sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Operetas em Tavarede - 4

       Pouco depois do seu regresso a Tavarede, dão uma festa na Quinta do Peso, onde se haviam instalado. Eduardo Leirosa, o tal que viera em busca da Lúcia-Lima, casou com Flor de Chá. O outro brasileiro, Tomás Castanho, agradou-se de Capitolina, pediu a sua mão ao regedor e igualmente se casaram, com grande desgosto do Pinga-Amor.

         Na referida festa, para que é convidada toda a população da aldeia, os noivos e noivas são apresentados. Cheia de contentamento, Capitolina dá um beijo da face de Flor de Chá, que fica muito surpreendida. Na China, diz ela, tal não é permitido. Só os esposos se beijam, mas não em público. O marido, Eduardo Leirosa, explica-lhe então: “Em Portugal há o beijo infantil que é puro; o beijo maternal que é santo; o beijo conjugal que é postiço e da moda; o beijo entre amigas que destila fel; o beijo furtivo entre namorados que sabe a licor de mel; e finalmente o beijo entre amantes que é o rastilho para uma descarga de... dinamite”.
Flor de Chá                                    
Um beijo dar, na China toda,
É uma excepção.
Só noivo à noiva, ao fim da boda,
Lhe beija a mão.
Leirosa
Um beijo assim não tem agrado,
Não tem sabor
Como o que furta o namorado
Ébrio d’amor.
Flor de Chá
Então o beijo
Em Portugal,
Pelo que vejo
Deve ter sal...
Corar o rosto
Que o recebeu
Ter tanto gosto
Que eleve ao céu!
Capitolina
Beijo d’encanto
Que d’alma vem,
É beijo santo,
Beijo de mãe.
Um dá loucura,
Outro arrebata...
Se muito dura
Quase que mata.
Flor de Chá
Quando em terno devaneio
E junto de quem se ama,
Qual o modo, qual o meio,
D’acender ardente chama?
Castanho
Se ela não é macambúzia
Ele todo aberto em sorrisos,
De beijos furta uma dúzia
Todos
Um beijo em carinha cheia
Vagaroso e bem cantado,
Sabe a quem o saboreia
A leite creme queimado...
Há beijos muito apressados
E beijos que não têm fim,
Mas os mais saboreados
Cá p’ra mim
São assim!
Assim!

         Finalmente tudo se esclarece. Pinga-Amor acaba por ser desmascarado. Eduardo Leirosa e Tomás Castanho, que haviam encontrado a felicidade, em parte devido à “tramóia” urdida, perdoam-lhe. Mas... então e a tal Lúcia Lima? É o sacristão quem conta toda a história. A tal Lúcia Lima era nada mais nada menos que o nosso limonete. O senhor cura, que havia posto o anúncio, pelo Carnaval, para ver se “engatava” um amigo do Casal dos Piratas, dera-lhe o seguinte bilhete: Lúcia Lima, arbusto verbanáceo, de perfume agradável e intenso, vegetando bem nos terrenos frescos. Foi importado do Malabar em 1502 pelo capitão-mor D. Sancho Fagundes de Encerrabodes, que residiu em Tavarede há mais de três séculos. Serve para dar cheiro aos baús de roupa e é usado para fazer ramos nas burricadas de Buarcos. Há quem faça dele chá contra as prisões de ventre”.

Coro
Das plantas que tem a aldeia
Outra não há de mais gala;
E em noites de lua cheia
Tem um cheiro que regala.

Quem fizer um ramalhete
Para dar à sua amada,
Se ele não tiver limonete
É coisa desconsolada

Uma Voz
Das burricadas luzidas
Da festa de S. João
Trazem as moças garridas
Um grande ramo na mão.

Coro 
O limonete caseiro
É talvez neto da lima...
Quem quizer sentir-lhe o cheiro
Basta pôr-lhe a mão por cima.

Se uma donzela travessa
Quer-se com ele enfeitar
Com três folhas na cabeça
Fica bonita a matar.

Uma Voz
Eu não sei de flor mais bela
De quantas há no jardim.
Anda sempre na lapela
De quem suspira por mim.

Coro 
Veio das matas frondosas
Da costa do Malabar,
Para as donzelas vaidosas
Cheirarem bem ao seu par.

         E tudo acabou em bem!

 

António Maria Oliveira Simões
(autor da partitura)
          Da mesma parceria, João Gaspar de Lemos Amorim e António Maria de Oliveira Simões, é levada à cena, no dia 16 de Janeiro de 1926, integrada no espectáculo de gala do 22º aniversário, uma nova e fantasiosa revista, “Pátria Livre”. Pequena, só tem um acto e três quadros, narra a hipotética independência de Tavarede, que, após uma revolução triunfante, se autoproclama como República do Limonete.

Duas notas: O meu querido amigo Maestro João Cascão alertou-me para o erro que cometi ao escrever que a estreia do 'Cantigas de Tavarede' referi 2006 quando foi em 2007. Lapso meu que espero me seja desculpado.

Também me informou que recentemente, aquele Coral deu a sua centésima exibição. Parabéns e... Tavarede marca!!!

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