sábado, 29 de novembro de 2014

Histórias e Lendas - 9

Ainda continuamos com as águas do Prazo recordando que, até chegarem à Várzea, eram a força motriz     que fazia mover as cinco azenhas, a segunda das quais, defronte à bica do S. Paio, era local de paragem obrigatória no regresso da romaria à capela do santo. A parede junto à qual girava a enorme roda impelida pela água, estava sempre coberta de viçosas avencas e a fresquidão do sítio era óptimo convite à petisqueira.

Quando as águas correntes chegavam à aldeia, junto da igreja, lá encontravam as lavadeiras de terra lavando as suas roupas ou das suas freguesas da cidade, sempre cantando as bonitas cantigas do teatro.

Claro, que nem sempre era assim. Apesar da enorme quantidade conduzida para a cidade e que no verão fazia diminuir consideralmente o caudal do ribeiro, do que se ressentiam os agricultores das férteis leiras, havia, nos invernos mais chuvosos e rigorosos, cheias que inundavam terras de cultura, quintais e lojas das habitações, não poucas vezes chegando até ao meio da velhinha Rua Direita.

Em Agosto de 1910, encontrámos, na imprensa figueirense, este interessante anúncio: “Tende cuidado com o vosso estomago e intestinos. Uma boa água poderá dar-vosprolongada velhice. Digerir bem é ter alegria e ser feliz. Quereis uma excelente água para a vossa casa? Bebei a da ‘Fonte da Moura (Tavarede) e que vos vai à vossa porta por 100 reis os vinte litros. Depósito e requisições na ‘Farmácia Milheiriço’ rua 11 de Setembro”.

Não conseguimos localizar o local onde nascia esta milagrosa água. E, pelos vistos, seria uma muito boa água. “Nascida no sitio denominado “Fonte da Moura”, na freguezia de Tavarede. Esta excellente agua, que tem tido uma procura extraordinaria, é positivamente das melhores que tem apparecido, sendo o seu preço diminutissimo, pois é vendida á razão de 100 reis os vinte litros. É posta á porta de quem a requisitar sem maior dispendio.
            Leve, crystallina e fresca auxilia e facilita a digestão, bebendo-se por prazer. A falta de uma boa agua na Figueira ao alcance de todas as bolsas está finalmente remediada com a apparecimento da Agua da Fonte da Moura, colhida com o maior rigor de hygiene e captada em fonte hermeticamente fechada e limpa.
            Registamos com prazer este beneficio prestado aos figueirenses e aos seus hospedes, pois uma boa agua vale tanto como a propria vida. É depositaria a Pharmacia Milheiriço, na rua 11 de setembro, onde pode ser requisitada”.

Mas a Companhia do Gaz e da Água resolveu acabar com o negócio, sentindo-se lesada com a concorrência. Fez a respectivas participação à Câmara figueirense, quer tomou a deliberação “... ofício desta data da companhia do gaz e da água desta cidade, acusando a recepção do ofício de 30 do mês findo, agradece o ter sido atendida a sua reclamação sobre a venda ao público de água de uma fonte próxima de Tavarede, continuando a fazer-se a venda. Deliberou-se providenciar”. E assim acabou o negócio.

A fonte da Várzea era célebre, não só pela excelência da sua água, mas igualmente por ser o lugar escolhido para a concentração dos ranchos dos potes floridos que, na manhã do primeiro de Maio, iam à Figueira cantar e dançar.

O lugar da fonte, certamente pelo seu encantamento, inspirou poetas que nos deixaram textos e versos muito inspirados. “... Não há moça de trabalho, que não consuma e môa a derradeira noite de Abril, a florir seu pote de barro vermelho, - que é grande o despique em apresentar caprichosamente enfeitadas, as cantaras airosas.
            Urdem-se entre folhas de hera, os tenras ramagens de buxo ou loiro, círculos de rosas e cravos em coloridos e bizarros tons, que enastram o bôjo da vasilha, caem em aneis pelo talhe grêgo dos bocais, e pelo jeito em ânfora à roda das azas perfeitas.
            E grandes laçadas de fitas de sêda, descem pelos pucaros bem torneados, humidos e apetitosos, que matam sêdes de água e amor, a beiços de namorados...
            Ainda o céu é um crivo de estrêlas e mal se laiva o nascente de uma ténue e branda claridade, já descem dos píncaros do Cruzeiro, das azinhagas do Robim, da estrada de Mira, - seguindo no caminho fácil e geitoso da Várzea-de-Tavarede – ranchadas de gente môça e garrula, cantando e bailando, entre risos e folgares.
            Em roda da Fonte, com seu arco moirisco, é bem uma romaria. Os toques, são às duzias. E andam pelo ar cantigas d’oiro, com résteas de Sol!
            Chegou agora o grupo dos “Amorosos”. São de Brenha. A tuna, é de apetite. Os rapazes trazem bonés forrados de fustão branco. E as raparigas ramos de limonete e pandeiretas de onde pendem tiras vistosas de mil côres. Cantam, com acompanhamento de côro, a velha moda popular “Margarida-vai-à-Fonte”. Que linda voz tem a cantadeira...”.

         Vejamos, ainda, mais uma significativa nota. “ Beber, no alvor da madrugada do 1º. de Maio, água pura, gostosa e fresca, na fonte milagreira da Várzea de Tavarede - é da tradição que fornece saúde, felicidade, alegria e sorte - para o ano inteiro!
            Por isso, tôda a gente das terras ao derredor da linda e risonha aldeia, se agrupa e junta na praxista manhã, no largo onde a bica rumoreja num fio cristalino.
            Não há môça de trabalho, que não consuma e moa a derradeira noite de Abril, a florir seu pote de barro vermelho - que é grande o despique em apresentar, caprichosamente enfeitadas, as cântaras airosas.
            Urdem-se entre fôlhas de hera, ou tenras ramadas de buxo ou louro, círculos de rosas e cravos em coloridos e bizarros tons, que enastram o bôjo da vasilha, caem em anéis pelo talhe grego dos bocais, pelo jeito em ânfora das asas perfeitas.
            E grandes laçadas de fitas de sêda, descem pelos púcaros bem torneados, úmidos e apetitosos, que matam sêdes de água e amor, a beiços de namorados...
            Ainda o céu é um crivo de estrêlas e mal se laiva o nascente de uma ténue e branda claridade, já descem dos píncaros do Cruzeiro, das azinhagas do Robim, da estrada de Mira - seguindo no caminho fácil e jeitoso da Várzea de Tavarede - ranchadas de gente môça e gárrula, cantando e bailando, entre risos e folgares.
            Em roda da fonte, com seu ar moirisco, é bem uma romaria. Os toques, são às dúzias. E andam pelo ar cantigas de ouro, como résteas de sol!”.

Já nada resta da fonte e o largo onde dançavam os ranchos, à sombra do enorme pinheiro manso, deu lugar a uma rotunda e a uma via rápida.

  






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