sexta-feira, 28 de outubro de 2011

TEATRO DA S.I.T. - NOTAS E CRÍTICAS

1921

ESPADELADA

Fazem-se por aí, de quando em vez, reclamadas récitas de amadores. É raro, no entanto, surgir alguma coisa que marque, alguma coisa que agrade, alguma coisa que amplamente satisfaça o espectador.


Feita uma relativa excepção a alguns novos do Ginásio, a um ou dois rapazes da Naval, o resto acusa o vício atávico do presepe indigena, aquele ramerrão coçado e batido que vai do


Oh meu menino Jesus

Da lapa do coração...


até ao aflictivo carpir de Raquel chorosa, em face do arrogante Herodes barbaçudo. Récitas de caridade são sempre de fazer arripios. Ainda há dias, uma muito simpática instituição de assistência o demonstrou com largueza, organizando um espectáculo por tal forma e com tais gentes, que houve quem fugisse dos amadores mais espavorido que menina histérica de bravos bois desembolados...


Há por isso que, jubilosamente, fazer justiça a um rancho de petizes que no passado sábado, em dia de aniversário e festa da Sociedade de Instrução Tavaredense, souberam riscar um encantador traço de beleza. Eram aí uns vinte e tantos meúdos e meúdas, trajados à minhota, os pimpolhos de jaqueta e chapeirão de feltro, e as pequenas com a clássica saia bordada, a chinela, o avental bordado, o chambre todo farfalhudo de oiros e o aceso lenço de ramagens, com suas franjas amplas em vermelho e amarelo.


Representavam a Espadelada, - uma coisa regionalista e leve, em que com finura se encaixaram uns interessantes motivos de música popular, que estão tão a propósito para a criançada, como sôpa fôfa para uma dose de doirado mel!


Eu gostava que todo o fiel amadorzinho cá do burgo visse representar a meúdagem de Tavarede. É certo que aquilo mostra uma larga soma de trabalho. Vê-se com clareza a continuada e longa domesticação que sofreram. Calcula-se das lições, dos reparos, do ensino, do desbaste, que dia a dia, hora a hora, instante a instante, foram sofrendo até atingir o grau de perfeição com que brilhantemente se apresentaram em público. Cabe todo êste esfôrço inteligente e bem orientado à evangélica paciência de José Ribeiro. Sim, ao ensaiador cabe em quinhão grande o aprumo, a marcação, a linha com que a petizada disse e representou seus papéis. Graças a José Ribeiro é que não houve uma nota discordante e antes tudo aquilo, de comêço a fim, correu com a limpeza, a segurança, a firme tranquilidade dum veio de água seguindo sem estôrvo o seu caminho fácil. Mas o que o organizador da récita não fez, porque não podia fazê-lo por mais dedicação e mais conhecimentos, foi a naturalidade, o á-vontade, a natural vocação scénica com que se apresentou galhardamente a maioria dos meúdos-actores.


Maria Ribeiro, uma garota ainda dos seus 12 anos, encarnou à maravilha um papel de velha mãe, com seus falares pausados, o passo cansado, o gesto lasso. Maria de Figueiredo deu uma Joaquina tão viva como uma cantiga vermelha numa tarde sádia de arraial alegre. António Cordeiro, fez um janota com aprumo, encarnando com facilidade o seu papel de sedutor sabido, com ápartes a tempo, um cofiar de bigodes a rigor, mantendo sempre o seu ar de pessoa fina. António Broeiro, fez um galã ingénuo e apaixonado, com arranques de alma tirados sem aparente dificuldade, movendo-se no seu papel de amorudo como se em vez dos seus dez ou onze anos, já uns dezoito ou vinte lhe trouxessem a cabeça a juros e o coração agarrado a saias em vez de a peões e papagaios ligeiros. E José Loureiro compoz com graça um marinheiro autêntico, desde as botorras de borracha até ao chapéu de oleado, e das barbaças de lobo do mar ao cachimbo entalado nos beiços com uma naturalidade de catraeiro.


O que mais me maravilhou neste grupo de crianças, e nomeadamente neste marinheiro, lobo do mar de 13 anos, foi a correcção do gesto e a natural entoação da frase. Não foi esquecido um pormenor, nem olvidado um detalhe. O dito mais simples era composto com o modo mais frisante. Assim como o galã arrimava ao cacete a sua cara de sofrimento e de ciúme, assim o marinheiro bamboleava o andar nos hábitos de bordo, e a velha fazia o caminhar custoso e as moças cirandavam com calor o seu bailar.


Até à beira da scena, nuns toques de aldeia que faziam mover e rodopiar o danço, um meúdito de seus oito anos, chocalhando nuns ferrinhos um acompanhamento bregeiro, e meneando a cabeça e o corpo frágil ao ritmo da modinha popular, tinha tal chiste e tamanha graça que ninguêm havia que não risse...


... Emfim, um grupo de pequenos amadores, com o pior dos quais muito tinham que aprender todos os seus colegas maiores da terra e a grande maioria de seus iguais da Figueira! (Voz da Justiça – 01.21)

O 17º ANNIVERSARIO DA SOCIEDADE DE INSTRUCÇÃO TAVAREDENSE

A sympathica e florescente collectividade local Sociedade de Instrucção Tavaredense commemorou nos dias 15 e 16 d’este mez, d’uma fórma luzida, o seu 17º anniversario de fundação, constituindo aquelles dias na terra a que tenho a honra de pertencer uma festa d’um cunho tão brilhante, tão bello, que os seus associados devem orgulhar-se em ella calar tão bem no espirito de todos os tavaredenses dignos; de todos aquelles que, como eu, desprezam facciosismos associativos para se congratularem com o desenvolvimento da Instrucção e Educação do Povo na terra que lhes foi berço.


Por lhe ser totalmente impossivel vir a Tavarede no ultimo sabbado e ainda porque sabia que eu como sendo de cá não tinha convite, o digno editor d’este jornal offereceu-me expontaneamente o da Gazeta, que aceitei reconhecido, porque estava possuido d’um certo empenho em vêr a péça que representavam uns pequenitos na SIT.


E assim foi, pois que n’aquelle dia dirigi-me lá cima ao Terreiro a occupar no theatro da Instrucção Tavaredense o logar que estava destinado ao editor d’este jornal – o meu patrão.


Um membro da direcção recebe-me delicadamente e entrega-se um bilhete de plateia, ao mesmo tempo que me indica o meu logar, que occupo após uma bréve vizita ás salas d’aquella collectividade, que eram aliás d’uma sumptuosidade pouco vulgar.


A disposição das colgaduras ricas, das verduras e dos vazos de flôres revelava bem o fino gosto, a habilidade de quem os havia disposto.


São 21 horas. A orchestra inicia o bem constituido programma com o Hymno da Associação, que é ouvido de pé pelas innumeras pessoas que enchiam o theatro.


O panno sóbe e a figura sympathica de José Ribeiro surge no palco, e n’um vibrante e caloroso discurso frisa bem claramente qual a obra da Sociedade de que é Presidente.


A assistencia ouve o com attenção, e no fim elle recebe acclamações fartas e justas.


Segundo o programma, segue-se a operetta em 1 acto, de costumes regionaes, A Espadelada, interpretada por um grupo de creanças.


Assim foi, pois que após um breve intervallo o panno sóbe e a petizada começa de representar a alludida operetta.


De principio a fim eu admirei todos, absolutamente, desde o protagonista ao simples comparsa.


Com franqueza: tenho pena de infelizmente não ter competencia para poder relatar com minuciosidade o que vi. Sei que me custa a crêr que um grupo de amadores com mais annos de pratica na arte de theatro do que os que teem de vida aquelles pequenos actores fossem capazes de representar A Espadelada com tanto escrupulo e d’uma fórma tão correcta como o grupo dos 20 e tantos petizes dos dois sexos que Zé Ribeiro com a sua proverbial paciencia pôz em scena lá em cima na Sociedade de Instrucção.


O filho mais velho do Jayme Broeiro, o Antonio, faz com tanta naturalidade o papel de Thomaz, que me dá a impressão d’um velho amador, batido. É um galã bom.


A irmãsita do Zé Ribeiro, a Maria, marca authenticamente o papel de Tereza. É uma velha que eu estou a vêr e não uma creança dos seus 10 ou 11 annos.


O Zé Borrasca cahiu bem no filho do Manél Loureiro, que faz sem dificuldades um velho marinheiro.


O Antonio Cordeiro dá muita vida ao Ernesto. É um janota magnifico, como a Maria José, da Helena, uma camponeza authentica. Faz a Joaquina muitissimo bem, revelando para de futuro aptidões aproveitaveis.


Está um outro, um piriquito, de ferrinhos em punho, que sem dizer uma palavra faz como sóe de dizer-se um papelão. Não há um só espectador, o mais sizudo, que se não ria a bandeiras despregadas com o rapaz, que ostentando ao canto da bocca um cigarro brégeiro quasi tão grande como elle, acompanha lindamente com a cabeça, com o corpo e com o batuque dos ferrinhos, todos os numeros de musica que se tocam durante o tempo que está em scena!


É d’uma graça extraordinaria!


Emfim, todos os pequenitos, desde o mais taludo ao Gentilito, indubitavelmente o mais liliputiano dos engraçados amadores, houveram se d’uma fórma tão brilhante que não devo cohibir-me de os estreitar n’um cordeal abraço de felicitações, bem como ao seu ensaiador, o amigo Zé Ribeiro, por vêr coroado de bom exito todo o seu esforço, toda a sua muita paciencia, revelados no successo obtido com a representação da Espadelada, por um grupo de gentis creanças, n’um dos theatros da minha aldeia.


A terceira parte do Espectaculo de gala consta d’um acto de foliés-bergéres. Recitam com agrado varios amadores, que recebem ovações.


Seguidamente sóbe á scena a hilariante comedia Zázá, por adultos, que a desempenham com correcção e graça.


E findou assim o primeiro dia de festa da Sociedade de Instrucção, onde se passaram algumas horas alegres e despreoccupadas. (Gazeta da Figueira – 01.22)

1923

ROSAS DE NOSSA SENHORA

No sábado, às 21 horas e meia, realizou-se a récita de gala no teatro, que apresentava um aspecto festivo com a ornamentação. Representou-se a linda comédia em 3 actos Rosas de Nossa Senhora, com música original do distinto amador sr. António Maria de Oliveira Simões, dessa cidade.


O seu desempenho agradou muito, sendo aplaudidos calorosamente todos os intérpretes. Esses aplausos foram inteiramente merecidos, porque, tratando-se de amadores de fraquíssimos recursos, sem prática do palco, revelaram, alguns, habilidade, e todos, grande fôrça de vontade, sem a qual não seria possível o bom conjunto que apreciámos.


A distribuição foi a seguinte: Marta, Idalina Fernandes; Rosa, Virginia de Oliveira; Rita, Emília Fadigas; Cigana, Eduarda Fernandes; Carriço, Francisco Carvalho; Tio João, José Vigário; Anastácio, José Maria Marques; D. Luiz, Fernando Ribeiro; José, António Cachulo; Um camponês, António Pinto. A todos estes amadores, bem como aos restantes que constituiam o grupo coral e que cumpriram muito bem a sua obrigação, dirigimos os nossos parabéns.


Os 5 números são felizes, tendo a assistência manifestado o seu agrado com palmas que soaram ruidosamente. O autor, sr. António Simões, que assistia, teve de agradecer do palco entusiásticas ovações de que foi alvo.


O ensaiador e o dirigente da orquestra, o hábil regente da Figueirense, sr. Manuel Martins, viram estarem bem aproveitados os seus esforços, pelo que os felicitamos. (Voz da Justiça – 01.23)

OS AMORES DE MARIANA

Há vivo interêsse pela representação, no próximo sábado, da linda opereta em 3 actos Os Amores de Mariana, levada a efeito pelo festejado grupo da Sociedade de Instrução Tavaredense.


Esta récita é esperada com um entusiasmo que pode avaliar-se pela enorme procura de bilhetes, e os amadores procuram corresponder a êsse entusiasmo, dando relêvo à interpretação dos seus personagens.


A opereta tem 29 números de música alegre, muito viva, parte original e parte coordenada.


O grupo coral é constituido por 20 figuras de ambos os sexos, tomando parte na representação 30 pessoas.


A distribuição é como segue: Morgada do Freixo, Idalina de Oliveira; Mariana, Virginia de Oliveira; Rita, Joaquina Cascão; 1ª camponesa, Emilia Fadigas; 2ª camponesa, Eduarda Serra; Zé Piteira, António Coelho; Manuel de Abalada, Francisco Carvalho; Roberto, sacrista, Jaime Broeiro; Barnabé Pacóvio, António Graça; Ernesto, António Santos; Tiago, José Maria Marques; André, Emídio Santos. (Voz da Justiça – 03.27)

OS AMORES DE MARIANA

Esta linda opereta teve no sábado último um excelente desempenho pelos amadores da Sociedade de Instrução Tavaredense. Todos os espectadores aplaudiram com entusiasmo nos finais de acto, fazendo chamadas especiais, como igualmente foram aplaudidos alguns números de música.


Não há que fazer especializações. Todos os intérpretes dos principais papéis representaram com muito acêrto.


O interessante par dos Morgados (Idalina de Oliveira e António Silva) foi esplêndido de graça, atraindo as atenções da assistência; A Coelho, no Zé Piteira, manteve-se com felicidade; Francisco Carvalho, no Manuel de Abalada, Virginia de Oliveira, na Mariana, e António Santos, no Ernesto, todos muito bem; Jaime Broeiro soube tirar partido do sacristão e Graça fez o brasileiro Barnabé com grande naturalidade, tendo de bisar o seu número Brasileiro di água doce, que cantou muito bem. Os restantes amadores houveram-se por forma a manter um bom conjunto, e os coros sairam afinados e muito certos, pelo que o regente, sr. Manuel Martins, foi justamente elogiado.


A récita foi em benefício da Santa Casa da Misericórdia, dessa cidade, gesto simpático que muito dignifica a benemérita Sociedade de Instrução Tavaredense e os seus amadores dramáticos.


Oxalá esta iniciativa fôsse seguida pelos grupos dramáticos das outras freguezias do nosso concelho, visto que aos infelizes de todo o concelho acode nos momentos dificeis da doença o hospital da Misericórdia desta cidade. (Voz da Justiça – 04.13)


Nota - As notas e críticas, iniciadas neste blogue na semana passada, são retiradas do caderno "100 Anos de Teatro", que compilei por ocasião do centenário da Sociedade de Instrução Tavaredense. Destes cadernos, pois são dois (1904-1954 e 1954-2004), constam também todos os espectáculos realizados, na sede ou fora, notas sobre alguns espectáculos, colaboradores diversos e amadores, indicando a peça e o papel representado e respectivo ano, além destas notas e críticas. Algumas serão, certamente, repetidas, mas julgo de interesse publicar tudo o que consta dos referidos cadernos. Caso alguns dos meus estimados leitores não aprecie, peço-lhe desculpa e peço que passe adiante.

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