sexta-feira, 26 de agosto de 2011

José Ribeiro e Maurício Pinto

Bem andou a Câmara Municipal da Figueira da Foz, ao evocar na terça-feira da semana passada, dia 21 de Agosto, a passagem do 1º Centenário do Nascimento desse ilustre figueirense, que foi Maurício Pinto.


Essa evocação constou de uma exposição biblo-biográfica na Biblioteca Municipal, e de uma sessão solene no auditório do Museu, em que erfa orador oficial mestre José Ribeiro.


Na mesa de honra tomaram assento as seguintes entidades: governador civil do Distrito, de. Santana Maia; drª Maria Manuela Lacerda Pinto e drª Maria Judite Abreu Pinto, filhas do homenageado; engº Manuel Alfredo Aguiar de Carvalho, presidente da Câmara; dr. José Manuel Leite, presidente da Assembleia Municipal; dr. Abílio Bastos e dr. Armando Garrido, vereadores do Yurismo e da Cultura, respectivamente; e o orador da sessão, José Ribeiro.


A abrir a sessão, o engº Aguiar de Carvalho proferiu as seguintes palavras:
“A par dos aspectos dimensionais do País, dos tão apregoados brandos costumes e da dificuldade sentida em atravessarmos este final de século, não tem sido célere, na nossa quotiidianidade, o aparecimento de situações marcadas pela exemplaridade.


Tem-se abandonado a metodologia em detrimento da desconexidade, a Filosofia dos princípios esbate-se nos condicionalismos semânticos do discurso, o acaso tem sido a pedra angular da nossa aparente determinística evolução.


Quando a inconsciência invade o tecido Social, quando a desculturização nos é apresentada como modernidade, temos a enorme responsabilidade de evitar que as futuras gerações nos atribuam o epíteto de vítimas das circunstâncias.


Retirada à História uma causalidade que, aliás, nunca possuiu, deixemos que se crie um TEMPO para investigarmos o nosso passado colectivo na detecção das virtualidades presentes.


Mais do que a simples comemoração de uma efeméride, o nosso encontro, hoje, aqui, permite a criação de um espaço onde serão evocados alguns aspectos mais significativos da vida desse digno e grande figueirense, verdadeiro paradigma das novas gerações, que foi Maurício Augusto Águas Pinto, feito por quem com ele privatizou, Mestre José Ribeiro.


Minhas senhoras, meus senhores: é-me grato poder partilhar com todos vós, sem excepção, este momento.


Ouçamos, então, o nosso convidado”.


Mestre José Ribeiro, não obstante os seus 92 anos de idade, disse com o seu tradicional vigor, as seguintes palavras que são, ao mesmo tempo, uma bela peça literária que gostosamente arquivamos nas colunas do nosso jornal


Maurício Pinto era dotado de uma actividade infatigável, de um bairrismo esclarecido. A sua acção como Prfovedor da Santa Casa da Misericórdia da Figueira, durante anos, foi inesquecível. Grande figueirense e cidadão exemplar, Maurício Pinto oatenteou com o seu alto civismo, a sua bondade de coração e a generosidade da sua bolsa, sentimentos que foram nota dominante na sua actividade social.


O nosso espíirito exulta com a inteligência e a beleza que se associam no acto que ora relembramos: Em 1849 tinham sido abatidas na Mata da Misericórdia muitos centos de árvores para dar lugar a um campo de jogos. O Provedor Maurício Pinto tomou imediatamente a iniciativa da plantação de mais 5 497 árvores para compensar as abatidas.


Coração generoso, firme nos princípios da sai trilogia – Pátria, Liberdade, Família – Maurício Pinto foi um Homem íntegro, que sempre serviu e viveu fiel à Democracia.


Dominado por um esclarecido bairrismo, era seu pensamento e desejo que a época de verão da Figueira da Foz fosse aberta com uma “Feira da Figueira”.


Maurício Pinto foi um desportista entusiasta e prestigioso. Vimo-lo a dar prestigiosa presença às regatas no Mondego, quando antes de o nosso rio ter sido mandado “para a outra banda”, o Mondego vinha deslizar junto ao paredão arborizado da saudosa e risonha Avenida que Deus haja…


Maurício Pinto tinha um programa que o entusiasmava. Em seguida aos festejos populares do São João, deveria realizar-se uma feira moderna, com a duração de 15 dias. Entre outras atracções lembrava: uma exposição de produtos nacionais, diversões no género do Luna-Park, concursos de bandas, tunas, ranchos, cinema e representações ao ar livre pelas empresas dos teatros locais, arraial, fogos, etc..


Antes da inauguração oficial da Feira haverá um número de sensação, dos que estão agora muito em voga, por exemplo, uma reconstituição histórica que à Figueira dissesse respeito; um cortejo fluvial de pequenas fustas e galés empavezadas, descendo o Mondego, com D. Afonso Henriques e seu séquito, constituiria o maior e mais notável reclamo à Figueira.


Tornar-se-ia assim conhecido que o 1º Banhista categorizado da Figueira da Foz fora o nosso 1º Rei de Portugal – D. Afonso Henriques.


Maurício Pinto entusiasmava-se com o grandioso espectáculo do cortejo fluvial com o Rei e o seu brilhante séquito, acima de tudo com a presença do Rei D. Afonso Henriques como 1º Banhista no nosso Mar de S. Julião.


Em Coimbra, onde estava a Corte, o Rei sofria de melancolia, e então os médicos aconselharam a salutar viagem fluvial até ao mar de S. Julião. E, pois que estamos com as mãos na massa e já se avista lá em cima, na curva do rio, o real cortejo de fustas e galés empavesadas, transcrevamos da crónica respectiva o passo que segue:


“Sucedeu que estando El-Rei D. Afonso Henriques na cidade de Coimbra tão carregado de triunfos como de más disposições, se foi por conselho dos médicos ao lon go do Rio Mondego com ânimo de chegar à barra, onde se mete no Mar Oceano, que são algumas sete ou oito léguas da cidade, todas de campos e várzeas Formosíssimas; e como a visita e o alegre sítio dos campos tiraram a El-Rei parte da melancolia que levada, chegou ao Mar quase são, e detendo-se em recreação de rio e monte alguns dias, soube que perto daquele lugar estava uma ermida de Nossa Senhora desde há muitos anos perdida no meio de grandes brenhas, como está ainda hoje.
Tanto que El-Rei entrou dentro da ermida e se pôs de joelhos, logo a doença o deixou. Milagre do Mar de S. Julião, ou de Nossa Senhora de Ceiça…”


Foi enorme, ampla e em constante desenvolvimento a actividade de Maurício Pinto no capítulo TEATRO.


Como actor, pode dizer-se que não houve récita de amadores em que ele não participasse. Em todos os géneros foi intérprete de qualidade: na farsa, na comédia ligeira, na comédia dramática, na opereta… Teve, aliás, excelentes companheiros. Sempre à frente do elenco, a admirável amadora Emília Rodrigues Guilhermino, grande intérprete na opereta, poer era dotada de bem timbrada e extensa voz. Bons amadores a acompanharam: João da Encarnação Pestana Júnior, Manuel Daniel, Ferreira Pereira, etc.. Fez a sua estreia no teatro aos 17 anos. Brilhante. As suas representações para fins de beneficência foram em número muito elevado.


Maurício Pinto foi no teatro actor e também crítico compedtente. Escreveu muito sobre Teatro e no “Álbum Figueirense” admiráveis artigos e crónicas ali se publicaram. São notáveis os estudos de Maurício Pinto sobre os artistas: António Dias Guilhermino, um grande actor nascido em Maiorca, e que ali viveu; a genial actriz Ester de Carvalho, de Montemor-o-Velho e a notável amadora figueirense Emília Rodrigues Guilhermino.


A págimas 46 do muito valioso estudo “Aspectos da Figueira da Foz”, de Maurício Pinto e Raimundo Esteves, felizmente editado pela Comissão Municipal de Turismo em 1945, vêm reproduções em fotogravura dos dois brasões de armas da Figueira da Foz: o primeiro, que assentava sobre uma cruz de C risto, foi substituído pela Câmara Municipal devido a não representar devidamente a vida e a história da Figueira. O actual brasão de armas mostra um lugre de 3 mastros, de velas enfunadas, rodeado de 8 folhas de figueira. Se aquelasx 8 folhas de figueira ali estavam apenas como motivo ornamental, maior significado teriam 8 folhas de videira, até porque a videira seria de maior valor histórico. Mas… terá o nosso Pai Adão utilizado no paraíso uma folha de figueira? O caso é duvidoso.


Consultando alguma iconografia, vimos que, numa pintura de Mabuse, Adão parece realmente cobrir a sua nudez com uma folha de figueira.


Mas… Teria existido no burgo de S. Julião alguma ou algumas figueiras – das árvores que dão figos?


No valioso e pormenorizado estudo de Maurício Pinto e Raimundo Esteves há várias referências a figueiras. Citemo-las:


- Família de Coimbra que viriam veranear para a Figueira atracariam ao cais onde existiria uma figueira, e diriam: - “Vamos à Figueira da Foz! (do Mondego!);


- que, ao longo da velha estrada romana, passando pela Tocha, existiria uma estalagem famosa por ter à sua porta uma figueira colossal, com grandes ramarias que tombavam até ao solo e ofereciam às gentes e aos gados dos almocreves doces sombras para repastos calmos e sossegados descansos. A pousada praxista, a dormida, seria a “estalagem da Figueira”, a “venda” que tinha uma acolhedora figueira à porta”.


Tudo isto é… literatura… são histórias – não é História!


Segundo uns, a tal figueira teria existido no lugar das Lamas; segundo outros, no largo da praia da fonte, onde estava então a única fonte da Figueira. Ninguém afirma, ao certo, onde viu a tal figueira – dos figos… As 8 folhas de figueira em volta do navio estarão ali apenas como motivo ornamental e não para darem nome à Figueira da Foz do Mondego.


A propósito, pedimos licença para transcrever do notável estudo do Ten-coronel Strech Vasconcelos intitulado “A Figueira da Foz”, o seguinte muito elucidativo passo do estudo já publicado no “Álbum Figueirense”, vol. IV, nº 7, de Maio de 1940:


O nome geográfico “Figueira da Foz do Mondego” constitui um tríplice pleonasmo, como muitos dos que abundam na toponímia peninsular, devidos à circunstância de os muitos povos que em nossas terras viveram irem impondo aos acidentes do terreno os nomes por que na sua língua eram designados, conservando, porém, o nome que os povos anteriores lhes davam.


Assim, poer exemplo, Ria de Aveiro quer dizer duas vezes ria, em latim e em céltico, em que ave ou aue significa ria ou abundância de canais. Rio Guadiana significa rio, rio, rio, pois guad ou ouad é rio em árabe e ana o mesmo significa em língua púnica, fenícia e talvez céltica.


Ora, Figueira da Foz do Mondego, quer dizer Boca da boca da boca do rio, hoje chamado Mondego, pois figueira não vem da árvore que dá figos, mas de fagaria ou fagueira, abertura, boqueirão, golfo; foz vem do latim faux, abertura, boca, do radical grego fag, partir, quebrar, e o Mondego fracciona-se no germânico mund, boca, foz, e ac ou acqua, rio.


Se as 8 folhas de figueira que emolduram o navio do brasão da Figueira não têm outro significado para além do efeito ornamental, poderíamos então famntasiar, em volta do nosso lugre, 8 recortadas e muito ornamentais folhas de videira. Parece-nos até que sobre a folha da figueira a folha da videira nos oferece mais riqueza ornamental e também – o que é de com siderar – um valor histórico irrefragável.


O testamento do Abade Pedro não permite dúvidas quanto às vinhas que mandou plantar, cobrindo toda a encosta da Abadia de São Julião e descendo até às águas do Paul.


Quanto à folha de figueira que no Paraíso glorificou e imortalizou Adão, notemos que não se tratava apenas da nudez de Adão. A Bíblia esclarece:


“I Livro – GENESIS – Cap. 3º Verso 7º: - Então foram abertos os olhos de ambos e conheceram que estavam nus (Adão e Eva) e coseram folhas de figueira e fizeram para si aventais”.


A nudez dos dois não podia cobrir-se apenas com uma folha de figueira: cobriram-se com um peplos, manto ou fikep, palavra que foi depois traduzida por figueira (planta).


Sem pretendermos menosprezar a folha de figueira de Adão em favor da parra do Abade Pedro, seja-nos permitido lembrar o soneto de Frei Manuel de Santa Clara, cantor das parreiras de S. Martinho de Tavarede:


Descrição do sítio de Tavarede


Entre outeiros vestidos de verdura
Um vale gracioso à vista ocorre
Onde um claro ribeiro em giros corre
Banhando-o de eternal, grata frescura.

Quanto nele se avista obrou Natura;
Só um nobre palácio ali concorre
A mostrar que, subtil, o engenho acorre
À simétrica mão da Arquitectura.

Junto às casas e muros bracejando,
Verdes parreiras vão, entre a folhagem,
Seu roxo ou loiro fruto entremostrando.

E a Ceres ee a Pomona vassalagem
Rende este vale ameno, assem levando
Ao de Tempe famoso, alta vantagem.


Por alturas do S. João, de 1927, estava eu no Porto, em regime de descanso forçado. A pousada era na Rua do Heroísmo. Esqueci o número da porta, mas lembro-me de que aquela morada, em vez de número de polícia, tinha indicação de quatro letras maiúsculas: P.I.D.E. que se liam assim: PIDE.


Num exemplar da “Voz da Justiça”, que me veio ter às mãos, encontrei uma ligeira crónica assinada por António José da Silva, e era um excerto do livro que Maurício Pinto tinha em preparação – “Episódios nos Teatros e Presépios Figueirenses”. Aquele nome ocultava um pseudónimo: António José da Silva (O Judeu), o célebre comediógrafo das “Guerras do Alecrim e Mangerona”, “Esopeia”, “Encantos de Medeia”, “Anfitrião”, etc.


Certo dia bateram à porta de António José da Silva (O JudeuI): levaram-no preso com a mãe e a mulher e deixaram uma criança de 2 anos. A Inquisição queimou António José da Silva (O Judeu) em 19 de Outubro de 1739.


Àquela minha estância de repouso, em que eu continuava repousando obrigatoriamente, chegou a informação de que eu iria ter uma visita. Espantosa, surpreendente noticia! Era o meu querido amigo (O Judeu) que vinha deixar-me um presente! E que rico e admirável presente! Nem mais nem menos que os dois grossos volumes com a obra completa de MOLIÈRE (nada menos que 32 peças de teatro!).


Bem hajas, querido e genial MOLIÈRE, que com a tua companhia me ajudaste a vencer as horas longas daquele meu longo repouso forçado!”


Visivelmente emocionada, a filha de Maurício Pinto, drª Judite Mendes de Abreu, agradeceu a todas as entidades envolvidas neste acto evocativo, dizendo a certa altura que “neste mundo ain da há pessoas boas que não esquecem aqueles que em vida foram alguém”.


Na ocasião o presidente do Município fez a entrega do diploma que concede a Maurício Pinto a Medalha de Ouro de Cidadão Honorário e bem assim da medalha alusiva à efeméride, da autoria do inconfundível artista Zé Penicheiro.


(A Voz da Figueira - 30.8.1984)

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