sábado, 29 de setembro de 2012

Teatro da S.I.T. - Notas e Críticas - 1984


1984.01.20     -     ANIVERSÁRIO DA SIT (O DEVER)

                Há muito que, em Tavarede, o Teatro anda associado a todas as manifestações das suas gentes. Não será exagerado afirmar-se, até, que a vida em Tavarede gira em torno do seu Teatro. E, se alguém tiver dúvidas a tal respeito, apenas terá de ali se deslocar numa dessas ocasiões para constatar.
                Agora, na comemoração do 80º aniversário da Sociedade de Instrução Tavaredense, o fenómeno repetiu-se: o momento mais alto das comemorações teve lugar no seu magnífico teatro onde foi levada à cena a peça “Na Feira de Gil Vicente”, com adaptação desse “homem grande de Teatro” que é José Ribeiro. Gil Vicente foi, assim, o “convidado” de honra de Tavarede, Gil Vicente que poderemos quase considerar famíliar ali (quem não se lembra da inesquecível “melhor Maria Parda” que foi, sem dúvida, a saudosa Violinda Medina?). Desta vez foram levadas à cena: “No Lar de Uma Família Judaica” (prólogo), “Auto da Barca do Inferno”, “O Pote da Mofina Mendes”, “Gil Vicente vem à Feira” e “Auto da Feira”.
                Mas não será ousado apresentar, em Tavarede, peças de tal nível cultural?
                É certo que a pergunta teria perfeito cabimento em relação à maioria dos centros portugueses. Mas a Tavarede não. É que ali há como que uma “representação colectiva” em que os que não sobem ao palco “representam” na plateia. Poder-se-á afirmar (passe o plágio) que quem não representa já representou e é esse facto que cria o tal ambiente em que se “respira teatro” e torna quase familiar a presença dos grandes vultos da cultura teatral. O teatro passou a fazer parte da vida desta gente, razão pela qual Gil Vicente é compreendido.
                E sobre o espectáculo?
                Julgamos ter dito o suficiente. Adiantaremos, no entanto, que vimos em palco quatro gerações. E que, se aquele Diabo (João de Oliveira) foi o melhor que já vimos, “o sapateiro” (José Luiz Nascimento) e “o parvo” (João Medina Junior), foram apenas duas excepcionais actuações num conjunto que surpreendia pela segurança com que todos dominavam a complicada linguagem de Gil Vicente, um autor que efectivamente, não está ao alcance de muitos grupos. Que nos perdoe o leitor a escassez de nota de reportagem aqui contida. Mas a verdade é que, para poder ter uma ideia exacta do que foi o espectáculo, só terá uma forma: deslocar-se lá na próxima representação (21 do corrente às 21,45) só assim poderá ficar com uma ideia de conjunto, desde a peça aos actores, da orquestra (dirigida por José Custódio Ramos) ao guarda-roupa (Anahory), dos cenários... a tudo.
                Vá, que não se arrepende.

1986.02.28     -     TEATRO (O FIGUEIRENSE)

                “Chá de Limonete” é o grande sucesso que a Sociedade de Instrução tavaredense leva à cena pela última vez no próximo domingo, dia 2 de Março, pelas 16,30 horas.
                O público continua a aplaudir esta linda fantasia em dois actos da autoria de José da Silva Ribeiro.
                A acção cultural que a SIT de há longos anos vem desenvolvendo através dos seus distintos amadores, continua a demonstrar que o Teatro não morre na nossa terra.
                E para que esta obra continue, necessário é que o público incentive os que a estão realizando, não faltando aos espectáculos de bom Teatro que se lhes proporcionam.

1986.05.27     -     X JORNADAS DE TEATRO AMADOR (DIÁRIO DE COIMBRA)

                Com a realização da 12ª sessão, no Teatro Taborda, em Brenha, terminaram no passado dia 24, as X Jornadas de Teatro Amador da Figueira da Foz, organizadas pelo Lions Clube desta cidade. Nesta sessão a Sociedade de Instrução Tavaredense apresentou a comedia “As Artimanhas de Scapino”, de Molière. Se a peça termina com Scapino a dizer: “A mim, que me levem para uma das cabeceiras da mesa, à espera que morra”, nós brindamos na grande mesa onde tiveram lugar doze sessões para que esta iniciativa se mantenha eternamente “à espera que não morra”.
                Dentro de uma linha a que já nos habituou, a Sociedade de Instrução Tavaredense apresentou talvez o melhor texto dramático das X Jornadas sem nos esquecermos de “A Estalajadeira”, de Carlos Goldini, representado na 8ª sessão pelo Grupo Amador de Teatro de Taveiro.
                “As Artimanhas de Scapino” foram representadas pela primeira vez em 24 de Maio de 1671, quando Molière tinha 49 anos e partilhava com os comediantes italians, seus amigos, o Teatro do Palácio-Real. Daí, talvez, a razão por que o herói desta farsa, que tem o diabo no corpo, possua muitas características próprias da “commedia dell’arte”.
                Assistimos a um espectáculo de bom nível, bem estruturado (tendo em conta a opção feita para a encenação), com bom ritmo e um trabalho de actores muito equilibrado. Porém, consideramos correcto destacar a interpretação de “Geronte”, por João Medina.
                A encenação desta peça tem levantado desde sempre muita discussão, na qual participaram nomes como Stanislawski, Jacques Copeau, Jouvet, Chancerel e Jean-Louis Barrault, entre outros. Porém, já em 1913 Copeau recusava o realismo de Stanislawski, que mostrava em cena um barco com sacos de farinha para justificar o facto de “Geronte” se meter dentro de um na 2ª cena do III acto. Deixamos este ponto à reflexão do grupo, pois a actual estrutura do espectáculo pode ser melhorada se for vencida a rotina de práticas estabelecidas há muito tempo.
                Se pode haver duas concepções de encenação desta peça, também há duas formas de representar “Scapino”. Questão também muito discutida, mas que só mostra toda a riqueza deste personagem. José Luís Nascimento cria um”Scapino” que está de acordo com o tom geral do espectáculo, embora tenha dificuldades do ponto de vista físico. Pois é consenso que a representação de “Scapino” ultrapassa o texto para ser também uma prova física.

1987.05.01     -     ALGUÉM TERÁ DE MORRER (CORREIO DA FIGUEIRA)

                A Sociedade de Instrução Tavaredense levou à cena a peça em três actos de Luís Francisco Rebelo, “Alguém terá de morrer”, uma das mais notáveis obras do nosso teatro, já que nela é permitido ao actor evidenciar os seus recursos criativos.
                Já havíamos observado esta peça pelos amadores da Naval 1º de Maio, naquela Associação. Ficámos então com algumas dúvidas se não estaríamos de facto em presença de uma magnífica representação teatral. Daí a nossa segunda observação, agora em Tavarede, onde confirmámo o talento do autor e da sua profundidade imaginativa, construíndo diálogos, que são interrogativos e desesperados, com a morte. Realmente, e com actores que têm a sensibilidade das personagens na ponta da língua, não há limites para os diversos graus de emoção, onde a vida enfrentando a morte, paralelamente, resulta numa curiosa composição, de modo que o espectador compreende que são duras e complexas as realidades da nossa existência, quando assumida assim, controlada pelo Mensageiro, em horas e minutos que perspectivam o suspiro final.
                “Alguém terá de morer” não é propriamente uma cruel aventura para a plateia, antes insistiu o autor em demonstrar-nos o que seríamos nas nossas atitudes, se porventura tivessemos de enfrentar a subtil e macabra presença de um enviado da morte, que não dá alternativas a uma família em pânico, submetida que foi àquela certeza. Toda esta dilatada compreensão que os actores nos transmitem durante a sua dinâmica e segura representação, só é possível vivê-la na sua mensagem, porque os sete componentes são a perfeita integração do percurso autor-actor-plateia, de um jeito e arte belíssima, que estimula sempre o espectador atento e ávido de saber, donde vem toda aquela exaltação no dizer e no sentir.
                Francisco Rebelo sabia que ao escrever que a morte é o destino que se cumpre, que originava nos personagens a incerteza dos propósitos, perante o desconhecido que representa a morte, quando assustadoramente nos transformamos e ao mesmo tempo revelamos a medíocre fragilidade de nos sentirmos perdidos, num caminho que até então era desvario e arrogância. De todas estas situações, que são habilmente denunciads por excelentes actores e actrizes, não aceitamos a débil condição humana, tão ridícula perante um facto, que deveríamos assumir com  equilíbrio e condição necessários. Mas é seguramente impossível ao comum dos mortais, aceitar o percurso traçado pelo autor, porque existindo a incerteza e a angústia, também a esperança nos anima e diverte nas inúmeras insuficiências de reflexão.
                “Alguém terá de morrer” e um  alerta para nós, que ainda vivemos, quando actores extraordinários na sua comunicação com a lateia, e inconformados com aquela sentença final, descobrem entre si que a vida é um prodígio tão belo que todos o querem preservar. Distinguir este ou aquele actor seria indelicada análise, porque todos são a realidade do nosso contentamento, e elevada admiração pela arte que nos proporcionaram no dizer e na simulação fisionómica, face às diversas mutações dos textos, que lançados sobre a platea, a obriga a reconhecer-se em todas aquelas maquinações da nossa existência, sempre tão fútil, quando chamada a enfrentar-se com o nosso próprio encontro.
                Verdade se diga, que se os actores de Tavarede pisarem os exigentes palcos da capital, experimentarão, decerto, honrosas e sucessivas chamadas das plateias, onde por vezes – permitam-me o desabafo – já temos comido gato por lebre.

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