sábado, 20 de dezembro de 2014

Histórias e Lendas - 12

         Por carta de 15 de Setembro de 1522 do rei D. João III é concedida ao fidalgo tavaredense, como recompensa dos serviços prestados em África, uma tença. “D. João, pela graça de Deus Rei de Portugal e dos Algarves, Daquém e Dalém mar em África, Senhor da Guiné, da Conquista, Navegação e Comércio na Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia. A quantos esta minha carta virem fazemos saber que havendo nós respeito aos serviços que temos recebidos em África, de António Fernandes de Quadros, cavaleiro da nossa casa, e adaíl da nossa cidade de Azamor e assim aos que ao diante esperamos receber, e querendo-lhe fazer graça e mercê, temos por bem e nos praz que ele tenha e haja de nós de tença, em cada um ano do primeiro dia de Janeiro que vem, da era de mil quinhentos e vinte e três em diante, treze mil novecentos e vinte reis, que é outro tanto como tal sua moradia e cevada que de nós havia, o qual houveramos por bem que houvesse em sua casa, em quanto lhe não satisfizessemos o dito ofício de adaíl ou o não fôr por sua vontade servir, porém mandamos aos vedores de nossa fazenda que o façam assim assentar em os nossos livros dela e dar carta em cada um ano da dita tença, para alegar onde haja bom pagamento e nos livros de nossa cozinha, sem pôr verba, como o dito António Fernandes não havia de haver a dita moradia e cevada, para lhe assim mandarmos dar em tença por este padrão, que para firmeza dele, para sua guarda e nossa lembrança lhe mandamos dar, por nós assinado e selado do nosso selo pendente”
         E, conforme já referido, foi nomeado Feitor da Alfandega de Buarcos no dia 1 de Novembro do mesmo ano. “Dom João etc., A quantos esta nossa carta virem fazemos saber que, confiando nós de António Fernandes de Quadros, cavaleiro da nossa Casa, que nos servira bem e fielmente nas coisas em que por nós foi encarregado, e querendo-lhe fazer graça e mercê, temos por bem e o damos ora daqui em diante, por feitor da nossa Alfândega de Buarcos, o qual serviço ele servia quando a Alfândega não fôr prazendada e se arrecadar para nós, e queremos e nos apraz que haja de mantimento cada um ano, à nossa custa, dez mil reis, que é outrotanto como há alguns outros feitores das outras nossas alfândegas.
            E mandamos ao nosso contador de Coimbra que o meta em posse do dito cargo e ao almoxarife  e oficiais dele que sirvam com ele quando a dita alfândega se arrecadar para anos como dito é, sem dúvida nem embargo algum que a ele seja posto, porquanto havemos por bem que o dito António Fernandes de Quadros utilize a renda da dita alfândega e mandamos aos vedores da nossa fazenda que quando ele servir, lhe despachem os ditos dez mil reis na dita renda e o dito António Fernandes jure aos Santos Evangelhos na nossa Chancelaria, que o servisse bem e verdadeiramente o dito cargo, guardando a nós nosso serviço e as partes seu direito e por sua guarda e firmeza dele lhe mandamos esta, por nós assinada e selada de nosso selo pendente.
            Dada em Lisboa, no primeiro dia de Novembro de 1522”.

         Ainda no mesmo ano e no mês de Dezembro é nomeado Juiz das Sisas de Tavarede. “D. João, etc. A quantos esta nossa carta virem, fazemos saber que confiando nós de António Fernandes de Quadros, cavaleiro da nossa Casa e Adail da nossa cidade de Azamor, que visto nos servira sempre bem e fielmente, como cumpre ao serviço de Deus e meu, e a bem das partes pertence, e querendo-lhe fazer graça e mercê, temos por bem e o damos agora e daqui por diante, por Juiz das nossas sisas de Tavarede e seu ramo, assim e pela maneira que ele o deve fazer e o até agora foi Gil Gonçalves, que por um mandado do Contador da dita comarca servia, o qual lhe deu por bem do nosso Regimento, do qual ele agora renunciou em nossas mãos para o darmos ao dito António Fernandes, segundo pareceu por um público instrumento feito por Henrique, de Coimbra, aos sete dias do mês de Novembro passado deste ano de quinhentos e ….
            … por virtude do qual lhe fizemos do dito ofício mercê, com o qual nos praz que ele haja de mantimento em cada um ano, sem ser do que as sisas dinheiro renderem, à razão de vinte reis por milheiro, até à conta de dois mil e mais são à custa dos rendeiros quando forem as vendas e quando não haver e os … e percalços, ordenamos a ele, pelo nosso Regimento, e se não houvera mais privilégios alguns dos rendeiros montante o dito rendimento e recebendo-se executar-se-á nele e as que não se dão aos juizes que … e os rendeiros lhas derem e incorrem nas penas que se dão àqueles que peitam Juizes e isto tudo segundo forma das minhas ordenações.
            E mandamos ao nosso Contador e a dita comarca que o metam logo em posse do dito ofício e lho deixem servir e usar dele e haver tudo o que dito é, sem a ele pôr dúvida nem embargo algum, que lhe acho seja … porque assim é nossa mercê, o qual António Fernandes jurar na nossa Chancelaria aos Santos Evangelhos, que bem e verdadeiramente sirva o dito ofício, guardando o serviço de Deus e nosso e as partes seu direito, e pago ordenado dele mil e quinhentos reis”.

         Para proteger os seus direitos sobre a Ínsua da Oveirôa, António Fernandes de Quadros faz um acordo com a câmara de Redondos, para aplicação de multas a quem provocasse danos naquela ilhota. “Dom João, etc. A quantos esta minha carta virem, faço saber que por parte de António Fernandes de Quadros, cavaleiro da minha Casa e Adail da minha cidade de Azamor, me foi apresentado um público instrumento com o treslado de um acordo e concerto que o concelho de Redondos, terra e jurisdição de Santa Cruz de Coimbra, com ele fizeram sobre as penas da sua lezíria da Oveiroa, e assim nas costas dele uma confirmação do licenciado João Vaz, Ouvidor das terras do dito Mosteiro, do qual, um após outro, o treslado é o seguinte:
            - Saibam quantos este instrumento de treslado de um pacto, concerto e postura, dado por autoridade de Justiça, em pública forma, virem, como  aos onze dias do mês de Agosto do ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil quinhentos e vinte e três, na vila dos Redondos de  Buarcos, terra e jurisdição do Mosteiro de Santa Cruz, perante o honrado Vasco Anes Castelão, juiz ordinário, compareceu António Fernandes de Quadros, cavaleiro fidalgo da Casa de El-Rei nosso senhor e Adail de Azamor, e disse ao dito juiz que ele, com os oficiais da Câmara da dita vila, fizeram um pacto e concerto e postura e assento, sobre a guarda da sua lezíria da Oveiroa, no livro da Câmara, que lhe requeria lhe mandasse dar o treslado dele em público, para o confirmar com El-Rei nosso senhor, e visto pelo dito juiz seu requerimento, mandou a um tabelião e escrivão da Câmara da dita vila, que lhe passasse o dito instrumento, o qual entrepunha sua autoridade ordinária, que fizesse fé como o público original, o qual pacto de concerto, de verbo a verbo, é o seguinte:
            Aos vinte e cinco dias do mês de Julho do ano de mil quinhentos e vinte e três, na Câmara da vila dos Redondos, estando aqui Vasco Anes Castelão, juiz ordinário na dita vila, e Manuel Rodrigues e Aleixo Afonso, vereadores, e Diogo Pires, procurador do concelho e bem assim Estevão Anes, carpinteiro, e Vasco Pires, homens da Câmara, com Vicente Esteves e Pedro Anes Carnide e Fernão Alvares, alcaide, e Álvaro Gonçalves e André Pires, ferreiro, e muitos homens do povo, e assim estando ali António Fernandes de Quadros, cavaleiro fidalgo da Casa de El-Rei nosso senhor, e da Ordem de Cavalaria de Nosso Senhor Jesus Cristo, e Adail da cidade de Azamor, logo pelo dito António Fernandes foi dito que ele tinha a lezíria da Oveiroa, segundo logo mostrava por uma carta patente de El-Rei Dom Manuel, que santa glória haja, e assim a mostrou um mandado que tinha de quinhentos reis de pena, a quem lhe, na dita lezíria, lançasse bois ou bestas ou lhe tomarem coisas dela ou lhe fizessem outro qualquer dano, o qual por a dita vila fôra apregoado por mandado da Justiça, segundo se pôs a procuração e assento por um tabelião escrivão da Câmara, e que por lhe parecer que a pena de quinhentos reis é muito grande, e assim por outros respeitos que a isso moviam  a ele lhe aprazia como defeito, logo aprouve de não usar mais do dito mandado e penas e provisões que tinha e lhe aprazia que eles todos juntamente em Câmara ordenassem e puzessem aquelas penas que lhe bem parecessem e honestas fossem e nem a dita sua lezíria fosse guardada e o povo não fosse escandalizado, o qual visto tudo por o dito juiz, vereadores e procurador e homens bons e outros que ali se achavam, assim sem dizer como as penas serem grandes e as provisões que sobre isso tinha, lhes agradeceriam o que lhes faziam e todos logo, juntamente com a dita Câmara, ordenaram … da dita lezíria no modo seguinte: Que todo o boi ou vaca ou besta, ou outra qualquer alimária, que se a dita lezíria passasse contra vontade do seu dono, não pagasse mais que trinta reis por cabeça, e toda a pessoa que por sua vontade ou acintosamente lançasse ou mandasse lançar seu gado ou qualquer outra coisa sem licença do dito António Fernandes  ou lá fosse achado lançando ou tirando o dito gado ou tomando-lhe alguma coisa de seu ou das que na dita lezíria sua se criam, pagasse trezentos reis de cadeia e assim aqueles que dentro da dita sua lezíria armassem ou atravessassem algumas redes, porquanto fez certo que com elas lhe causarão ou danificarão sua criação e que porquanto a dita sua lezíria estava entre duas “veàntes” no meio do rio, onde não podem ir sem batel para tirarem o gado fora e poderem trazer ao curral desta vila, ordenam que para melhor guarda da dita lezíria e menos opressão e perigo do gado, ele António Fernandes de Quadros fizesse à sua custa cerrado na dita lezíria em que se o gado bem cerrasse e apresentasse uma pessoa a que fosse dado juramento em Câmara, por o Juiz dos Santos Evangelhos, que bem verdadeiramente guardasse a dita lezíria e encerrasse os ditos gados e tomasse as ditas redes quando lá as achar e das ditas penas e coimas serão o terço para o concelho da dita vila, do qual assento e postura e pacto e concerto o dito António Fernandes aprouvesse e assim do dito Juiz e oficiais e homens da Câmara mandam a mim, escrivão da Câmara, que assim o escrevesse neste livro da Câmara e pediam ao Corregedor ou a El-Rei nosso senhor, que assim o confirmasse. E eu Pedro Anes Sousino, escrivão da Câmara da dita vila, o escrevi e eles todos por verdade o assinaram.
            E treslado assim o dito assento do dito livro da Câmara, por mim tabelião, bem e fielmente o dito António Fernandes pediu o dito instrumento e o dito Juiz lho mandou dar. Testemunhas que foram presentes Pedro Anes Carnide e André Pires. Moradores um em a dita vila e outro. Eu Pedro Anes Sousino, tabelião público em a dita vila por El-Rei nosso senhor, que o escrevi  e em ele meu público sinal fiz que tal é. Vi cá o licenciado João Vaz, Ouvidor nas terras de Santa Cruz, pelo mui ilustre e reverendíssimo senhor, o senhor Infante D. Henrique, cardeal perpétuo, Administrador do dito Mosteiro, etc.
            Este concerto e concórdia feita entre o concelho da vila de Redondos, terra e jurisdição do dito senhor e seu Mosteiro, com António Fernandes de Quadros, cavaleiro da casa de El-Rei nosso senhor, sobre a guarda da lezíria da Oveiroa e penas e coimas dos gados e pessoas que ali fizerem danos e forem contra a vontade dele dito António Fernandes fazer algum dano, pelo qual me faz pedido que lhe quizesse confirmar assim como entre ele e o conselho da dita vila, em cujo termo este é acordado e assentado e que a concórdia é boa e justa e feita a prazer de partes a quem toca e pertence, e eu em nome do dito senhor Infante Cardeal e como seu Ouvidor, a prova a hei por boa por ela tal ser por boa guarda … dela e das novidades e frutos dela e mando que assim se cumpra e guarde e de para sempre a instituiram como entre eles está acordado e assentado e para fé e certidão fiz e assinei este aos vinte e nove de Dezembro de 1523.
            Pedindo-me o dito António Fernandes por mercê que lhe confirmasse o dito concerto e visto seu requerimento e como é a prazer de partes e assim a certidão do dito Ouvidor de como lhe parece bem e o aprova, por lhe fazer mercê me praz disso e por este lho confirmo e aprovo e hei por bem o dito concerto e acordo assim e na maneira que se em ele contem, e mando ao dito Ouvidor e juizes oficiais e outros quaisquer a que pertencer, que mui inteiramente lho cumpram e guardem e façam cumprir e guardar assim como nele é conteudo, porque eu o hei assim por bem e lhe dei disso esta minha carta por mim assinada e selada de meu selo pendente. Dada na minha cidade de Évora, a cinco dias de Outubro. Brás Afonso a fez, no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil quinhentos e vinte e quatro.

         O contrato do aforamento da Morraceira foi modificado em 25 de Junho de 1537. No livro ‘As Alfandegas’, o dr. José Jardim comenta o facto. “... depois do aforamento, António Fernandes de Quadros começou a tapar e a defender da água do mar, e a romper e reduzir a maior parte dela a cultura, e depois de começar a ser começada a aproveitar o dito Senhor Rei, meu irmão, foi informado que a dita arrematação e aforamento não fora solene, e que houvera nele alguns modos de proteger o dito António Fernandes de Quadros para o haver por menos valor do que valia.
            Mas, atendendo a que a dita Insua em que foi aforada era estéril, por se cobrir às marés de água salgada, e por ver que era impossível poder dar proveito ao dito António Fernandes se aventurar a perder tudo o que nela gastasse, a tapou e defendeu da água do mar, e fez dar proveito, em que gastou muito da sua fazenda e assim mesmo a ele tomar por demanda a dita Insua à sua custa do Mestre de São Tiago que estava de posse dela, e restituir ao dito Mosteiro, e anda ainda agora em demanda com o Mestre por parte do dito Mosteiro sobre a propriedade”.

         Da transação referida resultou “o enfiteuta ficou com o encargo de trezentos e vinte reis e o senhorio com o direito de receber mais, de cada um dos lavradores subenfiteutas, um alqueire, em cada nove alqueires de ração cobrada pela casa de Tavarede e metade da dízima por que a outra metade ‘pagarão onde são fregueses’”.

         Esta propriedade, com os melhoramentos feitos, tornou-se a parte mais importante da Casa de Tavarede. Adquirindo avultados rendimentos, a família Quadros teve um muito importante papel na nossa terra, destacando-se a instituição do morgado e a sua benemerência na edificação do Convento de Santo António, do qual foram grandes protectores.

         “…Mas estes destroços, e os do tempo, não tiveram nem terão eficácia para riscarem da memória dos nossos religiosos, o nome do ilustre Cavaleiro António Fernandes de Quadros, seu particular devoto e benfeitor, antes pretendemos restituir-lhe a glória que outros lhe usurparam, dizendo que a capela mor deste convento se devera a Fernão Gomes de Quadros, seu filho, o que é totalmente alheio da verdade: porque o letreito da pedra, que cobre seu corpo no meio da mesma capela, está requerendo justiça e clamando que esta capela é sua, e nela fora sepultado no mês de Julho de mil quinhentos e quarenta, que foi a ocasião em que passou da vida presente.
            Por este epitáfio, consta que já neste tempo era seu o padroado da capela e que Fernão Gomes, seu filho, entrara nele mais por sucessão do morgado, que por doação do convento. Também o escudo das suas armas, gravado no arco da mesma capela e remate da abóboda, declaram que é sua desde a fundação da casa. Porém, o nome de seu patrono e titular, Santo António, posto que fosse muito do agrado e gosto daquele instituidor, foi eleição do venerável padre Frei António de Buarcos, autor principal de toda a fábrica do convento…”.


         António Fernandes de Quadros e D. Genebra da Fonseca tiveram três filhos: Fernão Gomes de Quadros, herdeiro e seguidor da Casa de Tavarede; Filipa de Azevedo, que casou com António Homem, de Soure; e Ana Azevedo, que seguiu a carreira eclesiástica sendo freira no Convento de Celas em Coimbra.

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