sexta-feira, 28 de março de 2014

O Associativismo na Terra do Limonete - 69

         Não vamos descrever todo o programa levado a efeito. Teve a colaboração, por exemplo, do Orfeão de Leiria, do Grupo de Teatro Miguel Leitão, do Teatro dos Estudantes de Coimbra, com teatro e com a tradicional serenata. O espectáculo de gala foi com a representação, pelo nosso grupo, da peça Serão homens amanhã.  Na véspera, foi apresentado e posto à venda o livro ’50 Anos ao Serviço do Povo’, da autoria de Mestre José Ribeiro.

         A sessão solene foi um acto brilhante, que teve a presidi-la o Professor Doutor Joaquim de Carvalho,  um dos maiores vultos culturais de sempre da Figueira.



                                         Sessão solene das Bodas de Ouro                                                                                         
          E não se pode esquecer um dos actos comemorativos que mais emocionou. Um espectáculo preparado pelo director cénico, levou à cena a primeira peça que o grupo da Sociedade representou, a comédia Os medrosos, a que se seguiu Revivendo o passado. Nos passados dias 23 e 24, a SIT viveu mais duas noites de inesquecível alegria, com a apresentação do anunciado espectáculo de Evocação.
Tivemos o ensejo e o prazer de ver representar, com um à vontade de causar inveja a muitos novos, antigos amadores desempenhando papeis que criaram, alguns há mais de 40 anos.
         Foi com verdadeira emoção e ternura que o público viu aparecer no palco as figuras remoçadas de Helena Figueiredo, Idalina Fernandes, Emília Fadigas, Maria José Figueiredo, António Coelho, António Graça, Francisco Carvalho e outros, a quem dispensou calorosas salvas de palmas, à medida que iam entrando em cena. Nos finais de acto caíam sobre o tablado verdadeiras chuvas de flores, lançadas por algumas senhoras da assistência.
 Serviu de comentador ao espectáculo o sr. José da Silva Ribeiro, que antes de iniciar-se a representação de cada acto falou das peças a que pertenciam, fazendo a apresentação dos antigos, a quem saudou comovidamente, e dos novos amadores que iriam representá-los. Evocou também velhas figuras da cena tavaredense, como os irmãos Broeiros e tantos outros que, certamente, se pertencessem ainda ao número dos vivos, não deixariam, de estar presentes nessas duas inolvidáveis noites de saudade. Foram revividas cenas de Os amores de Mariana, O sonho do cavador e A cigarra e a formiga.

         Certamente todos se recordarão que, aquando procurámos contar o associativismo em Tavarede na década de 1920, e ao referirmo-nos ao Grupo Musical, considerámos aqueles anos como dourados, para esta associação. Na verdade, com o seu grupo cénico recheado de talentosos amadores e com a sua afamada tuna, considerada uma das melhores e mais bem organizadas tunas desta região, foram anos triunfais, que só acabaram pelas circunstâncias que então narrámos.

         A Sociedade de Instrução, no entanto, e graças ao grupo dramático e, acima de tudo, devido à competência e saber do seu director cénico, igualmente teve os seus períodos triunfantes, ou, como costumamos dizer, também teve os seus tempos dourados. Com as suas operetas e fantasias, com o teatro popular e tão do agrado das gentes tavaredenses, recordamos o teatro extraído da obra de Júlio Diniz, e com a escolha de tantas peças, que acabaram por ter êxitos retumbantes, o teatro de Tavarede, então só representado pelo grupo da Sociedade, alcançou uma projecção extraordinária. E, não é de mais referir, sempre com a missão admirável da beneficência.

         Mas a verdade é que o referido director cénico soube rodear-se de um grupo de amadoras e amadores, fervorosos entusiastas do palco, que, com o seu talento e experiência, originaram um conjunto cénico de categoria acima do normal e que foram verdadeira referência no teatro amador nacional. E disso daremos provas lá mais adiante. Lógico é, portanto, que nos debrucemos mais sobre esta colectividade, sobretudo neste período, sem deixarmos de elogiar as congéneres da freguesia, que prosseguiam, com os seus recursos, na sua missão educativa e recreativa. Vejamos, agora, uma nota referente a mais uma ida a Coimbra. Depois de um largo interregno teatral as luzes da ribalta da nossa única sala de espectáculos voltaram a acender-se.
         Sobre as tábuas actuaram os dois mais representativos grupos de amadores de Teatro do nosso distrito: O Teatro dos Estudantes e o Grupo Cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense.
         A primeiro, pela boca do seu presidente, estudante Anselmo Ventura, afirmou a sua presença ali como dupla homenagem: à obra do Dr. Elísio de Moura e aos cinquenta anos de intenso e honrado labor do conjunto tavaredenses.
         Representaram os estudantes a “Suplica de Cananeia”. Interpretou o belo quadro vicentino a estudante Cândida Clavel do Carmo que soube comunicar todo o dramatismo da Cananeia através duma linguagem cheia de emoção interior e duma gesticulação simples mas expressiva.
         A extensão do papel, dominado sem auxilio de ponto, fê-la por vezes distrair do crescendo de potencial dramático que o papel impõe, mas não há dúvida que a interpretação em bloco, constitui óptima revelação de aptidões, atendendo às dificuldades extraordinárias que envolvem o texto vicentino e principalmente a imobilidade da figura.
         A voz de Cristo, clara e penetrante, fez-se ouvir num ambiente que não era, positivamente, de silêncio.
         Disse com mestria mas parece não ser aconselhável dispensar o microfone dado o tamanho da sala, o barulho constante dos retardatários e, até por virtude duma maior diferenciação entre o humano e o sobrenatural.
         A Sociedade de Instrução Tavaredense, depois dum largo intervalo, apresentou a peça argentina de Dartes & Damiel: “Serão Homens Amanhã”; a tradução foi feita pelos conhecidos escritores revisteiros Fernando Santos e Almeida Amaral.
         Temos a impressão nítida, que Dartes & Damiel foram imensamente prejudicados na versão portuguesa e que a principal vítima no espectáculo foi João Cascão.
         Efectivamente o desenvolvimento da acção passa-se normalmente em relação a todos os personagens com excepção daquela que é o fulcro, à roda da qual tudo gira; simplesmente da normalidade de todos e da anormalidade de um, resulta um choque que soa profundamente a falso.
         Parece que Fernando Santos e Almeida Amaral não perderam oportunidades para colocar na boca de Carlos (João Cascão) certos ditos mais ou menos de revista que não só perturbaram o desenrolar da peça como tornaram falso, totalmente falso, o final.
         Não se nota no “clima” do segundo acto nenhuma preparação emocional para o desenrolar, inevitável, da trama porque João Cascão se viu sempre entre Syla e Caríbedes na interpretação do seu papel.
         À ânsia de Carlos por uma vida de família que nunca tivera, opõe-se quase sempre um outro Carlos inateravelmente lançado às feras por um dito de espírito (?) barato bem longe duma insinuação “chaplinesca” que conviria à situação.
         Assim a peça na sua construção ruiu, pois o final surge sem sentido, abruptamente, como que dando a impressão de que o autor não sabendo como sair dum labirinto, resolve destruir este num abrir e fechar de olhos e colocar-se como por magia fora dele.
         Da interpretação é justo que se destaque em primeiro lugar o belo apontamento de Vitalina Lontro, que faz uma criada, segura, perfeita, dominando as situações com à vontade. Violinda Medina num papel cheio de dificuldades, a maior parte delas reflexo da actuação de (Carlos). João Cascão representou com naturalidade, disse bem, e caminhou no palco com uma desenvoltura que é característica apenas dos que sabem representar.
         João Cascão teve um grande papel onde não brilhou tanto como poderia. Que pena a sua forma de falar sem relevos e quase sempre mocórdica! Pela maneira como evolui no palco poder-se-ia dizer que João Cascão seria um grande actor se tirasse partido do texto através duma intenção que está na base da interpretação; Fernando Reis foi pouco convincente e a sua dicção cheia de preciosidade concorre para o prejudicar; António Jorge da Silva, o avô, é hoje dentro do grupo um dos esteios: cheio de qualidades, sabe dizer e conhece já razoavelmente o palco; dos outros, uma referência a Maria Tereza de Oliveira cuja voz não a ajuda e que falou sempre – talvez por isto – com demasiada vivacidade para uma velha; as crianças… são crianças mas não esquecemos os rapazes que se mostraram mais desenvoltos do que a menina.
         O cenário… francamente esperávamos mais de Manuel de Oliveira ou antes… esperava-nos outra coisa.
         Já é tempo de deixarmos a cenografia clássica – mais cara e pesada – para enveredarmos por processos mais simples.
         Boa a sugestão de gabinete de clube dada no 1º quadro do I acto com a faixa escura na parte anterior do palco; os actores é que se não devem esquecer que essa zona escura existe…
         Também a mesa, neste mesmo quadro, era grande demais eclipsando, totalmente, João Cascão.
         Deixamos para o fim propositadamente a principal figura que anima as representações da Sociedade de Instrução Tavaredense: José Ribeiro.
         Não é possível dentro do comodismo da hora em que vivemos entender como é possível existir um José Ribeiro que sacrifica uma vida inteira à cultura e protecção das gentes da sua Tavarede. Dos cinquenta anos de labor dessa Sociedade de Instrução pode dizer-se que os mais belos e de maior projecção cultural se devem ao lutador e estudioso que tem construído uma obra que as nossas principais cidades não desdenhariam de apadrinhar.
         Na representação que ocorreu sobre as tábuas do Avenida, na evolução das figuras vimos constantemente José Ribeiro; pena foi que o não ouvíssemos falar também…

         À crítica cumpre a análise fria dos acontecimentos mas feita dentro dum campo de justiça. Pois baseado nesta mesma justiça deixemos aqui ficar a nossa melhor saudação a José Ribeiro e aos cinquenta anos da Sociedade de Instrução Tavaredense.

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