sábado, 23 de março de 2013

O Associativismo na Terra do Limonete - 15


Os corpos directivos da associação procuravam, sempre com as melhores intenções, alargar as funcionalidades da colectividade. Além da escola nocturna, inteiramente gratuita, procuravam ajudar as crianças mais desfavorecidas, às quais forneciam livros e utensílios escolares e, nalguns casos, ajuda financeira, também tentaram concretizar uma caixa de socorro mútuo, para auxílio em ocasiões de doença.

         Na assembleia geral convocada para este efeito, e depois de vários sócios terem procurado demonstrar a utilidade desta caixa, foi a proposta votada. Procedendo-se à votação sobre se deveria ou não crear-se a caixa de socorro mutuo, foi esta rejeitada por grande numero de votos. Respeitando o modo porque os outros vêem as coisas, temos comtudo a notar que os socios que reprovam a fundação da caixa foram justamente aqueles que mais careciam d’ela. Sustentaram a opinião a favor da creação da caixa de socorro, Manuel Cruz, Silvestre Monteiro e João dos Santos, isto é, os que só contribuiriam, como outros, com a sua quota, tendo apenas como recompensa a satisfação de impedir que os seus consocios, acometidos pela doença, tivessem de estender a mão à caridade.
         Nota triste: O dono d’um estabelecimento de vinhos reprovou a creação da caixa porque o sr. Silvestre Monteiro, falando àcerca do aumento de quotas, disse que esse aumento seria tão insignificante que representava apenas um copo de vinho que bebiam a menos, na taberna, aos domingos. Nem todas as verdades se podem dizer, sr. Silvestre. Por agora apanhou um reprovo rechonchudo; para outra vez arrisca-se a ser corrido à pedrada. Todavia, não tire o lápis da orelha, pronto a assinar as subscrições a favor d’individuos prostrados pela doença e na mais extrema pobreza.

         Foi pena, mas, na verdade, não acreditávamos que fosse possível fazer vingar a pretendida “socorros mútuos”. Bem sabemos que, sendo a terra pobríssima, poucos recursos se poderiam obter.

         Prosseguiram as récitas do grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense. A colectividade, graças à dedicação e ao esfôrço dos seus dirigentes e associados, estava definitivamente firmada. As principais actividades desenvolviam-se cada vez mais. Os objectivos que haviam levado à sua fundação tinham sido conseguidos.

 

        
João dos Santos Júnior -Professor da aula de ginástica

         Antes de terminarmos a nossa digressão pela primeira década do século vinte, ainda vamos recordar um espectáculo realizado em fins de Março de 1910, do qual transcrevemos a notícia.         Abriu o espectaculo com a comedia-drama em um acto, Raros são... mas ainda os há, desempenhada por Eugenia Tondella, e por Antonio Graça, João d’Oliveira, Jayme Broeiro e Joaquim Terreiro. Todos se houveram muito bem não lhes faltando por isso os justos applausos da plateia.
         Seguiu-se o terceto As Tres Coquettes, em que os petizes Antonio Medina, José Cordeiro e Fernando Ribeiro, souberam arrancar aos espectadores muitas palmas. Antonio Augusto de Carvalho disse com muita graça a cançoneta Ai, tenho medo, e João d’Oliveira o monologo Zé Cardina, conservando sempre os espectadores em hilaridade. Tivémos depois a engraçada comédia em 1 acto, Ambos livres, desempenhada por Antonio Augusto de Carvalho, Armenio dos Santos e Antonio Cordeiro, que teve, como era de esperar, bom desempenho, tanto mais que se tratava da estreia d’estes dois ultimos amadores – Armenio e A. Cordeiro.
         Antonio Augusto tirou partido do seu papel, d’um experiente proprietario de hospedaria, que de vez em quando não desgostava de ferrar... a unha; Armenio, um bom Serapião que quis arranjar noiva á força, não pensando nas consequencias do casorio; soube manter a plateia em vivo interesse pelo desfecho da comedia que, na verdade, era algo interessante, e de tanta graça que até elle proprio se esqueceu de que estava no palco, ria ás escondidas pensando na situação critica em que ia ficar ante o primeiro marido de sua mulher; e A. Cordeiro, um Pantaleão Tenreiro que nada tinha nem em nada se parecia com Napoleão III, contente só depois de jogada a carta e dividida a fortuna, despertou risota aos espectadores.
         Terminou o espectaculo com a comedia em um acto O Tio Matheus, desempenhada por Eugenia Tondella, e por Antonio Medina, João d’Oliveira e Jayme Broeiro, sendo tambem novamente applaudidos. A orchestra, que estava excellente, tocou algumas lindas peças de musica, sob a direcção do habil amador sr. Gentil da Silva Ribeiro. Felicitamos os amadores, especialisando os debutantes, e a direcção da Sociedade d’Instrucção Tavaredense por levar a effeito tão agradavel récita.

         Chegou, entretanto, o dia 5 de Outubro e a implantação da República. Até então, todas as ideologias estavam esquecidas ou adormecidas. A única luta que a colectividade desenvolvia era contra o analfabetismo e pela cultura e educação dos tavaredenses. Mas, com a liberdade que o novo regime trouxe, foi inevitável o ressurgimento de tais ideologias e a propagação dos ideais de cada um. Relativamente ao Associativismo, atrevemo-nos a dizer que as convulsões provocadas na nossa terra, acabaram por ser benéficas, pois trouxeram um incremento notável nos campos sociais e culturais. Adiante procuraremos esclarecer esta nossa afirmação.

         Não queremos, contudo, deixar estes dez anos sem mais uma transcrição. É do jornal ‘Gazetas da Figueira’, do dia 12 de Novembro de 1910. -     O CAVADOR E A SIT -
         O trabalhador é o braço forte do rico proprietario, porque este sem elle não terá o celleiro e a adega a trasbordar. É do cavador que eu quero falar, d’esse operario que nenhuns direitos tem, o que menos instruido é, o que trabalha incansavelmente para garantir á familia o pão d’ámanhã. D’esse operario que cava a terra para fazer sahir d’ella loiras estrigas e que tem por lar uma casa infecta, onde vê morrer de fome os filhos.
         Por toda a parte o cavador é dos operários que mais vive nas trevas da ignorancia, sendo raro o que frequenta a escola e o que manda para ella os seus filhos. A escola d’elles é a taberna, esse covil de vicios e de crimes, onde todas as noites se juntam para jogar.
         Já o temos dito muitas vezes e hoje repetimol-o: a taberna é o grande mal das classes trabalhadoras, porque é n’ella que o operario vae gastar – jogando e embriagando-se – o que ganha durante uma semana para sustentar a sua familia, que, faminta, se vê morrer n’uma casa infecta, victimada pela terrivel tuberculose.
         Os meus patricios, esses escravos que de madrugada, descalços, de enxada ao hombro, encolhidos de frio, caminham para o seu trabalho, não comprehendem bem o que é a taberna, porque se o comprehendessem veriam n’ella todos os males da sociedade, todas as ruinas do operariado, e trabalhariam logo para a demolir.
         Quereis passar bem as aborrecidas noites de inverno? Ide para a associação, porque n’esta localidade há uma, que muitas terras mais civilisadas do que a nossa, não possuem. Terão n’ella uma escola para aprenderem a lêr, arrancando se assim da sombra da ignorancia em que se envolvem, e para então comprehenderem os vossos deveres; terão um bom theatro para passarem algumas noites com vossas familias em fraternal alegria, como tambem se instruem, porque o theatro é uma escola.
         É a Sociedade d’Instrucção Tavaredense a única associação que temos aqui, por isso todos os trabalhadores devem dar-lhe o seu apoio, reunindo-se n’ella todas as noites e fazendo os seus filhos frequentar a escola, affastando-os o mais possivel das casas dos vicios.
         Sabemos que esta benemerita aggremiação dará esta época uma série de récitas aos seus associados, sendo muito breve a primeira com o sensacional drama – A Filha do Saltimbanco, que será desempenhada por alguns moços d’esta localidade e da Figueira.
         A boa vontade da direcção da Sociedade d’Instrucção Tavaredense merece os applausos de todos aquelles que desejam vêl-a progredir. Para a Associação, pois, trabalhadores, porque é ella a nossa escola, onde devemos, primeiro de tudo, instruirmo-nos para que, n’uma patria nova, como a nossa, possamos ser cidadãos conscientes!

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