sábado, 12 de outubro de 2013

O Associativismo na Terra do Limonete - 44

        Um outro acontecimento digno de ser recordado nestas histórias, aconteceu no dia 22 de Julho de 1931. O grupo cénico da Sociedade de Instrução foi ao Parque Cine colaborar na festa anual do Jardim Escola figueirense. ... E seguiu-se a reprentação da fantasia A Cigarra e a Formiga, pelo modesto e simpático grupo de amadores da Sociedade de Instrução Tavaredense. Todos foram calorosamente aplaudidos, como era de justiça. No 1º acto houve a nota de arte culminante daquela noite de festa: Ilda Stichini disse primorosamente, com o seu formoso talento, e as suas poderosas faculdades de interpretação, A Fantasia e O Riso, belos versos dum artista de pintura que é também um distinto poeta – Alberto de Lacerda. Quando Ilda Stichini apareceu em cena, a assistência irrompeu numa extraordinária, prolongada e calorosa ovação, que bem lhe deve ter mostrado como é querida do público figueirense. Os versos da Fantasia disse-os a Artista ilustre com a vibração da sua delicada sensibilidade e a magia da sua voz. A assistência aplaudiu demoradamente, com sincero entusiasmo. Mas o número do Riso, que Alberto de Lacerda escrevera expressamente para Ilda Stichini, deixou verdadeiramente encantados os que o ouviram e se manifestaram com uma das mais vibrantes e expontâneas e demoradas ovações que naquele teatro se têm ouvido. Parecia que as palmas não acabavam mais, num desejo irreprimível de ouvir de novo a música arrebatadora daquela voz.

         Com a mudança da sede, o Grupo Musical viu-se sem condições para continuar com o teatro e a sua tuna desorganizou-se. Foi numa reunião em Agosto, que os sócios da colectividade resolveram regorganizar a tuna, nomeando para seu regente José Francizco da Silva, conseguindo de imediato a inscrição de 35 elementos e já actuando nas habituais festas de verão, tocando num pavilhão montado no Largo do Paço.

         Em Agosto de 1931, encontrámos a seguinte nota, publicada num jornal figueirense: Como êste jornal já noticiou, foi grande a concorrência aos festejos populares aqui realizados. No Largo do Paço tocou a Tuna de Tavarede e no Largo do Forno a Tuna de Caceira.
         A nota mais curiosa dos festejos deu-a o padre da freguesia, que deve ter ficado definitivamente elucidado àcêrca do prestígio de que goza nesta localidade. Realizavam-se na mesma ocasião festas religiosas que, como é hábito desta população ordeira, ninguém perturbou. O padre, talvez porque não conhecia bem os tavaredenses, cometeu a leviandade de afirmar que não consentia que em Tavarede se realizassem os costumados ranchos na véspera da cerimónia religiosa. Os rapazes da tuna de Caceira submeteram-se, e anunciaram as suas danças só para domingo à tarde; em Tavarede, porém, ninguém quis saber do que dissera o padre, não ligando a menor importância às suas fanfarronadas e ameaças de excomunhão e parecidas coisas, e a tuna de Tavarede organizou o seu festival para sábado e domingo. O padre empregou todos os seus esforços para evitar isso, pedindo e ameaçando, mas nada conseguiu. De modo que... não teve outro remédio senão dizer aos rapazes de Caceira que fizessem também festival no sábado. Isto foi motivo de gargalhada, porque ninguém pôde perceber como é que as leis da Igreja não permitiam que a tuna de Caceira tocasse na véspera da festa religiosa, e, depois de se conhecer a deliberação da tuna de Tavarede, que se não importou para nada com as absurdas e abusivas determinações do padre, já o permitiam.
         Se o padre tratasse apenas do que vai pela igreja, sem querer emiscuir-se em assuntos a que não o chamaram, não se sujeitava a estes desastres.

         Continuavam, desta forma, as interferências da Igreja nas tradições da aldeia e, por consequência, do associativismo local. E, nesse mesmo jornal, também foi publicada esta nota:         Mais uma manobra do padre da freguesia, ajudado pelas duas ou três pessoas da terra que o acompanham, que falhou estrondosamente. Encaminhavam-se as coisas para que o padre, com 20 e tantos contos que para isso lhe entregavam – a Igreja é rica e dinheiro foi coisa que nunca faltou aos jesuítas – comprasse o edifício da sede do Grupo Musical, continuando êste ali a servir de instrumento nas mãos do clericalismo. Descoberta a manobra, a assembleia geral do Grupo que se não deixou conduzir como imbecilmente supunham que era fácil conseguir, repeliu altivamente a manobra e abandonou a casa, mantendo a sua independência e colocando a descoberto e no seu lugar o padre e os sacristães. A casa foi efectivamente comprada, e nele gastará o padre uns bons 30 contos – o que não é nada para quem de tanto dispõe – mas já não é possível qualquer equívoco porque tôda a gente sabe para que aquilo vem a ser.

         Analisando todos estes acontecimentos, uma interrogação nos surge: O Grupo Musical havia sido forçado a mudar de sede e, tendo o direito de opção, o edifício foi vendido à Diocese de Coimbra, aparentemente sem qualquer lucro, e os sócios da colecrtividade aceitaram passivamente a transacção? O que se pode concluir de tudo isto é que, como em breve veremos, o padre Cruz Dinis conseguiu o que desejava.


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