sexta-feira, 21 de março de 2014

Usos e Costumes na Terra do Limonete - 12

       No Natal de 1901, uma local deseja festas felizes e lembr         a aos tavaredenses o costume antigo de comemorar o ‘nascimento do Deus-Menino’, as consoadas familiares, as tortas doces e os filhós... Mas em Dezembro de 1903 a nota publicada é muito mais extensa. “Houve tempos – e não vão elles muito longe! – em que aqui, n’esta minha terra querida, se representava o presepio na noite de Natal e n’outras da época que, de geração em geração, nos tem vindo a relembrar a Natividade de Christo. Era uma distracção simples, mas reunia ella muitas familias n’um convivio fraternal, alegre, que nos proporcionava uma horas de satisfação intima.
         Ia-se ao presepio, revia-se a gente na garbosidade das moças tavaredenses, vestidas a capricho no traje de pastoras, e admiravamos-lhes tambem as habilidades scenicas, porque ellas quasi sempre debutavam n’esses espectaculos... E d’ahi, os felizes da sorte, regressavam ao lar, e lá iam rodear a certã onde fervia o azeite com os tradicionaes filhós, ou onde o forno trasbordava com doces tôrtas!
         Era assim que se passava por aqui esta feliz quadra do Natal. E hoje, se é certo que ao estomago dos afortunados não faltam as abundantes consoadas com que se celebra a data natalicia, há no emtanto – triste é dizel-o – a falta de qualquer espectaculo que nos recreie o espirito e que venha quebrar um tanto a insipida monotonia d’estas longas noites de dezembro.
         Parece que a gente moça bem depressa adormeceu sobre os triumphos colhidos!
         Isto escrevo eu, porque é a nitida expressão da verdade; porém, moralmente, sinto muito dizel-o. Comprehendo eu bem que tudo cança, e sei que algumas pessoas há que, por justos motivos, se teem affastado do meio em que tanto se accentoava o desenvolvimento da educação dos meus patricios. Essa circumstancia, porém, não obsta a que muitos rapazes deixem de trabalhar no intuito de se instruirem; e, para isso, umas das primeiras coisas de que deviam tratar, era da creação d’um grupo dramatico. No theatro aprende-se muito, todos o sabem; é uma escola que educa e recreia o espirito sem enfado, e d’ella se auferem resultados proficuos, desde que cada um comprehenda quaes os deveres que tem a cumprir.
         Era n’este caminho que eu desejava ver varios conterraneos meus, que bem precisam de o trilhar, e que, tendo horas de descanço, mal as desperdiçam. Trabalhem, por isso, para se instruir, e, fazendo-o, hão-de colher depois os fructos d’esse esforço”.
Ter-se-ia perdido o costume de festejar a data? Os costumados e antigos usos limitar-se-iam à reunião familiar para consoar? A verdade é que as notícias encontradas referem espectáculos teatrais em vésperas do Natal, mas nunca mais referiram o Presépio e os Reis Magos.
Até que, em Dezembro de 1915, “no teatro do Grupo Musical, da vizinha povoação de Tavarede, continuam com muita vontade em ensaios desta excelente peça cénica (Autos Pastoris), que pelo Natal ali será representada”. Mas não chegou a subir à cena, devido ao falecimento de uma pessoa ligada à colectividade e muito considerada na terra. Representaram, embora algum tempo depois da data própria, o Auto dos Reis Magos, completando o espectáculo com algumas cenas pastoris. Deram três representações com este espectáculo.
 


Cena final do Presépio - 1916

Em 1916 já houve Presépio. O correspondente local de um jornal figueirense comentou desta forma a passagem da quadra natalícia. “Este dia, em que as familias se confraternisam n’uma alegria franca, foi passado na nossa terra com prazer. Realisou-se o tradiccional Presepe, nas Sociedades locaes, que foram muito concorridos.   No theatro do Grupo Musical as scenas pastoris foram desempenhadas correctamente, merecendo fartos applausos José Medina e sobrinho nos papeis de Moço e cego, assim como a menina Guilhermina Nogueira e Silva interpretou bem o papel de Anjo. Na scena da Lambisqueira houveram-se com agrado os amadores. Apenas no acto das Cinco pastoras houve a notar o chaile á hespanhola, que deu a impressão o Presepe passar-se n’alguma terra galega.
         A orchestra e os córos estavam afinados. E a casa á cunha. Na Sociedade d’Instrucção correu tambem o theatrinho ao agrado de todos”.
         E a então jovem colectividade resolveu, em boa hora, retomar o uso e costume tavaredense dessas representações natalícias. O Presépio subia à cena quatro ou cinco vezes, o mesmo sucedendo com os Reis Magos e, segundo as notícias encontradas, sempre com casas ‘à cunha’.
         Relativamente ao ano de 1917 encontrou-se a seguinte local. “Com esta peça deram no Grupo Musical o 2º espectaculo, na ultima segunda-feira, vespera de Anno Bom. Lá estivemos tambem. Embora não houvesse da parte do publico tanta afluencia como da 1ª representação, ainda estava uma casa regular, quer dizer, estava uma casa quase como a primeira.
         Todos os amadores foram calorosamente ovacionados, sendo muito acclamado o pandego das castanholas, o amigo Rentão, que gramou no palco uns tesos abraços d’alguns rapazes d’essa cidade e que assistiram ao espectaculo. Foi um bocado de noite bem passada, d’estas noites de pandega e alegria que o Grupo Musical de quando em quando nos proporciona.
         Hontem, dia de Anno Bom, houve lá tambem um baile que se prolongou até á 1 hora da noite. Segundo nos consta, será brevemente levado á scena pelos mesmos amadores, o drama sacro Os Reis Magos, conjunctamente com mais algumas scenas pastoris. Esperemos, portanto, até ao dia da sua representação”.



Cena do primeiro acto ‘Os pastores brutos’

         Acreditamos que o entusiasmo por estas representações tenham ‘arrefecido’ um bom bocado, devido à ausência de muitos tavaredenses enviados para combater na guerra, que grassava na Europa e em África. Mesmo assim, o Presépio foi representado no ano seguinte, bem como o Auto dos Reis Magos.
         “Tem amanhã lugar, no teatro do Grupo Musical, da vizinha povoação de Tavarede, um espectáculo com a representação do tradicional drama sacro Os Reis Magos, conjuntamente com várias cenas pastoris, como Camilo e Cacilda, Romagem das Cebolas, A mulher da cidade, Romagem do Diabo, etc., etc., sendo de esperar que o teatro tenha amanhã uma enchente à cunha, com o que folgamos”.
         Ainda se encontram alusões a estas peças pelas quadras natalícias de 1922 e 1923. A partir de então, caíram no esquecimento total dos tavaredenses. As celebrações religiosas já há muito que haviam perdido o anterior brilho. E se continuou a haver espectáculos de teatro pelo Natal e Ano Novo, já eram com outras peças que nada tinham a ver com tal quadra.

         No dia 20 de Dezembro de 1940 encontrou-se a seguinte nota no Jornal-Reclamo. “Têm prosseguido com grande interesse os ensaios da peça sacra em 4 actos ‘Autos Pastoris’, que o Grupo Musical levará à cena nos próximos dias 24 e 31, no teatro da Sociedade de Instrução Tavaredense”. Assistimos a estas representações, que se repetiram no ano seguinte. E foi assim que em Tavarede acabaram em definitivo estes usos e costumes tanto do agrado do nosso povo. Já lá vão tantos anos que, sinceramente e com pena o dizemos, nunca mais se comemorará como antigamente o Natal e o dia dos Reis.

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