No dia em que Mestre José Ribeiro
completaria 96 anos de idade, nova homenagem foi prestada à sua memória, desta
vez por iniciativa de uma comissão, que tomou a responsabilidade da iniciativa
e durante a qual foi inaugurado o seu busto no largo fronteiro à Sociedade. Ao homenagear-se em Tavarede no próximo
domingo a figura do grande cidadão José da Silva Ribeiro, a Sociedade de
Instrução Tavaredense sentiu um enorme desejo de falar um pouco do Homem que
foi a pedra angular da sua existência, do seu prestígio.
O Teatro foi a arte escolhida para o
engrandecimento da Sociedade de Instrução Tavaredense e dos que com ele
conviviam nos inesquecíveis serões dos ensaios. Desde 1916, ano em que tomou as
rédeas da direcção do grupo cénico, José Ribeiro instruiu e educou as mais
variadas gerações de tavaredenses, tendo sempre como cartilha o texto
dramático, por mais simples que se afigurasse a mensagem.
Ao princípio, e pensamos que numa
atitude de motivação e recrutamento de amadores, ensaiou variadas peças sendo,
na sua maioria, comédias e operetas com adaptação de romances e contos, por
exemplo, do grande escritor Júlio Dinis. Lembremos que os amadores eram gente
que trabalhava a terra durante o dia ou exercia outras profissões bem agrestes
e que à noite vinha aprender a falar, a ouvir e a estar, com os ensinamentos do
Mestre. Também o público carecia de ser educado e, por isso, ele numa atitude
verdadeiramente pedagógica começou dos enredos e das palavras mais simples dos
autores nacionais, para gradualmente introduzir outras obras ditas “mais
sérias”. Em 1946 entra em Tavarede Gil Vicente , o grande criador do Teatro
Português. Introduzir textos vicentinos não foi tarefa fácil, embora o grupo
cénico nessa época já tivesse alguns amadores com grande qualidade – Violinda
Medina, João Cascão, Fernando Reis, irmãos Medina, João de Oliveira e outros -,
no entanto a linguagem medieval era um tanto difícil para a maioria dos
amadores. José Ribeiro, habituado a enfrentar todas as dificuldades, não
desiste e em Tavarede representam-se variados trechos de Gil Vicente – Auto
Pastoril Português, Auto da Barca do Inferno, Auto da Visitação, Pranto da
Maria Parda, Auto da Feira, Farsa do Velho da Horta e outros. Como foi possível
então representar com êxito o autor citado, bem como toda uma vasta galeria de
autores clássicos e modernos da literatura portuguesa e estrangeira como
Garrett, Marcelino Mesquita, Alves Redol, Luís Francisco Rebello, Molière,
Marivaux, Shakespeare, Pirandello, Artur Miller, Diego Fabri?
Antes do início dos ensaios, a peça
sofria uma enorme fermentação, um enorme estudo pessoal, fruto de longas noites
passadas à secretária, no escritório de sua casa. Cuidadosamente fazia os
cortes necessários ao texto, de maneira a que a mensagem se tornasse fluida
sem, de forma alguma, quebrar o espírito do autor. Seguidamente começavam os
“bonecos” – pequenas figurinhas de chumbo – a bailar nas marcações do espaço
cénico desenhado na folha de papel. Ao mesmo tempo fazia os contactos com o
responsável pelo guarda-roupa, Anahory, e com os cenógrafos, a fim de haver um entendimento
perfeito entre texto – indumentária – cenários – adereços. Começava então a
fase dos ensaios que, segundo ensinamentos seus, se dividem em duas fases – o
reconhecimento do texto, através dos chamados ensaios de mesa, e posterior
passagem ao palco, em que o amador aprende a misturar as palavras, o tom de voz
com a expressão corporal, a apropriação do espaço.
E nesta tarefa se passavam alguns meses
entre repetições, ralhos, risos, mas acima de tudo, num beber constante de
ensinamentos da vida.
Para José Ribeiro, o dia do espectáculo
era tempo da celebração, o coroar de toda uma caminhada de trabalho e de
prazer. O Mestre vivia, não só a sua, mas a de todos os que com ele partilhavam
a arte de Talma.
Através do Teatro ele foi capaz de
fazer chegar o nome de Tavarede e da Figueira da Foz a quase todos os cantos de
Portugal. Saibamos no presente honrar este homem simples procurando dignificar
e reabilitar a arte do Teatro no espaço cultural do nosso concelho. A Direcção
da Sociedade de Instrução Tavaredense
Mas um novo golpe sofreu o
associativismo tavaredense em fins de 1990. No
passado dia 6 de Dezembro, a Sociedade de Instrução Tavaredense ficou
empobrecida, Tavarede vestiu-se de luto: João de Oliveira Júnior tinha sido
atropelado mortalmente, em Coimbra quando atravessava uma passadeira, frente ao
antigo teatro Avenida.
Os
tavaredenses algo atónitos pela dureza da situação procuravam não acreditar na
realidade, que sobre eles se abatia.
João
de Oliveira estreou-se no teatro de Tavarede com apenas 14 anos e, desde então,
manteve-se sempre no grupo cénico. Amador de alta categoria, ele experimentou
as mais diversas personalidades representando, de forma admirável, grandes
dramaturgos portugueses e estrangeiros. Ele era “o mau” do grupo, segundo as
suas próprias palavras, já que ninguém gosta de fazer papéis antipáticos,
paradoxalmente, fazia, de maneira admirável, a feição cómica. Como exemplos,
podemos citar: o desconhecido em “Alguém Terá de Morrer”, o diabo do “Auto da
Barca do Inferno”, o bofarinheiro do “Conto de Inverno”, “O Tartufo”, o “Médico
à Força” de comédias de Molière e tantos outros!...
Desde
cedo, este amador revelou-se alguém capaz não só de interpretar majestosamente
os seus papéis, mas também de assimilar as técnicas inerentes à preparação e
montagem de um espectáculo. Assim, momentos antes da morte de José Ribeiro ele
assumiu a direcção do grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense
fazendo por continuar uma arte que tanto tem dignificado as gentes de Tavarede.
Pela sua mão foram à cena as seguintes peças: “Chá de Limonete”, “Alguém Terá
de Morrer”, “Todo o Mundo e Ninguém”, “Tio Simplício”, “O Dia Seguinte”, “Horizonte”,
“Os Velhos”!, “O Sonho do Cavador”, estando a ensaiar neste momento outra
fantasia de José Ribeiro.
Ao
longo dos tempos, João de Oliveira não era apenas o excelente amador, ele
desempenhou funções directivas na Sociedade de Instrução Tavaredense, nunca
fazendo questão dos cargos exercidos – desde presidente a vogal – ele
exerceu-os com a mesma competência e dignidade.
No
aspecto recreativo, ele foi sempre o grande impulsionador e animador dos
Concursos de Pesca Rio e Mar, passatempo seu preferido, e também de todos os
convívios sociais levados a cabo pela SIT. Como tavaredense, João de Oliveira
teve uma postura exemplar: a palavra inimigo não fazia parte do seu
vocabulário, ele recebia todos com a mesma franqueza, a mesma bonomia, pronto a
ajudar a quem a si recorresse.
Aos
setenta anos ele brincava graciosamente com os seus netos, forma de lhes
transmitir alguns ensinamentos e, acima de tudo, de lhes mostrar o lado bom da
vida.
Com
a partida de João de Oliveira, todos ficámos roubados do convívio como colega
de direcção, como do amador de teatro, como Amigo sincero! A Sociedade de
Instrução Tavaredense perdeu de forma amarga mais uma das suas traves mestras –
o grande continuador da obra admirável de José Ribeiro. A Direcção da Sociedade
de Instrução Tavaradense.
Obs. – “O Figueirense”, que solicitou
este testemunho à Direcção da Sociedade de Instrução Tavaredense, associa-se ao
desgosto de todos os tavaredenses
Foi a jovem amadora tavaredense Ana Maria Caetano quem tomou
a direcção do grupo cénico. A sua primeira peça, como encenadora, foi a
fantasia Terra do Limonete. E o
teatro tavaredense comemorou o Dia Mundial do Teatro, em 1991, com uma sessão
na sua sede. Tavarede, santuário de muito
teatro, não esqueceu (como podia?) de assinalar o Dia Mundial do Teatro, que
ocorreu na passada semana, no dia 27.
Não sabemos de outras iniciativas que
tenham decorrido no nosso concelho, mas, se eles acaso não se desenvolveram,
Tavarede salvou, como se diz, a honra do convento, ao promover, na sua sede, uma
noite em que o Teatro e José da Silva Ribeiro voltaram a dar mãos, encheram a
Sociedade de Instrução Tavaredense e reconfortaram o espírito de todos que
participaram nesta comemoração.
Presidiu à sessão o Dr. Luís de Melo
Biscaia, vereador do pelouro da Cultura, o qual, em mesa de honra, estava
rodeado pelo presidente da Junta de Tavarede, António Baltazar, e pelas drªs.
Ilda Manuela e Ana Maria Caetano, bem como pelo presidente da SIT, Manuel
Lontro.
E seriam de Manuel Lontro as primeiras
palavras explicativas da razão desta sessão, na qual a comissão promotora da
homenagem a José Ribeiro resolveu aproveitar o Dia Mundial do Teatro não só
para evocar o Mestre, mas também para do Teatro falar, como se os dois,
adiantamos nós, se pudessem separar.
A
Drª Ilda Manuela leu depois a mensagem do Director Geral da Unesco, Frederico
Mayor, relativa à data que se assinalava e na qual aquele responsável
distinguiu o instinto criador de todas as mulheres e de todos os homens,
enunciando seguidamente alguns dos grandes desafios do nosso tempo, recordando
também o valor da comunidade teatral internacional, incitando às manifestações
desta arte ímpar, na contribuição do advento de um mundo mais criador e mais
fraterno.
A
intervenção de fundo coube à Drª Ana Maria, actual ensaiadora d SIT, discípula
de Mestre José Ribeiro, a qual, corajosa, mas conscientemente, pegou nas rédeas
da colectividade após o falecimento de João de Oliveira, outro homem grande do
Teatro tavaredense.
E a palestrante traçou um cuidado
retrato destes dois grandes e indissolúveis triunfos culturais de Tavarede,
isto é, historiou a fecunda actividade teatral e evocou José da Silva Ribeiro.
Recordou os tempos da fundação da SIT,
lembrando as sociedades dramáticas que se representavam de casa a casa, a acção
de João José da Costa e a contribuição que este ex-presidente da Câmara deu à
actividade teatral transformando a Casa do Terreiro em Teatro do Terreiro, a
escola nocturna que o antigo regime encerrou em 1942, as representações, as
dificuldades...
Mas 1916 é marco histórico-cultural de
Tavarede, pois é nesse ano que José da Silva Ribeiro, com apenas 18 (?) anos,
se assume como ensaiador da SIT, estreando-se com a opereta “Entre duas
Avé-Marias”.
E pelo palco de Tavarede passou uma
população que se cultivou, educou, progrediu, tomando características próprias
que se haviam de reflectir no dia a dia da vida real.
E neste Dia Mundial do Teatro foi bom
aprender e recordar muito do que o Teatro deve a Tavarede, muito do que
Tavarede deve a Mestre José da Silva Ribeiro, viajando ciceroniado pela Drª Ana
Maria, num agradável passeio cultural que nos conduziu dos primórdios teatrais
tavaredenses até aos nossos dias, havendo ainda tempo para saudar Violinda
Medina, João Cascão, os irmãos Broeiros, Manuel Nogueira, Francisco Carvalho e
tantos outros pilares humanos da SIT.
E a palestrante concluiria as suas
palavras com a certeza de que “em Tavarede deixou bem colocada a semente do
Teatro”, finalizando com um viva ao Teatro.
O Dr. Luís de Melo Biscaia encerraria a
primeira parte desta sessão evocativa do Dia Mundial do Teatro, declarando “que
hoje sabe bem revivermos José da Silva Ribeiro neste Dia Mundial do Teatro”,
realçando posteriormente quer a sua acção, quer a de todos os amadores da
Sociedade de Instrução Tavaredense, felicitando, por fim, a oradora pelo seu
brilhante trabalho.
A derradeira parte desta reunião foi
toda ela ocupada pela passagem de um vídeo, no qual nos foi apresentada uma
completa entrevista realizada ainda com o Mestre José Ribeiro, ora situada em
sua casa, ora localizada na sua segunda casa, a SIT.
E se
soube bem reviver Mestre José Ribeiro nas palavras da Drª Ana Maria, como
afirmou Luís Biscaia, não menos emotivo foi revê-lo nas imagens, sentir toda a
sua determinação, vontade, todo o seu “amor ao Teatro e às suas gentes de
Tavarede”.
Tavarede não esqueceu o Dia Mundial do
Teatro. Bastou que do Mestre José Ribeiro se falasse...
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