sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Histórias e Lendas- 19

O jantar do Deão


         Dom Manuel, por graça de Deus Rei de Portugal e dos Algarves , daquem e dalém mar em África, Senhor da Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia. A quantos virem esta nossa carta de foral dado ao termo e lugar de Tavarede virem, etc.
Jantar ou colheita: O Deão da Sé de Coimbra, visitando uma vez no ano o dito lugar, receberá dos moradores de Tavarede para o seru jantar, 180 reais de 6 ceitias o real, e das heranças da Chã e de Cabanas. 2 carneiros, 2 cabritps, 6 almudes de vinho, 10 galinhas, um quarteiro de cevada pela medida de Coimbra, 100 pães, 5 soldos em dinheiro para temperos, meio alqueire de manteiga fresca e lenha e vinagre que abonde para se poder cozinhar as ditas cousas na cozinha do Deão. – Cumpra-se. (Chá de Limonete – 1º acto)
         Esta folarenga obrigação nem sempre foi cumprida.  Foi o que sucedeu no ano de 1536. O cabido das Sé de Coimbra mandou três cónegos seus, Francisco Monteiro, Henrique de Sá e Jerónimo Salvador, ao Couto de Tavarede para recolherem a colheita e o jantar imposto pelo foral que, em Maio de 1516, o rei D. Manuel dera à nossa terra.
         Os juizes e os oficiais da Câmara tavaredense entenderam não pagar o treibuto referido, pois “não podiam pagar ao dito Cabido a dita colheita e jantar, que lhes era pedido, pelo dito concelho ter no foral o contrário”. Alegaram que o aludido foral referia expressamente que aquele tributo era devido ao Deão e não ao Cabido.
         Este, sentindo-se lesado nos seus direitos, recorreu ao rei.
         Dom João, por graça de Deus Rei de Portugal e dos Algarves, Daquém e dalém mar em África, Senhor da Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e India. A vós, juízes do Couto de Tavarede, jurisdição do Cabido da Sé de Coimbra e a todos os outros juízes e justiças, oficiais e pessoas dos meus reinos e senhorios a quem esta minha carta de sentença for mostrada e ao conhecimento dela por qualquer guiza que seja pertencer, saúde.
            Faço-vos saber que perante mim, nesta minha Corte, e Casa de Suplicação e os juízes dos meus feitos, nela, foi apresentado um instrumento de agravo que diante vós tirou o Cabido, Dignidades e Cónegos da dita Sé, aos oito dias do mês de Julho do presente ano de mil quinhentos e trinta e seis, no qual se continha, entre outras muitas coisas em ele contidas, que os ditos suplicantes vieram com um requerimento por escrito, a vós ditos juízes, dizendo nele que o dito Couto era obrigado pagar de colheita e jantar ao dito Cabido, e seu certo recado para os visitar, e lhes administrar justiça por serem seus vassalos, e sujeitos a toda a jurisdição cível ser sua, e sendo visitadosem cada um ano até ao S. João de cada um ano e então eram as colheitas seguintes, a saber: dos moradores do dito lugar de Tavarede sem os do termo, pagavam pelos seus livros dos direitos dos direitos alfandegários, seiscentos e oitenta reis da moeda ora corrente, e mais pelas heranças do lugar da Chã e casais de cada um, dois carneiros e dois cabritos, e seis almudes de vinho da medida corrente, e dez galinhas e um quarteiro de cevada pela medida corrente de Coimbra, e mais cem pães ou por cada pão dois reis da sobredita moeda ora corrente, cinco reis para especiarias e por elas cinco reis da dita moeda ora corrente, e meio alqueire de manteiga e outras coisas e vinagre que baste para as ditas coisas se cozinharem, a qual colheita ou jantar vós juízes e oficiais em cada um ano fintáveis pelo concelho e povo dele, segundo acima ficava declarado, e era tão antigo que não havia memória dos homens em contrário e o preço era notório dever-se, e que assim o tinham  por leis na sua Câmara e ora findo como foram em nome do Cabido, Francisco Monteiro e Henrique de Sá e Jerónimo Salvado, cónegos, a visitar o dito Couto antes do S. João, este  de quinhentos e trinta e seis, em o primeiro dia de Junho da citada era, e visitando e provindo em tudo o que era necessário, os ditos juízes e oficiais punham dúvida a pagarem e lhe darem a dita colheita e não eram obrigados, pelo que vos requeria lhes desseis e pagasseis a dita colheita e o jantar deste ano de quinhentos e trinta e seis, como em cima era declarado.
         Mandada fazer a necessária inquirição tespondeu o juiz e vereadores e procurador do dito Couto, dizendo em sua resposta que a colheita ou jantar que em seu requerimento dizia, que era devido ao Cabido da dita Sé o dito seu Couto de Tavarede em cada um ano, e que requeriam que o desse ao dito Cabido o ano presente de trinta e seis, por dizer que Francisco Monteiro, Henrique de Sá e Jerónimo Salvado,  cónegos dessa Sé, foram visitar o dito Couto, agora em o primeiro dia de Julho do presente ano, diziam eles juiz e oficiais que eles não podiam mandar pagar ao dito Cabido a dita colheita e jantar, que lhes era pedido pelo dito concelho de Tavarede ter no foral o contrário.
            A saber: dava o dito foral que indo o Deão da dita Sé pessoalmente visitar uma vez no ano o dito concelho de Tavarede, os moradores do dito lugar lhe pagassem a ele Deão a dita colheita e jantar, e pelo dito foral assim o mandar expressamente sem nenhuma limitação, sempre de tempo imemorial que eles oficiais se acordavam, e demais sempre a dita colheita e jantares se dera e pagara ao Deão que era da dita Sé e se pagavam agora a João Rodrigues Ribeiro, Daião agora na dita Sé, o qual em cada um ano pessoalmente a vencia e se lha pagava sem nunca os do Cabido tal colheita nem jantar pedirem senão agora, se eles do Cabido tinham alguma provisão minha em que mandasse que lhe fosse pago sem embargo do foral, que lhe mostrasse e lha guardariam e cumpririam em tudo, porque o que diziam em seu regimento não bastava para lhe ser dado o que pediam, pelo dito foral ser em contrário, do qual requeriam ao tabelião que no instrumento que lhe havia de passar, tresladasse em ele as verbas do dito foral que no dito caso falavam, porque eles não punham em Câmara outra lei por onde se regiam acerca dele somente estas verbas que apontavam no dito instrumento eram tresladadas, e sem isto os do dito Cabido se quisessem instrumento de agravo que pediam que lhe fosse dado e contestavam  de ‘trepicat’ se  cumprisse segundo que tudo istyo mais cumpridamente era conteudo na dita resposta, que os juizes e vereadores e procurador responderam ao dito requerimento, ao qual outrossim respondeu o Deão, dizendo em sua resposta que era verdade, que ele como Deão estava em posse, por dez, trinta, cinquenta, cem anos a esta parte, e por tanto tempo que a memória dos homens não era em contrário e se nisso houvesse dúvida, daria testemunhas no concelho e fora dele, se por si e pelos Daiões antepassados e antecessores deverem em cada um ano, por irem visitar o dito Couto de Tavarede o jantar que ora o dito Cabido dizia, e pedia o qual jantar não indo ele em pessoa se não devia dar a pessoa alguma outra do Cabido, e ficava no concelho, como a todo era notório e muitas vezes ficara em tempo dele Deão, e seus antecessores e a si como Deão tinha aí o dito jantar e assim o tinham outros muitos jantares em outros muitos lugares em que o Cabido não tinha jurisdição e assim em outros em que a tinha.
         Como se vê, era entendimento dos juizes e vereadores de Câmara de Tavarede, que a colheita e jantar deveriam ser pagos pessoalmente ao Deão e não aos cónegos da Sé. Mas, apreciado superiormente o caso, o rei D. João III mandou emitir a seguinte sentença:
                        SENTENÇA – Acordei, vistos os requerimentos feitos pelo Cabido da Sé de Coimbra aos juizes e oficiais dos Coutos nestes instrumentos conteudos e as respostas dos ditos oficiais e assim as respostas do Deão, sentenças dadas sobre a jurisdição dos ditos Coutos e se mostra pelas ditas sentenças a jurisdição dos ditos Coutos ser julgada ao dito Cabido por respeito da   qual jurisdição, e visitação se dão jantares e colheitas nos Coutos da contenda, o que tudo visto com o mais que dos autos consta, declaro os ditos jantares e colheitas pertencerem ao dito Cabido e mando aos juizes e oficiais dos ditos Coutos, que lhe acudam e façam acudir com eles, segundo forma de suas doações, porque os ditos jantares e colheitas lhes são concedidos e esta declaração e sentença servirá a todos os Coutos nos ditos instrumentos conteudos, e porém os mando que assim cumpreis e guardeis e façais em tudo muito inteiramente cumprir e guardar como por mim é julgado, acordado, mandado e determinado. E mando que esta sentença se cumpra e guarde com efeito realmente assim é da maneira que em ela é conteudo, e porquanto o Cabido pagou parte do Deão cento e sessenta e sete reis, vos mando que requereis que os pague, e se pagar não quiser, o fareis penhorar em tantos dos seus bens móveis e de raíz e lhos fareis vender e rematar aos termos conteudos em minhas ordenações, em maneira que o dito Cabido haja pagamento dos ditos cento sessenta e sete reis, o que assim cumprir  e ao não façais.
            Dada em minha cidade de Évora, onze dias do mês  de Agosto. El-Rei o mandou pelo licenciado Álvaro Martins, do seu desembargo e juiz de seus feitos em sua Corte e Casa de Suplicação. Francisco Pires a fez e Afonso Fernandes de Toar escrivão. Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil quinhentos e trinta e seis.
         O caso ficou resolvido, podendo o cabido mandar receber a referida colheita e jantar por cónegos seus.


Um Homem -        E p’ra que o jantar seja um jantarão
                              Vem um quarteiro farto de cevada. (bis o coro)

Deão -                  Abençoo, comovido,
                             Este nbm povo que timbra (bis os dois cónegos)
                              No respeito que é devido
                              Ao Cabido de Coimbra.
                               Eu vos recebo o jantar,
                               Que é apenas um farnel... (bis os dois cónegos)
                                Conforme manda o foral
                                do Senhor Rei D. Manuel.

Coro -                       A nossa foralenga obrigação
                                  Aí fica cumprida com respeito.
                                   Que o jantarinho faça ao bom Deão
                                    E a todo o Cabido - bom proveito!
                                    Bom proveito!
                                    Bom proveito!

 (versos Chá de Limonete)      


                              Chá de Limonete - Cena de 'A Doação de Tavarede à Sé de Coimbra'


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