sábado, 14 de julho de 2012

Teatro da S.I.T. - Notas e Críticas - 36

1967.01.11 - AS ARTIMANHAS DE SCAPINO (MAR ALTO)

O presente comentário, que anunciámos em 21 do mês findo, deve-se a uma Senhora. Diplomada pela Universidade de São Paulo, desde há anos exerce professorado na Figueira. Muito interessada em Teatro, naturalmente acabou por "descobrir" o Grupo de Tavarede, sobre o qual hoje pela primeira vez publicamente se manifesta.

Honrado por esta distinta presença, "Mar Alto" tem gosto em apresentar aos seus leitores uma nova colaboradora.

A Sociedade de Instrução Tavaredense estreou, como todos sabemos, no passado dia 17 de Dezembro, a peça em três actos "As artimanhas de Scapino", de Molière. Tomadas pelo habitual entusiasmo que nos despertam as actividades dessa casa, não faltámos à estreia.

A peça não é das mais representativas de Molière; o interesse reside, sobretudo, nas peripécias endiabradas do personagem principal: "Scapino".

Scapino é a alma da peça; Scapino inventa e complica, mas a sua imaginação fértil encontra solução para tudo, a acção depende inteiramente dele e por isso todas as outras personagens dependem dele e são animadas por ele.

Sem dúvida alguma, João de Oliveira Júnior deu-nos mais uma vez prova da sua grande capacidade de comediante, encarnando um Scapino vaidoso da sua malícia, irreverente, matreiro, cheio de complacência para com os apaixonados; saiu-se com absoluta mestria nas cenas principais do I e II actos, falhando um tanto na dificílima cena II do III acto.

Quanto às outras personagens, que nada mais são do que um apoio para nos apresentar Scapino em acção, temos a louvar os pais dos apaixonados, João Medina e Fernando Reis, sobretudo o último, pela sobriedade no desempenho da personagem. As figuras femininas, de interesse diminuto, na peça, são a nosso ver também as mais fracas; esta crítica estende-se a todas as figuras femininas que temos visto, à excepção da notável "Maria Parda". Não queremos com isto desencorajar as componentes do grupo, mas incitá-las a um trabalho cada vez mais profundo, com vista a uma maior perfeição, galardão com que todos desejarão premiar o homem esforçado, alma de uma obra a todos os títulos notável, que é o director do grupo, sr. José Ribeiro.

Tecnicamente, temos a louvar a justeza dos cenários, sobretudo a maneira engenhosa como nos foi apresentada a III cena do III acto.

Para terminar, só temos a dizer que a Sociedade de Instrução Tavaredense está de parabéns. É uma instituição que deve ser incentivada, cada vez mais, pelo seu brilhante contributo em prol da cultura.

1967.02.25 - PRIMOROSA NOITE DE TEATRO (JORNAL DA MARINHA GRANDE)

.... o grupo cénico de Tavarede, cuja direcção artística é da competência do sr. José da Silva Ribeiro, veterano nos segredos a arte de Talma, levou à cena no palco do Teatro Stephens a “revolucionária" peça denominada “O Processo de Jesus”.

Este original, sabiamente interpretado pelos componentes do grupo de Tavarede (que nos deram uma grande lição na arte de representar), é da autoria do famoso dramaturgo italiano Diego Fabri e pode considerar-se uma autêntica peça renovadora d teatro moderno.

De facto, Diego Fabri, no “Processo de Jesus” coloca-nos perante um dilema enormemente difícil de compreender, pleno de actualidade, onde todos parecem ter razão. Depois a agitação da peça é de tal calibre, as verdades são tão evidentes, que tudo faz estremecer o mais pacífico de coração. Aliás, segundo nos parece, este facto foi evidente.

É que, Diego Fabri, o inovador do Teatro Italiano, apresenta a sua tese de um modo invulgar – um à guisa de julgamento, sendo o rei, nada mais nada menos, do que o próprio Cristo. Eis, pois, um pormenor ousado. Cristo como réu! É porque não? A temática em causa é de tal ordem que mais parece vermos todo o século XX a julgar o “Rabi Nazareno”, o Salvador do Mundo. Isto, não obstante os factos apresentados pelos (personagens) contemporâneos Dele – os apóstolos Pedro, Tiago e (o bom patriota) Judas. Depois a “pecadora” Madalena, Lázaro, Caifás e Pilatos.

Com efeito, estes personagens apresentam cada um o seu depoimento perante o tribunal de um modo extraordinário, segundo a ideologia de cada um, quer política, quer religiosa, e por isso mesmo lógica.

O debate deu-se de tal forma que, até ao fim do primeiro acto, tudo nos levava a crer que a “condenação” de Cristo seria (de novo) evidente! Realmente, sob o ponto de vista judiciário tudo nos indicava esse caminho.

Entretanto, no segundo acto, a agitação continuou e até mais intensiva. Mas Diego Fabri apresenta desta vez o “humanismo” a falar. De súbito oferece uma surpresa. Positiva. Lógica. Actual. Para além dos meandros do tribunal – juizes e testemunhas – surge o “público” com o seu ponto de vista, não baseado em argumentos judiciários mas sim no real que a vida nos proporciona no dia a dia.

Estabelece-se assim um diálogo dificílimo. Agitador. Comunicativo. Pleno de temática. Arrebatador. Na “plateia” havia uma atmosfera de suspense. Quem teria razão? O personagem “Padre”em pleno desacordo ora com o “Intelectual” ora com o “jornalista”... A “Ruiva” que se considerava uma “espécie” de Madalena não podia concordar com o ponto de vista do “Intelectual”, além de que Cristo era para ela a única salvação?... O “Filho Pródigo” ou o “cego”? Quem teria, de facto, razão se todos tinham algo a dizer?...

Muito embora este diálogo fosse de um despertar de consciência arrepiante, inquietador, a verdade é que em virtude da inesperada (mas muito sábia) entrada de “A velhinha”, nova personagem quiçá a maior, há um período de bonança, de tranquilidade íntima dadas as palavras que “A velhinha” profere.

Personificando uma mãe a quem fuzilaram o filho por razões que ela ignorava e, por consequência, se encontrava autenticamente só, mas infinitamente eserançada no “além”, onde sentiu o seu filho, e dotada de uma sincera e profunda fé, a velhinha surgiu no tribunal a fim de solicitar a mesmo que não condenasse Jesus, enfim, a dar-nos uma verdadeira lição e mãe... A peça teria atingido aqui o seu maior apogeu. Dir-se-ia que era impossível chegar mais longe. De tal forma que até o próprio acusador público, no personagem “David”, acabou por se “render” e cair nos braços enternecedores de “A velhinha”.

Com efeito, Cristo, acabou por não ser julgado judicialmente. Mas sim “classificado” pelos factos reais da vida humana personificada, no “público”, em síntese, pelo fervor e incomensuridade da fé...

Tivemos, pois, uma magnifica Noite de Teatro. Só é pena que seja tão raramente quando afinal o nosso público, com consciência ou sem ela, com maior ou menor grau de capacidade, começa a estar presente nestas (educativas) Noites de Ribalta.

Quanto à actuação do Grupo de Tavarede, uma palavra apenas: foi primorosa! Bom, meio século de teatro é muito. É sinónimo de longa aprendizagem. Há muito saber nos seus componentes. Os nossos aplausos, portanto, à Sociedade de Tavarede, mormente ao sr. José da Silva Ribeiro, a pedra básica deste grupo – homem dotado de uma extraordinária perseverança e que desde há longos anos vem dirigindo o Grupo Cénico de Tavarede como só ele sabe.

Para quando nova noite de Teatro com o elenco de Tavarede? Oxalá seja breve...

1967.02.25 - SOCIEDADE DE INSTRUÇÃO TAVAREDENSE (O FIGUEIRENSE)

Incluido no programa das festas comemorativas de mais um aniversário da fundação do Grupo Operário Marinhense, deslocou-se no último sábado à Marinha Grande, para ali dar um espectáculo com a notável peça do grande dramaturgo italiano Diego Fabri, “O Processo de Jesus”, o grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense.

Como se verificou nas récitas dadas na sede, e na no dia 25 de Janeiro findo no Teatro do Grande Casino Peninsular, a representação agradou plenamente, pois que a assistência aplaudiu calorosamente os seus intérpretes.

No final do espectáculo foram os componentes da caravana obsequiados com um abundante beberete, trocando-se saudações entre os representantes das duas colectividades, e oferecida uma primorosa peça artística em vidro ao grupo da nossa terra.

Amanhã, vai o mesmo grupo representar no teatro do Quiaios Clube a hilariante comédia de Molière “As Artimanhas de Scapino”, que ainda no teatro do Grupo Instrução e Recreio, no dia 12, conquistou assinalado êxito.

1967.03.04 - “AS ARTIMANHAS DE SCAPINO” (O FIGUEIRENSE)

Como dissemos, o grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense apresentou no domingo, no Quiaios Clube, “As Artimanhas de Scapino”.

A representação do alegre espectáculo, que os amadores tavaredenses proporcionaram à numerosa assistência, decorreu muito bem, e agradou, como o demonstraram os vibrantes aplausos de que foram alvo e o seu ilustre ensaiador José da Silva Ribeiro.

A famosa comédia de Molière, que viveu entre 1622 e 1673, constitui, na verdade, um grande espectáculo de permanente gargalhada.

Aquela extraordinária imaginação que o célebre autor cómico põe no cérebro privilegiado de Scapino é admirável...

É certo que todos os dias aparecem relatados na grande imprensa casos semelhantes de indivíduos que pelas suas habilidades são capazes de enganar a Cristo... como diz o povo.

No domingo, 12 do corrente, o engraçado espectáculo será apresentado no teatro do Grupo Vilaverdense.

1967.08.09 - NOVA CONSAGRAÇÃO DE UMA ACTRIZ (MAR ALTO)

No actual complexo urbano e suburbano figueirense, a nota definitória de Tavarede é o seu Grupo Cénico. E tal realidade deve-se ao trabalho ímpar de José Ribeiro, cujo enamoramento pelo Teatro, porque lhe vem do berço, o faz hoje a personificação mais viva de uma tradição que ali, na Terra do Limonete, se perde nos séculos. Pode dizer-se que, só graças a essa força imensa e apaixonada, o Teatro ainda hoje existe no meio figueirense.

Mas a esta primeira verdade há que juntar uma outra. E é a de que os amadores de Tavarede são mesmo de lá; porquanto só fazem Teatro na SIT os que na Terra do Limonete vivem. Por tal princípio, se é certo que aumentam as limitações do Grupo - está em jogo sempre apenas a "prata da casa" -, também é certo que o benefício da cultura teatral se torna mais sensível, pois constantemente atinge um mesmo aglomerado humano. Teatro em Tavarede, por e para Tavarede, é a norma ali adoptada.

E quem vai de fora, ou quem fora o recebe, não pode esquecer tais características. Porque, sempre que se renova a aventura de Teatro pelos amadores de Tavarede, antes de apreciá-la já temos que louvá-la: trata-se de um milagre de amor, dedicação, sacrifício.

Depois de Gil Vicente e de Shakespeare, de Molière, Pirandello e Diego Fabri, José Ribeiro quis dar-nos a sua versão de "Todos eram meus filhos", de Artur Miller. Aconteceu isso com uma casa cheia, no último sábado à noite, uma noite difícil, recheada de inoportunas interrupções da corrente eléctrica.

A representação foi outra consagração de Violinda Medina, até na medida em que todos os restantes elementos em cena, honestos embora no esforço por cumprir, por qualquer circunstância ficaram sensivelmente distantes dela, que assim foi uma actriz sem réplica.

É certo que João Medina, a figura mais ligada a Violinda, teve momentos de boa presença, como os tiveram as outras figuras, femininas e masculinas, incluindo o pequeno António Manuel. Mas esteve menos à vontade do que n'"O Processo de Jesus", por exemplo; isso aconteceu sobretudo quando interpretou o industrial astuto e senhor de si, amável e faceto enquanto se sentia próspero.

Por sua vez João Medina, que foi quem esteve mais próximo de Violinda, teve dificuldades nas situações de à-vontade, quando cabeça, braços ou mãos podiam tomar atitudes de perfeito repouso. De resto, ele como os outros quase sempre estiveram melhor nas situações tensas, de onde nos ter agradado de preferência a ponta final da peça, o que é sempre importante.

Uma palavra ainda para João de Oliveira que, num papel pequeno, fez o que lhe cumpria.

Na distribuição do cenário, apenas o caramanchão nos pareceu excessivamente retirado da vista do público.

Por este apontamento de hoje, não de crítico mas de modesto espectador, pretendemos o mesmo que no sábado fizémos: aplaudir os amadores de Tavarede e tentar colaborar com eles, formas de agradecer o grande benefício que nos prestam, dando-nos Teatro do melhor!

1967.08.12 - TODOS ERAM MEUS FILHOS – (O FIGUEIRENSE)

O público integra-se de tal forma no desenrolar do tema, envolvente desde o primeiro ao último acto, que acaba por ter absoluta razão de ser a expontaneidade dos fartos aplausos com que premeia a actuação dos amadores no final de cada uma das partes do espectáculo.

Falamos da peça de Artur Miller, a primeira duma série que o célebre dramaturgo americano publicou, e que a Sociedade de Instrução Tavaredense, através dum punhado de entusiastas da arte de Talma, agora levou à cena e que na sua primeira sessão obteve assinalável êxito.

Trata-se dum problema do após-guerra, em que o entrechocar de certos e determindos conceitos serviu de tema a uma peça bem calibrada – em que não se notam excessos -. Há suavidade no sentido e na interpretação.

Um grupo equilibrado de intérpretes – destaque-se João Medina, bem acompanhado por Violinda Medina e Silva, José Lopes Medina e Maria Inês Barosa Lopes, sem desprimor para os restantes – deu dignidade a uma peça digna do nosso tempo.

Felicitamos a SIT pela escolha da obra, sobretudo pelo profundo sentido humano que encerra, (impressiona o acentuado sentido de honestidade e de amor); os seus amadores pela verdade que puzeram nos difíceis papéis distribuídos, e o público pela oportunidade que teve de assistir a um bom espectáculo.

TODOS ERAM MEUS FILHOS – OUTRA APRECIAÇÃO (O FIGUEIRENSE)

Continua mestre José Ribeiro, na sua infatigável devoção pelo bom teatro, a proporcionar-nos noites de autêntico encanto espiritual. No passado sábado, 5, a sua arte de encenador invulgar, evidenciou-se uma vez mais, na magnífica peça de Artur Miller, Todos Eram Meus Filhos.

Sempre que assistimos a uma estreia de autor célebre, no acolhedor e magnífico Teatro da SIT, nesta vetusta terra de Tavarede, toma-nos como que uma hipnose que nos tolhe a noção de espaço e tempo... Pois é lá possível que, nesta outrora importante mas hoje pacata e rústica aldeia, se faça teatro com tão elevado nível? Não estaremos na fabulosa Nova Iorque onde a peça Todos Eram Meus Filhos alcançou notável triunfo, merecendo ser-lhe atribuído o prémio do Círculo dos Críticos de Teatro?

Ao intervalo do 2º acto vamos até ao palco, convencer-nos de que não sonhamos... e procurar desvendar, nas figuras com que nos familiarizamos nos dois actos já representados, o desfecho dessa peça humaníssima! Deveria ela ser vista... e compreendida, por quantos põem na ambição das riquezas, na avidez do dinheiro, conseguido por meios mais que discutíveis, toda a razão de ser da sua existência! A tragédia do nosso tempo... O primado dos bens materiais sobre os valores espirituais; o egoismo desenfreado, opondo o fraticídio ao princípio cristão da fraternidade humana, tão esquecido na prosperidade e na paz e que a guerra vem reavivar dolorosamente...

João Medina dá-nos bem a medida do seu talento, na figura bonacheirona de Joe Keller, industrial de armamento, inculto mas sagaz e astucioso! A sua ambição visa um único fim: enriquecer os filhos. Mas na dura lição da guerra, estes aprenderam verdades que o pai ignora ou nem sequer consegue entender... E a vida daquela família tão feliz, tolda-se de nuvens de tragédia... Violinda Medina e Silva, “Kate Keller”, esposa de Joe e mãe de Chris Keller, vive a trágica desgraça de quem perdeu um filho na guerra e se vê na contingência de perder paz e quanto tem de mais caro – o filho Chris – brutalmente chocado pelas habilidades paternas; maravilhosa, como sempre, a sua interpretação! José Lopes Medina, no Chris, e Maria Inês Barosa Lavos, em Ann Deever, dão-nos um par encantador, ele confirmando as suas tradições de elemento já consagrado nos mais variados papéis; ela com a sua vivacidade tão natural, conquistando de peça para peça, com justificado mérito, um lugar entre os grandes.

João de Oliveira Junior, dá-nos nesta peça, em George Deever, uma amostra da versatilidade do seu talento, compondo uma figura retraída e sombria, amargurada pela dúvida e pelo ressentimento...

José Luís do Nascimento, muito bem no médico, e Carmina Moreira da Fonseca, sua esposa, fazendo progressos apreciáveis, bem como sua irmã Piedade Fonseca na Lydia Lubey.

Do pequeno António Manuel do Nascimento, bem se pode dizer que filho de peixe sabe nadar...

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