sábado, 22 de outubro de 2011

O PAÇO DE TAVAREDE - E. Cação Ribeiro




“A história pode comparar-se a uma coluna polígona de mármore. Quem quiser examiná-la deve andar ao redor dela, contemplá-la em todas as suas faces” – A. Herculano.


São inúmeros os testemunhos documentais da importância que tiveram os fundadores e possuidores da residência senhorial de Tavarede nos acontecimentos mais demarcados da História Nacional. É um manancial de registos, os mais deles com saborosas narrativas de feitos honrosos que os Quadros souberam colocar no sagrado altar da Pátria. Ficam à espera que alguém, com mais legitimidade e saber, os traga a público para orgulho daqueles tavaredenses que sabem beber no passado a razão de ser do presente e o estímulo vivificante do futuro.


O documento que hoje oferecemos os leitores de “O Dever” interessados por estas velharias regionais, é uma interessante de D. João IV, datada de Agosto de 1647 e dirigida a Fernão Gomes de Quadros.


Por ela ficamos sabendo que o fundador da Dinastia de Bragança utilizou os valentes e humildes pescadores de Buarcos e Tavarede para consolidar a Restauração Portuguesa nas usurpadas terras do Ultramar. Fernão Gomes de Quadros, no dizer do monarca, era um fidalgo zeloso e diligente no serviço do Rei, que o mesmo é dizer da Nação.


Portugal, depois de 60 anos de domínio espanhol, dava os primeiros passos na reimplantação da sua independência. Os portugueses de 1640 estavam atentos aos mais prementes problemas nacionais e todos os homens grandes e decididos, leais e patriotas, eram constantemente mobilizados e postos ao serviço da Nação libertada.


Paralelamente ao esforço agigantado dos portugueses com vista à consolidação da Independência no território continental, processava-se nas longínquas paragens ultramarinas, uma espantosa movimentação de forças libertadoras, dirigidas contra a ocupação legitimada pela coroa espanhola ou contra a usurpação despudorada que a Holanda vinha praticando.


É nesta grave conjuntura que os pescadores de Buarcos e Tavarede são requisitados. Anónimos trabalhadores das “águas vivas”, os pacíficos trabalhadores da nossa costa foram os autênticos heróis da mais espantosa epopeia marítima que o Mundo viu, e, pelos vistos, ainda os mais necessários para restaurar o colossal império a que ela deu origem.


Buarcos tinha como donatário o Conde do Louriçal, nessa época o 5º, D. Nuno Álvares Pereira de Melo, 4º Marquês de Ferreira e, desde 1648, Duque de Cadaval em prémio pelos relevantes serviços prestados a Restauração.


Tavarede era da Sé Conimbricense mas o seu senhorio estava na Casa dos Quadros desde há séculos. O lugar da Figueira situava-se no termo geográfico do Couto daquela vila e era, então, uma pequena póvoa de pescadores, certamente dos denominados “pescadores de Tavarede” em documentos coevos.


Fernão Gomes de Quadros usufruia de grande prestígio na corte do fundador da Dinastia de Bragança. No documento que hoje publicamos e que julgamos inédito, D. João IV confirma o apreço em que tinha o fidalgo do Solar de Tavarede pelo desvelo “com que em tôda a ocasião acodia” ao serviço real.


Era casado com D. Mariana de Mello, filha de António de Mello da Silva e de D. Ana de Mello, familiares muito próximos de D. Nuno de Mello, oficial de Marinha, que acompanhou D. Sebastião na batalha de Alcácer Kibir, onde ficou cativo.


Já em 1635 (16 de Maio), Fernão de Quadros toma a iniciativa de representar, aos poderes constituidos, a necessidade de acorrer com pólvora e munições para a defesa da vila de Buarcos e lugares vizinhos, a fim de obstar a possíveis ataques de corsários “que costumam ter os moradores destas vilas em contínuo cuidado por haverem sido duas vezes saqueados”.


Porque sabemos ter sido Fernão de Quadros Capitão-Mor do Couto de Tavarede e em face do seu comportamento na campanha da Restauração, podemos concluir ser aquela diligência do fidalgo uma antecipada manobra com vista à defesa da região depois do 1º Dezembro de 1640.


É certo que a tradição e a investigação histórica nos diz ter sido a poderosa família Quadros de Tavarede de índole despótica e dominadora. São conceitos que terão de ser julgados à luz de uma época onde o despotismo e a opressão eram moeda corrente nas relações sociais. A História tem de aclarar, não só as situações negativas das pessoas ou dos povos, mas também os momentos altos em que se encontraram ao serviço da Grei, sacrificando vidas e fazenda. Se o aviltamento da pessoa humana é tendência conhecida num herói, o seu sacrifício patriótico continua a ter jus à nossa gratidão, embora discordando das suas imoralidades rotineiras. São, na maioria das vezes, produtos de uma civilização degradada, onde os valores cristãos se destacam por excepção, mas onde todo o comportamento humano terá de ser considerado historicamente.



É o que nos interessa neste caso concreto. Eis a carta:


“A Fernão Gomes de Quadros
Pelo muito que convém que a armada que ora tenho mandado aprestar para passar ao Brasil a socorrer a Baía de Todos os Santos que os Holandeses têm sitiado, para com toda a brevidade e, porque uma das cousas de que mais necessita é de gente do mar, pela muita que, como sabeis, é necessária, assim para a mesma armada como para outras embarcações que hão-de ir a conquistar outras partes, confiando de vós e do zelo, diligência e cuidado com que em toda a ocasião acodis ao meu serviço, que nesta é da importância que sabeis, procedereis muito como ela pede, hei por bem encarregar-vos que logo que receberdes esta carta vos partais às vilas de Buarcos e Tavarede, Aveiro e lugar da Figueira, a cujos donatários mando escrever na forma costumada e nelas, pelos meios que vos parecer e tiverdes por mais a propósito para melhor execução deste negócio, té chegardes aos de prisão e execução (!!!) façais o maior número de gente de mar que vos for possível e, feita, a embarcareis em uma caravela para esta cidade, onde será entregue à ordem do Conde de Odemira, meu muito amado sobrinho e Vedor de minha fazenda, advertindo que as pagas que sou servido (conceder) a esta gente hão de ser três: duas que logo hão-de receber e uma quando se embarcarem. Escrita em Lisboa a 13 de Agosto de 1647. (T.T. – Min. do Reino – Lº 533 p. 104)


NOTA: Tivemos a grata notícia de que, finalmente, a Assembleia Municipal aprovou, por unanimidade, a aquisição e conservação do Paço de Tavarede. Tal decisão confirma plenamente a clarividência de muitos figueirenses que ainda sabem colocar os superiores interesses da sua terra acima das mesquinhas divergências políticas que os dividem. Estamos todos de parabéns... por agora. (E. Cação Ribeiro).



(O Dever --6-1979)

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