sexta-feira, 7 de novembro de 2014

O Associativismo na Terra do Limonete- 101

Foi, pois, ao espectáculo do passado dia 4, realizado no teatro da SIT, que o ilustre professor jubilado da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, sr. Dr. Hernâni Cidade, eminente presidente da Comissão Nacional das Comemorações Camonianas – que desde há muitos anos se digna honrar-me com a sua preciosa amizade, a pontos de já por diversas vezes ter colaborado no meu “Jornal de Sintra” -, esteve presente e se fez acompanhar de diversos intelectuais seus amigos.
         Entusiasmado por meu filho, que dias antes, vindo do Norte e indo beijar a familia a Tavarede (onde também nasceu), assistiu a uma representação da aludida peça, também, com ele, a esposa e filha, minha mulher e um casal amigo, ali me desloquei.
         Dou-me por muito feliz tê-lo feito. O contrário redundaria numa carga de remorsos que         nunca mais deixaria de pesar-me na consciência…
         Ao abrir o espectáculo, José Ribeiro, descendo ao proscénio, num improviso felicíssimo, como sempre, cumprimentou e saudou, brilhantemente, o ilustre e categorizado académico, regozijando-se com a grata presença de tão elevada personalidade, que honrava, sobretudo a veneranda colectividade de cultura popular da sua terra e os seus humildes amadores teatrais, todos gente do povo, para quem pediu a maior generosidade e benevolência na interpretação das peças que iriam apreciar.
         E o espectáculo começou pela ordem em acima referida…
         … e acabou, sob uma estrepitosa, interminável e delirante salva de palmas, devidas aos artistas competentes, e chamadas entusiásticas a José Ribeiro . que bem mereceu, de facto, as retumbantes manifestações de carinhoso apreço de que foi alvo!
         Antes do pano baixar, o ilustre espectador, sr. Dr. Hernâni Cidade, subiu ao palco, onde lhe foi entregue, por uma amadora, um lindo e viçoso ramo de flores, após o que, no uso da palavra, proferiu um eloquente discurso – que foi bem uma magnifica lição histórica – em que envolveu, na simpática pessoa de José Ribeiro, o seu apreço ao grupo cénico que acabara de apreciar e o seu abraço de simpatia ao bom povo da linda aldeia em que se encontrava, rodeado dos mais cativantes e bem merecidos carinhos.
         Uma apoteótica salva de palmas coroou a magistral lição do ilustre orador.

Prof. Dr. Hernâni Cidade, em Tavarede

No salão de recepções da SIT foi, depois, servido a convidados de honra presentes ao espectáculo, amadores cénicos, etc., um suculento “copo-de-água”, que deu ensejo a que todos os presentes se regalassem de ouvir mais dois brilhantes discursos, primeiro, pelo velho amigo José Ribeiro, depois, pelo eminente presidente da Comissão Nacional das Comemorações de “Os Lusíadas”.
         Mais uma vez saí, orgulhoso, de Tavarede – e profundamente envaidecido pela cada vez mais aprimorada capacidade artística dos meus conterrâneos! Só é pena que, tanto o espectáculo de agora, como tantos outros que lá têm sido realizados, todos da mais reconhecida e categorizada interpretação e rigorosa encenação, fiquem só por ali e pela Figueira…
         Um grande abraço de parabéns, pois, ao “velho” Zé Ribeiro e aos seus pupilos, entre os quais a “hierarquia” dos Medinas continua a estar bem representada – em quantidade e qualidade – graças a Deus!...
         De represso a Sintra, pensei em dirigir um pedido de duas palavrinhas, sobre os tavaredenses, a tão ilustre catedrático, quase certo de que não deixaria de ser gratamente atendido; e, como tal, assim o fiz, tendo logo merecido a desvanecedora atenção de Sua Exª, que se dignou honrar-me com a carta que se segue – e aqui se agradece, reconhecida e gratamente, com um sincero e respeitoso abraço de muita admiração e estima. Bem haja, pois, por tamanha honra, sr. Dr. Hernani Cidade:
         Sr. António Medina, Meu prezado amigo:
         Tenho o tempo tomadíssimo, mas não lhe posso negar as palavrinhas que me pede sobre o espectáculo a que ambos assistimos na sua terra, na inesquecível noite de 4 de Novembro.
         Foi tudo para mim uma impressionantíssima surpresa! Sem me deter na maneira como fui acolhido, com simpatia de tão espontânea generosidade e com palavras de tão calorosa eloquência, prefiro falar-lhe do modo como eu próprio fui empolgado pela interpretação do auto camoneano – El-Rei Seleuco. Inteligente a interpretação, adequado o cenário, com a necessária dignidade o vestuário, e tudo em termos de dar a melhor evidência a certa grande realidade excepcional: uma exemplaríssima dedicação de José Ribeiro pela educação do povo humilde da sua aldeia e a colaboração de todos nessa obra admirável com a entusiástica aceitação dela – a melhor, a mais comovida e autêntica maneira de lha agradecer.
         José Ribeiro merece aquele ambiente de calorosa estima e de enternecida admiração, que lhe dedicam todos os colaboradores, todo o povo de Tavarede. E até na formação de tal ambiente está demonstrada a superior sensibilidade do povo a cuja educação ele com tanta bondade e com tanta inteligência consagra a sua devoção cívica e a sua humaníssima paternidade. Na verdade, é uma surpresa gratíssima sentir como todos desempenham os seus papéis! Sem um comum fundo de cultura superior à habitual em pessoas de aldeia e profissão humilde, não seria possível tanta maleabilidade na interpretação e representação das figuras, na adequação a estas de falas e atitudes, quer naquele auto, quer na Evocação de Camões e “Os Lusíadas”, da autoria do seu ilustre conterrâneo.
         É uma bela obra, a que José Ribeiro está realizando. Mas é o de melhor colaboração possível, o ambiente moral e até artístico em que tem a felicidade de trabalhar. Merecia-o o seu talento; merecia-o a sua simpatia, a que nem falta a espontânea eloquência com que sabe comunicar-se.
         Aqui tem, meu querido amigo, o que, da abundância do coração, me veio ao bico da esferográfica.
         Tudo isto e ainda um abraço do seu amigo Hernâni Cidade. 

Entretanto um novo projecto de obras começou a formar-se: a construção de um pavilhão desportivo. Anexo à sede e a edificar no antigo campo de jogos. Nova campanha para angariação de fundos, muita dedicação e muito esforço colectivo, e a obra acabou por iniciar-se e, anos mais tarde, concluir-se.

         Depois do movimento de 25 de Abril, Mestre José Ribeiro escreveu e ensaiou uma nova fantasia. Deu-lhe o título de Manta de Retalhos. Sobre esta peça, não resistimos à transcrição desta nota. Eu que não assisti a nenhuma estreia, fui desta vez a uma, sem constrangimento, com prazer. Isto aconteceu num lugar pouco conhecido, porém, o mais teatral de Portugal: em Tavarede. Vila de 500 habitantes – perto da Figueira da Foz -, possui um grupo de teatro amador já famoso e cujo mentor, José Ribeiro, não precisa das acções de dinamização cultural vindas de fora, porque ele a dinamiza há já algumas dezenas de anos, e de dentro.
         Na verdade, em Tavarede faz-se mais teatro do que em Lisboa e do que em Paris e Londres: dos 500 habitantes, na última estreia, vimos cerca de 40 actores, uma dúzia ou mais de músicos tocando no fosso da orquestra, 20 técnicos de cena, enfim, uma percentagem considerável da população local.
         A peça estreada chama-se “Mesa Redonda” e o seu autor compilador é uma vez mais o infantigável José Ribeiro, 80 anos passados; mesmo após uma recente grave doença, continua cheio de “verve” e quando anda, os outros têm de correr atrás. Diz-se: o que há de bom em Tavarede, é a água e o José Ribeiro. Mas voltando ao espectáculo: era um exemplo vivo da aliança da cultura “culta” (Gil Vicente, Sóror Mariana, Cântico dos Cânticos) com as preocupações locais  e até políticas do momento. Uma revista “sui generis”, com quatro “compères” (de mesa redonda quadrada), com música, canções, finais e tudo, com dezenas de cenários ou apontamentos montados num abrir e fechar de olhos, rigorosamente, sem falha; e, dentro desse global recreativo os textos muito belos e sérios.
         A estreia foi um êxito mas o eco não chegou, que eu saiba, a Lisboa. Ficou no seu lugar para o qual foi concebido o espectáculo, com honestidade, trabalho e talento, sem modas e oportunismos. E quase me penitencio de falar dele, neste jornal: é como desvendar deslealmente um segredo, embora movido pela simpatia, admiração e até mais. Eis o abraço do espectador da estreia, desta vez não renitente. Jorge Listopad.


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