sábado, 28 de maio de 2011

DE CASA DE CULTURA A... TABERNA! (3)

(continuação)


Uma questão religiosa


Não nos vai ser nada fácil escrever este capítulo. É que é sempre possível alguém mais desprevenido julgar que nos movem segundas intenções, especialmente sobre algum ou alguns dos intervenientes nos acontecimentos que a seguir irão ser narrados.


Nada disso. A nossa única pretensão, e bem a sabemos bastante ambiciosa, é deixar aqui descrita, em especial para os mais novos, que os desconhecem totalmente, alguns dos principais factos relacionados com a história da nossa terra. Aliás, as fontes onde recolhemos as notas que nos irão servir, estão ao alcance de qualquer um.


Pensámos, maduramente, em omitir os nomes dos intervenientes na polémica que se irá dar a conhecer. Mas, afinal de contas, para quê? É natural que, numa ou noutra situação, se tenha dito e escrito demais, mas a história é mesmo assim e, se a queremos relatar, não devemos acrescentar ou retirar algo aos factos sucedidos. Também não queremos dizer que tenham havido ou sido cometidos actos menos correctos ou desprestigiantes. A época era mesmo assim e os intervenientes viveram os casos com verdadeira paixão.


Mas vamos prosseguir com a nossa tarefa. As notas seguintes, neste capítulo e no posterior, completam, em conjunto com o primeiro, uma história real que teve enorme influência na vida cultural e associativa em Tavarede, nos anos 20 e 30 deste século.

* * * * *

O dia 12 de Agosto de 1928 marcou profundamente toda a população da freguesia de Tavarede, e não só. Era domingo. Com destino a Fátima tinha partido de manhã, da nossa terra, uma peregrinação de fiéis católicos, desejando participar nas cerimónias religiosas que ali teriam lugar nessa noite e no dia seguinte.


O director espiritual da peregrinação era o reverendo padre Manuel Vicente, pároco da nossa freguesia.


Foi por volta das 5 horas da tarde que ocorreu o acidente, na ladeira de Reguengo Fetal, entre a Batalha e Fátima.


O condutor da camionete que originou o desastre, no início da ladeira buzinou para que a camionete dos tavaredenses lhe deixasse a passagem livre. Esta “afastou-se um pouco, do meio da estrada para o lado, em que há um declive de sete metros, a fim de deixar passar a outra. Neste momento, a camioneta de Alcobaça passou-lhe à frente, mas, como a estrada é muito apertada e a manobra não fosse feita com a necessária perícia, o cubo da roda do segundo veículo foi bater, violentamente, na roda esquerda da frente do primeiro. Este, com a rude e inesperada pancada, perdeu a direcção, resvalando para o declive e dando uma volta completa”.


Com maior gravidade ficaram feridos somente dois ocupantes: Abílio Simões Baltazar, um dos proprietários da Quinta do Robim, que dado o seu estado crítico foi enviado para casa, onde faleceu pouco depois da chegada “no meio de horrorosos sofrimentos” e o padre Manuel Vicente, que sofreu uma forte comoção cerebral e apresentava várias contusões graves.


A sua forte compleição física terá contribuido para, na volta da camioneta, sofrer diversas lesões interiores. Tendo sido internado no hospital de Leiria, e apesar de aparentar estar a reagir bem, a verdade é que acabou por sucumbir alguns dias depois. O seu funeral, para Tavarede, encontra-se descrito no nosso segundo caderno.


Como breve comentário diremos que este pároco era bastante admirado e acarinhado pelo povo da freguesia. Havia sido transferido para esta paróquia em fins de 1901 e, o seu trato afável, conquistou os tavaredenses, mesmo aqueles que não eram católicos. Acompanhou a vida associativa, especialmente na Sociedade. “O presidente da direcção fez o elogio breve mas bem significativo de Manuel Vicente, agradecendo-lhe ao mesmo tempo todas as atenções e sacrifícios em favor da Sociedade, dizendo que só um homem da sua têmpera, com uma vontade igual à sua, seria capaz de tantas canceiras em prole de uma terra que lhe era desconhecida. Tanta noite perdida, indo longe da sua casa, muitas vezes debaixo de chuva, levar aos outros o produto do seu recurso intelectual, só da sua candura de alma se poderia obter”.

* * * * *

Após o falecimento do padre Manuel Vicente abre-se um novo ciclo na história de Tavarede. Sucedeu-lhe na paróquia, poucos meses depois, o reverendo padre José Martins da Cruz Diniz.


Muito jovem, acabára de ser ordenado padre, bastante inteligente e declaradamente conservador, parece que terá ficado deveras surpreendido com a pouca frequência que muitos tavaredenses dedicavam à sua igreja.


As lutas políticas, com a recentíssima instauração da ditadura salazarista, tinham aberto profundas brechas na população da aldeia. Não esqueçamos que a grande vítima acabaria por ser uma associação: o Grupo Musical.


O novo sacerdote de imediato iniciou o trabalho da “reconversão” dos seus paroquianos. Era o seu papel. E, segundo os elementos que conseguimos, parece ter bem desempenhado o mesmo. Mas, claro, encontrou adversários pela frente e, digamos, de respeito.


Não foi só em Tavarede que estas lutas ocorreram. Por esse país fora, casos semelhantes terão sido inúmeros.


A igreja, conservadora por tradição, o poder político ultraconservador, os republicanos destituídos do poder, dois anos antes, algo liberais mas essencialmente progressistas, forçosamente provocaram situações de choque, nalguns casos mais ou menos pacíficas, mas noutras bastante violentas, sobretudo na imprensa. A violência escrita, talvez ainda mais que a verbal, foi muita e por alguns anos.


Atentemos, para começar, nesta notícia publicada em “O Figueirense”, de 7 de Novembro de 1929:

PELA IGREJA

“Depois que se encontra nesta povoação o novo Paroco, teem-se dado scenas bastante desagradaveis, que colocam mal o povo desta povoação.


Lá porque o sr. Prior chamou á Igreja, um numero já bastante avultado de crentes, que teem fé em Deus, os inimigos da Igreja, (os maçons) fazem os possíveis para desanimar o novo Paroco.


E dão-se casos ridiculos. Varias vezes teem-se organisado grupos de analfabetos que vão para o adro da igreja cantarolar e fazer grande berreiro no momento em que no templo estão em oração. E aqueles que vieram pedir por favor, que se calassem, foram mal tratados!...


Mas como isto ainda fosse pouco, deu-se uma scena vergonhosa e vil, na ultima quarta-feira.


Quando na igreja se encontravam na oração, entrou uma trupe de seis. Quatro ficaram á entrada, e dois começaram a passear dentro da igreja como se ali fosse algum picadeiro. Como viram que não lhes ligavam importancia, começaram a ofender o sr. Prior.


Chegaram até ao ponto de o desafiar cá para fóra. Ora isto, francamente, é vergonhoso. Tudo nos leva a crer, segundo consta, que estes analfabetos incorrijiveis, andam a ser pagos por meia duzia de maçons, para ver se conseguem atingir o alvo desejado.


Mas não conseguem, porque uma forte muralha vai de encontro ao seu ódio - o desprezo. A igreja não obriga seja quem fôr a ir lá, portanto os que a não querem respeitar, não vão lá. Por hoje poupamos a vergonha de não publicar os nomes destas trupes, sem educação, mas se estas scenas continuarem, serão os seus nomes aqui publicados, para sua vergonha e de seus pais.”


(continua)

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