sábado, 10 de dezembro de 2011

TEATRO DA S.I.T. - NOTAS E CRÍTICAS - 6

1929

O SONHO DO CAVADOR

Obteve o êxito que prevíramos a récita de sábado, no Teatro do Casino Peninsular, com O Sonho do Cavador, em benefício da Misericórdia.


A lotação esgotou-se, e grande número de pessoas ficou sem ver a festejada peça, por não ter obtido bilhetes.

Representação animada, correcta por parte de todo o simpático grupo de amadores, que se apresentam com a sua natural modéstia, sem a pretensão ridícula de quererem impor-se como artistas de mérito. Tanto na parte declamada como no canto, os vários intérpretes brilharam, impondo-se à admiração do público, desde as primeiras figuras, aos simples coristas, todos formando um conjunto interessante. E deve dizer-se que a assistência era distinta, selecta, vendo-se entre ela conhecidos e exigentes apreciadores de teatro da nossa terra.

A impressão geral, tanto no que respeita à interpretação como à montagem, foi excelente e muito honrosa para o grupo da Sociedade de Instrução Tavaredense, que no sábado firmou o seu triundo brilhante em O Sonho do Cavador.

Aplausos calorosos, entusiásticos, como não é vulgar na plateia, exigente e fria, da nossa terra. Muitos números da linda partitura – uma obra feliz de António Simões executada correctamente pela sua orquestra – foram aplaudidos e outros tiveram de ser bisados. Nas chamadas especiais a autores da peça e da música e aos intérpretes denunciavam-se o interêsse e o prazer com que os espectadores assistiam àquela récita, que tinha ainda a torná-la mais simpática o facto do seu produto se destinar à Misericórdia da Figueira. Por êste acto de generosidade ouvimos justos elogios à Sociedade de Instrução Tavaredense. Bem haja!

Antes de começar a peça, o sr. dr. José Cruz pronunciou um discurso de apresentação que a assistência ouviu com prazer e aplaudiu no final com uma grande ovação. (Voz da Justiça –

01.30)

O SONHO DO CAVADOR

O Sonho do Cavador é uma revista-fantasia, em 3 actos e 10 quadros, da autoria de João José, com musica de Antonio Simões.


Foi para assistir a esta peça levada à scena pelo grupo dramático da Sociedade de Instrução Tavaredense que quasi toda a Figueira ocorreu no dia 26 passado, ao Peninsular. Não me permite esta secção, nem mesmo as normas estabelecidas em obediencia às velhas praxes jornalisticas para récitas de amadores, que façâmos a analise critica dessa revista-fantasia.


Limitamo-nos, apenas, a registar o entusiasmo, verdadeiramente bizantino, com que a “plateia” da Figueira recebeu esta peça, representada ab initio num modesto teatro do ridente povoado de Tavarede.


Mas registando o facto, somos forçados a abordá-lo, ainda que simplesmente ao de leve, para que ele desça a ocupar a posição devida – uma bem velada meia sombra da maior parte das teatradas levadas à scena por amadores.


Não vamos incidir as nossas considerações sobre certas confusões de linguagem; sobre a falsa colocação de pormenores que atraiçôam a unidade do enrêdo; nem tão pouco sobre várias scenas que se repetem, confundindo, entediando e monotizando a pouca acção que já por si se revela.


Não procuramos esclarecer o espirito critico dos leitores, referindo a falta de colocação de incidentes verdadeiramente inverosimeis que quebram o legitimo equilibrio dos detalhes; nem apresentamos o mau amanharamento deste ou daquele quadro; e a ilogica e pouca racional iniciação do cavador na cidade.


Não salientamos sequer as scenas que, exageradamente romanticas, se apresentam sob a vida negra dessa ilusão perdida em face de amazonas mal engendradas que só existem na precoce imaginação do auctor.


Não repetimos o que sobre a peça escreveu um colega local: “a peça não vale nada”...; nem mesmo revelamos o péssimo gosto de vários quadros, com manchas verdadeiramente insonsas de fraco tom e falhas de minima e mais prudente concepção.


Nada disso fazemos, porque se a “plateia” da Figueira é, de facto, “plateia” – ela, de facto, tambem, já julgou definitivamente.


Como explicar, então, este grande entusiasmo que de certo publico se apoderou, para apresentar o original de João José como a oitava maravilha do mundo; o verdadeiro formigueiro que de longada ia estrada além, até Tavarede, para assistir ás primeiras representações; a partida de tal grupo dramático de Tavarede em vento norte a Buarcos; e daqui, a este assalto ao Peninsular?!...


Valor intrinseco da peça, positivamente que não, porque fazendo eco dessa local a que nos referimos – “a peça não vale nada”.


Valor de partitura, tambem não pode ser, visto a plateia da Figueira estar habituada a ouvir o que há, de bom e de melhor.


Nem mesmo sequer nos podemos integrar na forma como decorre a acção, ou pela maneira por que os factos se sucedem, sem qualquer particularidade que emocione verdadeiramente o publico.


E no entanto, o O Sonho do Cavador que o espirito judaico-franco-maçon de Tavarede nos exportou, é uma revista-fantasia de bons costumes, com uma bem acentuada nota regionalista.


Não se explica assim, a obra de arte feita para agradar a todos os corações simplorios, do ir.’. João José que personalisa a nota regionalista da revista que se apresenta com certo ar de rejuvenescimento nacional.


Sendo assim, como é de facto, não se explica duma forma plausivel a verdadeira corrida democrática que da peça se tem feito, fazendo dela uma verdadeira parada politica.

É que, na verdade, o O Sonho do Cavador com uma nota acentuadamente regionalista, transbordando de amôr á terra e pela terra, é uma peça tudo quanto há de mais antidemocrática, promovendo a par e passo uma atmosfera nacional que a Democracia não pode perfilhar, por ser estructuralmente anti-nacional.


E, se o publico a aplaudiu por méra questão politica, fazendo dela uma Grande Parada, não soube integrar-se nela, na coerencia dos seus proprios principios, visto ela ser a máxima negação de todos os máximos principios do Numero, para ser uma peça que representa a verdadeira arte nacional, na tése que pretende defender.


Nem todos, porém, assim o compreenderam. E, desta forma, o tal publico fala, ouve e quere fazer falar e ouvir os outros – os indiferentes.


E, assim, essa publico fazendo da peça uma Grande Parada, conseguiu arrastar a Tavarede, outro publico novo e incredulo, propagueando mil e uma coisas, e enaltecendo ao maximo um valor intrinseco desse O Sonho do Cavador que, de verdade, nada, ou pouco, vale em si.


Não se satisfazendo ainda, arrasta-o, em pleno sucesso, até Buarcos, e daqui, ao Peninsular.


E porquê?!... Simplesmente porque o auctor – tenho muito prazer em dize-lo – é um ir-‘- democrático que se encobre com o pseudonimo de João José e faz parte das hostes aguerridas que combatem a actual situação politica, vivendo aliás na sua dependencia, porque a serve como seu funcionário.


Da peça, fizeram, pois, mais uma manifestação politica, aproveitando a boa-fé de certo publico que pretende divertir-se, criando de tal modo, um certo espirito de unidade politica que na realidade não existe e que sem grande elevação de pensamento pretende sustentar o fogo sagrado das trincheiras maçonicas da Figueira e seus arredores.


E, no entanto, a Grande Parada, longe de ser da Metro Goldwyn Mayer Films, Lda. pois apenas é da Sociedade de Instrução Tavaredense, vai sintetisando o pensamento que representa e vive por intermédio desse ir.’. factotum maximus do orgão fariseu da sua terra.


É que a politica não esquece deveres imaginarios, e sempre procura nas cada vez mais densas trevas que a apresentam, aquela politica de infiltração que pretende criar um espirito de unidade secreto que um trabalho de critica de arte pode prejudicar e aniquilar.


É o nosso espirito de combatividade que ora chama a atenção da “plateia” da Figueira, para o que se passa com o O Sonho do Cavador, na certeza da incoerencia que nomeadamente designa essa Grande Parada... democrática.


Da nossa emoção artistica, está tudo verdadeiramente dito.


Basta que salientemos ainda que, pela analise da obra, o mecanismo de tal peça é tudo quanto há de menos democrático – apesar de escrita por um democrático e ao serviço de democráticos – porque a “Democracia significa desunião, partilha de sentimentos, oposição e luta de interesses.


Por lei natural, da consciencia da Nação nasceu a Patria. Pela rebelião constante do preconceito do numero contra a inteligencia, a Democracia.


A Democracia desconhece a natureza, escraviza as almas e mata a Nação”.


E porque o O Sonho do Cavador é fundamentalmente anti-democrático, porque é nacional, - que demonio de simpatia, de aplauso ou entusiasmo lhes pode merecer o mesmo O Sonho do Cavador, com a sua tese regionalista?


A não ser que essa “plateia”, esse publico democratico que constitue essa curiosa multidão ignara de incultos amadores, apenas tenha em mira individualizar o individuo auctor, num gesto de intriga politica, bem próprio daquelas assembleias cujo “caracter especifico da eleição é o Numero, e o Numero é a antimonia da Qualidade”.


Mas se assim é, se tudo se congrega à volta do ir.’. auctor, que fica então?


O depoimento insuspeito duma “plateia” que se deixou arrastar pela comédia democrática, “à mentira democrática, à fraude democrática – numa palavra à Democracia que é, por definição, mentira, fraude, comedia, e que se pode captar áqueles que não são incompativeis com os mentirosos, os comediantes e os burlões”.

Foi essa a virtude d’ O Sonho do Cavador.


Mas como na Democracia “à medida que o Numero aumenta, a competencia restringe-se” – o depoimento que os democráticos acabam de fazer com o O Sonho do Cavador, merece que o não deixemos em silencio.


O Sonho do Cavador, por si, revela que o nosso Teatro ainda “poderá ser português de Portugal, e a nossa vida de espirito, fortalecida em independencia honrada e salvadora, cessará de ver-se humilhada em tal aspecto, na condição de colonia de presidiários da cultura francesa” não se integrando no que diz Ch. Grun – Les régionalistes, qui comprennent á merveille l’importance du théatre, refusent, tout naturellement, de se satisfaire des tournées parisiennes (dites, par les agences, tentatives de décentralisation théatrale) et, même des pieces incolores dues á un auteurs local e montées par um directeur en mal de réclame et de décentralisation, lui aussi – porque, “contra estas mistificações estão bem prevenidos o instincto e a consciencia dos regionalistas”.


Pela Grande Parada... democrática de que foi alvo, revela o O Sonho do Cavador, em sua plenitude maxima, aquela tão nossa conhecida politica de – Oh! Escola, semeai!... traduzida pelos principios amorfos da L.’., E.’. e F.’., tristes simbolos da ordem revolucionária imperante do Poder anonimo que em 34 nos foi imposto pelas armas estrangeiras.


Pois dessa ideologia revolucionária que ora serve de cobertura a todas essas lojas maçonicas que por ahi andam, ao serviço de politicos em escrupulos que a Dictadura afastou da Nação – se mistificou o Sonho do Cavador.


E a Figueira aceitou, indiferente, como indiferente Buarcos aceitou a mistificação. Somente para aqui, vem rotulada pela Santa Casa da Misericordia...


Mas os fins são os mesmos.


Eles ficaram exuberantemente demonstrados na noite de 26 de Janeiro, deste Santo Ano de Cristo.


Eis o que teriamos escrito logo a seguir á representação d’ O Sonho do Cavador, no Peninsular se nos fosse dado apresentar o nosso protesto em publico!


Ainda que tarde, porêm, ele aí fica, claramente definido nas colunas aguerridas desta trincheira de Bom Combate.

E... sic transit gloria mundi. (a) José João. (O Jornal da Figueira – 02/27)

A CIGARRA E A FORMIGA

Depois do êxito invulgar do Sonho do Cavador – que terá de ser reposto em scena para uma nova série de récitas, satisfazendo-se dêste modo os insistentes pedidos feitos à direcção -, um outro êxito artístico vai alcançar, mais retumbante ainda, o grupo de amadores da Sociedade de Instrução Tavaredense.


Decorrem activamente os ensaios da nova peça A Cigarra e a Formiga, interessantíssima fantasia em 3 actos. A peça tem uma acção que resulta do conflito da fábula, e encerra uma lição moral que é a sua finalidade, como é do programa educativo da Sociedade de Instrução. Cêrca de 30 números de música, quási todos originais de António Simões, alguns dêles admiráveis e reveladores do temperamento artístico do distinto amador; versos dum poeta que se afirma brilhantemente, alguns números duma grande beleza; guarda-roupa de lindo efeito, que está sendo executado sob a direcção duma distinta modista e por figurinos próprios desenhados por um artista de méritos conhecidos; scenários próprios, etc. – todo um conjunto de elementos que só raramente conseguem reunir-se.


A interpretação está a cargo dos modestos amadores que representaram o Sonho do Cavador. O grupo coral – 24 pessoas – tem agora, além de todos os seus antigos elementos, mais quatro novas amadoras.


Como se vê, é cada vez mais forte a simpatia e a admiração que a população da nossa terra vota à benemérita colectividade local, cuja notável obra educativa vem sendo desenvolvida há mais de 25 anos com o aplauso de tôdas as pessoas de bem.


A Cigarra e a Formiga, podemos afirmá-lo, será mais um êxito brilhante da Sociedade de Instrução Tavaredense. (Voz da Justiça – 04.13)

A CIGARRA E A FORMIGA

Estive anteontem na Sociedade de Instrução Tavaredense, onde assisti à primeira representação da fantasia em três actos “A Cigarra e a Formiga”.


Esplendidamente levada à scena, “A Cigarra e a Formiga” em nada fica àquem do festejadíssimo “Sonho do Cavador”.


E, assim, eu mais uma vez fiquei com a soberba consoladora convicção de que naquela Sociedade há um grande culto pela Arte; de que naquela Sociedade a valer se trabalha para que o nome de Tavarede, ou mais ainda – o da Figueira -, se engrandeça e nobilite.


A Sociedade de Instrução Tavaredense marca indubitavelmente um lugar de incontestável destaque entre as suas congéneres.


Trilhando com nobreza uma directriz formosa, surda a doestos próprios de réptis; indiferente perante os dispautérios de inteligências falidas; sempre trabalhando com paixão fervorosa dos fortes, dos que sabem querer, a Sociedade de Instrução Tavaredense é uma sociedade que tem um passado glorioso, e diante de si um futuro risonho.


De ascenção em ascenção, de triunfo em triunfo, ela chegou onde hoje se encontra: ao cume glorioso que tôdas as Sociedades congéneres, que muito prezem o seu nome, que muito trabalhem pelo seu engrandecimento, devem apetecer galgar.


Mas, neste concelho, já tive ocasião de observar – e com bastante satisfação o registo – que quási em tôdas as localidades os homens bons colectivamente trabalham por desviar a população dos antros onde a miséria, a embriaguez e o vício proliferam.


Não é só a Sociedade de Instrução Tavaredense. .............................(Rui Fernandes Martins) (Voz da Justiça – 05.22)

A CIGARRA E A FORMIGA

Pelas informações que tinhamos, contávamos já que a nova peça da Sociedade de Instrução Tavaredense – A Cigarra e a Formiga – agradaria ao público; mas estávamos longe de supôr que ela viria a constituir o que, tendo em vista o lugar e os elementos que a representaram, pode, sem exagêro, classificar-se de êxito sensacional.


Agradou muito a peça, pela sua simplicidade, pelos conceitos que nela aparecem, pela sua função educativa, pela finalidade moral que encerra. Mas os versos que pelos 3 actos estão espalhados surpreenderam pelo seu encanto, pela beleza que nêles palpita e pela arte com que estão trabalhados. Versos como os da Cigarra e a Formiga, só um artista de fina sensibilidade e profundos conhecimentos de arte de versejar poderia fazê-los. Citamos ao acaso: a poesia maravilhosamente bela A Fantasia, o Desleixo e o Fatalismo, profundos de observação; o soneto A Tenacidade, modelar na forma e rico de expressão enérgica; o recitativo da Toilette, graciosíssimo de comentário ligeiro; e para não falarmos nas lindas quadras ao sabor popular que se cantam na Desgarrada do 2º. acto, no Prólogo, na Alegria de Viver e em outros números, citaremos os belíssimos versos que fecham a peça – O Amor – que são simplesmente maravilhosos, arrebatadores.


Digamos ainda que a partitura é formosíssima. Sem querermos diminuir o valor da linda música do Sonho do Cavador, afigura-se-nos que na Cigarra e a Formiga tem António Simões um trabalho valiosíssimo, magistral como interpretação do poema, rico pela variedade de expressão. António Simões bem mereceu a chamada entusiástica com que a assistência fundamente impressionada, o alvejou logo no fim do 1º. acto. Muito bem!


E do desempenho que dizer? Que excedeu em muito o que poderia esperar-se do grupo modesto da Sociedade de Instrução. O principal papel foi confiado a João Cascão, que no José Cigarra se manteve brilhantemente à altura a que ascendeu no Manuel da Fonte. Muito bem! No final do número A cigarra tem guitarra, e a formiga tem barriga, primorosamente cantado, a assistência irrompeu na mais calorosa e entusiastica ovação que ali temos ouvido, sucedendo o mesmo no recitativo final. Jaime Broeiro cheio de naturalidade no Desleixo e no António do Moleiro; o mesmo diremos de António Broeiro – o seu trabalho no 2º. acto é perfeito, cingido às rubricas da peça, mantendo admiravelmente a figura de João Viúvo dentro da necessária discrição; Emília Monteiro, Maria José da Silva, Maria Tereza, Guilhermina de Oliveira e Carolina de Oliveira mereceram os aplausos que ouviram, devendo também citar-se António Graça, que disse muito bem o Prólogo, Francisco Carvalho (esplêndida voz de barítono), José Vigário e F. Loureiro. Duas boas vozes que brilharam: Alzira de Oliveira e César Figueiredo. E todos os restantes, nos coros, se mantiveram nos seus lugares, formando um bom conjunto.


O guarda-roupa é interessante, tendo sido justamente elogiada a modista srª. D. Belmira P. Santos. E os scenários completam a impressão de beleza colhida pelos espectadores. A cozinha do 2º. acto – completa, produzindo belo efeito. E o pano da apoteose final pode considerar-se uma formosíssima tela, tanto pela beleza da concepção como pela sua execução primorosa – em tudo digno do distinto artista sr. Alberto de Lacerda, que gentilmente o ofereceu à Sociedade de Instrução Tavaredense.


Resumindo: um espectaculo magnífico, que deixou as melhores e mais fundas impressões nos que a êle assistiram.


A casa estava cheia. E vai encher-se de novo no sábado com a representação da Cigarra e a Formiga. (Voz da Justiça – 05.22)

A CIGARRA E A FORMIGA

A repetição da fantasia em 3 actos A Cigarra e a Formiga levou no último sábado a Tavarede grande número de pessoas desejosas de verem a nova peça em scena no teatro da Sociedade de Instrução Tavaredense.


O agrado no público acentuou-se mais ainda. Muitos números foram aplaudidos e outros tiveram de ser bisados. E não sucedeu isto apenas nos números de música (João Cascão ouviu no número do 1º quadro do José Cigarra mais uma ovação calorosíssima): o monólogo do Desleixo, o belo recitativo da Fantasia e o soneto A Tenacidade foram escutados com visível satisfação e cobertos com salvas de palmas entusiásticas; e, no final, os lindos versos que preparam a apoteose do Amor arrancaram à assistência uma ovação demoradíssima que bem mostrava o estado de espírito da assistência, na sua maioria constituída por pessoas desta cidade. O formosíssimo quadro com que fecha a peça deixou no público uma impressão dominante, sendo muito apreciado o belo trabalho de pintura do distinto artista sr. Alberto de Lacerda.


A Cigarra e a Formiga dá no próximo sábado a última representação. A maioria dos seus intérpretes emprega-se na agricultura e os trabalhos intensivos da época não permitem, nas noites pequenas de Junho, a realização dêstes espectáculos. E assim A Cigarra e a Formiga, tal como já sucedera ao Sonho do Cavador, tem de interromper em pleno triunfo a sua carreira.


Pode antecipadamente dizer-se que a lotação se esgotará no próximo sábado. (Voz da Justiça – 05.29)

A CIGARRA E A FORMIGA

Como prevíramos o teatro da Sociedade de Instrução Tavaredense teve no sábado uma casa à cunha. A lotação esgotou-se e os aplausos foram vibrantes, calorosíssimos. A Cigarra e a Formiga está absolutamente firmada no agrado do público, que agora a consagrou com manifestações tão expontâneas como entusiásticas.


Os números aplaudidos foram muitos. O côro final do 2º acto e o Jazz-band foram bisados; o número do José Cigarra, no 1º acto, que João Cascão diz, mais do que canta, primorosamente, provocou uma ovação enorme, demorada; no final do 1º quadro do 2º acto, quando a cortina correu sôbre o concertante – página magistral da partitura de António Simões – a assistência, verdadeiramente subjugada pela brilhante representação que nalgumas personagens nos dá a impressão de ser realizada por artistas e não por modestos e despretenciosos amadores, irrompeu numa salva de palmas calorosas, que durou minutos, repetindo-se as chamadas e obrigando os intérpretes a aparecer duas, três, quatro vezes. O mesmo sucedeu no fim da peça, com os belos versos do Amor que fundamente impressionam os espectadores, impressão que mais vigorosamente se firma com o formosíssimo quadro pintado pelo distinto artista sr. Alberto de Lacerda.


O êxito do Sonho do Cavador não esqueceu ainda. Pois aí está A Cigarra e a Formiga marcando outro êxito enorme e invulgar em grupos de amadores de aldeia. Infelizmente a época obriga a interromper a sua representação, em pleno triunfo, com as lotações esgotadas e aplausos que não cansam. (Voz da Justiça – 06.05)

A CIGARRA E A FORMIGA

O jornal O Século, na sua página teatral de terça-feira, publicou um artigo crítico acêrca da interessante fantasia em 3 actos A Cigarra e a Formiga, com tanto agrado representada pelos modestos amadores da Sociedade de Instrução Tavaredense. Vem assinado com as iniciais J.T. e por isso atribuímos o artigo ao distinto crítico e escritor teatral de Lisboa, sr. dr. José Tocha.


Temos muito prazer em arquivar no nosso jornal esta apreciação, feita por pessoa de especial autoridade e competência, da peça A Cigarra e a Formiga, sobretudo pelas palavras de justiça que nela se dedicam aos humildes rapazes e raparigas que a interpretam e à acção, a todos os títulos notável, que a Sociedade de Instrução Tavaredense continua desenvolvendo em prol da educação do povo de Tavarede. Transcrevamos:


“Em Tavarede, a dois passos da Figueira da Foz, há uma sociedade de instrução, a Sociedade de Instrução Tavaredense, que dispõe dum pequeno teatro, uma autêntica boite, como agora se diz, onde costuma realizar espectáculos curiosíssimos, récitas em que representa uma companhia de amadores absolutamente excepcional.


Basta dizer que a constituem humildes trabalhadores do campo ou das oficinas, que trabalham de sol a sol e à noite aprendem, estudam, ensaiam com as dificuldades que se adivinham, sabendo-se que entre êles muitos há que nem sabem lêr.


Há dias assistimos a um dêsses espectáculos, representando-se a fantasia em 3 actos “A Cigarra e a Formiga”.


A peça é um trabalho de notável merecimento literário, bem construída, interessando de princípio ao fim e visando a produzir um efeito moral dos mais salutares, qual o duma lição clara que prende e diverte os que a recebem – todos os que assistem – e fica por certo nos espíritos de todos melhor que a mais profunda prédica.


Subido o pano, à frente duma cortina, o Prólogo vem dizer de sua justiça. Vai contar-se uma história que, embora o pareça, não é velha. E o próprio Prólogo apresenta ao público as duas figuras simbólicas, a Cigarra e a Formiga, retirando-se em seguida.


Em presença uma da outra, cada qual procura fazer valer os seus predicados e aponta os defeitos da outra, ante José Cigarra um rapaz leal e bom mas um tanto alegre e folgazão, um tanto cabeça de vento.


Em casa da Cigarra, depois em casa da Formiga assiste José Cigarra a um desfiar de figuras simbólicas apresentadas com habilidade, metidas na carpintaria da peça com lógica e a propósito, como sejam a Alegria de Viver, o Riso, o Fatalismo, a Abundância, o Pão, o Vinho, o Oiro, etc. terminando o 1º. acto com uma apoteose ao trabalho que a Formiga apresenta como suprema aspiração das pessoas bem formadas.


No segundo acto as figuras simbólicas transformam-se em figuras da vida real.


António Moleiro, viúvo, vive com uma filha, Luísa, que namora José Cigarra com consentimento e agrado do pai. Este, porém, a certa altura, sabendo que João Viúvo, um ricaço boçal da aldeia, procura casar de novo porque, diz êle, a mulher que escôlha valerá bem por duas criadas, tocado pelo espírito da ganância, pela ambição de riqueza, ajuda a pretensão do velho quanto ao casamento com Luísa. Esta, como filha obediente e submissa acata tudo sem protestos embora, intimamente, se contrarie porque o seu desejo seria casar com José Cigarra. A atitude de Luísa deixa no espírito dêste uma dúvida sôbre o amor que ela dizia consagrar-lhe. E José Cigarra resolve, despeitado, rir e divertir-se na festa de S. João que a seguir se realiza. É êste um quadro cheio de realidade, felicíssimo sob todos os pontos de vista, que inclui uma desgarrada cantada pelos dois noivos, ela porque a isso a constrangeram, êle para lhe responder, que é um verdadeiro achado teatral e um primor de poesia no género.


Segue-se o 3º. acto, em cujo primeiro quadro se assiste à passagem de figuras da vida moderna, agitada e fútil.


Cabelos cortados, a toilette arrojada, o jazz, e charlston, etc., são assuntos para uma série de números cheios de vivacidade e de graça.


Mas, José Cigarra farta-se da vida estouvada e procura em casa da Formiga encontrar o que deseja.


Em casa da Formiga, enquanto espera que o recebam, adormece e sonha. No sonho aparecem-lhe, nas suas verdadeiras proporções, as figuras reais da peça. João Viúvo é a Formiga com todos os seus defeitos e sem nenhuma das suas qualidades. Êle próprio é a Cigarra estouvada de mais e com pouco amor ao trabalho. Pesando prós e contras êle mesmo tira as conclusões e é já abraçado a Luísa, que nunca deixou de lhe querer, que responde à Cigarra e à Formiga e às suas censuras, uma porque êle se inclina para as teorias da outra. Ambas têm qualidades e ambas têm defeitos. José Cigarra, aprendeu com ambas e concluíu que é preciso trabalhar, lutar, ser bom e honrado sem deixar de ser alegre em saber rir e divertir-se. De tudo isto sai a inevitável e eterna vitória do amor e acaba a peça com uma interessantíssima apoteose ao Amor da família, do trabalho, do semelhante, da Pátria, enquanto um hino solene se faz ouvir e o pano cai.


Se é certo que a peça é, a todos os títulos, um trabalho notabilíssimo, digno mesmo dum ambiente mais amplo que um simples teatrinho de aldeia, o que principalmente interessou foi a companhia. É que não conhecemos nada que se compare. Temos visto muita vez grupos de furiosos, mais ou menos desastrados, mais ou menos aproveitáveis, mas nunca viramos um conjunto tão curiosamente organizado e tão excepcional pela circunstância de ser recrutado entre gente do campo e de profissões humildes.


O Prólogo, António Graça, é cavador de enxada; José Cigarra, João Cascão, é ferreiro de ofício.


São dois elementos de real valor, principalmente o segundo que, por ser um rapaz, estava muito a tempo de se fazer um óptimo actor, porque não lhe faltam qualidades para isso. Os mais, entre os rapazes e as raparigas, revelaram-se também bons intérpretes, com defeitos naturais, mas desculpáveis. Entre êles Emília Monteiro, Guilhermina de Oliveira, Maria Teresa de Oliveira, Maria José da Silva, Francisco Carvalho, os dois irmãos Broeiros, César de Figueiredo, etc.


A música, de António Simões, acompanha com felicidade tôda a peça, nomeadamente no concertante do segundo acto, que é uma página de real merecimento, e no fim do 6º. quadro, onde motivos populares são habilmente aproveitados.


Alberto de Lacerda, doublé de pintor e poeta, não se limitou a fazer os versos: pintou parte do scenário, sendo particularmente feliz na apoteóse final, que como idéa completa admiravelmente o sentido geral da peça e como execução é um bom trabalho.


.......................
Exemplos como os da Sociedade de Instrução Tavaredense devem ser seguidos por tôda a parte, deviam mesmo ser auxiliadas pelo Estado estas simpáticas iniciativas, que roubam à ociosidade e à taberna um punhado de bons trabalhadores e servem para recolher proventos destinados ao cofre duma escola.


É possível que muitos leitores destas linhas tenham para o que fica dito o encolher de ombros desdenhoso, natural em quem não acredita sem ver.


Pois é pena que Tavarede fique ainda assim tão longe. Vendo se convenceriam de quanto pode conseguir a boa vontade ao serviço duma idéa generosa e sob todos os aspectos simpática. (Voz da Justiça – 06.15)

TEATRO DE AMADORES

Sucedeu o que previramos: o grupo de amadores da Sociedade de Instrução Tavaredense levou ao teatro Parque, no sábado e no domingo, duas enchentes.


Na primeira noite representou-se A Cigarra e a Formiga, que despertou um interêsse invulgar e obteve um agrado completo que pode bem avaliar-se pelas ovações calorosas que se ouviram frequentemente, sublinhando vários números e intensificando-se mais ainda nos finais de acto. No final da peça, a assistência, dominada pela beleza dos versos do Amor, que João Cascão diz primorosamente, e pelo formosíssimo quadro pintado pelo distinto artista sr. Alberto de Lacerda, irrompeu numa salva de palmas entusiástica, que demorou minutos – uma ovação extraordinária, como só raramente ali temos ouvido.


O desempenho é interessante e, por parte de alguns – citemos, por exemplo, Jaime e António Broeiro e João Cascão, para não falarmos no interessante grupo de raparigas que interpretam papéis de responsabilidade, podemos dizer que é brilhante. A música é um factor importante na Cigarra e a Formiga: a linda partitura honra o distinto amador nosso patrício sr. António Simões, que foi duma grande felicidade, tanto nos números originais – o terceto do Pão, Vinho e Oiro, o número de José Cigarra, o terceto do Fatalismo, o magistral concertante do 2º. acto e a página musical magnificamente interpretativa da música do 3º. acto – como nas adaptações, reveladoras dum perfeito sentido teatral. O côro com que fecha o 2º. acto, evocando motivos populares, é simplesmente encantador. A assistência bem o compreendeu. E vem a propósito dizer que António Simões realizou êste trabalho notável – como outros anteriores – sem mira na celebridade ou no interêsse: nem pretende que o considerem mais do que um amador, que neste campo trabalha por prazer espiritual, nem procura auferir lucros, pois não percebe pelo seu esfôrço a mais insignificante remuneração.


No domingo representou-se O Sonho do Cavador. Era a 19ª. representação. E, a-pesar-de a peça ser já muito conhecida na Figueira, a casa encheu-se e a assistência, satisfeita com a sua interpretação, aplaudiu com entusiasmo nos finais de acto e manifestou-se com palmas em muitos números.


Os modestos e humildes rapazes da Sociedade de Instrução Tavaredense têm razão para estar contentes com o seu incontestável triunfo. As manifestações dos espectadores que encheram o teatro nas duas noites foram eloquentes. Era a primeira vez que um grupo de amadores anunciava duas récitas e esperava o público, sem fazer a costumada passagem prévia da casa com as circulares do estilo. O público compreendeu – como se viu.


Merece registo o facto. (Voz da Justiça – 06.19)

A CIGARRA E A FORMIGA

Das bandas de Tavarede, onde a seita dos três pontinhos ilumina a obtusidade de meia duzia de camponios ensinando-os a dar á perna num geito lôrpa e a proferir sandices de olhos em alvo, chegou ao teatro “Parque Cine” da Figueira um grupo dramático, apregoado pelos arautos da grande imprensa neste “Século” tartufo, como a expressão maxima – que fino!... – da arte de Talma.


E, assim, tivemos nós um hilariante espectaculo com a representação sumida duma fantasia “A cigarra e a formiga” historia absolutamente inédita no dizer do infeliz “prólogo” – um homenzinho ridiculo, dum ridiculo inconsciente.


A peça é uma amalgama de bocadinhos alheios onde não falta a piada porca, a forçar gargalhadas pela torpeza, sem teatro e sem arte, pretexto apenas para a apresentação da companhia. Uns bocados de aqui, uns versos de acolá, uma sugestão de alem, isto tudo muito mal cerzido, falho de unidade, distribuido por três actos e 10 quadros. Há um prólogo a apresentar em versos imbecis, sem gramática e sem metrica, os dois personagens principais – uma Formiga, lua cheia vestida de cinzento, de voz monocórdica e sem gestos, e a outra, um bicharôco verde que consegue atravessar o palco continuamente, de principio ao fim, com um risinho lôrpa engatilhado nos labios desmesuradamente abertos. Durante este primeiro acto, sem preparação teatral, recorre-se a um desenrolar monótono de fantoches manejados sabe Deus como e porquê.

No segundo acto, por certo o menos peor da fantasia, assiste-se a um pandemónio amoroso em que a filha não quer casar, mas que diz que quer porque o pai quer, ficando o namoro desprezado sem saber o que quer, no meio duma confusão tam grande que não há forma de se perceber nada. O segundo quadro deste acto fornece-nos um arraial de S. João, sem movimento, sem côr e sem vida, mero pretexto para uma misera desgarrada.


O terceiro acto continua a baboseira inicial, terminando por uma estupidificante apoteose ao amor, muito ridicula e pobrinha.


Como se vê tudo isto é nojento em demasia, tanto mais que os vinte e sete numeros de musica anunciados se resumem, na sua concepção a uma monótona e bafienta repetição de motivos.


Dos scenarios: o do primeiro quadro, especialmente, é um pastelão de cores com as perspectivas erradas; o do segundo sofre-se; o do terceiro apresenta-nos um cofre tam bem pintado de azul que é o melhor efeito comico da peça. De resto como muito bem diz a cigarra, tudo aquilo é fantasia.


Do valor literário da obra, ainda que muito pese ao habilitado critico do Século, a nossa apreciação, nada pode encarecer. Quizeramos fazer algumas transcrições, mas o espaço falta-nos. Não resistimos contudo a esta edificante quadra:


Ai minha mãe, minha mãe!
Vivesses tu tinha eu pae!
Assim se o pranto me cai,
Não tenho pae nem ninguem!


E basta!... que isto de se gritar pela mãe, quando se pretende chamar o pae que fugiu atravez da mãe por a menina chorar, é o que de melhor conhecemos no genero Rosalino Candido, Calino & Companhia.


A interpretação, não supre as faltas atraz anotadas, antes continua a asneira. Iletrados, ou pouco menos, as silabas saiem-lhes da boca numa inconsciencia tal que comove.


A Sociedade de Instrução Tavaredense melhor faria, se ensinasse as boas regras do A B C aos seus associados em vez de os meter num palco a fazerem rir pelo ridiculo das suas pretensões artisticas. ( O Jornal da Figueira – 06/19)

A CIGARRA E A FORMIGA

Tavarede é uma aldeazinha surta em aros da Figueira, que possui uma cigarra cantadeira, uma formiga agenciadora e um cavador com sonhos de grandeza.


Pois, da cigarra, da formiga e do cavador, fizeram Eu e Ele e João José duas peças teatrais a que chamaram fantasias e fantasias são de sua imaginação de artistas, a que deram tôda a graça de Tália, apresentado-as ao público no palco de um modesto teatrinho de aldeia.

A Fama, que não veio à terra só para dar notícias da maldade dos deuses, trouxe à Figueira o nome destas fantasias, e atrás do nome vieram as próprias fantasias ao palco do grande teatro do Parque, onde nos proporcionaram, em duas noites seguidas, fugidias horas daquele prazer íntimo que se chama deleite.


A cigarra fez-me sentir a alegria de viver e o cavador deu-nos uma bela lição de moral.
Entre os intérpretes alguns há que seriam actores quando e onde o quisessem ser, e de entre estes destacaremos João Cascão, Jaime e António Broeiro.


Postas em scena com brilho, ornadas de bela música do sr. António Simões, - mestre António Simões, como agora sói dizer-se, música flutuante, ligeira, viva, como realmente o deve ser a música dos vaudevilles, se, dando a primazia ao Sonho do Cavador, estas duas fantasias fizessem viagem daqui para Lisboa, mostrariam aos alfacinhas que a escola de representar, a verdadeira escola de representar, não está no Conservatório, e que, a respeito de virtuosidade de estrêlas, vedetas e girls consagradas pelos nossos amigos O Século e O Diário de Notícias, temos conversado.


Em meu entender as verdadeiras escolas de representar são os teatros de amadores e os teatros da feira de Alcântara e das Amoreiras, de onde saíram o grande José Ricardo, a Angela Pinto, o Pitorra, o Alfredo Carvalho e outros tantos que, assinalando-se na arte de Talma, honraram o teatro português.


Estou certo de que em Lisboa, onde tenho visto peças teatrais de valor inferior ao destas duas fantasias tanto na parte literária como no desempenho, A Cigarra e a Formiga e O Sonho do Cavador não seriam desdenhadas.


Quando nos dispuzemos a ir ao teatro do Parque assistir ao desempenho das duas fantasias a que nos vimos referindo, sabiamos não ir ali encontrar a Sara Bernhardt nem o Coquelin nem o Ferreira da Silva, a grande Virgínia ou o colossal Kean, mas gente humilde, do campo e das oficinas, gente de quem não há o direito de dizer mal porque não são profissionais, porque não são remunerados, gente digna de tôda a nossa estima por preferir à pândega das tabernas a bela camaradagem dos camarins, gastando seus ócios em proveitoso estudo, procurando nestas diversões engrandecer a sua associação, que, no caso, é a Sociedade de Instrução Tavaredense.


Por tais razões me predispus à benevolência, a deixar passar culpas, tôdas as culpas, e a aplaudir tudo quanto de mau ou de bom descesse ao proscénio.


Mas...


Tudo correu bem.


Tudo excedeu a minha espectativa.


Os rapazes e as raparigas de Tavarede portaram-se à altura, e a plateia aplaudiu com entusiasmo, com calor, com sinceridade, com consciência.


Muito bem!


A cigarra e a companheira e, principalmente o sonho do cavador, devem voltar à scena, devem mostrar-se à colónia balnear, aos espanhóis, à turba que, nas cálidas noites de Agôsto e Setembro, invade as casas de prazer do Bairro Novo.


Disse, e... Haja saúde! (a) Arnaldo Serrão (Voz da Justiça – 06.15)

CARTA ABERTA A “EU E ELE”

A vós, que em Tavarede malbaratais as primicias dum talento de que esta Pátria de neurasténicos e hipocondriacos tanto necessita; a Vós, que no verso, na prosa e na pintura dais cartas como manejadores sabidos da boçalidade das massas; a Vós – ó gentes! – eu saúdo. E, saudando-vos, genuflectido na posição reverente d’um fanático da gargalhada perante ícones do ridiculo, - quero dizer-vos as palavras da verdade que sinto em mim estereotipada em risos, quando mentalmente vos contemplo atravez da vossa obra gigantesca de triunfos scénicos.


A Vós, e áqueles da mascarada grotesca dos três pontinhos, que tão arteiros foram em achar-vos para gaudio – ou piedade! – das gentes de ideia sã. Escutai:


Há tempos, nesta Figueira onde cresci embalado nos murmurios inconfundiveis do Atlantico, alguem me convidou a ir ao Teatro apreciar um, então muito falado, Sonho do Cavador. Fui. Dessas três horas de aborrecimento mesclado de tristeza por tanta inépcia, nada vos direi. Basta contar-vos que aquela sucessão torpe de motivos scenicos incongruentes e massuda, me turvou de piedade, não por vós – cavaleiros de triste figura! – mas pela plateia ignara, boçal, sem acuidade artistica, que vos aplaudia num entusiasmo de loucuras feito. Era de mais a inconsciencia!... No entanto como tivésse pensado – o homem é sempre dado á benevolencia! – que o caso não mais se repeteria, calei justas reprimendas, deixando que os vossos amigos - ... de Peniche... – impunemente continuassem a troçar-vos com o apelido de génios.


Tempos volvidos, porém, novos pseudónimos – porque um anonimato covarde n’uma obra d’arte? – assinavam uma outra peça que fui ver, no intuito humano de saber alevantada a escola de Tavarede que da primeira vez se abaixara. Escutei com atenção de principio ao fim; era o mesmo encadeamento bárbaro do Sonho do Cavador; era a mesma métrica deficiente, a mesma chalada ideia e... e os mesmos auctores, como depois vim a certificar-me.


Continuava-se a asneira, continuavam-se os elogios irresponsaveis. Não podia ser. Devia haver qualquer manejo oculto por detraz daqueles scenarios, escondido no emanharamento néscio de palavras e até nas capas das musicas maçonicamente coloridas de vermelho e verde; qualquer coisa de vergonhosa porque se esconde, de pérfidas porque se mascára.


Recompuz então o pensamento chôcho das obras, recompuz diálogos, aproximei situações, e vi – espanto! – o ataque mação, nojento e repelente á Sociedade e á Igreja, muito disfarçado é certo, mas vibrante e poderoso.


E Vós, inconscientes, arrastados pela vaidade e orgulho ao altar do ridiculo, meteis-me pena; por isso vos quero avisar: a vossa obra não é nada, nada vale, para eles como para ninguem; apenas por traz dos seus scenários eles manejam, por traz do vosso frete eles trepudiam. E não notaes nada, nada descobris, inchados como a rã duma fábula interna, vaidosos, lôrpas, sem pensardes que o ridiculo é o melhor azourrague dos pavões da popularidade.


Se feri a vossa modestia, perdão!


Como homem apenas quis servir-vos; e, se regeitais o serviço, levai á conta de inveja, essa missiva incomoda como a verdade.


Piedosamente. (a) Arnaldo Vaz (O Jornal da Figueira – 06/28)

UMA FESTA DE HOMENAGEM BEM MERECIDA

No último sábado realizou-se na Sociedade de Instrução Tavaredense uma encantadora festa de homenagem dedicada pela direcção aos intérpretes das peças O Sonho do Cavador e A Cigarra e a Formiga.


Como era dia de S. Pedro, a sala apresentava uma decoração e iluminação interessantes, à maneira de arraial português.


Uma avaria na cabine que fornece luz a esta localidade, e que só foi remediada pelas 23 horas, forçou a dar início à festa mais tarde do que estava anunciada.


A projecção no écran de mais de 200 fotografias das duas peças foi vista com grande satisfação, manifestando a assistência frequentes vezes a sua alegria. Seguiu-se depois o baile, que se prolongou, sempre com a maior animação, até às 5 horas de domingo.


À 1 hora e meia fez-se um intervalo, durante o qual foi servida uma ceia aos amadores do grupo dramático. Numa outra sala, servia-se às amadoras e suas convidadas chá e doces.


Às 5 horas houve novo e magnífico serviço, retirando todos excelentemente dispostos e com a impressão, aliás verdadeira, de que nunca se fizera ali uma festa tão encantadora.


A homenagem que a direcção da Sociedade de Instrução Tavaredense prestou ao seu grupo dramático foi bem merecida. Rapazes e raparigas têm sabido honrar o nome da associação e o da sua terra, como ainda há pouco se viu nessa cidade. E como muita gente desconhece as condições em que as duas récitas no Teatro Parque se realizaram, parece-nos oportuno fazer aqui uma ligeira referência.


Os espectáculos, marcados para os dias 15 e 16 de Junho, só puderam ser anunciados com 7 dias de antecedência, a pedido da empresa do teatro, isto é, depois das récitas da Companhia Auzenda de Oliveira. Além disso fez-se o que até então não se tinha feito: tratando-se de duas récitas, abriu-se a assinatura e esperou-se confiadamente que o público acorresse. E, sem se ter feito passagem prévia da casa, sem recorrer ao envio de circulares solicitando a aceitação de bilhetes, os dois espectáculos tiveram uma assistência grande. Do agrado do público não falaremos. Ficou bem evidenciado nos aplausos com que se manifestou não apenas nos finais mas também no decorrer dos actos.


A festa de homenagem foi, pois, merecidíssima, e nela não foram esquecidos os nomes de António Simões, que com absoluto desinterêsse – pois não recebeu um centavo – musicou brilhantemente, com uma competência e uma felicidade evidentes, as duas peças, e de Alberto de Lacerda, o distintíssimo artista a quem se devem os lindíssimos scenários.


Felicitamos muito sinceramente a Sociedade de Instrução Tavaredense. (Voz da Justiça – 07.03)

O SONHO DO CAVADOR

De Buarcos – É no próximo sábado que a Sociedade de Instrução Tavaredense representa mais uma vez, no teatro do Grupo Caras Direitas, a festejadíssima revista-fantasia em 3 actos “O Sonho do Cavador”, que tantos e merecidos aplausos tem alcançado, representando já uma coroa de glória, não só para os seus autores como também para o excelente grupo scénico a quem está confiado o desempenho da peça, a importante série de récitas já realizadas.


A atestar o êxito garantido que vai ter mais uma vez, no próximo sábado, esta bem urdida obra, ornada de linda música, basta dizer que conta já 21 representações, em Tavarede, Figueira e Buarcos, sempre com lotações esgotadas.


Para facilitar o transporte das pessoas da Figueira haverá carreiras de americanos de ida e volta. (Voz da Justiça – 11.30)

A CIGARRA E A FORMIGA

O interêsse com que se aguarda a representação da encantadora peça A Cigarra e a Formiga, hoje, em Buarcos, está bem patente na enorme procura de bilhetes.


Não nos alongaremos em reclamos desnecessários, pois o público sabe já que se trata duma bela fantasia, apresentada com guarda-roupa e scenários de esplêndido efeito e com uma deliciosa partitura que é dos melhores e mais valiosos trabalhos do distinto amador sr. António Simões.


A Cigarra e a Formiga não vale apenas pelo efeito meramente teatral: é uma peça de intenção moral, e faz parte, pela lição que encerra, do repertório com que a Sociedade de Instrução Tavaredense, servindo-se do seu grupo dramático, procura neste campo exercer a sua função: - educar.


As três horas que se passam vendo A Cigarra e a Formiga decorrem breves: o espectador não se cansa observando os diversos quadros, de tal maneira os números e as figuras passam ante os seus olhos e tão forte o poder de beleza e de descrição dos formosíssimos versos.


E não são apenas pessoas de Buarcos que irão encher o magnífico teatro dos Caras Direitas: muitas outras desta cidade, tendo visto aqui, no Teatro Parque, a linda fantasia, marcaram lugares para hoje, nos Caras Direitas, aproveitando o ensejo para mais uma vez a apreciarem.


Há carreiras de americanos, da Praça Nova, para ida e regresso. (Voz da Justiça – 12.07)

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