mais uma vez nada houve.


Devem ter azedado os ânimos bastante. Bastará recordar que, na sua reunião de 13 de Março de 1929, a direcção deliberou: “o presidente da direcção deu conhecimento que já havia liquidado contas com o principal credor do Grupo, sr. Manuel da Silva Jordão, propondo que o mesmo sr. fosse suspenso de sócio até à realização da primeira Assembleia Geral, pela qual deverá ser demitido, para o que se tem em vista o que se encontra estatuído, pois não só difamou o Grupo como menosprezou a honorabilidade de todos os componentes da sua direcção e ainda que, em atenção à incorrecção manifestada, ou por outra, posta em prática pelo mesmo sr. Jordão, propoz também que fosse retirado imediatamente, da nossa sala de espectáculos, a sua fotografia, que ali se achava exposta...”. (continua)

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