segunda-feira, 25 de julho de 2011

De Casa de Cultura a... Taberna! (12)

Entra, então, na disputa, e por se sentir visado injustamente, o padre Abrantes Couto, pároco de Buarcos e, interinamente, encarregado de Tavarede em substituição de padre Cruz Diniz, com uma carta dirigida a “O Figueirense”, que a publica a 19 de Novembro:

“Sr. Director de “O Figueirense” - Figueira da Foz

Numa local intitulada “À Volta da Casa do Povo de Tavarede” inserta no jornal de 12 do corrente de que V... é digno Director, faz-se uma referência inverídica à minha pessoa por estas palavras:
“-Talvez esteja aqui o ponto nevrálgico da questão, visto o actual pároco encarregado da freguesia não ter visto, ao que parece com bons olhos, tal medida alheando-se sistematicamente duma causa que devia merecer todo o seu apoio.”


Porque tal referência não corresponde à verdade, rogo o subido favor de publicar o seguinte esclarecimento:
1º. - sou pároco da freguesia de Tavarede por vontade de quem me nomeou que não por sentir nisso prazer e seria ridículo poder alguém supor que eu não veria com bons olhos a nomeação de pároco próprio para uma freguesia que tendo todas as responsabilidades de freguesia nunca me deu mais de cento e cinquenta escudos mensais, isto é, que sob qualquer ponto de vista não compensa os sacrifícios que tenho feito para poder paroquiá-la.
2º. - de facto não dei nem podia dar o meu apoio (que nunca os pretensos organizadores da Casa do Povo de Tavarede pediram) a indivíduos que tendo responsabilidades adentro do extinto “Grémio” (de que fui sócio cotista) não dispuzeram de influência nem arriscaram um centavo para evitar a sua ruina, ao menos conseguindo a ligação da luz cujo corte parece ter sido o primeiro passo para a morte daquela colectividade, e os quais estando à frente da Conferência de S. Vicente de Paulo, que algum bem fizera entre os pobresinhos, a deixaram igualmente morrer.
Fica, portanto, esclarecido, que terá sempre os meus agradecimentos quem conseguir fazer-me substituir bem depressa e que terá sempre o meu melhor apoio, desde que o queira, quem, com qualidades e competência, se lançar em qualquer empreendimento de interesse social.
Pela publicação desta carta lhe fica muito grato o que é de V... etc. Padre Alfredo de Melo Abrantes Couto (Prior de Buarcos, encarregado de Tavarede)”

E agora vamos transcrever as respostas e contra-respostas que se seguiram, indicando unicamente os jornais e datas das publicações.
Em “O Figueirense”, de 3 de Dezembro de 1938:

“ A carta dirigida a V.Exª. pelo sr. Padre Abrantes Couto e publicada no último número do seu conceituado jornal contém várias insinuações, uma das quais, como último presidente da Confraria de S. Vicente de Paulo de Tavarede, não devo deixar passar em julgado para que amanhã pessoas mal intencionadas não possam atribuir-me responsabilidades de que estou totalmente isento.
Diz S. Revª.:
“- de facto não dei nem podia dar o meu apoio... a indivíduos que tendo responsabilidades dentro do extinto Grémio... não dispuzeram de influência nem arriscaram um centavo para evitar a sua ruína... e os quais estando à frente da Conferência de S. Vicente de Paulo, que algum bem fizera entre os pobrezinhos, a deixaram igualmente morrer”.
O sr. Padre Couto, que em tempos bem recentes, ainda me deu tratamento de amigo e fez a meu respeito as mais lisongeiras referências, desde que eu me intrometi a pugnar pela criação da Casa do Povo de Tavarede, convencido de que com isso prestava à minha freguesia um serviço de real importância, tem manifestado por todos os meios a sua boa vontade contra este seu obscuro paroquiano.
Insultou-me numa epístola destrambelhada, teceu intrigas à minha volta, e até à calúnia recorreu, esquecendo lamentàvelmente o 8º. Mandamento do lei divina.
Por fim, no mais ignóbil cópula com um insultador do seu colega Cruz Diniz, andou a pescar pelos saguões anti-clericais um acervo de falsidades justificativas duma excomunhão fulminante e subsequente processo correccional no Tribunal Civel, ambos em preparação, como prémio dos meus serviços à causa católica.
Não satisfeito com isto tudo, até a morte da Conferência de S. Vicente de Paulo ousou atribuir-me, sem o menor respeito pela verdade e pela dignidade alheia.
Sua Revª. trazia há muito escondida no bolso da batina esta pedrinha para me atirar. Surgiu a oportunidade. Foi um alívio!
Restabeleçamos a verdade dos factos que o sr. padre Couto teima em não aceitar e veremos como sai incólume de mais este atentado...
A Conferência de S. Vicente de Paulo de Tavarede, iniciativa feliz do antigo pároco desta freguesia, Revº. Cruz Dinis, que com todos os seus defeitos, valia mais de que alguns com todas as suas virtudes, reuniu pela primeira vez em 9 de Setembro de 1932, com 6 membros efectivos, presididos por um novo que não tardou em abandoná-la, talvez porque notasse que tais funções não lhe trariam recompensa material.
Assisti à inauguração e às cinco primeiras reuniões semanais sem fazer parte dela. Na sexta reunião, em 21 de Outubro, fui convidado a tomar parte nos trabalhos, e na reunião seguinte, a 28, a assumir as funções de secretário.
Em 4 de Outubro de 1934, sem que o pedisse, antes pelo contrário bastante contrafeito por não reconhecer em mim qualidades e competência, elevaram-me à Presidência do referido organismo, cargo em que fui mantido até meados de Janeiro de 1936 em que cessou a sua actividade, depois de ter distribuido pelos pobrezinhos da freguesia além de roupas, alguns milhares de escudos em subsídios e géneros alimentares.
Muito poucos acompanharam a Conferência até final. Numerosos ficaram para traz, desalentados ou apegados ao seu invencível materialismo.
Pertenci ao número raro dos que a perseveraram, que a seguiram com carinho, do berço ao declínio. E sem vaidade o proclamo: o período da minha presidência foi o de maior prosperidade, como se pode verificar pelos respectivos livros. Cheguei a andar domingos consecutivos, acompanhado pelos meus rapazes, a calcurrear os acidentados casais da freguesia, de bolsa na mão, a pedir uma esmolinha para os pobres.
A população, a pesar de pouco habituada a estes espectáculos, entusiasmou-se e contribuiu na medida das suas posses. Ricos e remediados, tudo concorreu. A Conferência estava no auge da prosperidade.
Em principios de Agosto de 1935, vítima talvez do cumprimento do meu dever vicentino, pois visitava semanalmente um tuberculoso no último grau, alojado numa pocilga infecta ali para os lados da Chã, caí doente.
Robusto e sádio como poucos, todo o meu ser experimentou fortíssimo abalo de que ainda hoje estou sofrendo consequências. A medicina declara grave o meu estado. Manifestara-se pleuresia direita. O primeiro passo para a tuberculose.
No dia 2 de Setembro, a conselho médico, abalei para a minha terra - Almalaguez - onde permaneci em convalescença até fins de Outubro.
Encontrava-me ali há menos de um mês quando tive conhecimento de que a seu pedido fora transferido para Coimbra o revº. Cruz Diniz e substituído em Tavarede pelo sr. P. Eduardo Bastos, sacerdote digníssimo e de notáveis recursos, a quem presto as minhas homenagens.
No meu regresso, ainda bastante combalido, encontro os membros da Conferência, que eu deixára a funcionar normalmente, incompatibilizados uns com os outros, e as reuniões interrompidas há mais de um mês. Em suma, a Conferência estava em estado de sítio.
Que sucedera?
Um acidente que eu não poderia evitar, visto ocorrer na minha ausência: - Alguns confrades, não se conformando com a marcha dos acontecimentos, haviam comparticipado de certa manifestação que o revº. Cruz Diniz verberou asperamente à Missa dominical.
Um dos visados (que hoje anda de testo e pucarinho com o revº. Couto contra a minha humilde pessoa), secundado por outro, por sinal dos mais esclarecidos e devotados à causa dos pobres, recusou-se terminantemente a tomar parte nas reuniões, enquanto se mantivesse em Tavarede o revº. Cruz Diniz.
Os restantes confrades entendiam, e muito bem, (estes é que estavam no bom campo) que a Conferência devia ser completamente estranha a tais questões. Queriam reunir fosse onde fosse para que os pobres não ficassem prejudicados.
Rompeu a discussão, surgiu a discórdia, a cisão, e a Conferência viu-se privada de alguns dos seus melhores elementos.
Quiz apaziguá-los, trazê-los, de novo, empreguei porfiados esforços para o conseguir, mas debalde. Eles próprios podem testemunhar a minha insistência.
Coincidiu com esta deplorável ocorrência a posse do novo pároco, revº. Eduardo Bastos. Este, convidado por escrito a prestar a necessária assistência como pároco da freguesia, agradeceu em carta comovida mas talvez devido às suas muitas preocupações nunca compareceu.
Privado da assistência eclesiástica, e desfalcada embora dos seus mais activos elementos, reuniu ainda a Conferência durante quatro meses. A última reunião realizou-se no dia 12 de Janeiro de 1936, depois de se ter reconhecido que naquelas circunstâncias era inútil prosseguir.
Com a nomeação do sr. Padre Couto para Tavarede luziu no nosso espírito uma nova esperança. Convencemo-nos de que S. Revª. empenharia imediatamente o melhor do seu esfôrço e influência para reanimar os organismos católicos adormecidos.
Enganámo-nos redondamente! S. Revª. não arriscou um passo (e queria que os outros arriscassem capitais!) para tal fim, devendo ser ele o principal interessado.
Os problemas que logo de entrada absorveram todas as suas preocupações foram o da venda da Casa do Grémio e o magro rendimento da freguesia... Estavam em primeiro lugar do que a Conferência, sobre a qual vem verter agora lágrimas de crocodilo...
Quanto ao Grémio, nada tenho a objectar, porque felizmente não pertenci à sua última direcção. Que lhe responda quem quizer se entender que vale a pena.
A encerrar o seu desabafo (in cauda venenum...) diz o sr. Padre Couto que “terá o seu apoio, desde que o queira, quem, com qualidades e competência se lançar em qualquer empreendimento de interesse social”.
Que lhe agradeça essa amabilidade a Comissão Organizadora da Casa do Povo de Tavarede, constituída pelos católicos mais em evidência da freguesia (incluindo um Cónego e um Lente) na qual S. Revª. não descortinou pessoas com qualidades e competência dignas do seu apoio... Isto significa que os católicos de Tavarede são todos uns sarrafaçais, indignos de ter à sua frente um pároco tão ilustre.
Deve ser talvez por isso que o sr. padre Couto os trata desdenhosamente por seus parodianos, nas suas conversas com os colegas.
Pela publicação destas linhas se confessa muito grato o de V... a) Belarmino Pedro.

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