sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Os Quatro Caminhos do Senhor do Arieiro - 4




A QUINTA DO PAÇO


De frente da escola primária situava-se a Quinta do Paço. Estendia-se desde a estrada para a Figueira da Foz, até ao palácio dos Condes de Tavarede, ao princípio da povoação, vindo do lado poente. Do sul, era limitada pelo caminho da Várzea, naquele tempos um caminho bastante impróprio para qualquer viatura, e pela Quinta da Esperança.

Desde a estrada da Figueira, logo acima dos Quatro Caminhos do Senhor do Arieiro, até ao caminho da Várzea e ladeando a Quinta da Esperança, ficava a mata, então conhecida pelo nome de “mata ou pinhal do Rosa”. Era a velha mata da Quinta do Paço onde, fazendo fé em Ernesto Fernandes Tomás, nas suas “Recordações de Tavarede”, deveria ter andado a fidalga D. Maria Mendes Petite, chorando e lamentando a morte de seu filho Pero Coelho, “um dos carrascos de D. Inês de Castro”, a mando do rei D. Afonso IV e mandado justiçar pelo rei D. Pedro I.

A mata, nos tempos do morgadio, deveria ser bastante maior, abrangendo terrenos que teriam, depois, sido desanexados. Perto do caminho da Várzea já referido, ficava uma pequena fonte, com azulejos bastante antigos, que no meio de enormes acácias e pinheiros, era um local muito frequentado por grupos familiares, e não só, que ali iam, devidamente autorizados pelo dono, merendar e passar uma bela tarde de descanso, nos dias encalorados do verão. Muitas vezes se organizavam lá festas, com danças e jogos populares.

Junto aos Quatro Caminhos e logo no início da subida para o Alto de S. João, havia um enorme barranco que as chuvas do inverno enchiam de água. Era um barranco resultante da extracção de barro para o fabrico de telha e tijolo na cerâmica sita em frente. Como ficava junto ao pinhal, ou mata, muitas eram as vezes que para ali iam, nos dias em que o calor era intenso, alguns tavaredenses armar um bebedouro e montar a respectiva rede para caçarem pardais e, sobretudo, rolas, que haviam em abundância naquela zona muito arborizada. Era proibido e arriscado pois ficava mesmo à beira da estrada, mas... “quem não arrisca, não petisca!”...


Quinta e Palácio dos Condes de Tavarede, vista do Senhor do Arieiro (foto José Relvas)


Ora desse local e até ao edifício do Paço, a quinta, do lado da escola, era limitada por um velho muro. Pouco ou nada cuidado, o muro era “habitado” por imensos lagartos, os sardões, que aproveitavam o sol para se aquecerem no cimo do muro. Era uma quantidade enorme destes bichos. A rapaziada divertia-se a atirar-lhe pedras, fazendo-os fugir para as suas tocas. Alguns, mais habilidosos, usavam as suas fisgas e muitas vezes acertavam em cheio nos inofensivos répteis. Mas, voltemos à Quinta do Paço.

Como sabemos, o fundador da Casa de Tavarede, o fidalgo António Fernandes de Quadros, casou com D. Genoveva da Fonseca, uma rica fidalga de Montemor-o-Velho, que era proprietária de vastos bens patrimoniais na nossa terra. “Foi António Fernandes de Quadros, senhor da Casa de Buarcos e Vila Verde, sendo esta a base e fundamento de sua Casa de Tavarede..... …...mandou fazer naquele lugar de Tavarede umas casas nobres, que para aquele tempo em que a vaidade não lançava os seus alicerces, são em tudo grandes: tem uma torre com ameias, o que não se permitia senão a pessoas de grande qualidade, e são o solar desta família neste reino”.

Tinha uma torre com ameias e tinha, também, nas suas fundações, “uns estreitos cárceres com argolões que se desfaziam ao tocar-lhe, como se fora madeira podre – resistindo, aliás, muito bem à oxidação o chumbo que os fixava à pedra, e que se achou perfeitamente conservado”.

Diz a tradição que o poderio dos Senhores de Tavarede era tanto que, quando procurados pelas autoridades reais, os mancebos que se encostassem ao muro da quinta não poderiam ser recrutados para prestação do serviço militar.






Acampamento cigano – cenário da SIT


Além disso, a velha quinta também era coito de famílias ciganas, que ali procuravam, e obtinham, a protecção dos morgados. Nesta quinta, e noutras propriedades do morgadio, os ciganos encontravam segurança, mesmo quando foragidos às autoridades. De alguns, até, parece que os fidalgos chegaram a ser compadres, como padrinhos dos filhos...

Nos finais do século dezanove, o terceiro Conde de Tavarede vendeu ao negociante de gado e comerciante Luís João Rosa, o solar e a quinta. A escritura foi feita no dia 24 de Fevereiro de 1898, tendo a venda sido efectuada pelo valor de 5.000$000 reis.


O terceiro Conde de Tavarede


Após o seu falecimento, em Outubro de 1916, os seus herdeiros venderam a propriedade a Marcelino Duarte Pinto, também ele comerciante e negociante de gado. O solar deixou de ser habitado, pelo que a sua degradação, já iniciada no tempo do anterior proprietário, embora ali residisse, foi-se acentuado cada vez mais. A enorme quinta já não era cultivada... Eram terrenos de pastagem para os gados.

Ainda teve outro proprietário que, em permuta feita com a Câmara Municipal da Figueira da Foz, cedeu o velho e ruinoso solar e a quinta que, posteriormente, foi urbanizada, recebendo o nome de 'urbanização da Quinta do Paço'.

Foi um episódio bastante complicado a referida urbanização. Não interessa, agora, detalhar a mesmo. Vou somente, para terminar este capítulo, recordar um belo poema que Mestre José Ribeiro escreveu e integrou na peça “História... e histórias de Tavarede”, que intitulou “Elegia da Quinta do Paço” e que foi interpretado pela saudosa actriz-amadora Violinda Medina e Silva.

Nobre Quinta do Paço, tão famosa,
Tão alegre e buliçosa,
Hoje és silêncio e tristeza.
Morta é já tua passada beleza
Em tristeza foi cruelmente mudada:
Eis-me de luto vestida.
Minha graça é já perdida.
Desolada,
Ao peso da desdita assim sofrida,
Cobre-me negro véu.
E eu, que altiva olhava o céu,
Agora, sucumbindo à desventura,
Olho a sepultura.

De quão longe minha memória vem...
Saudades de alegrias, e tristezas também.

Ai! com que enorme ansiedade
Eram esp’rados os serões
Que enchiam de alegre mocidade,
De risos e de vozes, os salões
Onde brilhava a graça feminina
Da Isabel Peregrina
E das irmãs Alfândegas, gentis,
Maliciosas, subtis
Na arte de queimar os corações!
A quinta silenciosa
É o refúgio do par enamorado
Que vem sonhar, e amar
À luz cariciosa
Do indiscreto luar...

Do recreio passáste à agricultura,
E os frutos do pomar
E o vinho do lagar
Foram beleza, alegria e fartura.

Sombras, verduras prateadas,
Amorosas terras cultivadas,
Canteiros perfumados de mil flores
Em opulentas manchas de mil cores...
Árvores e arbustos em recantos
Que o sol desconhece
E a amável lua esquece,
Caminhos atraentes
P’rá verde mata de acácias frondentes
Que tem pertinho a fonte graciosa
Que por mão do Senhor Conde ali nasceu...
Já nada existe, tudo ali morreu!...

Que vejo agora? Uma desolação!
Ouço chorar, dorida, a magoada terra,
Como se ali passara o turbilhão da guerra!...
Sucumbe à dor meu pobre coração!
(Canção da Quinta do Paço)

Quinta do Paço velhinha
Que viveste qual rainha
E agora descaída
Em tristeza e saudade!
Foi-se a tua majestade,
Tua nobreza é vencida
Quinta do Paço velhinha!...

Quinta do Paço velhinha,
Pobrezinha,
Hoje caída em desgraça!
Choras tua desventura.
Foi-se a beleza e a graça...
És a Quinta da Amargura,
Quinta do Paço velhinha.





Palácio dos Condes de Tavarede – frente – desenho de António da Piedade

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