sexta-feira, 8 de agosto de 2014

O Associativismo na Terra do Limonete - 88

         E depois de apresentar Uma noite de teatro português, com extractos de peças de Gil Vicente, Almeida Garrett e Luiz Francisco Rebelo, subiu à cena, no palco tavaredense, a peça Omara. Mas, pouco antes, José Ribeiro havia concedido mais uma entrevista. Continua a Sociedade de Instrução Tavaredense a dar execução ao seu programa de educação e cultura popular através do teatro. A actividade do seu grupo cénico é verdadeiramente excepcional, se atendermos ao meio onde, desde há mais de meio século, ela se desenvolve. Depois do notável programa “Noite de Teatro Português”, com obras de Gil Vicente e Luís Francisco Rebelo, um novo espectáculo está a ser preparado, que será duplamente assinalável: pela peça em si e pela circunstância de se tratar de um autor estrangeiro até agora ainda não representado em Portugal. Referimo-nos à peça “Omara”, que terá a sua estreia no sábado, 16 do corrente, em Tavarede. O facto parece-nos realmente sensacional, e por isso quisemos ouvir o director do grupo cénico da benemérita colectividade, sr. José Ribeiro, que sem o menor constrangimento se dispôs a atender-nos.
         . É verdade que os amadores tavaredenses vão representar uma peça estrangeira ainda não representada em Portugal?
. É exacto. A peça “Omara” vai ter a sua estreia em Portugal na Sociedade de Instrução Tavaredense.
         Ante a nossa admiração, o nosso entrevistado acrescentou:
         . Compreendo perfeitamente que o facto o surpreenda. São tantas e tais as dificuldades dos grupos de amadores na obtenção de peça representável, que causa certo espanto poder o grupo de Tavarede representar uma obra ainda não levada à cena nos palcos portugueses.
         . Isto é muito honroso para a Sociedade de Instrução Tavaredense, pois não é assim?
         . Sem dúvida, muito honroso, não apenas pela estreia da peça, mas também pela categoria do seu autor, o notável dramaturgo hispano-mexicano Sigfredo Gordon, ainda até hoje não representado em Portugal.
         . Como chegou essa obra a Tavarede?
         . Foi o figueirense dr. Joaquim Montezuma de Carvalho, critico de alta craveira e apaixonado estudioso das literaturas latino-americanas, que nos proporcionou o ensejo feliz de travarmos conhecimento com o autor de “Omara”. Poeta e escritor, Sigfredo Gordon é um grande, um autêntico dramaturgo, com uma vasta obra de teatro: aos 54 anos de idade, 33 peças, 12 das quais já publicadas nos seus 4 volumes de teatro. E, deixe-me que lhe diga, é lástima que os nossos palcos, onde tantas vezes se exibem traduções de obras cujos méritos residem somente no facto de serem estrangeiras, não tenham apresentado até hoje nenhuma deste notável escritor de teatro, que tão bem usa a forma clássica como a moderna e cuja apurada técnica é servida por uma linguagem de riquíssima expressão teatral, um grande poder de síntese criador de belas e vigorosas situações dramáticas e uma extraordinária facilidade de dialogar, seja nos domínios da arrojada fantasia ou na teatralização realista.
         . E foi o autor que indicou a peça para Tavarede?
         . Não. “Omara” foi escolhida por nós. É admirável, e exultamos por nos ter sido permitido representá-la. Como igualmente muito gostariamos de representar outras do mesmo autor, por exemplo, La Venus de Sal, Uma Casa en lo Alto, La Muerte, Manda Tres Rosas...
         . Pode dizer-nos alguma coisa acerca da interpretação pelos amadores tavaredenses e do critério seguido na encenação de “Omara”?
         . Lá o poder, posso – mas não devo. Essas coisas vêem-se no palco – e podem ver-se no sábado em Tavarede, sem necessidade de nos pormos a fazer crítica antecipada, que poderia parecer... desnecessária justificação ou tentativa de desculpa... Direi, isso sim, que todos na SIT nos empenhamos em apresentar a peça com a dignidade e o respeito que a obra e o autor merecem.
         . Ainda uma pergunta: a Sociedade de Instrução Tavaredense toma parte no festival de Teatro Amador de Coimbra?
         . Sim. Esse Festival, cuja realização se fica devendo ao corajoso Ateneu de Coimbra e ao seu ilustre orientador dr. Mário Temido, está a decorrer com grande brilho. Nele intervêm os grupos de teatro do CITAC, das Caldas da Rainha, de Aveiro, do Ateneu de Coimbra, do TEUC e da Sociedade de Instrução Tavaredense, que levará “Omara”.
         Agradecemos a franqueza com que as nossas perguntas foram respondidas. E ao despedirmo-nos arriscámos ainda:
         . Ouvimos dizer que esta peça de Sigfredo Gordon foi cedida a Tavarede com isenção de pagamento de direitos de autor, o que nos parece extraordinário, sabendo-se como é difícil aos grupos de amadores obterem autorização para representar certas peças, mesmo pagando direitos...
         . Sim, sim... É o caso de Para Cada Um Sua Verdade, do Processo de Jesus... Mas isso é outra história. Adiante... Por muito estranho que pareça, a verdade é que Sigfredo Gordon, com uma gentileza que nos desvanece e muito honra os tavaredenses, autorizou a Sociedade de Instrução Tavaredense a traduzir a peça, no que foi generosamente secundado pelo seu representante, sr. D. Juan Enrique Bécker (Agência Internacional de Teatro e de Literatura Latino-Americanos, com sede na Suiça), que logo autorizou a representação de “Omara” com total isenção de pagamento de direitos de autor. E agora permita-nos a nós uma pergunta: Que diz a esta tão expressiva, e tão rara, manifestação de simpatia pela actividade dos grupos de teatro amador?
         Não dissemos nada. E assim terminou a entrevista, com uma pergunta do entrevistado que deixámos sem resposta.
          Com esta peça, o grupo cénico participou no 1º Festival  de Teatro Amador de Coimbra e, logo de seguida, no dia 30 de Janeiro, deu novo espectáculo na sua sede. Foi uma noite inesquecível, de verdadeira apoteose, que dificilmente se desvanecerá da memória de todos quantos tiveram a felicidade de assistir à memorável récita, que teve a presenciá-la, além dos srs. Presidente da Câmara, vereador do pelouro da Cultura, Director do Museu e Biblioteca Municipais e outras individualidades e distintas senhoras da melhor sociedade figueirense, o sr. D. Juan Enrique Becquer, que, tendo vindo da Suiça ao nosso país em viagem relacionada com os interesses dos seus representados, se deslocara propositadamente a esta localidade para conhecer e apreciar o teatro tavaredense, que mestre José Ribeiro dirige com a maior dignidade e seu profundo saber há mais de 50 anos.


D. Juan Becker usando da palavra, em cena aberta
        
Antes do início do espectáculo, José Ribeiro dirigiu brilhante saudação ao nosso ilustre hóspede e manifestou-lhe o reconhecimento da SIT pela sua tão honrosa visita, que enchia de orgulho os tavaredenses.
         O público, de pé, irrompeu numa calorosa manifestação, como raramente temos assistido na SIT, a D. Juan Enrique Becquer.
         Então o ilustre diplomata, transmitindo as saudações de que era portador para a prestigiosa colectividade, de sua Exª o sr. Embaixador do México em Lisboa, agradeceu num vibrante improviso as demonstrações de simpatia e carinho de que estava sendo alvo.
         A representação decorreu em elevado nível artístico, salientando-se, sem desprimor para os seus companheiros, a actuação da excepcional comediante que é Violinda Medina e Silva, na interpretação de “Omara”, que por isso a numerosa assistência lhe testemunhou e aos restantes intérpretes o seu alto apreço com entusiásticos e prolongados aplausos.
         No final do espectáculo e em cena aberta foi oferecido pela Direcção ao sr. D. Juan Becquer um lindo ramo de cravos, que lhe foi entregue por Violinda Medina, depois do que teve lugar um fino “copo de água”, a que assistiram, além do homenageado, as ilustres individualidades presentes e o pessoal que tomou parte na inolvidável representação. Fizeram uso da palavra os srs Presidente da Câmara, Professor Rui Martins, Jerónimo Pais, António Lopes e D. Juan Becquer que renovou o seu reconhecimento pela encantadora recepção que lhe havia sido dispensada.
         O sr. D. Juan Becquer, que chegara à Figueira na sexta-feira, regressou a Lisboa no domingo, tendo comparecido a apresentar-lhe cumprimentos e a desejar-lhe boa viagem, directores da SIT, Professor António Vitor Guerra e outros elementos da colectividade.
         Durante a sua curta estadia nessa cidade, sua exª visitou, acompanhado dos srs. Professor António Vitor Guerra e José Ribeiro, a Casa do Paço, onde apreciou os artísticos e valiosos azulejos ali existentes, o Museu e Biblioteca, o Grande Hotel e a Serra da Boa Viagem, confessando-se encantado com a Praia da Claridade e o mais que lhe foi dado observar.

         Na segunda-feira foi o mesmo grupo cénico a Coimbra, representar no Teatro Avenida, “Omara”, com que tomou parte no I Festival do Teatro Amador, da organização do Ateneu daquela cidade.

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