sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Usos e Costumes da Terra do Limonete - 7

Chamavam ‘santo casamenteiro’ ao S. João. Será que fazia concorrência ao Santo António? Do que não há dúvida é que em Tavarede, por costume bem antigo, fez festa rija em 1920. “Como estava annunciado, nos preteritos dias 17, 18 e 19 do corrente, tiveram aqui logar os tradicionaes festejos ao Santo Casamenteiro, os quaes foram revestidos de grande brilhantismo e luzimentos.
         No sabbado, alem da recepção ao Zé Pereira, houve exposição da egreja, que estava ricamente armada pelo habil armador d’essa cidade e nosso amigo Adelino Faria; concerto pela acreditada banda Philarmonica Figueirense, que executou com muita proficiencia um repertorio escolhido que muito agradou á enorme assistencia de povo que da Figueira e logares limitrophes aqui affluiu.
         O concerto, que teve logar n’um coreto expressamente armado para esse fim no Largo do Rio, foi acompanhado com a queima de 4 peças de fogo preso e d’algumas duzias do do ar, o que agradou em extremo, dando honras ao afamado pyrotechnico que o manufacturou.
         Em seguida, e ao som de parte da tuna do Grupo Musical Tavaredense, deu-se inicio no Largo do Forno aos descantes populares, que se prolongaram até á manhã de domingo, reinando sempre em todos os corações da mocidade folgazã a mais franca e sincera alegria.
         Ás 13 horas teve logar a missa solemne, tocando no côro elementos da nossa terra e d’essa cidade.
         Após a missa tiveram logar as cavalhadas, incontestavelmente o numero mais synpathico dos festejos.
         Depois da entrega aos mordomos das bandeiras e guias, organizou-se na rua Direita o enormissimo cortejo, o qual se dirigiu para essa cidade a percorrer o itinerario do costume.
         Uma vez na Figueira, os sinos da Matriz annunciaram ao povo figueirense, sempre ávido de curiosidade para apreciar as cavalhadas de Tavarede, a chegada da Bandeira, que ao som da Figueirense, que aguardava a sua chegada ao quartel d’artilharia, deu as praxistas 3 voltas á Egreja, ás Praças Nova e Velha, etc. etc.
         Deixando a Figueira, dirigiram-se as cavalhadas a Buarcos, onde deram tambem as voltas do Ritual, não faltando a vizita á capella da Senhora da Encarnação.
         N’aquella villa como na Figueira, gentis senhoras despejaram sobre as bandeiras muitas bandejas de flores.
         Houve em Buarcos um pouco de descanço e tudo se preparou para regressar a Tavarede; e sempre na melhor ordem deslizaram as cavalhadas para o ponto de partida, onde as esperava a Figueirense, que as acompanhou até á Egreja, depois das voltas da praxe.
         A commissão fez solemnemente a entrega das bandeiras, depois do que fez a Pega para o proximo anno outra commissão, que sahiu a pé, a percorrer as ruas da localidade, acompanhada tambem pela Figueirense, que executava um passo-dobrado.
         Em seguida deu-se principio novamente aos descantes populares, que tiveram fim muito depois da meia-noite.
         Na segunda-feira foi o verdadeiro dia de festa para os rapazes que trabalharam e cooperaram nos sympathicos festejos a S. João.
         Á tarde houve a rosquilhada, á qual concorreram muitas pessoas montadas em gericos.
         Houve corridas de saccos, de três pernas, de velocidade, resistencia, etc, tendo sido conferidos valiosos premios a todos os vencedores.
         Por fim, juntaram-se alguns elementos da tuna do Grupo Musical Tavaredense e tocaram, na rua Direita, até altas horas da noite, dançando se sempre com a maior animação.
         E assim terminaram este anno as festas a S. João Baptista, as quaes deixaram em nós e em todos que n’ellas tomaram parte, as mais gratas saudades, pois ficaram bem vinculados no nosso espirito aquelles dias de verdadeira felicidade e alegria em que tudo se esquece para dar largas á folia...”.
1921 não esqueceu tal costume, mas as cavalhadas... “A minha terra, que outr’ora como no presente foi uma das freguezias que no concelho da Figueira da Foz sempre caprichou em promover as festas annuaes em honra do popular S. João, parece que este anno as deixa ficar no olvido.
         Parece, digo eu! É certo. Certissimo. É com imensa mágua que tal noticio. Os affamados ranchos, os praxistas concertos de musica pelas bandas civis d’essa cidade, a festa religiosa, a queima de fogos e, sobretudo, as tradicionaes Cavalhadas, que indubitavelmente eram o clou da festa; as corridas de saccos, de tres pernas, de potes, etc., e a célebre Rosquilhada, em que grande numero de pessoas passava horas e horas envolvido na mais franca e sincera alegria, tudo isto passa despercebido aqui, este anno!
         Depois os descantes populares, que attrahiam a Tavarede algumas centenas de forasteiros que jámais se cançavam de dar largas á folia...
         Emfim, tudo o que na minha terra se fazia n’aquelles dias para divertimento da mocidade indigena como da que aqui affluia de todos os logares limitrophes, este anno fica, como usa dizer-se, em aguas de bacalhau...
         Eu, na minha qualidade de moço, com sanguinho na guelra, podia, conjunctamente com outros, constituir uma commissão e fazermos os alludidos festejos; mas, como a minha, as opiniões partem de todos: - não devemos fazel-os.
         E o motivo é explicavel: É que o anno passado, a quando da entrega da Bandeira pela commissão respectiva ao parocho de Tavarede, meu prezado amigo sr. Manuel Vicente, após, claro está, as Cavalhadas terem percorrido pomposa e galhardamente o costumado itinerario, uns cavalheiros d’aqui e d’essa cidade apressaram-se a formar commissão, depois do que foram á egreja, pegaram na Bandeira, na qualidade, bem entendido, de festeiros prematuros d’este anno, e sahiram a percorrer as ruas da localidade acompanhados pela Philarmonica Figueirense, ao mesmo tempo que estoiravam no ar algumas boas duzias de foguetorio rijo.
         Precisamente n’aquella altura estava a minha pessoa com uns poucos de rapazes amigos, cá do burgo, a resolver se iriamos novamente fazer a festa, se cederiamos a Bandeira a outros que a quizessem conduzir, mas os corajosos mordomos nem tempo nos deram para reflectir no assumpto, pois, como digo, apressaram-se a ir de vespera fazer a péga da Bandeira.
         Ao vêr tal disparate garanti logo que aquelles cavalheiros, a mór parte dos quaes em magnifico estado comatoso, outros illudidinhos com musica e foguetes, não levavam ávante o seu proposito, o que infelizmente succedeu.

         E com franqueza, em que cabeça cabe que uns rapazes figueirenses como os em questão, lá por terem muitos conhecimentos na cidade, onde aliás se arranja uma boa verba, fossem capazes de fazer como nós, os tavaredenses – que conhecemos bem a freguezia -, uma relação de todos os fogos respectivos e ir percorrel-os por varias vezes na acquisição dos dinheiros indispensaveis para a festa? Sim, porque não é só com o dinheiro que se aufere no commercio figueirense, que aliás é um optimo auxiliar, que em Tavarede se faz uma festa de S. João. São indispensaveis as voltas á freguezia, na pedincha, porisso que é d’ahi que sahe a maior quota. É d’ella que a gente ouve muitos sins e muitissimos nãos. É d’ella que nós, os tavaredenses e consequentemente os mais relacionados, formulamos e ouvimos muitas exigencias. Com que cara ficariam os rapazes figueirenses ao ouvirem d’um fulano – rico que nem um suino... – na occasião em que lhe pedissem qualquer obulo para a festa de S. João, - “que se se quizessem embebedar fossem primeiro cavar por conta d’elle...”, ou então – “que não estava p‘ra sustentar... animaes á argola”!!

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