sábado, 29 de novembro de 2014

O Associativismo na Terra do Limonete- 104

A propósito da reaparição, em cena, da amadora Violinda Medina e Silva, encontrámos a seguinte nota: Já lá vai, talvez, uma trintena de anos, era eu ainda uma criança de calção e bibe.
         Em Tavarede, onde fora ao teatro pela mão de meu pai, recordo que pouco faltou para a casa vir abaixo, tamanha foi a trovoada de aplausos que culminou a representação da peça então em cena. Uma amadora era especialmente distinguida: Violinda Medina e Silva.

 
                    Violinda Medina e Silva

          Passaram os anos, tudo naturalmente envelheceu. Se D. Violinda levar hoje os dias agarrada a recordações, não me admira. Eu próprio, bem mais novo, me tenho visto já a debruçar nos terraços do tempo, buscando na memória pessoas e coisas que a emoção gravou. Violinda Medina e Silva é, por exemplo, uma delas. Recordo o seu porte majestoso no papel de D. Madalena de Vilhena; a sua naturalidade exemplar em Os Velhos, de João da Câmara; o seu admirável desempenho em As Árvores Morrem de Pé, de Alejandro Casona. Recordo tudo isso. Mas poderia lembrar muitas outras representações em que interveio o seu talento invulgar.
         Pois Violinda Medina e Silva – essa extraordinária mulher da cena portuguesa – vai regressar ao palco. Em Tavarede, pois onde havia de ser? É ali que ela tem levado toda uma vida de devoção pelo teatro; foi ali que ela conheceu os maiores êxitos da sua carreira; é ainda ali que, religiosamente arrecadadas, velhinhas tábuas de um antigo palco aguardam, sem pressas, o dia de serem a mortalha da actriz.
         Nota: Talvez que o leitor se surpreenda com o último parágrafo, ou melhor, não compreenda bem… Se estiver nesse caso é porque não sabe que Violinda Medina e Silva deseja ter por caixão… as tábuas do antigo palco do Teatro de Tavarede. As tábuas estão arrecadadas, e a sua vontade cumprir-se-á. Oxalá que daqui por muitos anos.

E com vista às comemorações das Bodas de Diamante, copiámos a seguinte nota: A história dos primeiros 50 anos de vida dessa prestigiosíssima colectividade que é a Sociedade de Instrução Tavaredense, está fielmente retratada num livro comemorativo das respectivas “Bodas de Ouro”, da autoria do distinto jornalista, nosso conterrâneo, José da Silva Ribeiro. Que propositadamente a escreveu em linguagem escorreita e cuidada, mas num estilo singelo, que revela clara intenção de pretender interessar pessoas de todos os graus de cultura e ser perfeitamente entendido mesmo pelos mais humildes dos seus leitores. Ela apenas pecará por uma sobriedade da apreciação de excepcional e admirável Obra levada a cabo, que bem se compreende e aceita, por o autor ser desde longa data o grande, esclarecido e proficiente mentor, guia e esteio dessa mesma Obra. O que a nós, estranhos a ela, mas seus incondicionais admiradores, nos cumpre suprir.
         Foi a 15 de Janeiro de 1904, que em Tavarede, ridente povoação dos arredores da Figueira, mas modesto aglomerado rural de menos de mil habitantes, catorze homens, todos de humílima condição social, parcos meios e modestíssimas profissões, resolveram fundar a Sociedade de Instrução Tavaredense. Finalidade: servir de suporte a uma escola para ensino dos sócios e seus filhos. Mas porque na terra havia largas tradições teatrais, logo elas foram reatadas com a criação de brioso grupo dramático, que ainda nesse ano deu o seu primeiro espectáculo.
         Os benefícios prestados à instrução pela escola nocturna desta prestimosa colectividade, no meio em que actuava e durante um período de 38 anos, em que funcionou, ininterruptamente, foram incalculáveis. Infelizmente, porém, em 1942, exigências de legislação totalitária do “santa combismo” forçaram a pôr termo a essa verdadeira campanha de combate ao analfabetismo.
         Apesar das dificuldades e encargos que, em lugar de estímulos e auxílios, lhe foram, num crescente, sendo impostos, o teatro da Sociedade de Instrução Tavaredense é que, longe de perder vitalidade ou mesmo soçobrar, cada vez em ritmo mais acelerado prosseguiu, tão resoluta como triunfantemente, e sob todos os aspectos, a sua brilhante carreira ascencional. Cresceu de maneira notável o seu nível artístico, tanto de reportório como de interpretação. Alargou-se a sua esfera de acção, ultrapassando a própria sede e área do concelho, com várias deslocações a terras como o Porto, Coimbra, Leiria, Tomar, Torres Novas, Pombal, Soure, Marinha Grande, Pampilhosa, Colares, etc. Sendo de registar, neste capítulo, que todas essas deslocações foram sempre para fins de beneficência e atingiram o número de 20 pelo que se refere a Coimbra e de 16 pelo que diz respeito à cidade de Tomar. Chegou-se mesmo ao ponto de levar a cabo uma campanha vicentina que, com o maior êxito e todo o mérito, se tornou extensiva às freguesias rurais do concelho.
         Ao fazer a resenha dos primeiros cinquenta anos de actividade do grupo cénico, que dirigia há já 38 anos, José da Silva Ribeiro interrogar-se-ia: “Como irá ser o futuro?”.
         Mas ele em nada desmereceu do passado. Muito pelo contrário.
         O seu famoso agrupamento manteve o mesmo ritmo de intenso labor. Requintou em primores de interpretação e montagem. Levou à cena cada vez reportório de mais alto nível, categoria e responsabilidade. Representou, entre muitos outros, Almeida Garrett, Luís de Camões, Marcelino Mesquita e D. João da Câmara, novas e várias peças de Gil Vicente, “Romeu e Julieta”, “Dente por Dente”, “Conto de Inverno”, “Tudo Está Bem Quando Acaba Bem”, de Shakespeare, “As Artimanhas de Scapino”, “Médico à Força”, “O Avarento” e “Tartufo”, de Molière. Além de umas tantas peças de José da Silva Ribeiro, que com elas totalizou 19 originais, adaptações e traduções destinadas ao seu grupo cénico.
         Não devendo esquecer-se as suas intervenções valiosas em comemorações como as do: “V Centenário da Morte do Infante D. Henrique”; “Dia Mundial do Teatro”; “IV Centenário de Shakespeare”; “5º. Centenário do nascimento de Gil Vicente”; e “4º. Centenário da publicação dos Luzíadas”.
         Quem ousará, portanto, pôr em dúvida que são na verdade notáveis as “Bodas de Diamante” da Sociedade de Instrução Tavaredense? Ou negar que elas constituem a concludente e irrefutável prova do invulgar amor ao teatro, do bairrismo e da perseverança no esforço colectivo, mesmo dirigido apenas às coisas do espírito, da gente da terra do limonete?
         Entre a qual, neste caso ocupa o primeiro lugar por direito próprio, que ninguém jamais tentou negar-lhe, José da Silva Ribeiro, nobre figura de indefectível democrata, com carácter espartano, que o emérito professor Joaquim de Carvalho considerava seu “companheiro de sentimentos e propósitos”.
         Um homem de invulgar inteligência e craveira intelectual, associadas a perfeita noção da perenidade dos autênticos valores espirituais e sociais, que há 62 anos, com notável estoicismo, é o grande arquitecto de tão admirável Obra, que no presente caso põe em jogo e acção todas as faculdades do espírito tanto de intérpretes como de espectadores. Facto que naturalmente leva a concluir que o teatro, como a música, deveriam fazer parte integrante da cultura geral dos indivíduos.
         Por tudo o que fica dito e o muito mais que ficou por referir, nos parece serem as próximas “Bodas de Diamante”, da Sociedade de Instrução Tavaredense, o ocasião mais oportuna para que a Figueira preste à referida colectividade e ao seu devotado director cénico as homenagens a que ambos têm inteiro jus.
         Com o que, por múltiplas razões, se cumprirá apenas um dever.


E relativamente a estas comemorações, queremos aqui recordar um caso interessante. Era, então, presidente da Câmara da Figueira, o reverendo Dr. José Manuel Leite, grande e devotado amigo desta colectividade. Como membro da comissão organizadora das festas, pedimos uma entrevista. Havíamos pensado em conseguir a presença de uma figura importante, na cultura nacional, para presidir à sessão solene. Ocorreu-nos o nome do prof. Dr. David Mourão Ferreita, na ocasião secretário de Estado da Cultura. Solicitámos a colaboração do referido presidente da Câmara. Amável, como sempre, concordou com a nossa sugestão, prometeu-nos a sua diligência, mas adiantou: A Câmara vai tentar, e decerto conseguirá, a vinda do secretário de Estado da Cultura. Mas, vocês, vão prometer que conseguem que, nessa sessão solene, Mestre José Ribeiro aceitará receber, publicamente, a medalha de ouro da cidade, que lhe foi atribuida há cerca de dois anos e ainda não recebeu

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