sexta-feira, 14 de outubro de 2011

OS LIVROS NÃO SE VENDEM - José da Silva Ribeiro


Não há dúvida: a luta ardorosa e sempre renovada entre o pinhal e as dunas encontrou a sua voz própria. Podemos ouvi-la ainda nos formosíssimos versos do belo poemeto dado à estampa com o singelíssimo, e amplo e rumoroso título O Pinhal das Dunas.


Admirável Poeta-Artista que foi o nosso grande Poeta Figueirense João Maria de Sant’Iago Prezado! A 9 de Outubro de 1983 teria ocorrido o seu centenário. Mas o nosso querido Poeta continua vivo, forte, brilhante nestas minguadas 12 páginas que contam a luta heróica, incessante e invencível do Pinhal das Dunas.


Quando um dia passávamos – já lá vão 30 anos... – junto ao grande prédio que é sozinho um quarteirão inteiro, estava amplamente aberta aquela porta de casa nobre: era a Casa das Lamas, o palácio do Senhor Conde de Verride, que ali vivia com a sua família. Lá viviam também o sobrinho do Senhor Conde de Verride, o grande Poeta e escritor e admirável Artista dr. João Maria de Sant’Iago Prezado, sobrinho do dono da casa, que talqualmente ali vivia com a Família. Avancei uns passos pelo átrio. O lugar já era nosso conhecido: ali, naquele palácio certamente de opulento recheio, várias vezes nos encontrámos – com alguns companheiros do grupo chamado da Voz da Justiça – para conversarmos e darmos curso aos nossos desabafos e anseios, naquela época em que a ditadura de Salazar obrigava a falar baixinho, em segredo, não fosse a PIDE ouvir-nos... Connosco estava sempre o dr. Sant’Iago Prezado, sobrinho do dono da casa. Ele, o querido escritor e grande poeta – figura simpática, distinta, sempre elegante e de uma simplicidade atraente – comungava nos nossos anseios patrióticos de Liberdade e Democracia. Sant’Iago Prezado era um patriota sincero e verdadeiro democrata. Ouçamo-lo:


“Se a Liberdade é para ti um culto, e não vazia ideia,
tens de a glorificar com o sacrifício de respeitar a liberdade alheia”.


E já agora, este Letreiro com que se anuncia o belíssimo volume d’ A Roda dos Meses – d’A Horta do Mestre Gil – e Mais”...


“Não penses, se a terra é boa
e as sementes boas são,
que possas ter boa horta
se fores mau hortelão”.


E, pois falámos em letreiros, voltemos atrás. Demos mais dois ou três passos no átrio do palácio e detenhamo-nos um instante em frente de uma grande estante envidraçada, cheia de livros, que se nos depara no patamar da escada. Atravessando a fileira de lombadas de volumes, um letreiro a todo o comprimento avisa ou proclama: “OS LIVROS NÃO SE VENDEM”. Poderiam vender-se – com que desgosto e saudade! – o rico mobiliário, os objectos preciosos, as lembranças mais queridas – mas OS LIVROS NÃO SE VENDEM!


E porque os livros – tal como os homens se não medem aos palmos – não se avaliam pela quantidade de páginas, aqui tenho eu um precioso, belíssimo livro de apenas uma dúzia de páginas, primor de arte gráfica – O Pinhal das Dunas.


Que extraordinária beleza, que vigor, que profundo sentir das forças da natureza! – o Mar-Oceano, o Vento, o Mar-das-Dunas, o húmus mudando em terra fecunda a areia estéril, o Pinhal crescendo e avançando – se concentram nos versos admiráveis em que se canta “a luta heróica entre o pinhal e as dunas”! Leio esses versos e vejo-me nos nossos areais concelhios, nas dunas quialheiras do norte ou nas costas do sul até Leirosa, onde os longos desertos ondulantes de areias brancas já hoje são pinhais de vária idade, manchas de copas rasteiras verde-escuras, varas esguias e flexíveis que começam a dar sombra, troncos possantes e ramarias fortes que são barreira indomável às areias e aos ventos...


O Poeta encontrou para o assunto a expressão própria, rica, sonora, viril, colorida e variada, e conta-nos a rude batalha do pinhal e das dunas como um Poeta no-la pode contar – com beleza de forma, sim, mas sem amesquinhar a alma dos elementos que se defrontam. Lendo estes versos, sente-se que o pinhal das dunas bebe areia e respira vento na ânsia de viver e de medrar, e deles se desprendem o saibo e o cheiro a iodo e às resinas...


E para tudo ser belo, o Poeta e o Artista, que deram vida à história, deram alma ao livro: a feição gráfica é, já o dissemos, um primor de arte: expressão dum requintado gosto estético, ao mesmo tempo delicado e sadio, já admirado em livros que vieram antes, que todos eles são autêntico primor de arte gráfica e riqueza de Pensamento.


Tavarede, 1 de Janeiro de 1984 (Dia de Ano-Bom), que o seja para toda a gente!


(A Voz da Figueira - 12.1.1984)

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