sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

RECORDAÇÕES DE TAVAREDE

Attrahido para o theatrito a breve trecho ficámos sem a companhia do nosso amigo amador do genero. Sós, nós com o Joaquim Nunes, fomos passando rua abaixo em direcção á egreja e detendo-nos de quando em quando para lhe perguntar pelos primitivos habitadores das casas porque iamos passando, algumas das quaes, naquella occasião, apenas conheciamos pela sua antiga situação - por tal transformação passaram... Ó Joaquim, dizia eu ao meu companheiro, esta casa aqui, no começo da rua, era a da Luiza, mulher do Jozé Ignacio. - Era e é, me respondeu elle, mas hoje assiste em Buarcos. O homem como sabes - morreu.


O Jozé do Ignacio, havia sido tambem, em outro tempo, uma parte obrigatoria em todas as sociedades dramaticas que vegetavam em Tavarede como tortulhos. Um pouco mais idoso de que os seus companheiros e procurado como caracteristico, desempenhava os papeis de centro. A primeira vez que o vimos assim encadernado, foi em um theatrinho da rua Direita, que haviam encaixado em uma casa conhecida pela designação de - casa do Ferreira. N’essa noute, para assistir ao espectaculo tinha ido da Figueira, um rancho de rapazes, desinquietos, buliçosos, com todo o ardor das vinte e tantas primaveras. Entre elles: - Ignacio Delgado, Joaquim Martins Cardoso, Julio Braz de Lemos, Augusto Mendes e outros, de igual jaez para um bocado de troça pacata. A plateia, que para aproveitamento de maior numero de espectadores havia sido construida em fórma de palanque, era engendrada por umas taboas manhosamente pregadas n’uns cunhos de madeira e estes por sua vez, da mesma fórma ligados a uns postes de pinheiro inclinados contra a parede.


O panno de bocca, qualquer colcha, de chita, de padrão em labyryntho vermelho. A illuminação fazia-se por meio das classicas vellas de cebo espetádas em palmatorias de pau.


Ria-se, vozeava-se e fumava-se na plateia, com a semcerimonia de ajuntamento n’uma feira.


De vez em quando, um dito picaresco, sahido de alguns dos espectadores, ia provocar a hilaridade ruidosa dos mais serios, e tudo ria, desalmadamente, sem respeito pelo cabo d’ordes, o Antonio Jozé, que assistia áquella inferneira, aprumando desmesuradamente a sua auctoridade, tão sobranceira, como a sua figura, de pouco menos de trez covados d’alto.


Lá dentro, no palco, desenvolvia-se um vae e vem, entretido pela familia dos actores, das actrizes e pelos intrusos, bem capaz de causar vertigens ás constituições menos dadas á sensibilidade.


Uma flauta que nos produzia nos nervos arranhos de gato, conjuntamente com um violão despertando dobre a finados, e uma viola, gemendo sob uma unha affeita á enxada, constituia por inteiro o que então se appelidava de a ... Roquestra.


Estava vae não vae a levantar o panno. Os rapazes da Figueira, tendo invadido o palco, graças á bonhomia da companhia dramatica, deixem lhe chamar assim, trataram de collocar-se á primeira voz nos papeis de contra-regra, carpinteiros de urdimento, etc., etc.,. Os que haviam de entrar em scena estavam a estas horas reunidos em um telheiro que a casa do theatro tinha ligado pelo lado de traz. Estavam á beira do supplicio, de umas rugas feitas a ferro quente no rosto, que, depois, era afogueado mediante a despeza d’uma forte pintura a tinta nova.


Rompia o espectaculo com uma comedia que se bem nos recorda se intitulava - Os dois rivaes - que nos dava em exhibição no principio um velho vegete, enamorado d’uma creada, fresca e rosada, que tentava a carne mais aphatica.


O papel de velho havia sido distribuido a Jozé do Ignacio, de quem fallámos ha pouco, e que, appareceu em scena risonho a mostrar-se á rapaziada da Figueira. Ainda o panno não havia subido e na plateia o fóra, fóra, fóra, ribombava atroador soltado por dezenas de gargantas tonificadas pelo bom sol e bom ar dos campos. De subito ouviu-se uma voz: - Panno acima!


A rapaziada da Figueira pespegou com o Jozé do Ignacio dentro de um caixão (cousa da peça) o qual, depois iria subindo, puxado pela creada namorada, que assim o subtrahia ás vistas dos amos que eram peticegos. (Gazeta da Figueira - 01.04.1896)

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