sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

O Associativismo na Terra do Limonete 59

      Depois de novas idas a Coimbra e a Tomar, coube à Sociedade Filarmónica Gualdim Pais atribuir à colectividade do Terreiro o diploma de sócio honorário. ....... atitudes como a vossa, deslumbram-nos; servindo de Exemplo do melhor e bem dignos de seguir, porquanto se nos depara surpreendente, pelo trabalho árduo e vivificador, cheio de beleza e sentimento de Arte Humana pela Vida, e de Vida pela Arte. Maravilhosa concepção esta, dum forte espírito disciplinado e criador, nas pessoas de todos os componentes do Grupo, e do eloquente e incontestados mérito e inteligência do nosso querido Amigo, José da Silva Ribeiro, que tão proficientemente sabe cimentar, mesmo no mais rude elemento, os melhores e salutares princípios de Solidariedade.

         Por ocasião das comemorações do 40º aniversário, um jornal de Coimbra, relatando os festejos, insere esta nota. A Sociedade de Instrução Tavaredense, com sede na vizinha freguesia de Tavarede, cuja acção beneficente é bem conhecida, acaba de solenizar festivamente o seu 40º aniversário de fundação, facto a que deu lugar a referir-nos, ainda que ligeiramente, a tão prestante colectividade, muito da nossa simpatia.
         Ao relatarmos o que foram as suas festas comemorativas, não podíamos deixar de focar nesta pequena e simples crónica um pouco da sua benemérita obra.
         Dos muitos serviços prestados durante a sua longa existência aos respectivos associados, justo se torna destacarmos a sua acção filantrópica espalhada com o seu bem organizado grupo cénico, - sem contestação, - um dos melhores da província, - arte que devotadamente vem cultivando, - e com a qual vem espalhando, de há anos a esta parte, por terras de norte e sul do país, uma vasta obra beneficente a favor de tantas instituições de caridade.
         Não falando nos anos anteriores, o ano que findou, não foi dos de maior actividade, isto por circunstâncias alheias à vontade do seu incansável ensaiador. Todavia, durante o ano de 1943, além das representações na Figueira e Buarcos, o seu grupo cénico conseguiu deslocar-se a Tomar, onde realizou duas récitas. A Pombal, tempo, deslocou-se por duas vezes, dando, de cada vez, duas récitas de beneficência.
         Assim, pois, de cada vez que batem à porta desta benemérita sociedade, solicitando a sua cooperação em actos de benemerência, a resposta do ensaiador do grupo cénico, desse teimoso e infatigável amigo dos desprotegidos da sorte – José Ribeiro – a sua resposta é sempre a mesma: - Podem contar connosco. Verdadeiro fanático pela sua colectividade e pela sua terra, nunca perde o ensejo de lutar e trabalhar pelo bom nome do seu grupo, pondo nisso o seu entusiasmo, todo o seu esforço e carinho, num labor pertinaz e constante, e de uma maneira que nada o desalenta ou esmorece; sempre pronto para todos os sacrifícios, José Ribeiro, tem sido um verdadeiro obreiro desinteressado e dedicado desta prestante Sociedade Tavaredense, que possui um conjunto artístico a todos os títulos valoroso - hoje bastante conhecido e considerado, pela colaboração desinteressada que vem prestando a obras de grande solidariedade humana, contando, por isso, na sua história, uma acção brilhantíssima.
         É grande a lista dos que têm sido socorridos, mas muito pequena ainda para o coração dos que teimam em continuar, com dedicação, na luta, trabalhando pelo bom nome da Sociedade de Instrução Tavaredense, orgulho de todos quantos por ela se esforçam no sentido de lhe dar ainda um maior desenvolvimento.
         Todos ali trabalham irmanados por um tocante espírito de solidariedade, resultando que, à custa de sacrifícios, a simpática colectividade constitua uma organização modelar no meio associativo.

         Quando o grupo cénico fez uma nova deslocação a Pombal, sofreram um enorme susto, pois no regresso e por interrupção de luz nos farois do veículo, este saíu fora do leitop da estrada, a pouca distância daquela vila, e tombou-se sobre uma das árvores das margens, a qual evitou uma queda de alguns metros de altura. Felizmente foi apenas o susto.

         Ao anunciar mais uma deslocação a Tomar, um jornal tomarense publicou uma notícia curiosa. Noutro dia ia eu na rua, preocupadíssimo com o facto de não me estampar nalguns dos numerosos montes de pedra ou nas covas que apresentam as ruas há uns tempos para cá, quando ouvi atrás de mim uma voz gritar:
         - Eh pá! Sabes quem vem cá?
         Eu voltei-me logo, na intensão ingénua de dizer que não sabia quem vinha cá. Mas logo ouvi outra voz que plagiava a minha resposta e, como sou um tipo esperto, deduzi como qualquer polícia amador que a conversa não era comigo.
         Disfarçadamente voltei-me para ver quem falava. Eram dois garotitos farrapões. Um estava a tirar rendimento dum banco da praça, cabeça tronco e membros a ocupar a apertada taboinha onde as pessoas sentam. O outro estava sentado ao pé do monumento do Gualdim e ocupava-se asseiadamente a limpar o nariz. Estava já disposto a seguir o meu caminho e teria sido bem bom para não estar agora a maçar os leitores, quando ouvi a mesma voz gritar:
         - São aqueles tipos, os de Tavarede. Eh pá, aquilo é que são actores. Vêm cá trabalhar para a gente. Quem me dera ir!
         O outro encolheu os ombros e começando a limpar com esmero o outro lado do nariz, berrou de cá, na linguagem de qualquer menina moderna:
         - Eu cá, não posso ir, estou teso. Ouvi dizer que são uns gajos bestiais. Lá a’nha avó diz que eles são muito bons, que vêm ganhar dinheiro para dar depois aos pobres. Aquilo é gente bem boa!
         Nesta altura da conversa, resolvi continuar o meu caminho. Mas as frases dos garotos  tinham-se-me metido na cabeça. Vêm cá trabalhar para a gente! Dissera o garoto. E realmente era verdade. Aquele grupo de artistas que à força de arte têm conquistado simpatia, admiração, por muita terra de Portugal, vêm cá de vez em quando a Tomar, salvar a crítica situação da Casa dos Pobres. E os pobres conhecem-nos, e estão-lhes agradecidos.
         Poderão dizer que “são uns tipos bestiais”, que a ideia da frase se eleva acima da rudeza da expressão.
         Bemvindos sejam por isso os tavaredenses.

         Os pobres são gratos para quem os acarinha. E até me dá vontade de chegar ao pé deles e dizer também como o farrapão: Apertem esses ossos. Vocês são uns tipos bestiais!

Sem comentários:

Enviar um comentário