sábado, 28 de fevereiro de 2015

Histórias e Lendas - 25

Santo António
O convento na Figueira


 


             No lugar onde o Mondego perde seu nome, sepultando suas correntes no abismo do oceano, fica o da Figueira na margem norte , em relação ao rio, à vista do qual, e a pouca distância, fica o convento de Santo António, cujo nome glorioso faz muito avultada a humildade de seus edifícios.
            O sítio, que pertence ao Couto de Tavarede e é jurisdição do Cabido da Sé de Coimbra, é muito alegre e aprazível com a vista do mar e da terra. Os ares são frescos e saudáveis. O convento, cuja cerca é ampla e tem muitas árvores de fruto, é devoto de todos os povos vizinhos. É domicílio de religiosos, que ali servem a Deus com muita paz e sosego espiritual.

         Foi seu fundador o padre Frei António de Buarcos, natural deste lugar, no ano de 1527. A construção deste  convento teve o apoio do rei D. João III e de António Fernandes de Quadros, Senhor da Casa de Tavarede.

A Igreja de Santo António, também conhecida por Capela da Misericórdia, é o templo do antigo Convento de Santo An­tónio, fundado no ano de 1527, por Frei António de Buarcos.
Ao longo da sua existência multi-secular viveu a paz e a guerra, a abastança e a miséria, decorrentes da história da pátria. Com a extinção das Ordens Religiosas, em 1834, o Con­vento entrou em decadência, vindo a ser adaptado a hospital, pela Misericórdia local (fundada em 1839), depois de impor­tantes obras que se prolongaram até 1886 e que lhe alteraram totalmente a traça primitiva.

Em 1982 foi, por sua vez, o velho Hospital da Misericór­dia adaptado a lar da terceira idade, o actual Lar de Santo António, conservando daquele apenas a fachada principal, neo-clássica, própria do século passado.
Pelo ambiente monacal que ainda conserva, pelas variadas e valiosas obras de arte que possui, pela antiguidade (o monu­mento mais antigo da Figueira da Foz), pela tradição que o envolve e pelo particular carinho que a população local devota ao seu Patrono, cuja evocação enche toda a Igreja, vale a pena visitar, com olhos de ver e de sentir, a Igreja de Santo António.

Como espaço religioso apenas resta a Igreja de Santo António, dado que todos os outros edifícios foram submetidos a outras funções. Anexa-se a esta edificação a Capela de S. Francisco, pertencente à Ordem Terceira, cuja construção se situa no início do séc. XIX.
 
Com a extinção, em 1834, das Ordens Religiosas, o Convento acabou por ser adaptado a hospital, sob a alçada da Santa Casa da Misericórdia, fundada em 1839, cujas obras acabaram por alterar totalmente a traça primitiva.
No ano de 1982, tendo o hospital sido transferido para edifício próprio construído na freguesia de S. Pedro (Gala), as instalações foram adaptasdas a lar para a terceira idade e sede da Misericórdia (Santa Casa). Lembremos, agora, quem foi Santo António.
Santo António nasceu em Lisboa em data incerta, numa casa, assim se pensa, próxima da , às portas da cidade, no local onde posteriormente se ergueu a igreja sob sua invocação. A tradição indica 15 de agosto de 1195, mas não há documento fidedigno que confirme esta data. Também foi proposto o ano de 1191, mas, segundo um seu biógrafo, o padre Fernando Lopes, as contradições em sua cronologia só se resolveriam se ele tivesse nascido em torno de 1188. Tampouco se sabe com certeza quem foram seus pais. Nenhuma das biografias primitivas os citam, e somente no século XIV, a partir de tradições orais, é que se começou a atribuir ao pai o nome de Martim ou Martinho de Bulhões, e à mãe, o de Maria Teresa Taveira. Fixando-se esses nomes na memória popular, e com a crescente fama do santo, não custou a biógrafos tardios atribuírem também aos seus pais uma dignidade superior. Do pai foi dito ser descendente do celebrado Godofredo de Bulhões, comandante da I Cruzada, e da mãe, que descendia de Fruela I, rei de Astúrias, mas tal parentesco nunca pôde ser comprovado. A forma de seu nome de batismo é igualmente obscura, pode ter sido Fernando Martins ou Fernando de Bulhões.
Fez os primeiros estudos na Igreja de Santa Maria Maior (hoje Sé de Lisboa), sob a direção dos cónegos da Ordem dos Regrantes de Santo Agostinho. Como era a prática da ordem, deve ter recebido instrução no currículo das artes liberais do trivium e do quadrivium, o que certamente plasmou seu caráter intelectual. Ingressando ainda um adolescente como noviço da mesma Ordem, no Mosteiro de São Vicente de Fora, iniciou os estudos para sua formação religiosa. A biblioteca de São Vicente de Fora era afamada pela sua rica coleção de manuscritos sobre as ciências naturais, em especial a medicina, o que pode explicar as constantes referências científicas em seus sermões.
Poucos anos depois pediu permissão para ser transferido para o Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, a fim de aperfeiçoar sua formação e evitar distrações profanas, já que era constantemente visitado por amigos e parentes. Coimbra era na época o centro intelectual de Portugal, e ali se deve ter envolvido profundamente no estudo das Escrituras e nos textos dos Padres da Igreja. Nesta época entrou em contato com os primeiros missionários franciscanos, chegados em Portugal em 1217, e que estavam a caminho do Marrocos para evangelizar os mouros. Sua pregação do Evangelho no espírito de simplicidade, idealismo e fraternidade franciscana, e sua determinação missionária, devem ter tocado o sentimento de Fernando. Entretanto, uma impressão ainda mais forte ocorreu quando os corpos desses frades, mortos em sua missão, voltaram a Coimbra, onde foram honrados como mártires. Autorizado a juntar-se a outros franciscanos que tinham um eremitério nos Olivais, sob a invocação de Santo António do Deserto, mudou seu nome para António e iniciou sua própria missão em busca do martírio.

A sua missão


Por essa altura, decidiu deslocar-se ele também a Marrocos, mas, lá chegando, foi acometido por grave doença, sendo persuadido a retornar. Fê-lo desalentado, já que não havia proferido um único sermão, não convertera nenhum mouro, nem alcançara a glória do martírio pela fé. No regresso, uma forte tempestade arrastou o barco para as costas da Sicília, onde encontrou antigos companheiros. Ali se quedou até a primavera de 1221, dirigindo-se com eles então para Assis a fim de participarem do Capítulo da Ordem - o último que seria feito com a presença do fundador . Em Assis encontrou-se comSão Francisco de Assis e os seus primeiros seguidores, um evento de grande importância em sua carreira. Sendo designado para um eremitério em Montepaolo, na província da Romagna, ali passou cerca de quinze meses em intensas meditações e árduas disciplinas.
Pouco depois aconteceu uma ordenação de frades em Forlì, quando deixou o isolamento e para lá se dirigiu. Até então os franciscanos não sabiam de sua sólida formação, mas faltando o pregador para a cerimónia, e não havendo nenhum frade preparado para tal, o provincial solicitou a António que falasse o que quer que o Espírito Santo o inspirasse. Protestou, mas obedeceu, e dissertando para os franciscanos e dominicanos lá reunidos de forma fluente e admirável, para a surpresa de todos, foi de imediato destinado pelo provincial à evangelização e difusão da doutrina pela Lombardia. Entretanto, a prática franciscana desencorajava o estudo erudito, mas em novembro de 1223 o papa Honório III sancionou a forma final da Regra da Ordem Franciscana, onde uma formação mais aprimorada se tornou autorizada, desde que submissa ao trabalho manual, à prece e à vida espiritual. Recebendo a aprovação para a tarefa pastoral do próprio Francisco, fixou-se então em Bolonha, onde se dedicou ao ensino da teologia na universidade e à pregação. Deslocando-se em seguida para a França, ensinou nas universidades de Toulouse e Montpellier, passando também porLimoges.
Em 1226 assistiu ao Capítulo de Arles, e em outubro do mesmo ano, após a morte de Francisco, serviu como enviado da Ordem ao papa Gregório IX, para apresentar-lhe a Regra da Ordem. Em 1227 foi indicado ministro provincial da Romagna e passou os três anos seguintes pregando na região, incluindo Pádua, para audiências cada vez maiores. Nesse período colocou por escrito diversos sermões.
Participou do Capítulo Geral, em Assis, em 1230, onde também assistiu no translado dos restos mortais de São Francisco de Assis, da Igreja de São Jorge para a nova Basílica.
Nesse mesmo ano, de 1230, solicitou ao papa dispensa de suas funções como provincial para dedicar-se à pregação, reservando algum tempo para a contemplação e prece no mosteiro que havia fundado em Pádua.
Sempre trabalhando pelos necessitados, envolveu-se também em questões políticas, a exemplo de sua viagem a Verona para pedir a libertação de prisioneiros guelfos feitos pelo tirano gibelino Ezzelino, e em 1231 persuadiu a municipalidade de Pádua a elaborar uma lei que impedia a prisão por dívidas se houvesse a possibilidade de compensação de outras formas. 

Pouco depois da Páscoa de 1231 sentiu-se mal, declarou-se hidropisia e ele deixou Pádua para dirigir-se ao eremitério de Camposanpiero, nos arredores da cidade. Aí, há a versão que terá sido hospedado pelo conde Tiso, devido o estado de saúde precário, ou que seus companheiros ergueram-lhe uma cabana no alto de uma árvore, onde permaneceu alguns dias. Percebendo que a morte estava próxima, pediu para ser levado de volta a Pádua, mas apenas tendo alcançado o convento das clarissas de Arcella, subúrbio de Pádua, ali faleceu, em 13 de junho de 1231. As clarissas reclamaram seu corpo, mas a multidão acabou sabendo de seu passamento, tomou-o e o levou para ser sepultado na Igreja de Nossa Senhora. Sua fama de santidade era tamanha que foi canonizado logo no ano seguinte, em 30 de maio, pelo papa Gregório IX. Os seus restos mortais repousam desde 1263 na Basílica de Santo António de Pádua, construída em sua memória logo após sua canonização. Quando sua tumba foi aberta para iniciar o processo de translado, sua língua foi encontrada incorrupta, e São Boaventura, presente no ato, disse que o milagre era prova de que sua pregação era inspirada por Deus. E incorrupta está até hoje, em exposição na Capela das Relíquias da Basílica. Foi proclamado Doutor da Igreja pelo papa Pio XII em 16 de janeiro de 1946 e é comemorado no dia 13 de junho.

O Associativismo na Terra do Limonete - 117

         Certamente que Alves Redol, o escritor que tirava da “tragédia de vida” o enredo para as suas obras, se reveria na representação memorável de João Medina, o Pai que, tiranizado pela revolta duma prepotência cometida sobre os bens familiares, transportou para a sua nova família o estigma dessa afronta onde a esposa (outro excepcional desempenho de Ilda Simões) e os filhos não passavam de simples peças daquele xadrez de sobrevivência que nem a iminência de mortes fazia vergar.
         Com João José Silva e António Silva a incarnarem os papéis de filhos na oposição à visão doentia de pseudo-dignidade do pai, activamente, o primeiro, ao optar pelo “salto” à forja e mais passivamente, o segundo, ao resignar-se ao jugo da dureza do trabalho e do tratamento que já matara o irmão Miguel (representado com segurança por Miguel Lontro), também a Mãe soube mostrar quanto vale a razão e o direito ao defender o filho mais novo (promissora estreia de Pedro Louro) das garras daquela “forja assassina” para onde o pai o empurrava em detrimento da Escola.
         Com Manuela Mendes (vizinha) a mostrar naturalidade e a Morte (Rosa Paz) a desempenhar “condignamente” o papel de diabo, não há dúvida que merece o maior realce o trabalho de encenação (Ilda Simões) sem esquecer a quota-parte que tiveram no brilho do espectáculo José Maltez e Jorge Monteiro Sousa (montagem de cenários), Nuno Pinto e José Miguel Lontro (luz e som), Otília Cordeiro (ponto), João Pedro Monteiro (contra-regra) e o coro (Alice Mendes, Susana Neves, Cristina Almeida e Vanda Oliveira).
         “Cátedra” de tão grande lição, aquele “palco da vida” passou a mensagem esperançosa de Alves Redol na medida em que, ao exaltar com tanta realidade o dom da vida, não deixou de realçar o peso dum ambiente familiar onde o diálogo aberto constitui obstáculo à prepotência doentia de “forjas” humanas, mensagem que humedeceu os olhos e contraiu corações.
         Fazer calar tantas vocações seria um atentado ao nome prestigiado daquela casa, uma afronta à memória de José da Silva Ribeiro, um crime de lesa Cultura.
         Que ninguém deixe fechar “aquela forja” do nosso Teatro Amador!

         Havia uma velha tradição na nossa terra quer caíra no esquecimento. Um grupo de amadores teatrais da SIT resolveu, em boa hora, fazê-la reviver. Preservando uma tradição que se perde no tempo, Tavarede fez reviver, no último sábado, essa encenação pública de sabor satírico-popular que é a “Serra a Velha”.
         Iniciada por “sinistro” cortejo sob o comando do Juiz seguido de luzido (muitas tochas) séquito a que a musica fúnebre e muitos embuçados emprestavam um ambiente pesado através das ruas que levavam da SIT às ruínas do Paço, aí teve lugar a “prisão da Velha Malvada” que, após sumário exame (de grande comicidade brejeira), foi conduzida a tribunal (palco do Teatro da SIT).
         Ali, numa representação espectacular, a Velha Ana Castanha Pilada fez delirar a assistência com um diálogo de excelente interpretação cómico-satírica em defesa da sua “honra” ameaçada e condenada.
         Seguiu-se a apoteose da realização: Leitura do testamento da malvada em versos (repletos de humor), que contemplavam quase todos os habitantes de Tavarede, momento marcado por prolongadas e sonoras risadas que atingiram o rubro no acto da serração da ré, sentença para a sua “vida malvada”
         Mais uma tradição reposta com grande sabor popular e elevado nível de execução, razões mais que suficientes para um maior interesse das pessoas de fora de Tavarede.
         As nossas palmas para todos os que continuam a apostar na preservação das tradições, e para a Sociedade de Instrução Tavaredense, responsável pela iniciativa.

         Em Maio de 1998, a Sociedade de Instrução recebeu a visita do então ministro da Cultura. Manuel Maria Carrilho e comitiva foram recebidos pelos acordes da Tuna de Tavarede. Muitos populares associaram-se festivamente à visita do Ministro da Cultura e do Governador Civil dr. Vítor Baptista, acompanhando-os num demorado contacto com a Sociedade de Instrução Tavaredense. Mereceu atenção a visita à exposição de cenários e adereços.
         No palco, uma lenda do Teatro Amador: o actor da SIT, João Medina, declamou um texto de Mestre José da Silva Ribeiro alusivo ao estado de degradação do Paço de Tavarede: “Triste sina a do Solar, que é hoje um mutilado”.
         Manuel Maria Carrilho, que durante 18 anos passou as férias de verão na Figueira da Foz, conhece a riqueza humana das colectividades do concelho. Para a instalação eléctrica concedeu 4.000 contos de subsídio (as obras orçam os 7.000 contos).
         Miguel Almeida, em representação da Edilidade, salientou que “é difícil apoiar cerca de 122 colectividades” e pediu a ajuda do Ministério da Cultura. Simões Baltazar lembrou que os vários executivos camarários não mostraram interesse em resolver o problema do Paço de Tavarede e entregou ao ilustre visitante um dossier completo sobre as soluções que poderão ser implementadas para o salvar da ruína completa.
         Manuel Maria Carrilho prometeu estudar o caso e continuou a visita ouvindo atentamente as explicações de Rosa Paz, que não se coibiu de manifestar o desejo da colectividade de criar um museu de teatro para expor e guardar o precioso espólio acumulado ao longo de décadas.
         O Ministro da Cultura foi contemplado com algumas lembranças sem esquecer peças de artesanato da terra do limonete e esperamos que volte em breve com a solução desejada para o Paço de Tavarede.

         O segundo centenário do nascimento de Almeida Garrett foi comemorado em Tavarede. A Sociedade de Instrução Tavaredense (SIT), à semelhança do que tem feito com outras figuras de relevo cultural, vai assinalar o bi-centenário do nascimento de Almeida Garrett, um dos grandes vultos da literatura portuguesa, numa data que será festejada pela SIT, e que se inicia com as festividades alusivas do 95º aniversário da colectividade, prolongando-se até ao 25 de Abril. Assim, são três comemorações culturais numa festa só.
         “Estas comemorações são para todo o concelho, nomeadamente para as camadas jovens”, explicava aos jornalistas Rosa Paz, presidente da direcção da SIT, quando apresentava a iniciativa que vai ter o apoio do município figueirense e que visa, entre outras coisas, promover um espectáculo cultural que inclua diversas facetas do escritor como dramaturgo, pois Garrett é um escritor estudado nas nossas escolas e “devorado com apetite”, dizia Ilda Simões.
         Integrado nas festividades do aniversário da SIT, nos dias 23 e 30 do corrente, vai ser apresentada a comédia “O Festim do Baltazar”, que terá na segunda parte “História Cantada de Tavarede”, uma peça que envolve cerca de 50 pessoas, ficando depois para Abril o grande espectáculo cultural alusivo a Almeida Garrett que, como disse Ilda Simões, é preciso “incentivar o gosto pelo teatro”. Mas os objectivos da iniciativa passam também por desenvolver atitudes de preservação e animação da cultura portuguesa; dar a conhecer a cultura teatral do concelho; desenvolver o espírito crítico e conhecer alguns modos de vida, pensamento e história do século XIX, contrapondo-os com os da actualidade.
         Mas ainda segundo Ilda Simões, para actuar nestes domínios, propõem-se realizar um espectáculo cultural que contemple diferentes facetas do grande escritor, porque “não é inédito em Tavarede comemorar-se datas marcantes da História da Cultura”, e por isso não vão deixar de o fazer agora no bi-centenário do nascimento de Garrett até porque, frisava a directora do grupo cénico da SIT, “Garrett é um grande vulto da nossa literatura; porque somos uma população rica em actividade teatral; porque há muitas crianças, jovens e até gente adulta que não conhece a obra de Garrett” e porque, como dizia o próprio Garrett, “o teatro é um grande meio de civilização, mas não prospera onde não o há”.
         O grande espectáculo cultural vai incluir excertos de algumas obras do homenageado, nomeadamente, “Folhas Caídas”, “Romanceiro”, “Viagem à Minha Terra”, “O Arco de Sant’Ana” e “Frei Luís de Sousa”, excertos da “Terra do Limonete”, de José da Silva Ribeiro, e textos de Maria Clementina Reis Jorge da Silva e Ilda Manuela Simões.

         Dado o interesse cultural do evento, o grupo promotor da SIT vai ser recebido pela Câmara Municipal para acertar as formas de apoio, nomeadamente levar o espectáculo às freguesias do concelho e trazer as crianças das escolas à Sociedade de Instrução Tavaredense para verem o teatro.

sábado, 21 de fevereiro de 2015

Consultas

Vejo, entre os consultores do meu blogue, países como Indonésia, Rússia, etc.
Será por engano ou viverão por lá tavaredenses saudosos da sua velha aldeia?
Peço resposta, por favor.

Histórias e Lendas - 21

Documentos curiosos
Livros e cadernos manuscritos
– Dr. Mesquita de Figueiredo –











Festas a S. João – Carta ao Governo Civil de Coimbra
         Achando-se muito próxima a festividade de S. João Baptista, que deve ter lugar no dia 24 do corrente, e sendo esta vila uma das terras do Reino em que se festeja com grande entusiasmo aquele dia, havendo grupos de mascarados, que pode dizer-se quase todos os habitantes da vila se mascaram, não contando com os que de fora dela reunem na véspera e dia de S. João, acontecendo outrotanto na véspera e dia de S. António, cujo costume é antiquíssimo nesta terra; e sendo certo que semelhantes reuniões de mascarados, em presença das circunstâncias actuais, podem ser causa de tumultos e desordens, e até de vinganças particulares, sendo impossivel tomar medidas de prevenção ou repressão contra os abusos que podem praticar-se; por isso julgo de meu dever levar tudo isto ao conhecimento de V. Exª. afim de providenciar de pronto, para que aquela festa, tanto da Igreja como de mascarados, seja transferida e reservada para uma época mais conveniente.
Figueira, 11 de Junho de 1896 – O administrador do concelho.

Carta à G. N.
Costumando os habitantes desta terra festejar com grande entusiasmo os dias e vésperas de Santo António e S. João Baptista, fazendo fogueiras pelas ruas, em roda das quais se divertem, apinham muitos grupos de mascarados, divertindo os circunstantes com várias lembranças, e como semelhantes reuniões podem resultar desordens; e muito principalmente nas circunstâncias actuais, em que os espíritos se acham exaltados em virtude do movimento nacional que teve lugar em todo o Reino; por isso é muito conveniente, afim de que a ordem e tranquilidade pública em nada seja alterada, V. Sª., visto ser hoje véspera do dia de Santo António, se digne dar as melhores providências, escolhendo dentre os indivíduos que voluntariamente se alistaram no Batalhão da Guarda Nacional, aqueles que mais confiança lhe merecerem, afim de percorrerem as ruas desta vila, armados implesmente de suas baionetas, afim de manterem a boa ordem, que deve haver em semelhantes divertimentos.
Figueira, 12 de Junho de 1896 – O adsministrador do concelho.
(Caderno 17 – páginas 56 e 57)
 

INQUÉRITO
         Resposta a um inquérito ordenado pelo Governo Civil de Coimbra, de 5 de Novembro de 1835. Responderam os párocos da Figueira e Vila Verde, não respondendo o de Tavarede ‘por não haver já há tempos’.
         1 – Os filhos principiam a ser de alguma utilidade a seus pais depois dos catorze anos;
            2 – Podem os homens gozando completamente de suas forças entregar-se ao trabalho na idade de 18 anos a 20;
            3 – Neste concelho dão-se os homens a trabalho, particularmente do mar, em idade bem tenra, e não é regular que semelhante prática os prejudique na saúde;
            4 – Os casamentos costumam celebrar-se ordinariamente entre de 20 a 30 anos;
            5 – Costumam os mesmos (termo média) de produzir de 5 a 7 filhos, não há esterilade notável nos sexos, antes há bastante fecundidade, devida talvez à natureza dos alimentos, por ser quase toda de uma natureza quente;
            6 – Principiam os sexos a ser prolixos dos 14 anos por diante, e deixam de o ser as mulheres dos 45 a 55 e os homens de 60 a 70;
            7 – Deixam de ser próprios para o trabalho os indivíduos de ambos os sexos depois de 60 anos;
            8 – O ar é puro e saudável;
            9 – Não há pântanos;
            10 – Os vícios mais frequentes são a embriaguês e a este mesmo se não é grandemente dado;
            11 – Tem havido bexigas;
            12 – Não há inundações que produzam prejuizos;
            13 – Não há indigentes propriamente ditos, que o sejam por causa de serviços feitos à legitimidade ou por causa da usurpação.
            Figueira 24 de Maio de 1836 – O administrador do concelho, António Manuel da Cruz Rebelo.


         Notícia do Couto de Tavarede
            Notícia do Couto de Tavarede e Figueira da foz do Mondego, que é sufragâneo à jurisdição crime da vila de Montemor-o-Velho, dado ao Juiz de Fora e Câmara da mesma vila, o Juiz Ordinário do dito Couto Manuel Fernandes da Esperança e escreveu e subscreveu o escrivão da comarca do mesmo Couto, Nicolau Pedrosa de Matos, com data de 20 de Março de 1721:
            No cartório da Câmara deste Couto não se acham livros antigos, acham-se, sim, vários pergaminhos escritos e selados com selos reais de diferentes armas, cuja letra se não pode ler por ser antiquíssima e escura, e por isso se não pode saber do que tratam, nem há livro nem tradução dos ditos pergaminhos.
            Este Couto de Tavarede tem 90 fogos, com alguns casais circumvizinhos a este mesmo Couto, ao qual pertence o lugar da Figueira da foz do Mondego, que é sujeito a esta vara em todas as matérias cíveis, o qual lugar tem 157 fogos, e uns e outros fazem 247 fogos, e tudo é jurisdição cívwl da vara deste Couto.
            Os direitos reais que lográra dos senhores reis até ao tempo do sr. Rei D. Sancho, foram dados por ele ao Abade Pedro, cónego do Cabido da Sé de Coimbra, a qual doação foi confirmada pelo sr. Rei D. Manuel, como melhor há-de constar dos papéis e doações que o mesmo Cabido tem em seu poder, e também consta do Foral deste dito Couto, dado pelo mesmo Rei D. Manuel, com declaração dos direitos que se pagam ao Cabido de Coimbra, que são dízimos, oitavas e portagens.
            Não se acha memória, nem há tradição alguma acerca da antiguidade deste Couto, nem seu princípio e primeiros habitantes, salvo se consta dos pergaminhos que se não sabem ler e estão no Cartório desta Câmara, e isto melhor constará do Cartório do Cabido de Coimbra.
            Este Couto está situado ao redor do rio Mondego, distância de meio quarto de légua, e dista do mar e praça de Buarcos um quarto de légua. O lugar da Figueira, sujeito a este Couto, está situado ao pé do mesmo rio, e no fim dele abre a barra do dito lugar.
            Neste Couto se costuma fazer, cada ano, três procissões públicas, que ordena a justiça, as quais são a da Visitação de Nosso Senhor, a do Anjo da Guarda e a do Corpo de Deus.

(Livro 16 – páginas 47 e 48)



O Aasociativiusmo na Terra do Limonete - 116

         Geminada com a Figueira da Foz, Gradignan recebeu uma representação do associativismo tavaredense. Foi a primeira internacionalização do nosso teatro e da nossa música, numa iniciativa da Câmara Municipal da Figueira. Levar o nome da Figueira até terras de Gradignan e fortalecer culturalmente os alicerces do projecto comum que aquela cidade francesa e a nossa resolveram solidificar através de uma geminação era, assim o entendemos, o objectivo das gentes de Tavarede.
         Geminação (a mais recente da Figueira e a única de Gradignan) que tem funcionado mais ao nível da troca de experiências profissionais entre técnicos dos dois municípios, usufruiu agora de um revigorante tónico, admiravelmente administrado pelos amadores tavaredenses, que na “cidade verde” se revelaram exímios embaixadores.
         E Gradignan, a meia dúzia de quilómetros de Bordéus, é uma cidade diferente, não apenas da nossa cidade praia, mas “anormal” dentro da própria França, num contexto muito geral.
         Chamamos-lhe cidade verde.
         E julgamos que com razão, pois as zonas verdes, cuidadas e vastas, são, desde logo, o que mais impressiona qualquer visitante, para além das suas vivendas, algumas delas antigos e conservados palácios e solares de vinhateiros do século XVII e XVIII.
         Gradignan possui nos seus 1570 hectares, mais de 400 totalmente arborizados. Por hábito, que se mantém, aquele que compra um terreno cede à Câmara quatro quintos do mesmo para zona verde e apenas utiliza o restante para uso próprio directo. Quer dizer, depois de feitas as contas, cada habitante de Gradignan dispõe de 65 metros quadrados de espaço verde!
         De Gradignan, antigo lugar de passagem num dos caminhos de Santiago de Compostela, se pode ainda acrescentar, neste comprimido cartão de apresentação, que 50 por cento da sua população tem menos de 25 anos, que mais de 20 por cento das suas habitações são consideradas sociais, que, ainda por curiosidade, nela existem oito campos de futebol, 12 campos de ténis, três enormes gimnodesportivos, diversos pólos universitários (com 2400 alunos), creches e lares para a 3ª idade, etc., etc. etc.
         Tendo a comitiva tavaredense partido poucos minutos antes da uma hora (da noite, claro) do dia 10, e após uma viagem de cerca de 1200 quilómetros, quase sempre atormentada pela irritante chuva, chegaria a Gradignn ao fim da tarde, à hora de se instalar no CREPS (um dos maiores centros de estágio desportivos da Europa), jantar e “xixi-cama”, sem que antes muitos procurassem telefonar para saber o resultado do Benfica-Boavista...
         Toda a embaixada havia sido recebida por Pierre Caune e Yves del Perugia, os “homens da Câmara” que durante toda a nossa estada representaram a cidade e fizeram as honras da casa com a maior eficiência, enquanto que a Câmara da Figueira esteve presente pelo vereador dr. Licínio Amaral.
         Sexta-feira, após um desportivo e racional pequeno almoço, começou no extraordinário Teatro das Quatro estações a montagem da cena para a “Tá Mar”.
         Entretanto, o nosso Jornal teve privilégios, e pode passar a manhã deambulando pelos vários serviços da Câmara, na companhia de Daniel Costa, um francês (português) responsável (em grande parte) pela geminação, e que em Gradignan, na sua máquina administrativa tem posição de bastante importância, concretamente no departamento informativo.
         Após o almoço que realizámos no “Hotel de Ville”, parte da delegação figueirense, na qual pontuavam os presidentes da Assembleia de Freguesia e da Junta de Tavarede bem como a drª Ana Maria, responsável do teatro na SIT, foi recebida pelo presidente da Câmara, em sessão solene de boas vindas.
         Cerimónia protocolar, mas em família, durante a qual se procederam à troca não apenas de cordiais mensagens de “reforço geminatório”, mas também de lembranças, sendo igualmente “O Figueirense” distinguido com a Medalha de Gradignan, uma imerecida honraria. 
         Entretanto, enquanto uns iam montando a “Tá Mar”, uma outra equipa de artistas, isto é, a Celeste, a São, e a Augusta, capitaneadas pelo sr. Carvalheiro, trabalhavam gostosamente no que seria o ponto alto da noite: o jantar que Tavarede ofereceu aos amigos franceses, concretizado num divinal bacalhau à Lagareiro. Cremos que só a água era francesa, pois tudo fora levado de Portugal, incluindo os vinhos servidos, antes, durante e depois.
         Sucesso gastronómico (e social) ao qual não faltaria o nosso tradicional arroz doce, e reforçado pelo “acto de variedades” que encerraria a noite de amizade. Um bem ensaiado grupo – vozes e instrumentos – deu a conhecer um conjunto de canções populares portuguesas, daquelas julgadas mais significativas, ao mesmo tempo que os músicos do mestre João Mendes (imparável de dinamismo), atroavam os ares por tudo onde era sítio com a nossa Marcha do Vapor, sempre aplaudida e por todos nós cantada.
         E para um culminar de sarau em beleza, o Vítor Costa, o António Simões (parabéns, presidente), o António Barbosa, a Augusta Duarte, o Pedro Antunes, a Celeste Fonseca, e o António Paz encheram o Prieuné de Cayac de portuguesismo fadista.
         No sábado continuou-se a lutar contra a chuva, mas que na parte da manhã fez tréguas com Tavarede, o que permitiu que todos – cinquenta e dois – se integrassem numa musicalíssima arruada, bem ao jeito nacional, que percorreu, com polícia a abrir caminho, as artérias principais e mais movimentadas da “cidade verde”.
         Era a manifestação de rua que levava os “gradignadenses” a inquirir do que se passava... e a baterem palmas.
         Claro que não faltaram as bandeiras nacional e figueirense... a Marcha do vapor!
         E só na tarde de sábado houve ocasião para pensar nos francos que “asfixiavam” nas carteiras. Após um passeio por Bordéus, sempre a andar (no autocarro, claro), houve a possibilidade de visitar Arcachon, terra de iates, de Casino e de muitas (e caras) lojas, o que proporcionou o bater de asas dos frangos, digo, francos, transformados em “souvenires”.
         A presença de Tavarede e dos seus amadores aproximava-se não apenas do fim, mas igualmente do seu momento mais elevado: nessa noite houve Teatro, na fabulosa sala das Quatro estações, uma maravilha da técnica na construção de teatros!
         Dizem os entendidos que foi uma das mais conseguidas representações das várias já efectuadas da “Tá Mar”, pela SIT e que mereceu os fartos aplausos dos assistentes no anfiteatro. Em nome da verdade se deve dizer que não eram muitos. Tavarede, nessa noite, teve sérios inimigos: a televisão final da Taça de França, com a equipa do português Artur Jorge; a impiedosa chuvada que durante horas se manteve; um jantar de portugueses da zona, que comemorava o 10 de Junho e ainda uma festa que a uma centena de metros Gradignan vivia.
         Mas Tavarede e os seus amadores cumpriram com toda a dignidade a missão que haviam aceitado. O nome da Figueira da Foz, os propósitos da geminação, a arte dos amadores – teatrais, musicais, gastronómicos,--- - que de Tavarede, da sua freguesia, levaram a Gradignan uma mensagem de amizade, --- tudo, tudo foi cumprido com a qualidade, dedicação, muito figueirentismo, espírito de sacrifício, por um punhado de gente que bem merece o prémio de Divulgação do Nome da Figueira da Foz.
         Parabéns, amadores de Tavarede.
         Uma felicitação final para a Junta de Freguesia de Tavarede, (à qual “O Figueirense” agradece as atenções recebidas) particularmente dirigidas ao seu presidente, António Simões, o grande e abnegado dinamizador deste acto cultural.

         No ano de 1994, por ocasião de mais um aniversário, foi inaugurado o pavilhão desportivo da Sociedade. E masi uma festa interessante, e que se pode integrar no associativismo local, ocorreu em Março de 1994, por ocasião dos festejos comemorativos dos 100 anos de vida da antiga amadora teatral Helena Figueiredo Medina. Se é certo que Tavarede nos tem habituado, desde sempre, ao chamado direito à diferença, não podemos, contudo, deixar de nos regozijarmos, uma vez mais, com a forte participação que os tavaredenses desenvolveram, no passado dia 23, na homenagem prestada a D. Helena de Figueiredo Medina, no dia em que comemorava 100 nos de vida.
         Nascida há um século, D. Helena Figueiredo Medina ainda hoje cultiva uma alegria de viver não usual naquela idade, sentimento que tão bem exprime nas canções – de outros tempos, certamente – que admiravelmente canta, embora as sequelas de 100 anos de vida se façam logicamente sentir nos longos períodos de quietude, durante os quais, talvez mentalmente deambule por um passado difícil, pelo historial de uma mulher que quando rapariga muito teve de lutar para sobreviver e apoiar a família.
         No começo da noite, D. Helena recebeu em casa de sua filha, com a qual há longo tempo mora, a visita de largas dezenas de tavaredenses que, para além de flores, de muitas flores lhe patentearam estima, admiração, respeito e amor.
         Recordamos que o presidente da Junta, emocionado, lhe entregou as suas flores e o seu abraço, as flores de Tavarede, o abraço de Tavarede, o mesmo tendo feito a drª Ilda Manuela, em representação da SIT.
         Talvez que D. Helena não se tenha apercebido do porquê de tanta gente. Cremos bem que não. Mas que os seus olhos adquiriram mais brilho e a sua voz mais alma, disso ninguém duvidou.
         E as suas canções, mesmo aquela mais apimentada de que tanto parece gostar, ecoou de forma diferente no coração dos que a escutaram.
         Como significativo foi o ouvir-se a Tuna de Tavarede, agrupamento musical criado pelo saudoso José Medina, marido de D. Helena, e um dos músicos mais prestigiados que a “capital da cultura concelhia” conheceu.
         Parabéns aos “velhos” tunos de Tavarede.


         Depois da visita de cumprimentos decorreu no Salão de Teatro da Sociedade de Instrução Tavaredense  homenagem a D. Helena, embora sem a sua presença.
         E pelo palco tivemos uma agradável representação de “Os Amores do Coronel”, peça que marcou, em 1914, em 22 de Março, a estreia de Helena Medina como amadora (distinta) teatral, no papel de Rosina, uma camponesa irrequieta e apaixonada.
         Uma palavra de aplauso para a espantosa actuação do coronel, isto é, de Rogério Neves. “Um espanto”, como diria Jô Soares.
         E com uma casa praticamente cheia, ainda admirámos um vídeo (trabalho do dr. Rui Moura) que nos contou muito do passado e do presente da centenária Helena Medina.
         Por fim, numa terceira parte, tivemos pequenos quadros de algumas peças nas quais D. Helena Medina actuou, quando jovem.
         Se os parabéns vão inteirinhos para a Mulher e para a Amadora Teatral chamada Helena Figueiredo Medina, eles terão de ser igualmente endereçados a Tavarede e muito especialmente à Sociedade de Instrução Tavaredense.
         É o tal direito à diferença...


         Também no dia 1 de Maio desse ano, o Grupo Desportivo e Recreativo da Chã, a dois passos da Figueira e na freguesia de Tavarede, comemorou o seu décimo oitavo ano de vida, melhor, de muita vida, bem patente no que da sua sede se construiu já, é visivel nas actividades que tem desenvolvido, nas quais – qualmenina bonita – toma lugar de honra o Rancho Estrelinhas da Chã

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Histórias e Lendas - 20

Morgado de Tavarede
Familiar da “Santa?” Inquisição

  
PEDRO LOPES DE QUADROS E SOUSA - Morgado. Filho de Fernão Gomes de Melo Quadros e Sousa e de D. Beatriz Maria de Albuquerque.          Nasceu e morou em Tavarede. Era manco de ambos os pés. Comendador da Ordem de Cristo e familiar do Santo Ofício. Foi baptizado na capela do Paço no dia 16 de Agosto de 1672,     Foi casado por duas vezes. Da primeira vez com D. Josefa Isabel Zambado de Vasconcelos, filha do dr. Bento Dias Zambado e, enviuvando, casou em segundas núpcias com D. Madalena Maria Henriques Meneses. Faleceu em 29 de Agosto de 1751.(Caderno: Tavaredenses com história)
         Ilmos. Senhores . Passando ao Couto de Tavarede, freguesia de S. Martinho, achei pela informação que com muita individualização tomei extrajudicialmente com o padre cura Manuel Pinto da Rocha e o padre Francisco Rodrigues Portugal, e com o padre José Neto Coelho e Filipe Jacome, José de Almeida e Manuel Ferreira Coimbra, todas pessoas crtistãos velhos, legais, fidedignas mais antigas e noticiosas, e naturais e moradores no dito Couto de Tavarede, que Pedro Lopes de Quadros e Sousa, casado com D. Madalena Henriques de Menezes, comendador da Ordem de Cristo, e natural e morador no dito lugar de  Tavarede, deste Bispado de Coimbra, e filho legítimo de Fernão
Gomes de Quadros, comendador da dita Ordem, natural do dito Couto de Tavarede, e de sua mulher D. Brites Maria de Albuquerque, e neto paterno de Pedro Lopes de Quadros, comendador da Ordem de Cristo, natural do dito Couto de Tavarede e de sua mulher D. Maria Teles de Menezes, por via de seu pai e avô paterno, é legítimo e inteiro cristão velho, limpo de toda a infectação, sem fama de rumor em contrário, é de boa vida e costumes por ser muito recolhido e zeloso da Igreja, anda sempre e seu filho, com os demais mordomos, com inteira satisfação. Porém, das pessoas referidas, que perguntei achei que três disserão que o dito Pedro Lopes de Quadros e Sousa é soberbo, porque manda pelos seus criados tirar os homens trabalhadores do serviço das pessoas com quem andam e se não querem obedecer-lhe  manda dar pancada pelos criados; e é de pleno juizo e capacidade para servir ao Santo Ofício no cargo de familiar e sabe ler e escrever e tem de idade 49 anos, pouco mais ou menos, e terá de renda, em cada ano, seis ou sete mil cruzados. O referido foi o que descobri. V. Sª. mandará o que for servido com a justiça e rectidão que em tudo costuma. Buarcos, 4 de Abril de 1720. Subdito de V. Sª., a comissão e vigário de Buarcos Manuel de Carvalho.
         A carta acima trancrita foi a resposta enviada aos inquisidores de Coimbra, para darem andamento ao pedido do morgado de Tavarede para ser familiar do Santo Ofício.  O pedido efectuado por carta da Comissão da Inquisição de Coimbra nomeou o escrivão Padre Manuel Ferreira de Carvalho, morador em Buarcos.
         Inquirição feita a 3 de Outubro e dias seguintes na Igreja de S. Martinho de Tavarede – Testemunhas que depuseram:
a)      Padre Manuel Pinto da Rocha, sacerdote do hábito de S. Pedro, natural e morador no Couto de Tavarede – o habilitando é comendador de S. Pedro das Alhadas – ele, testemunha, foi capelão de seu pai, Fernão Gomes de Quadros, pelo espaço de 20 anos, que também foi comendador de S. Pedro das Alhadas e ao presente se acha religioso professo na Ordem de S. Francisco, no Convento de Varatojo – viveram do seu morgado, comenda e prazos, tratando a lei de fidalgos andando em carroças e liteiras.
É vizinho dos sobreditos com os quais se criou, e sabe ele, testemunha, que o dito Pedro Lopes de Quadros, do 1º matrimónio não teve filhos, e fora do matrimónio tem 3 filhos: uma religiosa no Convento do Lorvão, que se chama D. Helena, filha de uma Maria Portulez, filha de António Portulez e de sua mulher Maria da Rocha, e outra que se chama D. Antónia, que se acha no Convento de Alenquer, filha de Páscoa Gonçalves e neta de José Gonçalves, naturais e moradores neste Couto de Tavarede, freguesia de S. Martinho, e de Maria Neta, do lugar de Brenha, freguesia de S. Teotónio, deste bispado e moradora que foi neste dito Couto de Tavarede e a dita D. Helena e sua mãe e avós maternos acima nomeados, são naturais e foram moradores no Couto de Vila Verde, freguesia de S. Julião da Figueira da Foz e de S. Pedro do Couto das Alhadas. E tem mais o dito habilitando em sua casa um filho, que se chama Bento, filho de Catarina de Paiva, neto pela parte materna de Manuel de Paiva e de Maria de Azambuja, naturais e moradores no dito Couto de Tavarede, freguesia de S. Martinho, e sabe ele, testemunha, que todas as sobreditas pessoas são legítimas e inteiras cristãs velhas e por tais tidas e havidas, e nunca algum deles morreram de infâmia publica, pena vil de feito ou de direito, nem descendem de quem a incorresse nem disso há fama ou rumor em contrário, que se houvesse havia ele, testemunha, de ter alguma notícia por ter pleno conhecimento de todas as sobreditas pessoas.
b)      O reverendo padre Francisco Ribeiro Portugal, sacerdote do hábito de S. Pedro, natural e morador neste Couto de Tavarede. Afilhado de baptismo do bisavô de habilitando, diz que este se trata com muito luzimento e limpeza com suas carruagens, que consta de liteira e seje. (resto mutatis mutandis).
c)      Filipe Jacome, homem oficial de tanoeiro, natural e morador em Tavarede ... se tratam a lei de fidalgos com carruagens, liteiras e coches. Criou-se lá em casa. (mutatis mutandis).
d)      Reverendo padre José Neto Coelho, sacerdote do hábito de S. Pedro, natural e morador deste Couto de Tavarede... foi mestre do habilitando que o ensinou a ler e a escrever, que o habilitando se trata com luzimento e limpeza, servindo-se com suas carruagens, escravos e criados. (mutatis mutandis).

Seguem-se outras testemunhas, num total de 12.
- Pedro Lopes de Quadros e Sousa, foi baptizado em 16 de Agosto de 1672 em sua casa.
Seu pai, Fernão Lopes de Quadros, foi baptizado em 3 de Janeiro de 1655. O avô, Pedro Quadros, foi baptizado em 16 de Dezembro de 1625.
Foram anexas ao processo as três certidões de nascimento Acima. Não foram encontrados os assentos dos casamentos de seus pais e vós.
Em 11 de Fevereiro e seguintes, na Igreja de S. Martinho de Tavarede, foram inquiridas mais 24 testemunhas.
Como facilmente se verifica, os processos para admissão a familiar do Santo Ofício eram morosos e complicados. Impõe-se a descrição do que era a ‘Santa?’ Inquisição estabelecida em Portugal no reinado de D. João III. Para tal uma vez mais recorremos aos livros manuscritos do Dr. Mesquita de Figueiredo.
A INQUISIÇÃO – Agora aparece um periódico de Lisboa a tratar de defender e justificar o horroroso e infame tribunal da inquisição. Será conveniente publicar alguns documentos, para mostrar a santidade de  semelhante tribunal e as virtudes dos seus ministros.
No Regimento do Santo Ofício da Inquisição do Reino de Portugal – ordenado pelo bispo e inquisidor geral D. Francisco de Castro, e impresso em 1640 em Lisboa, por Manuel da Silva, nos próprios paços da Inquisição (os Estaos), o qual é hoje raríssimo, mas de que possuimos um exemplar em perfeito estado de conservação – se determina o seguinte:
‘Havendo no Santo Ofício prova bastante de testemunhas, porque pareça que algumas pessoas defuntas podem ser convencidos do crime de heresia, mandarão os inquisidores, a requerimento do promotor, tirar certidão do livro de baptismo, porque conste se eram os defuntos cristãos baptizados, e não se achando o dito assento, se fará sumário de testemunhas, porqie conste se eram baptizados naturais do reino, e como eram tidos e havidos por cristãos baptizados; e junta a certidão ao sumário, havendo o promotor feito seu requerimento, verão os inquisidores tudo em mesa com as culpas do defunto, e pronunciarão que sejam citados seus herdeiros, ou pessoas, a quem de direito pertencer a defesa; e esta citação se fará pessoalmente aos que estiverem no reino, e por édito aos ausentes dele; e se continuará na causa, na forma que fica dito nos mais defuntos; e estando conclusa, verão os inquisidores o processo em mesa com o Ordinário e deputados, e achando que o crime está provado, condenarão os defuntos na forma que se acha no livro 3, título 26, parágrafo 5º.
Ora eswte livro, título e parágrafo do Regimento aqui citado, ordenavam o seguinte:
‘Se depois de se haver procedido contra os defuntos na forma que fica declarada no livro 2, título 18, eles forem havidos por convictos de heresia e apostasia, serão em sua sentença declarados por herejes e apostatas da nossa santa fé; e condenada a sua memória e fama, e confiscados seus bens, do tempo em que se provar que cometeram o delito; com tanto que não estejam legitimamente proscritos por espaço de quarenta anos; e serão seus ossos desenterrados e tirados das igrejas, adros, ou de qualquer outra sepultura eclesiástica em que estiverem, podendo-se separar os ossos dos pés cristãos, e levados com sua estátua ao Suto público da Fé, e relaxados à justiça secular’
Eis aí o que a Inquisição fazia aos próprios mortos! Nem a paz dos túmulos respeitavam aqueles bárbaros!
Só no fim de 40 anos se julgavam os crimes prescritos; e por isso, durante aquele longo espaço de tempo, nenhum filho em relação a seu pai, o pai em relação ao filho, a mulher a seu marido e vice-versa, e em geral todos os herdeiros, se podiam julgar seguros na posse de seus bens; nem estar descansados de que aquelas hienas de nova espécie, não viriam desenterrar os ossos dos seus antepassados, e levá-los (coisa horrorosa!) com a sua estátua ao auto público da fé, para aí serem relaxados à justiça secular, isto é, serem queimados!
Se os defuntos não escapavam aos inquisidores, não podiam ter melhor sorte os doidos!
            Aos que endoidecessem nos cárceres do Santo Ofício (e a quantos ali acontecia essa infelicidade!) fazia o regimento de 1640 a extrema graça de não serem castigados. ‘Não se dará (dizia o regimento) pena corporal, pois o juizo deles é incapaz dele.
            Ora na verdade, já era grande tolerância não castigar um doido! Mas julgam que ficaria aqui a caridade dos inquisidores? Não. Acrescentava logo o regimento ‘E ficarão os seus bens em sequestro, para que tornando o seu juizo, ou falecendo naquele estado, se proceda contra ele, ou contra a sua memória e fama; e tendo prova legítima será condenado em confiscação dos bens e dana sua fama e memória’.
            E que os inquisidores quando quizessem alcançar prova legítima, não oferecia a menor dúvida.
Tratava-se de roubar os bens do preso, e por isso estivessem certos de que não apareceriam provas mais claras que a luz do sol!
A inquisição prolongava quanto podia, para martirizar os réus, o seu tempo de prisão, e só tinham pressa de os julgar depois de mortos. Vamos agora dar um exemplo bem frisante deste procedimento inquisitorial.
‘Em 1666 mandou a Inquisição de Coimbra prender D. Margarida de Melo Pina, filha de Francisco de Pina Perestrelo, natural de Montemor-o-Velho e casada com seu primo Manuel da Fonseca Pina. Era acusada de ser ‘cristã-nova’.
Foi levada na forma do costume para os tenebrosos cárceres da inquisição. Ali, em uma daquelas casas da mais exígua dimensão, recebendo uma fraca claridade por uma muito pequena fresta, quase junto ao tecto, jazendo pelo espaço de – dezassete anos (17) – a infeliz D. Margarida de Melo Pina, sem ser julgada!
No fim desse longo período, tendo falecido nos cárceres da inquisição, é que os inquisidores se apressaram a julgar a ré.. A senteça lida no auto celebrado na sala da inquisição desta cidade, em 13 de Março de 1683, foi a seguinte:
            ‘Acordam os inquisidores, ordinário e deputados da Santa Inquisição de Coimbra, que vistos estes autos e culpas de D. Margarida de Melo, cristã velha (?), viúva de Manuel da Fonsec a Pinto, que vivia da sua fazenda, natural e moradora em Montemor-o-Velho, bispado de Coimbra, presa nos cárceres da inquisição da mesma cidade, e neles defunta; porque se mostra que sendo denunciada no Santo Ofício, que tinha cometido culpas contra a nossa Santa Fé Católica, e sendo por elas presa e por vezes admoestada as quizesse confessar, respondeu que não tinha cometido culpas contra a nossa Santa Fé Católica.
            O que tudo visto que dos autos consta, com as resultadas diligências que se fizeram por ordem do Santo Ofício, a respeito da qualidade da ré, e constar delas ser legítima e inteira cristã velha, limpa e sem raça alguma cristã nova, absolvem a ré D. Margarida de Melo da instância do juizo – e declaram que a seus ossos se pode dar sepultura eclesiástica, e oferecer a Deus por sua alma os sacrifícios e sufrágios da igreja. E mandam que esta sentença se leia na sala desta inquisição e depois se publique na paroquial igreja da dita vila de Montemor-o-Velho, donde a ré era freguesa, na estação da missa conventual, para que venha a notícia a todos, e lhe seja levantado o sequestro, que em seus bens se lhe haviam sido feitos, e deles se paguem as custas. (a) Sebastião Dinis Velho, Gonçalo Borges Pinto’.
            Não tiveram durante 17 anos tempo os infames inquisidores de julgar a infeliz D. Margarida de Melo Pina; e nem depois da sua morte declarar que estava inocente! E apesar de estar inocente, pelos seus bens se paguem as custas!
            Sendo a sentença publicada em 13 de Março de 1683, foi no dia 21 do mesmo mês lida na igreja paroquial de S. Martinho de Montemor-o-Velho, à estação da missa conventual, havendo por essa ocasião repiques de sinos, luminárias, muitas festas e sumptuosas exéquias, mandadas fazer pelos parentes da falecida.
            Como o cadáver desta senhora tinha sido sepultado no edifício da inquisição de Coimbra, trataram os seus descendentes, no ano de 1709, de trasladar os ossos dela, para a sua capela da Piedade, na referida freguesia de S. Martinho de Montemor-o-Velho. Aí se lhes deu sepultuura, e nela se pôs uma lápide, com a sentença gravada, havendo novas exéquias com sermão.
            Foi este o último acto de um tão tenebroso drama. Esta senhora, de quem foi descendente o sábio escritor Francisco de Pina e Melo, é presa por cristã nova; sofre durante 17 anos a mais dura prisão nos cárceres do Santo Ofício; e no fim, depois de morta, vêm dizer os inquisidores que era cristã velha, e que apesar de todas as diligências a que procederam, a achavam inocente!
            Quadros semelhantes são repugnadissimos a todas as pessoas dotadas de humanidade; mas é de razão que a geração actual seja sabedora do que nas épocas anteriores se praticava, e possa responder com vantagem àqueles que tratam unicamente de tornar salientes quaisquer actos condenáveis, que se tenham praticado depois de estabelecidas entre nós as instituições liberais.
Convém que os partidários do obscurantismo saibam que ainda se não perdeu a memória das atrocidades que se praticavam em nome de uma religião toda paz e caridade. – Joaquim Martins de Carvalho’
(Caderno 17, páginas 86 a 89)

Era este o procedimento normal da ‘Santa’ Inquisição, a que o nosso Morgado aderiu como ‘familiar’