sábado, 7 de setembro de 2013

O Associativismo na Terra do Limonete . 39

          Recordamos que, depois de ter ocorrido o acidente que vitimou o pároco Manuel Vicente, foi nomeado para esta paróquia o reverendo José Martins da Cruz Dinis, o qual acabou por ter enorme influência no nosso associativismo como veremos. Continuando na angariação de fundos tão precisos, o Grupo fez nova deslocação à Marinha Grande. Encontrámos a seguinte notícia: É com a maior satisfação que hoje noticiamos a ida da Secção Dramática do benemérito Grupo Musical e d’Instrução Tavaredense, acompanhado de muitos sócios, à laboriosa e hospitaleira Vila da Marinha Grande, assim como bem hão-de dizer todos aqueles que, mais de perto, sentiram, arfar-lhe no peito, uma jubilosa alegria, que só se sente quando estreitamos nos braços um povo amigo e bom como são os marinhenses.
         Já esperávamos o resultado obtido, pois que nem outra coisa era de esperar, dado as qualidades de que são dotados todos os filhos da Marinha Grande, e ás simpatias de que ali gosam os nossos conterrâneos. Ora, como motivos vários e imprevistos nos impediram que os acompanhássemos, e para melhor e mais minuciosamente ilucidarmos os nossos leitores, era-nos necessário, indispensável mesmo, que entre um nucleo tão compacto, como foi aquele que até à Marinha debandou no último sábado, escolhessemos uma pessoa que nos informasse do que mais notavel ali se tivesse passado.
         Escolhemos o nosso particular amigo sr. Raul Martins.
         - Chegados á estação - disse-nos - uma enorme multidão enchia completamente a gare, á nossa chegada, vendo-se entre ela o estandarte do Operario Club Marinhense e representantes dos Bombeiros Voluntários e Atlético Club Marinhense, d’aquela terra, que á chegada dos tavaredenses levantaram vivas ao Grupo Musical e Tavarede, que foram correspondidos por este.
         Trocados os cumprimentos, formou-se um cortejo imponente, que se dirigiu, visto o adeantado da hora, para o Teatro Stephens, propriedade dos Bombeiros Voluntários, e onde se realisaram os espectaculos.
         Momentos depois, a casa principiou a encher-se, notando-se, no entanto, algumas falhas na plateia, e representou-se a opereta Entre Duas Avé-Marias, que foi calorosamente aplaudida nas passagens mais notaveis, tendo sido feitas chamadas especiaes ao ensaiador, Violinda Medina, Manuel Nogueira e Herculano Rocha.
         - Passamos ao dia seguinte, domingo, 3.
         - Depois de percorridos varios pontos de paisagem verdadeiramente exuberantes e visitados alguns logares mais notaveis da Vila, fomos assistir a um match de foot-ball, que devia ter lugar entre um forte onze do Atletico Club Marinhense e um composto por elementos da Secção Dramatica.
         - Depois de uma renhida luta, sairam vencedores os nossos adversários pelo elevado score de 5-1; tendo, no entanto, merecido aplausos os jogadores nossos, Manuel Cordeiro, Manuel Nogueira e João Medina, que, sem exagero, foram os melhores homens da tarde.
         - Depois fomos assistir a uma festa que, por volta das 4 horas teve lugar na Associação Humanitaria dos Bombeiros Voluntarios d’aquela vila, onde foram trocados calorosos brindes.
         - E depois de satisfazer-mos as exigencias do estomago fomos novamente para o Teatro.
         - Qual o nosso espanto quando ouvimos dizer que jà não havia bilhetes para o espectaculo, que a seguir ia ter lugar.
         - Efectivamente, muito antes da hora marcada, a casa estava completamente á cunha. E representou-se a opereta Noite de Santo Antonio, tendo a completar um Acto Arrevistado, que foi muito aplaudida,  tendo sido feitas, novamente, chamadas especiaes aos amadores, ensaiador e maestro.
         - No final do espectaculo, foi, por um grupo de habitantes da Marinha, pedido para que fôsse executada novamente a marcha Figueira da Foz, que no final foi calorosamente aplaudida, tendo todos retirado com explendidas impressões.
         E depois de nos dizer o que aí fica, ia a retirar-se, quando o prendemos ainda com algumas palavras sobre o dia de segunda-feira, ao que nos respondeu:
         - Olhe, meu amigo. Já andavamos um pouco massados pelas noites perdidas, mas no entanto, ainda percorremos algumas fabricas de vidros e cristaes, que, com grande deferência ali fômos recebidos, e... mais nada.
         - Agora, para fechar, termino com estas palavras que, com a maior sinceridade as pronuncio: - A Secção Dramatica do Grupo Musical e d’Instrução Tavaredense, póde orgulhar-se do êxito obtido nesta louvavel iniciativa, onde soube engrandecer, mais uma vez, o nome da colectividade e da terra que lhe dão o nome, colhendo loiros tão belos, grinaldas tão floridas, que se ostentam hoje, e sempre, triunfal e orgulhosamente na flâmula querida daquele estandarte... - e apontou-nos o estandarte do Grupo Musical.
         É pois, daqui, desta modesta tribuna, onde combatemos pelo desenvolvimento do Grupo Musical, como um valioso baluarte da Instrução, que póde orgulhar-se de ser, e sobretudo o nome de Tavarede, saudamos, franca e abertamente, a pleiade de rapazes e raparigas que constituem a aureolada Secção Dramatica do Grupo Musical e d’Instrução Tavaredense, assim como á sua digna Direcção.

Padre Manuel Vicente

         A Sociedade preparou novo espectáculo com a nova fantasia A cigarra e a formiga, original de Alberto de Lacerda e música de António Simões. Por sua vez, os amadores do Grupo começaram a ensaiar uma nova opereta, de Raul Martins, com versos de António Amargo e música de Herculano Rocha. E quanto à fantasia A cigarra e a formiga, transcrevemos parte de uma reportagem escrita no jornal O Século. O jornal O Século, na sua página teatral de terça-feira, publicou um artigo crítico acêrca da interessante fantasia em 3 actos A Cigarra e a Formiga, com tanto agrado representada pelos modestos amadores da Sociedade de Instrução Tavaredense. Vem assinado com as iniciais J.T. e por isso atribuímos o artigo ao distinto crítico e escritor teatral de Lisboa, sr. dr. José Tocha.
         Temos muito prazer em arquivar no nosso jornal esta apreciação, feita por pessoa de especial autoridade e competência, da peça A Cigarra e a Formiga, sobretudo pelas palavras de justiça que nela se dedicam aos humildes rapazes e raparigas que a interpretam e à acção, a todos os títulos notável, que a Sociedade de Instrução Tavaredense continua desenvolvendo em prol da educação do povo de Tavarede. Transcrevamos:
         “Em Tavarede, a dois passos da Figueira da Foz, há uma sociedade de instrução, a Sociedade de Instrução Tavaredense, que dispõe dum pequeno teatro, uma autêntica boite, como agora se diz, onde costuma realizar espectáculos curiosíssimos, récitas em que representa uma companhia de amadores absolutamente excepcional.
         Basta dizer que a constituem humildes trabalhadores do campo ou das oficinas, que trabalham de sol a sol e à noite aprendem, estudam, ensaiam com as dificuldades que se adivinham, sabendo-se que entre êles muitos há que nem sabem lêr.
         Há dias assistimos a um dêsses espectáculos, representando-se a fantasia em 3 actos “A Cigarra e a Formiga”.
         A peça é um trabalho de notável merecimento literário, bem construída, interessando de princípio ao fim e visando a produzir um efeito moral dos mais salutares, qual o duma lição clara que prende e diverte os que a recebem – todos os que assistem – e fica por certo nos espíritos de todos melhor que a mais profunda prédica.
         Subido o pano, à frente duma cortina, o Prólogo vem dizer de sua justiça. Vai contar-se uma história que, embora o pareça, não é velha. E o próprio Prólogo apresenta ao público as duas figuras simbólicas, a Cigarra e a Formiga, retirando-se em seguida.
         Em presença uma da outra, cada qual procura fazer valer os seus predicados e aponta os defeitos da outra, ante José Cigarra um rapaz leal e bom mas um tanto alegre e folgazão, um tanto cabeça de vento.
         Em casa da Cigarra, depois em casa da Formiga assiste José Cigarra a um desfiar de figuras simbólicas apresentadas com habilidade, metidas na carpintaria da peça com lógica e a propósito, como sejam a Alegria de Viver, o Riso, o Fatalismo, a Abundância, o Pão, o Vinho, o Oiro, etc. terminando o 1º. acto com uma apoteose ao trabalho que a Formiga apresenta como suprema aspiração das pessoas bem formadas.
         No segundo acto as figuras simbólicas transformam-se em figuras da vida real.
         António Moleiro, viúvo, vive com uma filha, Luísa, que namora José Cigarra com consentimento e agrado do pai. Este, porém, a certa altura, sabendo que João Viúvo, um ricaço boçal da aldeia, procura casar de novo porque, diz êle, a mulher que escôlha valerá bem por duas criadas, tocado pelo espírito da ganância, pela ambição de riqueza, ajuda a pretensão do velho quanto ao casamento com Luísa. Esta, como filha obediente e submissa acata tudo sem protestos embora, intimamente, se contrarie porque o seu desejo seria casar com José Cigarra. A atitude de Luísa deixa no espírito dêste uma dúvida sôbre o amor que ela dizia consagrar-lhe. E José Cigarra resolve, despeitado, rir e divertir-se na festa de S. João que a seguir se realiza. É êste um quadro cheio de realidade, felicíssimo sob todos os pontos de vista, que inclui uma desgarrada cantada pelos dois noivos, ela porque a isso a constrangeram, êle para lhe responder, que é um verdadeiro achado teatral e um primor de poesia no género.
         Segue-se o 3º. acto, em cujo primeiro quadro se assiste à passagem de figuras da vida moderna, agitada e fútil.
         Cabelos cortados, a toilette arrojada, o jazz, e charlston, etc., são assuntos para uma série de números cheios de vivacidade e de graça.
         Mas, José Cigarra farta-se da vida estouvada e procura em casa da Formiga encontrar o que deseja.
         Em casa da Formiga, enquanto espera que o recebam, adormece e sonha. No sonho aparecem-lhe, nas suas verdadeiras proporções, as figuras reais da peça. João Viúvo é a Formiga com todos os seus defeitos e sem nenhuma das suas qualidades. Êle próprio é a Cigarra estouvada de mais e com pouco amor ao trabalho. Pesando prós e contras êle mesmo tira as conclusões e é já abraçado a Luísa, que nunca deixou de lhe querer, que responde à Cigarra e à Formiga e às suas censuras, uma porque êle se inclina para as teorias da outra. Ambas têm qualidades e ambas têm defeitos. José Cigarra, aprendeu com ambas e concluíu que é preciso trabalhar, lutar, ser bom e honrado sem deixar de ser alegre em saber rir e divertir-se. De tudo isto sai a inevitável e eterna vitória do amor e acaba a peça com uma interessantíssima apoteose ao Amor da família, do trabalho, do semelhante, da Pátria, enquanto um hino solene se faz ouvir e o pano cai.
         Se é certo que a peça é, a todos os títulos, um trabalho notabilíssimo, digno mesmo dum ambiente mais amplo que um simples teatrinho de aldeia, o que principalmente interessou foi a companhia. É que não conhecemos nada que se compare. Temos visto muita vez grupos de furiosos, mais ou menos desastrados, mais ou menos aproveitáveis, mas nunca viramos um conjunto tão curiosamente organizado e tão excepcional pela circunstância de ser recrutado entre gente do campo e de profissões humildes.
         O Prólogo, António Graça, é cavador de enxada; José Cigarra, João Cascão, é ferreiro de ofício.
         São dois elementos de real valor, principalmente o segundo que, por ser um rapaz, estava muito a tempo de se fazer um óptimo actor, porque não lhe faltam qualidades para isso. Os mais, entre os rapazes e as raparigas, revelaram-se também bons intérpretes, com defeitos naturais, mas desculpáveis. Entre êles Emília Monteiro, Guilhermina de Oliveira, Maria Teresa de Oliveira, Maria José da Silva, Francisco Carvalho, os dois irmãos Broeiros, César de Figueiredo, etc.
         A música, de António Simões, acompanha com felicidade tôda a peça, nomeadamente no concertante do segundo acto, que é uma página de real merecimento, e no fim do 6º. quadro, onde motivos populares são habilmente aproveitados.
         Alberto de Lacerda, doublé de pintor e poeta, não se limitou a fazer os versos: pintou parte do scenário, sendo particularmente feliz na apoteóse final, que como idéa completa admiravelmente o sentido geral da peça e como execução é um bom trabalho.
         .......................
         Exemplos como os da Sociedade de Instrução Tavaredense devem ser seguidos por tôda a parte, deviam mesmo ser auxiliadas pelo Estado estas simpáticas iniciativas, que roubam à ociosidade e à taberna um punhado de bons trabalhadores e servem para recolher proventos destinados ao cofre duma escola.
         É possível que muitos leitores destas linhas tenham para o que fica dito o encolher de ombros desdenhoso, natural em quem não acredita sem ver.
         Pois é pena que Tavarede fique ainda assim tão longe. Vendo se convenceriam de quanto pode conseguir a boa vontade ao serviço duma idéa generosa e sob todos os aspectos simpática.

António Graça

         Não podia faltar a crítica conservadora. Das bandas de Tavarede, onde a seita dos três pontinhos ilumina a obtusidade de meia duzia de camponios ensinando-os a dar á perna num geito lôrpa e a proferir sandices de olhos em alvo, chegou ao teatro “Parque Cine” da Figueira um grupo dramático, apregoado pelos arautos da grande imprensa neste “Século” tartufo, como a expressão maxima – que fino!... – da arte de Talma.
         E, assim, tivemos nós um hilariante espectaculo com a representação sumida duma fantasia “A cigarra e a formiga” historia absolutamente inédita no dizer do infeliz “prólogo” – um homenzinho ridiculo, dum ridiculo inconsciente.
         A peça é uma amalgama de bocadinhos alheios onde não falta a piada porca, a forçar gargalhadas pela torpeza, sem teatro e sem arte, pretexto apenas para a apresentação da companhia. Uns bocados de aqui, uns versos de acolá, uma sugestão de alem, isto tudo muito mal cerzido, falho de unidade, distribuido por três actos e 10 quadros. Há um prólogo a apresentar em versos imbecis, sem gramática e sem metrica, os dois personagens principais – uma Formiga, lua cheia vestida de cinzento, de voz monocórdica e sem gestos, e a outra, um bicharôco verde que consegue atravessar o palco continuamente, de principio ao fim, com um risinho lôrpa engatilhado nos labios desmesuradamente abertos. Durante este primeiro acto, sem preparação teatral, recorre-se a um desenrolar monótono de fantoches manejados sabe Deus como e porquê.
         No segundo acto, por certo o menos peor da fantasia, assiste-se a um pandemónio amoroso em que a filha não quer casar, mas que diz que quer porque o pai quer, ficando o namoro desprezado sem saber o que quer, no meio duma confusão tam grande que não há forma de se perceber nada. O segundo quadro deste acto fornece-nos um arraial de S. João, sem movimento, sem côr e sem vida, mero pretexto para uma misera desgarrada.
         O terceiro acto continua a baboseira inicial, terminando por uma estupidificante apoteose ao amor, muito ridicula e pobrinha.
         Como se vê tudo isto é nojento em demasia, tanto mais que os vinte e sete numeros de musica anunciados se resumem, na sua concepção a uma monótona e bafienta repetição de motivos.
         Dos scenarios: o do primeiro quadro, especialmente, é um pastelão de cores com as perspectivas erradas; o do segundo sofre-se; o do terceiro apresenta-nos um cofre tam bem pintado de azul que é o melhor efeito comico da peça. De resto como muito bem diz a cigarra, tudo aquilo é fantasia.
         Do valor literário da obra, ainda que muito pese ao habilitado critico do Século, a nossa apreciação, nada pode encarecer. Quizeramos fazer algumas transcrições, mas o espaço falta-nos. Não resistimos contudo a esta edificante quadra:
                                      Ai minha mãe, minha mãe!
                                      Vivesses tu tinha eu pae!
                                      Assim se o pranto me cai,
                                      Não tenho pae nem ninguem!
         E basta!... que isto de se gritar pela mãe, quando se pretende chamar o pae que fugiu atravez da mãe por a menina chorar, é o que de melhor conhecemos no genero Rosalino Candido, Calino & Companhia.
         A interpretação, não supre as faltas atraz anotadas, antes continua a asneira. Iletrados, ou pouco menos, as silabas saiem-lhes da boca numa inconsciencia tal que comove.

         A Sociedade de Instrução Tavaredense melhor faria, se ensinasse as boas regras do A B C aos seus associados em vez de os meter num palco a fazerem rir pelo ridiculo das suas pretensões artisticas.

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