sexta-feira, 9 de maio de 2014

O Associativismo na Terra do Limonete - 75

Aproximava-se outro acontecimento da mais alta importância para o teatro tavaredense, o Concurso Nacional do Teatro Amador. Mas, antes de nos debruçarmos sobre este feito memorável, ainda queremos recordar um apelo que a comissão promotora da obras da colectividade fez. Aos sócios e simpatizantes desta velha e prestigiosa colectividade da vizinha povoação de Tavarede foi endereçado o seguinte apêlo que nos apraz divulgar, reservando para outra ocasião, quando dispuzermos de mais largueza de espaço, o breve resumo da actividade cultural e beneficente da SIT que acompanha a referida circular.
         Eis o conteúdo dessa circular:
         É já velha de alguns anos a aspiração de ampliar e melhorar a sede da Sociedade de Instrução Tavaredense, de modo a fazê-la corresponder às exigências e às responsabilidades duma actividade cada vez mais ampla.A falta de recursos da associação e a extrema pobreza do meio local não permitiram, porém, transformar aquela aspiração em realidade; e a velha colectividade tavaredense tem permanecido no prédio que é a sua sede desde a fundação, em instalações acanhadas, de há muito reconhecidas insuficientes e impróprias, actuando o seu grupo cénico no mesmo pequeno teatro de há 50 anos, com absoluta carência de espaço, de apetrechamento técnico e das mais rudimentares condições de conforto, que são essenciais para a continuação e desenvolvimento duma actividade social em que o teatro funciona como instrumento de cultura, de recreio e de educação popular.
         Mas esta situação não pode manter-se: chegou o momento em que é imperioso adoptar uma solução definitiva, porque o estado de quase ruína do actual edifício reclama obras urgentes.
         Já devidamente aprovado pela Inspecção Geral dos Espectáculos, possui a Direcção da Sociedade de Instrução Tavaredense um projecto de transformação e ampliação da sede, que ficou devendo à generosidade e simpatia com que o distinto arquitecto Exmo. Sr. Isaias Cardoso sempre tem acompanhado a acção desta colectividade. É a este projecto que se pretende dar execução.
         A obra é importante, e o respectivo orçamento atingirá cerca de Esc. 300 000$00. Mas a sua realização impõe-se, sem o que não poderá prosseguir e desenvolver-se a acção cultural, educativa e beneficente, de incontestável alcance social e patriótico, que torna altamente honrosa a folha de serviços da SIT. O breve resumo que, em anexo, nos permitimos oferecer à consideração de V.Exa., fala expressivamente do valor dessa actividade, cujos benefícios alcançaram não apenas a população tavaredense e o concelho da Figueira da Foz, mas também outras localidades do país. Afigura-se-nos que esta actividade social de mais de meio século, levada a efeito, aliás, com singela humildade mas com plena consciência dos seus efeitos salutares, merece ser continuada e alargada.
         É neste espírito que nos dirigimos a todos os nossos consócios e também às pessoas a quem a actividade da SIT merece simpatia e aplauso.
         Constituiu-se uma Comissão que assina este apelo, com o fim de promover a obtenção dos fundos necessários para a execução do projecto superiormente aprovado. E, convencidos de que V.Exa. desejará auxiliar-nos, pois lhe será grato contribuir para uma obra que dará à velha colectividade tavaredense a possibilidade de prosseguir uma actividade benemerente com a qual conquistou o louvor geral, vimos solicitar a sua ajuda, que poderá ser-nos dada com donativos em dinheiro ou em materiais.
         Confiadamente esperamos ser atendidos, pelo que lhe rogamos a fineza de preencher o boletim junto; ou, se isso nos for permitido, procuraremos pessoalmente V.Exa. para recebermos a resposta a este nosso apelo.
         Apresentando-lhe os nossos cumprimentos e testemunhando-lhe sincero reconhecimento, temos a honra de nos subscrever

Logo que teve conhecimento daquele concurso, a Direcção da Sociedade reuniu-se com todo o grupo cénico. Eis um apontamento sobre esta reunião. O director do grupo cénico, senhor José Ribeiro, expôs o seu ponto, manifestando-se contrário à participação da SIT naquele concurso, prometendo, no entanto, assumir as responsabilidades atribuidas no regulamento aos ensaiadores dos grupos, se a Sociedade resolvesse concorrer. Após demorada troca de impressões resolveu-se, não obstante o parecer contrário do director cénico, que a SIT fizesse a sua inscrição.

Entretanto, e para comemorar o cinquentenário da morte do poeta e dramaturgo D. João da Câmara, foi levada à cena a comédia Os velhos. E foi com esta peça que concorreram ao mencionado concurso, na categoria comédia, escolhendo, para a categoria drama, Frei Luís de Sousa.

Foi uma decisão acertadíssima. Após as representações na sede, como provas de selecção, foi escolhida, para ir à fase final, em Lisboa, a comédia Os velhos. Em Fevereiro de 1959, a revista Plateia publicou uma entrevista feita ao director cénico. - Quantos anos de existência tem a vossa colectividade e a que modalidades se dedica?
         - O artigo 1º dos nossos Estatutos estabelece: “A Sociedade de Instrução Tavaredense, fundada em Tavarede em 15 de Janeiro de 1904, é uma associação essencialmente destinada à instrução e educação das classes populares”. E o artigo 2º diz: “Para realizar o seu objectivo manterá na sua sede uma escola nocturna e gratuita em que se ministrará o ensino primário”. Esta escola nocturna funcionou ininterruptamente, com proveito notório da humilde população tavaredense, desde a fundação da Sociedade, em 1904, até 1942. Possui também biblioteca, que proporciona leitura domiciliária aos associados.
         - Desde quando fazem teatro e qual o critério que seguem na escolha do reportório?
         - Pratica-se teatro desde o primeiro ano da fundação da Sociedade, embora nos primeiros tempos esta actividade não fosse constante. Nos últimos quarenta e dois anos, porém, sob a orientação do mesmo director cénico, a actividade da secção tornou-se permanente. No artigo 3º dos Estatutos determina-se: “Como elementos educativos e de recreio terá uma biblioteca e gabinete de leitura e utilizará o seu teatro, mantendo uma secção dramática que se guiará por um regulamento elaborado pela Direcção”. Na Sociedade de Instrução Tavaredense a actividade teatral não é propriamente a que resulta da reunião de umas tantas pessoas com o fim de levarem à cena uma peça: esta actividade tem carácter de permanência e é norteada por este princípio estatutário: utilizar o teatro como instrumento de recreio e de cultura.
         Paralelamente com as representações teatrais realizam-se palestras sobre teatro. E também se têm levado a efeito espectáculos de características acentuadamente culturais.
         Na orientação seguida na escolha do reportório quase nunca temos em conta os resultados da bilheteira; instruir e educar através do teatro só raramente corresponde a êxitos materiais. Sabendo muito bem que as limitações de um grupo de amadores duma pequena aldeia o impedem de lançar-se na montagem e interpretação de algumas das boas peças dos teatros profissionais, recusamo-nos a pôr em cena alguns dos seus espectáculos que são êxitos de bilheteira garantidos, mas que consideramos degradantes.
         - Qual o número de intérpretes femininos e masculinos tem?
         - Não temos um número certo de intérpretes. Na peça “A Conspiradora”, por exemplo, representada na época anterior, os intérpretes foram vinte e dois. No “Chá de Limonete”, como em “Ana Maria”, o número de intérpretes e figurantes subiu a quarenta. O recrutamento faz-se, entre os habitantes da nossa aldeia, consoante as necessidades. Pode dizer-se que todas as famílias têm tido representação no grupo cénico. O elenco renova-se constantemente, sobretudo na parte feminina. As raparigas casam, e as obrigações do lar não lhes permitem frequentar os ensaios. Só raramente as amadoras que constituem família continuam a representar. Presentemente, há no grupo cénico três admiráveis excepções. Os amadores que, pode dizer-se, sem mantém em longa actividade, quase permanente, entrando em todas ou quase todas as peças, serão uns quinze: nove masculinos e seis femininos.
         - Quais são as dificuldades que mais os têm tolhido e, por outro lado, quais os aspectos favoráveis à vossa acção?
         - As dificuldades são muitas e variadas: licenças e impostos que há muito deviam ter sido suprimidos, direitos de autor pesadíssimos, censura e classificação dos espectáculos. A actividade do grupo cénico da SIT só se mantém à custa de enormes sacrifícios, com muita perseverança e coragem para continuar remando contra a maré do desinteresse e do alheamento duma parte do público e das entidades de quem seria legítimo esperar auxilio moral e ajuda material.
         - A vossa casa de espectáculos está bem apetrechada de material cénico? Possuem pessoal técnico habilitado?
         - A nossa casa é pobríssima. Temos projecto para ampliá-la e melhorar o seu equipamento. Faltam-nos recursos para executá-lo. Todos aqui, desde o director e ensaiador até aos carpinteiros de cena, são amadores.
         - Têm algumas ideias sobre renovação do reportório?
         - Não podemos ter a pretensão de conseguir reportório propositadamente escrito para amadores. Onde estão os escritores que a tal se dediquem? Seria desejar o impossível. Não há outra possibilidade senão recorrer a peças já representadas por profissionais. Nem sequer podemos pensar em traduzir propositadamente peças estrangeiras ainda não representadas no nosso país: as autorizações, licenças e direitos são verdadeiramente impeditivos. O problema do reportório é grave no teatro profissional, não pode deixar de o ser para os amadores.
         - Mantém intercâmbio com grupos congéneres? Quais?
         - Temos visitado as sedes de várias colectividades que têm teatro e grupo de amadores. No concelho da Figueira da Foz levámos a efeito uma “campanha vicentina”: representámos autos de Gil Vicente em várias localidades do concelho; e o mesmo se fez com a comemoração do centenário de Garrett. Também na nossa sede temos recebido a visita de alguns grupos de amadores, nomeadamente o Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra e o Grupo de Teatro Miguel Leitão, de Leiria, e ainda o grupo de Quiaios (Grupo Instrução e Recreio de Quiaios).
         - Quais as reacções do público perante o vosso trabalho?
         - O público reage sempre, nos nossos espectáculos, com muito honrosa simpatia. Mas… o que sucede com o teatro profissional sucede com o teatro amador: o público é hoje muito menor do que há alguns anos atrás. Razões várias explicam este afastamento: umas, facilmente removíveis, pois dependem exclusivamente de providências do estado e das autarquias locais; outras mais difíceis de vencer, e que por isso mesmo deveriam ser seriamente consideradas. Limitações impostas pelo Estado, errado critério das autarquias locais que pretendem fazer receita com o teatro de amadores, dificuldades económicas, mau gosto do público, às vezes lisongeado em vez de ser corrigido, concorrência de outros espectáculos mais acessíveis e que são de perniciosa influência no gosto artístico e na cultura do povo – tudo isto afasta do teatro o povo que ao teatro não devia faltar. Os teatros ficam desoladoramente vazios, por vezes quase desertos! Mas também de quando em quando se esgota a lotação: ainda há pouco a maior casa de espectáculos da cidade vizinha esgotou com uma revista má entre as piores, e com preços elevados, para pouco depois o público deixar a casa… às moscas, num espectáculo declamado de alta categoria artística, pela peça e pelo desempenho. E o mal da cidade vai contagiando as vilas e aldeias: contam-se os espectadores pelos dedos num espectáculo sério, digno, e poucos dias depois acorrem em grande número só porque há cantigas e castanholas.
         - Como encara o problema do teatro em Portugal?
         - O problema do teatro em Portugal não pode ser resolvido isoladamente; outros problemas lhe estão ligados; e não se esqueça de que há, principalmente, um problema de cultura.
         - Quais os vossos planos futuros?

- Os nossos planos futuros? Contentamo-nos com enunciar um programa: persistir apesar de tudo, continuar remando contra a maré, não nos deixando vencer pelo alheamento do público e alimentando sempre a esperança de que ele voltará.

Sem comentários:

Enviar um comentário