sexta-feira, 9 de março de 2012

RECORDAÇÕES DE TAVAREDE

Tavarede, obrigada pela proximidade do mar, deu tambem o seu contingente de marinheiros, alguns distinctos, que singraram até nos mares da India e da China. Entre outros que conhecemos, e de que havemos de tratar, lembra-nos em primeiro um, com quem mantivemos apertados laços de amizade, e, devido a alguns lances tragicos, que se deram no percurso do sentimento de affeição que mantinhamos, é digno, por incidente, de aqui figurar em primeiro logar. Chamava-se Alexandre Pereira de Figueiredo Tondella, e era irmão d’uma Luiza de Genoveva, casada que foi com o operario José do Ignácio, já fallecido, de quem nos occupámos no decorrer d’estes escriptos em alguma parte.


Não sabemos hoje, por onde anda de embarcadiço este bom rapaz; sabemos só, e vagamente, que ainda existe, naturalmente em viagens pelas costas do Brazil.


O Brazil era para elle um ponto de attracção irresistivel... o seu El Dorado.


Os paes principiaram por enfronhal-o na vida pratica, monotona, de tanoeiro, depois, por qualquer motivo foi gastar uns dias de vida n’uma officina de poleame, até que a sua organisação nervosa e moral, reagindo contra esses meios que se não coadunavam com o seu ideal de vêr quebrar o mar de encontro ao costado d’um navio, arrastou Alexandre para o viver feiticeiro do mar, tão cheio de poesia e de hecatombes dilacerantes. Lá foi...


Dando o ultimo abraço em seus velhos paes, que o idolatravam, vendo n’elle o esteio de seus ultimos dias, o nosso amigo partiu para as terras de Santa Cruz, ainda humedecido pelas justas lagrimas dos seus progenitores.


Passaram-se annos e nunca mais ouvimos falar d’elle. Andámos em viagens na costa do Brazil e não podémos nunca por lá descobrir o seu rasto.


Viveria? - teria morrido? Interrogações que a nós faziamos sem resultado algum. Só o echo dos nossos proprios sentimentos em repetição dolorosa, nos vinha ferir a alma.


Chegámos a esquecel-o. Prescrutar, saber aonde parava era tudo um trabalho de um resultado atroz.


* * *


Por um razoavel dia de inverno de 1865, fômos surprehendidos em nossa casa pela noticia da chegada do Alexandre a Tavarede. Já não cabiamos dentro da pelle á espera do momento em que haviamos de vel-o. Logo depois do jantar, partimos para lá e, dentro de pouco mais do que um quarto d’hora de tempo, iamos subindo a escada da sua habitação, ao cimo da qual nos esperava de braços abertos.


Abraçamo-nos freneticamente, dissémos cousas que as expansões de alegria subita nos fazem dizer, quasi sem nexo, e em seguida sentados vis-a-vis na sua sala, iamos inquirindo das mudanças que o tempo havia produzido nas nossas physionomias.


Alexandre vinha extenuado das fadigas d’uma viagem laboriosa do Brazil para Lisboa.


Magro, com as faces cavadas, parecia não ter carne na cara para deixar ondular n’ella os sorrisos d’alegria.


Estava doente, ambicionava o repouso d’uma vida socegada.


Passámos a tarde toda em relato de factos que a um e outro haviam succedido durante o tempo que nos não vimos, e assim passou o tempo, até que as dez horas da noite se fizeram ouvir no relogio da casa.


Por esse tempo, as ordens paternaes não deixavam que nos alargassemos tanto em serões fora de casa, e por isso vimo-nos obrigados a deixar a companhia tão grata do nosso amigo e a resistir-lhe ao constante convite de lá pernoitar. (Gazeta da Figueira - 22.07.1896)

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