sábado, 3 de janeiro de 2015

O Associativismo na Terra do Limonete - 109

Entre as muitas notas encontradas sobre a nova peça apresentada, destacamos a seguinte: Integrado nas comemorações do 78º. aniversário da Sociedade de Instrução Tavaredense, mais uma peça, original de Mestre José Ribeiro, ali está em representação. Estivemos presentes na estreia, e não resistimos à tentação de escrever uma breve crónica do que nos foi dado apreciar.
         Sabemos, porque temos consciência disso, e porque nos vamos referir a esta peça em termos elogiosos, sendo natural de Tavarede e porque honrosamente tivemos o prazer de fazer parte daquele grupo amador de teatro durante largos anos, sabemos, dizíamos, de que a nossa crónica possa ser interpretada como escrita com um certo sentido “piegas” e de alguma saudade. – É um facto, que não nos podemos alhear dos sentimentos do coração, pois quem alguém que um dia teve a ventura de pertencer ao grupo dramático da SIT, a ele fica eternamente ligado. No entanto, e intencionalmente, deixámos passar alguns dias antes de escrever estas breves palavras, e é com a voz da razão, no nosso entender isento, que transcrevemos a nossa opinião.
         Mas... vamos à “Viagem na Nossa Terra”!
         Esta peça, a que chamamos “Fantasia Histórica”, é mais um original de Mestre José da Silva Ribeiro, que, com os seus oitenta e muitos anos, continua a transportar para o palco toda a juventude do seu enorme talento. Esta peça de teatro é mais um documento histórico da nossa terra, e Mestre José Ribeiro a escreveu em louvor do I Centenário da cidade da Figueira da Foz, pois que alguns quadros o expressam na sua maior clareza. Cavando mais um pouco da história longínqua da sua terra, que tanto ama, - Tavarede -, José Ribeiro não deixou de fazer a sua crítica a momentos actuais e de abraçar a Figueira da Foz neste momento alto da sua existência, que é a comemoração do I Centenário da elevação a cidade. 
         Pensamos, temos a certeza, de que este é, até ao momento, o mais alto contributo para as Comemorações. Julgamos mesmo, que seria imperioso a Comissão Executiva das Comemorações do Centenário, fazer todas as demarches para que esta relíquia e rica peça de teatro fizesse uma digressão por todas as freguesias, e povoações onde fosse possível, para que a população do nosso concelho aprendesse um pouco da história da nossa cidade. – De Afonso Henriques até aos nossos dias, à mistura com quadros de fantasia, é mostrada a história de um povo.
         A peça foi escrita pelo sempre jovem Mestre José Ribeiro, mas como é evidente, não é só a ele que devemos estar gratos pelo belo serão que nos foi proporcionado: - Há também todo um lote de “jovens” – dos mais variados escalões etários -, que conseguem transportar para o palco as ideias de José Ribeiro. São eles os amadores da velha SIT. – Lá vimos os veteranos, mas sempre jovens, João Medina, João de Oliveira, o José Luiz do Nascimento, o José Medina, Manuel Lontro, Antonino Santos, João José da Silva, a Maria da Conceição, a Ana Maria Bernardes (que maravilhosa faz), a Lourdes Lontro, e tantos outros ao lado daquela enorme massa de juventude que ali, no palco da SIT, encontram na ocupação dos seus tempos livres uma forma elevada de cultura.
         Quanto à música também não temos palavras, pois que é agradável e melodiosa. Os seus autores, infelizmente dois já desaparecidos, - (António Simões e Anselmo Cardoso) – e João Silva Cascão.
         Uma última palavra para o guarda-roupa de Alberto Anahory: - “Maravilhoso”.
         Não nos queremos alongar em mais considerações, embora de bom grado o fizéssemos.
         Uma última questão: - “Quem não acredita no que dizemos só terá uma solução, que é ir assistir ao espectáculo”. – Se não gosta de teatro, temos a certeza de que ficará a gostar. Se já gosta, ficaria ainda a gostar mais.

Esta década terá sito uma das ficaram mais marcadas, na história do associativismo tavaredense, pelo desaparecimento de muitas e das mais importantes figuras do palco tavaredense. Não nos iremos referir a todas, mas não podemos deixar de lembrarmos a morte da amadora Violinda Medina e Silva. ... É evidente que nem todos os grupos participantes, tanto nas Jornadas em curso como nas anteriores, apresentam as mesma craveira artística, nem que neste como noutros campos em determinados estádios a quantidade é imprescendível, quando se pretende atingir a qualidade. E, além do mais, como diz Miguel Torga, ‘quem faz o que pode... faz o que deve’. Todavia estas linhas não pretendem criticar seja o que for das Jornadas de Teatro de Aqmadores da Figueira da Foz. A nossa intenção é bem outra, e tem em vista, se possível, fazer com que não resvale para o esquecimento um nome bem grande do teatro figueirense e que há dias exalou o último suspiro de uma vida que teve tanto de gloriosa no palco, como de amargurada nas jornadas quotidianas. Referimo-nos, como é bem de perceber, a Violinda Medina e Silva.
Julgamos que as camadas mais jovens a melhor homenagem que podem prestar à sua memória é participarem activamente em tudo que amplie e honre a apetência teatral das gentes do concelho, e quanto aos organizadfores das Jornadas entendemos que algo deve ser feito, publica e solenemente, que perpetue o valor e dedicação de alguém que sentiu o teatro com todas as veras da alma. E até na tumba não quis deixar de sentir o aconchego das tábuas do palco velho da ‘sua’ Sociedade de Instrução Tavaredense. Por todos estes motivos, poderá ser esquecido o dia em que Violinda Medina e Silva deixou a vida... para entrar na História do Teatro?
Aliás, tudo o que dizemos não é nada comparado com as magistrais palavras do seu velho companheiro das lides teatrais José Ribeiro, proferidas nas cerimónias fgúnebres. Nem a emoção nem a saudade conseguiram turvar as ideias claras ditas por quem (e para quem) teve o teatro como objectivo primordial na vida.

E não é possível deixar de aqui transcrever uma parte da carta que, nesta ocasião, Mestre José Ribeiro escreveu ao seu amigo António Medina Júnior, irmão da defunta. O corpo de tua irmã ainda estava ali na igreja no caixão em que ela quis levar algumas tábuas do palco que durante tantos anos pisara; o espírito da Violinda já tinha voado, mas eu sentia-o vivo, bem vivo no turbilhão das minhas saudades. E eis que vem o teu rapaz pedir-me uma nota sobre a Violinda para o teu jornal – uma breve nota sobre a admirável Mulher e grande e querida Artista de Tavarede – Violinda Medina e Silva.
         Mas, meu velho e desventurado António Medina Júnior: eu já não sei escrever para jornais – nem para os meus, que já não tenho, pois ambos me roubaram e porque deste então senti que me tornavam analfabeto. Perdi-lhe o jeito. Pode o bilhete de identidade continuar a chamar-me jornalista: é mentira piedosa que fiquei devendo, por mal dos meus pecados, à validade perpétua que ali me está assegurada.
         Que escreva para o teu jornal uma nota sobre a Violinda, pedes-me. Pois, meu velho companheiro da velha escola da nossa querida e inesquecível D. Amália! Tu bem sabes, e bem sentes, que a minha vida, como a tua, é já uma longa caminhada tristemente florida de muitas cruzes. Para qualquer lado que me volte – são ecos de ásperas e dolorosas lutas, algumas alegrias e tristezas com sinais dos encontrões que aguentei sem que algum tivesse força bastante para me não deixar de pé. E, tu bem o sabes, está comigo, infatigavelmente permanece – o Teatro. E o Teatro de Tavarede sempre o vejo e sinto com a Violinda Medina – admirável Mulher que a paixão da filha única, brutalmente arrancada ao seu grande amor de Mãe, matou para toda a alegria, só lhe deixando alma para resignadamente desfiar o rosário das desventuras.
         Quando em 1931 a Violinda veio para o grupo de amadores da SIT logo ela se me revelou de espantosa intuição.   Possuía linda voz com volume e extensão e era boa e simpática figura. Aqui na SIT se lhe afervorou a outra grande paixão da sua vida – o Teatro. E no Teatro, que cultivou com inteligência e invulgar sentido de Arte e raro espírito de sacrifício – até de saúde e comodidades – foi grande e admirável Actriz em várias das muitas peças que representou. E já agora, que me chamaste a terreiro, deixo-te aqui uma lista, naturalmente incompleta, das peças representadas pela inesquecível amadora de Tavarede: .......
         A primeira peça que tive como intérprete Violinda Medina foi Os Fidalgos da Casa Mourisca. Passaram já 50 anos… A última foi O Processo de Jesus. Entre uma e outra, quanta alegria, quanta beleza, quanta riqueza e diversidade de sentimentos, quanta grandeza e miséria e lágrimas e risos – comédia e drama, farsa e tragédia moldadas em prosa e verso. Ela tornou vivos no palco de Tavarede, e em Coimbra, Tomar, Lisboa, Porto, Leiria, Pombal, Soure, Pampilhosa, Cantanhede, Condeixa, Marinha Grande, Sintra, Colares, Arazede, Torres Novas, Torres Vedras, Maceira Liz, Alfarelos, Entroncamento, Vila Nova de Ourém, Amarante, Vila Real, Aveiro, Abrunheira, Figueira da Foz e em quase todas as freguesias deste concelho. Ela, a inesquecível Violinda, foi a pura alegria e o riso álacre dos Quintero no Génio Alegre, a raiva e o amor de Clara de Entre Giestas, o destroçado coração (que já o tinha sido na vida verdadeira da intérprete!) daquela Velhinha do Processo de Jesus, que sentia vivo ainda o filho já morto e lhe falava e o ouvia; foi a graça manhosa da criada do Tartufo, e a brava Rita Firmino de Horizonte, e a doce Avó de As Árvores Morrem de Pé, em cuja cena da bebedeira ninguém a ultrapassou e a aristocracia corajosa e astura que foi a Conspiradora; e foi o milagre de arte de representar com que transformou em verdadeira cena teatral o monólogo vicentino do Pranto de Maria Parda! E outras e outras figuras com que enriqueceu a galeria das suas criações.
         Logo no nosso primeiro encontro – íamos ler Os Fidalgos da Casa Mourisca – a Violinda se abriu em confissão: nunca tinha lido uma peça de teatro; sabia de cor algumas cenas do Presépio, tinha representado uma ou outra daquelas peças, comédia ou drama, que se vendiam impressas para amadores. Que não sabia nada de técnicas nem da história do Teatro: “Nunca me ensinaram…”. Ela, muito presa à sua vida de casa e nunca faltando a um ensaio (“nem que chova” e mesmo chovendo, a Violinda, o João Cascão e os Broeiros – todos excelentes, valiosos e briosos amadores! – nunca faltavam ao ensaio), a Violinda tomou gosto pela leitura de teatro. E leu teatro. Gostou muito de Marcelino Mesquita, e fez brilhantemente a protagonista do Envelhecer. Foi um atrevimento de que saiu vitoriosa. E estou a lembrar-me, meu caro António, de que tu viste aí em Sintra a tua irmã numa peça do Marcelino, não o Envelhecer mas Peraltas e Sécias. Foram duas representações inesquecíveis! Na primeira noite representou-se Frei Luís de Sousa. A Violinda foi grande, espantosa na Madalena de Vilhena. Abraçada à cruz, era a imagem viva da própria dor, a suprema angústia daquela mãe: “Tomai, Senhor, tomai tudo! Oh! A minha filha! Também essa vos dou, meu Deus!”. A Violinda subiu alto, foi sublime de beleza trágica na obra gloriosa de Garrett. Estou a escrever-te, vejo o “teu” teatro cheio, um silêncio pesado em que só lágrimas falavam, oiço essas lágrimas da Mãe preludiando a morte da Filha – e aqui me tens a senti-las, aquelas puríssimas lágrimas, esquecido da distanciação brechtiana…
         Pedis-te-me uma nota para o teu jornal que devia ser breve. E escrevi este artigo leguapoveiro, muito extenso e que diz pouco. Perdoa. E já agora, com um pouco mais de espaço talvez queiras aproveitar a página de memórias, - Memórias que não se escrevem – que aqui junto.
         Em Agosto de 81 tinha eu concluído a “Viagem na Nossa Terra” para ser representada pelo 78º aniversário da SIT, em Janeiro de 82. Seria a ocasião própria para o reaparecimento de Violinda Medina no palco de Tavarede. Escrevi para o efeito a cena 12ª – “Gente da Enxada”, dividida em duas partes:
         1) Regresso ao Lar – Eram os cavadores de Tavarede (já muito poucos…) que apareciam ao fundo da plateia e, descendo pelo centro, subiam ao palco, enxada ao ombro, cantando
                                               Lá vão!
                                               Lá vão
                                               Os ranchos do labor
                                               … … … … … … …
e, apagando-se ao longe o coro das enxadas, seguia-se a 2ª parte. Transcrevo:
         2) Génio Alegre – Surge à frente da cortina a figura do Génio Alegre:
         Violinda – “Foram eles, os cavadores de Tavarede, que me chamaram aqui… As badaladas do sino e as vozes dos cavadores no seu hino do trabalho evocaram no meu espírito uma cena em que também se viam homens no trabalho da terra e se ouviam badaladas e repiques de sinos barulhentos. (Transição) Foi há muitos anos!... Que saudades! Eu não era então a velha que hoje aqui está convosco. Era ainda jovem, uma rapariga alegre, contente, risonha, cheia de saúde e chamava-me Consuelo!... Parecia trazer o sol na alma e nos olhos e no coração e na boca a graça das cantigas andaluzas. Foi em Alminar de la Reina: estava em casa de minha tia, a nobre senhora Dona Sacramento, Marquesa do los Arrayanes. Era um belo palácio antigo, donde parecia ter desertado a alegria, se alguma vez houve alegria dentro daquelas vetustas paredes. No pátio andaluz existia um gracioso tanque com repuxo, mas não corria água no repuxo nem havia flores no pátio; enchi o pátio com vasos de flores e fiz correr água no repuxo; e aquele palácio velho e triste parecia agora rejuvenescido e alegre. (Transição) Certo dia, eu e várias cachopas e rapazes tínhamos ido a um casamento de ciganos. Quando já voltávamos do casamento, a palrar e a rir, muitos alegres”……………………………
         E vem então o belo monólogo dos sinos que a alegre e irrequieta Consuelo (a Violinda) dizia, cantava, vivia assombrosamente, com os olhos, a boca e a alma cheios de riso, de luz, de alegria transbordante. Tu, meu velho Medina, não viste, não podes fazer ideia, e eu não posso contar-te, descrever-te de maneira que tu entendas e sintas o que foi no Teatro do Casino Peninsular a estreia do “Génio Alegre” e a cena genial em que a Violina, com o João Cascão e o Manuel Nogueira, faziam renascer para a beleza e para a alegria o pátio sombrio da velha Marquesa de Arrayanes, fazendo correr a água no repuxo e enchendo o pátio de vasos floridos, numa cena rica de movimento, de alegria, de risos, de vida feliz. E a plateia, e o balcão, toda a gente de pé, batendo palmas, contentes, muitos rindo, alguns chorando – que também se chora de contentamento, de alegria.
         Esta cena com o monólogo dos sinos seria a grande homenagem a Violinda Medina, genial intérprete da deliciosa comédia dos Quintero, ali no Teatro de Tavarede, com os seus companheiros e o povo da sua terra e os seus admiradores de todo o concelho da Figueira. Falei com a Violinda – escondi-lhe o propósito da homenagem -, li-lhe o papel e ela, mesmo sentindo o peso dos anos e as tristezas da sua vida sem ventura, como que se animou à ideia de dizer ainda uma vez o seu belo, luminoso, arrebatador monólogo dos sinos, cheio de sol, de alegria de viver, de risos e de sons que vinham no repique destrambelhado dos sinos barulhentos. Para dias depois ficara combinado um ensaio de recordação, que já se não fez: a Helena – relíquia também do Teatro de Tavarede – trouxe-me a desilusão – que a Violinda não tinha forças para transmitir ao papel o movimento e a graça, a luz e a alma daquela irrequieta Consuelo, cheia de saúde e rica de alegria…
         E lá ficaram, agrafadas e sepultadas no caderno que servia ao ponto, as folhas 44, 45 e 46 com a cena irrepresentada do Génio Alegre que seria a Violinda.






                                    Violinda Medina e Silva

         No verso da folha 43 da “Viagem na Nossa Terra” escrevi:
         “Com grande mágoa se exara aqui a nota que segue: Este quadro do Génio Alegre preparou-se para ser erguido no palco, na noite da estreia desta Viagem na Nossa Terra, no aniversário da SIT, em Janeiro de 1982. Seria então a grande homenagem à Violinda dos amadores da SIT e do público que tanto admira esta nossa querida amadora – a maior de quantas conheci, como ensaiador, do Teatro de Tavarede. Infelizmente, a doença não lhe permite pisar de novo o palco. Por isso, tive de substituir o quadro.
               
Em 1983, a Sociedade apresentou, nas VII Jornadas de Teatro Amador do concelho, a peça O fim do caminho. Afinal a Organização das Jornadas Culturais de Teatro Amador, não teria por certo dificuldades em presenças de colectividades, se por ventura as mesmas quisessem apresentar uma peça que já tivesse sido vista e revista! E dizemos isto apenas por concordarmos em absoluto com comentários ouvidos e que praticamente transcrevemos.
         Mas, falando de outro assunto, assistimos ontem à representação da peça “O Fim do Caminho”, num original de Allan Langdon Martin e levada à cena pela Sociedade de Instrução Tavaredense. E então, partindo do princípio de que o Teatro é a imagem e não realidade, o Teatro não se faz com homens! Faz-se isso sim com personagens; e os personagens de Teatro ou são transfiguração da sua (Teatro) verdade ou então são bonecos sem significado. Essa transfiguração é orientada precisamente através da interpretação que o encenador (quem foi?) faz do texto e do estilo que vai seguir. E foi isso que aconteceu: Dentro do estilo realista o encenador não transformou a acção dramática numa cópia da realidade (e muito bem) aproximou-se o mais possível da realidade histórica referente à época em que a acção decorreu, muito bem acompanhado por um belo guarda-roupa. Quanto à distribuição, ele não nos pareceu de todo correcta, tão somente pelo facto de um interveniente nos parecer o que poderemos considerar de “monocordo” e o personagem de Jeremiah Wayne, sem qualquer descortesia para quem o interpretou, mesmo com o rigor da caracterização que tentaram dar-lhe, estaria talvez um pouco deslocado na idade. 
Salvo as espreitadelas pela cortina e aquelas falhas que todos nós sabemos existirem antes dos actores entrarem, a representação não nos merece grandes reparos, mas sim um bravo. Gostámos de assistir a um nivelamento mais ou menos correcto dos actores, mas é claro que João Medina, foi ele mesmo, quer no velho Dr., quer no Centro Dramático. A todos, gratos pela representação.

E, pode dizer-se, esta peça havia de marcar, na verdade, o princípio do fim do caminho de uma longa vida dedicada ao teatro da terra do limonete. Mestre José Ribeiro, o insubstituivel Homem de Cultura que tanto honrou a nossa terra, que lhe havia sido berço há nove décadas, via aproximar-se o ‘términus’ da sua carreira. Ainda escreveu e ensaiou mais uma fantasia, Manta de retalhos.

Prosseguia, com o maior entusiasmo, a campanha angariadora de fundos para a construção da nova sede do Grupo Musical. Entre as muitas iniciativas, foi programado um cortejo de oferendas, mas, no dia marcado, 24 de Abril de 1983, o mau tempo não permitiu o desfile.

         Apesar da doença, Mestre José Ribeiro ainda organizou um espectáculo, verdadeiramente grandioso, para as festas comemorativas do 80º aniversário da SIT. Há muito que, em Tavarede, o Teatro anda associado a todas as manifestações das suas gentes. Não será exagerado afirmar-se, até, que a vida em Tavarede gira em torno do seu Teatro. E, se alguém tiver dúvidas a tal respeito, apenas terá de ali se deslocar numa dessas ocasiões para constatar.
         Agora, na comemoração do 80º aniversário da Sociedade de Instrução Tavaredense, o fenómeno repetiu-se: o momento mais alto das comemorações teve lugar no seu magnífico teatro onde foi levada à cena a peça “Na Feira de Gil Vicente”, com adaptação desse “homem grande de Teatro” que é José Ribeiro. Gil Vicente foi, assim, o “convidado” de honra de Tavarede, Gil Vicente que poderemos quase considerar familiar ali (quem não se lembra da inesquecível “melhor Maria Parda” que foi, sem dúvida, a saudosa Violinda Medina?). Desta vez foram levadas à cena: “No Lar de Uma Família Judaica” (prólogo), “Auto da Barca do Inferno”, “O Pote da Mofina Mendes”, “Gil Vicente vem à Feira” e “Auto da Feira”.
         Mas não será ousado apresentar, em Tavarede, peças de tal nível cultural?
       

     É certo que a pergunta teria perfeito cabimento em relação à maioria dos centros portugueses. Mas a Tavarede não. É que ali há como que uma “representação colectiva” em que os que não sobem ao palco “representam” na plateia. Poder-se-á afirmar (passe o plágio) que quem não representa já representou e é esse facto que cria o tal ambiente em que se “respira teatro” e torna quase familiar a presença dos grandes vultos da cultura teatral. O teatro passou a fazer parte da vida desta gente, razão pela qual Gil Vicente é compreendido.
        E sobre o espectáculo?

         Julgamos ter dito o suficiente. Adiantaremos, no entanto, que vimos em palco quatro gerações. E que, se aquele Diabo (João de Oliveira) foi o melhor que já vimos, “o sapateiro” (José Luiz Nascimento) e “o parvo” (João Medina Júnior), foram apenas duas excepcionais actuações num conjunto que surpreendia pela segurança com que todos dominavam a complicada linguagem de Gil Vicente, um autor que efectivamente, não está ao alcance de muitos grupos. Que nos perdoe o leitor a escassez de nota de reportagem aqui contidas. Mas a verdade é que, para poder ter uma ideia exacta do que foi o espectáculo, só terá uma forma: deslocar-se lá na próxima representação (21 do corrente às 21,45) só assim poderá ficar com uma ideia de conjunto, desde a peça aos actores, da orquestra (dirigida por José Custódio Reis) ao guarda-roupa (Anahory), dos cenários... a tudo.
         Vá, que não se arrepende.


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