sexta-feira, 8 de julho de 2011

De Casa de Cultura a... Taberna! (10)

Era inevitável o debate jornalistico. A comissão tentava, com todos os elementos de que dispunha, argumentar que tinha razão. O Bispo de Coimbra havia-lhes prometido todo o apoio e esse apoio, entendiam eles, incluia a cedência da casa. Sem mais comentar, transcrevemos a resposta que enviou ao jornal “O Figueirense”, e que foi publicada no dia 12 de Novembro de 1938:

“O semanário católico “O Dever” respondeu com a maior desenvoltura ao comentário que aditámos a uma local do “Diário de Coimbra” sôbre a venda da antiga séde do Grémio Educativo de Tavarede para instalação duma taberna, depois de prometida à Comissão Organizadora para a séde da Casa do Povo da mesma freguesia. E péde-nos, em termos deveras impressionantes, para fazermos a devida correcção, segundo a versão que apresenta do facto.


De boa vontade acederíamos ao seu ingénuo pedido se não estivessemos absolutamente certos de que as coisas se passaram um pouco peor do que nós as referimos.


Afirma o orgão católico que o prédio em questão nunca foi propriedade de qualquer alto dignitário eclesiástico, mas da Sociedade por Quotas Predial Económica, com séde em Coimbra. E convida-nos a verificá-lo nas repartições competentes.


Vamos responder-lhe com um testemunho esmagador, irrefutável, o único que talvez mereça confiança. Êsse testemunho é do nosso circunspecto colega. Foi êle que o afirmou duma maneira categórica e iniludível. Com efeito, lá vem na própria local comentada pelo “Diário de Coimbra” (nº. 465 de “O Dever”) com que se noticia a venda do prédio:


-”Achamos acertada a resolução do sr. Bispo, pois que a casa encontra-se em péssimo estado de conservação”, etc.


Por isso, se faltámos à verdade foi por sua conta... Mas não faltámos, como podemos demonstrar. Que a nossa informação é verdadeira atesta-o desesperadamente “O Dever” na própria local em que pretende corrigir-nos.


Ao negar (só nos espantam a facilidade e a coragem com que estas coisas se negam!) que o prédio tivesse sido prometido a alguém, escreve com a sua conhecida desenvoltura:


- “Houve quem o pedisse mais ou menos claramente; mas em resposta foi-lhe dito que nem se emprestava nem se arrendava - A Diocese não podia fazer despeasas - só se vendia”.


Note-se bem: a Diocese!!!


Portanto, se o prédio em questão não era propriedade particular de S. Exª. Revmª. era pertença da Diocese e estava confiado à sua guarda como fiel Administrador dos bens diocesianos. Ora foi isto precisamente o que nós quizémos dizer. E permanece de pé a nossa afirmação. É isso que nos interessa.


Nem de outra maneira, se compreenderia que para vender o referido prédio fôsse necessário - como foi pedir autorização ao Sumo Pontífice.


Podiamos ainda opôr à verdade das suas afirmações, a simples verdade dos factos que é muito mais eloquente.


Preferimos, porém, em conformidade com a doutrina que não devia ser tão esquecida pelo “Dever”, historiar o caso com toda a simplicidade, servindo-nos, para isso, de documentos há muito em nosso poder, pois não pretendemos fazer polémica.


Em fins de Outubro do ano transacto, chegando ao conhecimento de alguns sócios do Grémio Educativo que a casa onde funcionava aquela associação ia ser posta em venda, foi por três membros da sua Direcção convocada uma Assembleia Geral para deliberar, em tal emergência, sôbre o caminho a seguir.


Consultado préviamente o Revº. Arcipreste, sr. Padre Palrinhas, êste declarou-se contrário à restauração do Grémio, por não lhe ver condições de vida, aconselhando com paternal interesse a creação da casa do Povo a instalar naquêle edifício, para o que se tornava necessário solicitar do sr. Bispo a devida autorização, acrescentando que Ele concordaria por certo em cedê-lo, para tal fim, em condições favoráveis.


A Assembleia Geral realizou-se no dia 5 de Dezembro na séde do Grémio, sendo aprovada por unanimidade a idea da creação da Casa do Povo e resolvido solicitar do Prelado a nomeação de pároco próprio para aquela freguesia, a-fim-de lhe poder ser confiada, mediante retribuição condigna, a regência da indispensável escola nocturna.
De acôrdo com esta deliberação, dois membros da Comissão Organizadora, que imediatamente começou a constituir-se, dirigiram-se a Coimbra onde acidentalmente encontraram um amigo comum, aluno de ciências da nossa Universidade, que os acompanhou ao Paço Episcopal e ali entregaram a S. Exª. Revmª. uma circunstanciada representação que foi lida por um dêles.
Depois de ponderados devidamente alguns pormenores, S. Exª. Revmª concordou plenamente com os pontos de vista da Comissão, prometendo-lhe todo o seu apoio e declarando-se disposto a mandar proceder, em devido tempo, às obras necessárias, nomeando a seguir o pretendido pároco para Tavarede.
Talvez esteja aqui o ponto nevrálgico da questão, visto o actual pároco encarregado da freguesia não ter visto ao que parece com bons olhos, tal medida alheando-se sistematicamente duma causa que devia merecer todo o seu apoio.
Em princípios de Julho, encetadas as primeiras demarches e ouvidas sobre o assunto as esferas oficiais, que verificaram as optimas condições do edifício para os fins em vista, um dos membros da Comissão Organizadora solicitou por escrito a Sua Exª. Revmª. a execução das prometidas obras, tanto mais que a Junta de Freguesia começára a exigir a reparação externa dos edifícios locais e o do Grémio era o que oferecia aspecto mais desagradavel.


Em resposta recebeu a seguinte carta que vale mais do que tôdas as subtilezas possíveis e imaginárias.

“Cª. 10-VII-938
Exmo. Snr.
Recebi a carta de V.Exª. Como estamos em deficit e grande,
depois de ouvir o Conselho Diocesiano, resolvi não fazer obras por
falta de recursos, o que muito me penaliza.
Se houver necessidade de proceder à caiação, V.Exª. terá a bondade de
prevenir o Snr. Vice-Reitor do Seminário.
Os membros do Conselho inclinam-se à venda do prédio por
entenderem que não é possível começar com novas despesas.
De V.Exª.
Mt.Attº. e Obrig.
a) + António B. de Coimbra “

Como é fácil de calcular teve de ser maduramente ponderada a nova situação que esta carta veio criar.


Ventilado convenientemente o assunto, foi enviada a S. Exª. Revmª., pela mesma via e pessoa, nova missiva em que se pedia para, em face daquela resolução, ser a Comissão informada do preço e condições em que seria vendida a casa do Grémio e com quem se devia entender para esse efeito.


A resposta demorou... mas veio e toda a gente a conhece: foi a notícia da venda em circunstancias tão estranhas quanto é certo que os membros da Comissão acima referidos haviam ponderado a S.Exª. Revmª. a inconveniência que havia em vender a casa ao outro pretendente que a desejava para instalação duma taberna (e não mercearia e vinhos, como se pretende fazer crer).


Quanto à Comissão, que tudo tratou com lealdade e lisura, não mereceu até hoje a honra duma explicação.


Honrou-a “O Dever”, além do mais, com a confirmação solene de que nada lhe fora prometido... o que já é alguma coisa.


Podemos, pois, asseverar que a Comissão Organizadora (que se julgava preferida, pois vira superiormente condenada a ideia da venda para taberna) quinze dias depois de fechado o contrato ainda o ignorava e aguardava confiadamente as informações pedidas a quem de direito.
Calcule-se a surpreza ao ter conhecimento do sucedido.


É certo que várias pessoas, convidadas pelo pretendente, acompanharam uma visita ao prédio, dias antes da compra, muito convencidas de que o homem nada conseguiria em Coimbra, sabido o pé em que as coisas se encontravam.


E a pessoa que acompanhou o comprador a Coimbra ia na mesma convicção. Não foi ali para ajudar ao negócio mas com o fim único, segundo estamos informados, de obter por compra a residencia paroquial de Tavarede, doada ao Seminário por seu padrinho, o falecido Pe. Manuel Vicente, e também registada nas repartições competentes em nome da Sociedade por Quotas Predial Económica.


De resto, nenhuma destas pessoas fazia parte da Comissão Organizadora que nem sequer foi consultada se oferecia mais que o pretendente.


E ponto final. Confessamos que não desejavamos ir tão longe nesta sêca exposição dos factos, nem sentiremos prazer em voltar ao assunto.


Se o fizermos cabe ao “Dever” a culpa, que não soube guardar o prudente silêncio, tendo em atenção que nestes casos, como em muitos outros, o silêncio vale mais de que ouro...


As coisas são o que são e não o que se pretende que elas sejam.


A menos que seja possível encontrar uma segunda verdade para apertos desta natureza.


Nós só conhecemos uma e temos muito respeito por ela”.


(continua)

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