sábado, 14 de março de 2015

O Associativismo nas Terra do Limonete -

         E vamos agora ao último caderno desta recolha sobre o associativismo na terra do limonete. Duzentos anos decorreram desde que Tavarede, já liberta do jugo da família Quadros, que durante cerca de três séculos oprimiram e vexaram o povo local, iniciou um novo modo de viver, deixando de ‘vegetar’ como os seus Senhores o obrigaram. Os tavaredenses aprenderam, então, que a sua vida terrena não podia ser unicamente trabalhar. É que, por esses tempos, tinham acabado de aqui chegar, trazidos pelos ventos do leste, os ideais da liberdade, da igualdade e da fraternidade, provindos da França.

         Escrevemos, ao iniciarmos esta tarefa, que o associativismo teria tido os seus princípios, na nossa terra, na primeira década do século dezanove ou, talvez, na última do século anterior. Nas nossas buscas, não conseguimos encontrar uma certeza absoluta. Mas, embora o não possamos garantir, julgamos não estar afastados da verdade.

         Procurámos descrever o começo dos tavaredenses na busca da sua instrução. Foi o teatro o meio escolhido. Mas não foi a nossa terra a primeira. Ainda aqui imperava o despotismo dos fidalgos, já se fazia teatro em Maiorca, pois temos notícia da ida do morgado Fernando Gomes de Quadros àquela terra assistir a uma comédia e tentar ‘mimosear’ com pancada, o dono da casa onde teve lugar a representação. E, certamente, noutros lugares da região já se apresentava teatro.

         Já estamos bem longe dos velhos ‘cardanhos’, que Ernesto Tomás nos descreveu primorosamente, as tais sociedades dramáticas, que em Tavarede ‘vegetavam como tortulhos’. Também já pertencem à história as ‘célebres’ representações, em que o público, sem qualquer respeito pelos actores, fumava e cavaque ava na improvisada plateia, enquanto assistia ao desenrolar dos dramas, que até as pedras faziam chorar, e as comédias, que provocavam indigestões de riso. De igual modo, também em Tavarede se finaram as tão tradicionais representações dos Autos Pastoris e dos Reis Magos, de que o velho Joaquim Águas era tão entusiasta!

         Mas a verdade é que foram estes espectáculos que tiveram a maior importância para o desenvolvimento cultural e recreativo em Tavarede. Podemos dizer, que foi esta a semente que tão abundamentemente germinou e se reproduziu na pequena e velha aldeia. Claro que se não deve deixar de dizer que, se a semente e o terreno eram excelentes, também a sorte nos favoreceu, com um filho tavaredense que dedicou toda a sua longa vida ao associativismo, cultivando a abençoada semente do teatro, arte esta em que foi justamente considerado Mestre. Como alguém referiu, sem teatro Tavarede não seria a mesma, e nós acrescentamos, sem o Mestre José Ribeiro também o teatro de Tavarede não seria o mesmo.

         Mas esta introdução já vai longa e é tempo de regressar à nossa história. Sabemos o que foi o passado associativo, conhecemos, ou julgamos conhecer, o associativismo presente, mas ignoramos completamente como será no futuro. Ao iniciarmos o novo século, o vinte e um, existiam na freguesia cinco associações culturais e recreativas: a Sociedade de Instrução Tavaredense, o Grupo Musical e de Instrução Tavaredense, o Grupo Musical Carritense, o Clube Desportivo e Recreativo da Chã e o Grupo Desportivo e Amizade do Saltadouro. E, facto digno de registo, todas as cinco instaladas em sedes próprias e todas desenvolvendo activamente a sua nobre missão.

         Damos o título do ‘Primeiro centenário’ a este capítulo, tendo em conta o caso de a Sociedade de Instrução, a mais antiga, comemorar os seus primeiros cem anos de existência logo nos anos iniciais do século.  E como simples informação, podemos dizer que, depois de consultarmos toda a imprensa local e todos os registos e arquivos da colectividade, a mesma efectuou 1.156 espectáculos, desde a sua fundação, em Janeiro de 1904, até ao final do século vinte. Uma média de quase doze espectáculos por ano, é um caso notável em grupos de amadores e numa terra tão pequena como a nossa.

O primeiro espectáculo desta colectividade no novo século, teve lugar no dia 27 de Janeiro de 2001, integrado no programa comemorativo do seu 97º aniversário. Levou à cena as peças de Tchekov Um pedido de casamento e O urso. E, no dia seguinte, antes da tradicional sessão solene, representou outra peça do mesmo autor, O canto do cisne. Relativamente ao espectáculo de sábado, encontrámos o seguinte apontamento. A SIT levou à cena no passado dia 27 duas peças de Anton Tchekov, dramaturgo russo e impulsionador do chamado “realismo psicológico”, que faleceu já no início deste século.
                 As peças, “Um pedido de Casamento” e “O Urso” integraram-se na comemoração dos 97 anos daquela colectividade. Com estas peças e mercê de um trabalho que se denota apaixonado e sério, a SIT está de novo a conquistar público, uma vez que a sala estava completamente cheia.
         Trata-se de duas comédias ligeiras, de costumes, que pedem tratamento naturalista quer na encenação, quer nos adereços e cenários. Este tipo de teatro vive essencialmente do bom desempenho dos actores e aqui os dois espectáculos contaram, no caso do “Pedido de Casamento”, com duas excelentes interpretações rubricadas por Rogério Neves e por Fernando Romeiro, este último, bastante seguro e mostrando ser um actor com escola; Já no “O Urso” estiveram em bom plano Ilda Simões e José Medina, não desmerecendo o discreto António Barbosa, num papel que parece fácil mas que, na realidade, não o é.
         A encenação consegue manter um ritmo adequado ao desenrolar da acção, sem quebras e prestável à atenção do público. Talvez, e tratando-se de teatro realista, uma ou outra articulação não estivesse bem, tal como o cenário de “O Urso”. Nesta matéria seria bom que a SIT deixasse de utilizar os “velhos” cenários que funcionam como uma parede no espaço cénico e partisse para novos moldes mais consentâneos com o teatro moderno.
         Uma nota para os folhetos de apresentação: simples, directos e informativos para o grande público.

A propósito deste aniversário, e num periódico figueirense, uma notícia foi publicada sobre a colectividade, na qual se incluia uma entrevista com a então presidente da direcção. Foi em 15 de Janeiro de 1904 que Tavarede viu nascer no seu seio a Sociedade de Instrução Tavaredense (SIT).
         Tavarede, uma freguesia rural cuja população vivia exclusivamente da agricultura, onde os “cavadores” trabalhavam a terra de sol-a-sol, não havia tempo para a cultura e muito menos para a instrução. Tal facto levou a que um punhado de tavaredenses fundasse a SIT, cuja principal acção seria a criação duma escola onde os tavaredenses pudessem aprender a ler depois das tarefas da lavra.
         Poucos anos após a sua fundação, já se falava de teatro e foi de tal ordem o amor pela “arte de Talma” que ainda hoje, volvidos 97 anos, é o teatro a principal razão da existência da colectividade.
         Não se pode falar da SIT sem mencionar o nome de mestre José da Silva Ribeiro. Se a SIT hoje é o que é muito deve a mestre José Ribeiro que dedicou toda a sua vida ao teatro e soube incutir essa paixão aos tavaredenses, que ainda hoje sentem o orgulho pela sua SIT ser considerada a “catedral do teatro amador”.
         Várias gerações têm passado por aquela colectividade, todavia o exemplo daquelas que ao longo dos anos escreveram páginas brilhantes, de um historial que é orgulho dos tavaredenses, continua a ser seguido religiosamente por quem hoje dirige a agremiação.
         Há cerca de quatro anos, uma grave crise de dirigismo na SIT levou a que um grupo de jovens mulheres assumisse a liderança da colectividade. Na altura a notícia foi comentada quase a nível nacional, pois não havia memória de tal situação ter acontecido em território nacional. Daí para cá tem sido uma luta constante, o modelo tem persistido e na passada semana realizou-se a assembleia geral da SIT e mais uma vez fica a pertencer às mulheres a condução dos destinos da casa.
         Rosa Paz, uma jovem tavaredense, assumiu desde a primeira hora o modelo directivo da SIT. A massa associativa na última assembleia geral elegeu-a para presidir aos destinos da colectividade. Licenciada em Direito, Rosa Paz divide o seu tempo entre o escritório de advocacia, a sala de direcção e o palco da SIT, já que é também amadora teatral.
         Foi com Rosa Paz que O Figueirense conversou, tomando nota daquilo que ultimamente tem sido feito, bem como as perspectivas que se colocam no futuro, numa altura em que já se pensa nas comemorações do primeiro centenário.
         Eis as perguntas e respostas:
         - Como vai a SIT?
         - Dentro do possível vai bem. Tudo o que se faz nesta casa tem sempre a ver com o teatro. Consideramos que é a principal actividade da SIT. No dia que o teatro acabar, dá-me ideia que a razão de ser da SIT deixa de existir.
         - Isso quer dizer que o teatro absorve a SIT na totalidade?
         - Não é bem isso. Tentamos levar à prática várias actividades de acordo com as pretensões dos nossos associados. Todavia, o teatro constitui sempre prioridade. Nestes dois últimos anos definimos três obras prioritárias: as obras de remodelação do nosso bar, tendo em conta que o mesmo seja convidativo para que os nossos associados se sintam bem e venham com assiduidade à colectividade. Uma outra obra que iniciámos foi a construção de uma “régie” de forma a poder responder a algumas insuficiências no aspecto da montagem de peças de teatro. Finalmente a remodelação da instalação eléctrica. Esta última obra muito cara, obrigatoriamente tinha de ser feita até por questões de segurança, levando-nos a ter de fazer arranjos em termos da nossa sala de espectáculos e camarins.
         - Deduzo que as obras encerraram um ciclo de investimento...
         - As obras que enumerei representam um ciclo de prioridades, mas não ficaram por aqui os investimentos. Todos os anos temos levado à cena novas peças de teatro. Para quem está por dentro da situação a montagem de uma peça hoje é caríssima e nós não fazemos teatro para rentabilizar as finanças da colectividade. Pensamos que o teatro é uma função cultural e quando montamos as peças e as representamos não estamos a pensar que lucros eventualmente apuraremos. Quero dizer com isto que no nosso plano de investimentos tivemos de adquirir alguns equipamentos que permitam uma maior rentabilidade, de forma a que a montagem das peças saia mais barata e possamos ter em linha de conta melhores espectáculos. Refiro-me a equipamentos de luz e som.
         - Digamos que em termos de mandato anterior está tudo falado?
         - Quase tudo, mas ainda há algo que queria dizer. Em 1999, sob a direcção de Ilda Simões, quisemos homenagear um grande escritor português que é Bernardo Santareno, e levámos à cena a peça “O Pecado de João Agonia”. Foi um êxito de que muito nos orgulhamos. Por um lado a crítica foi unânime ao apoiar o nosso trabalho, todavia foi importante todo um conjunto de solicitações para representarmos a peça nos mais diversos locais, e acabámos por não aceder a muitas das solicitações, já que tinhamos necessidade de preparar outros trabalhos. Também procurámos ser gratos a quem tem dedicado a sua vida ao teatro e assim homenageámos em 1999 dois amadores da SIT que fizeram 50 anos de palco, José Luís Nascimento e a nossa muito saudosa Lourdes Lontro, que faleceu na véspera de um espectáculo.
         Ainda como ponto de referência, fomos os representantes do movimento associativo concelhio junto da Comissão de Protecção de Menores.
         Escola de Teatro: uma realidade – Foi no último sábado que se realizou a assembleia geral da SIT. Rosa Paz e seus pares foram reconduzidas para mais um mandato. Curiosamente, nas eleições da colectividade tavaredense não é necessário campanha eleitoral, já que a preocupação dos associados vem no sentido de saber “se as meninas continuam”.
         - Quais os grandes objectivos para 2001?
         - Nos últimos tempos tem sido uma preocupação constante a formação teatral. Para tanto, é uma necessidade premente a constituição de uma escola. Demos os primeiros passos no ano anterior e a escola de formação é já uma realidade através de um protocolo existente entre a delegação regional da Cultura do Centro, o Grupo de Teatro Profissional “A Escola da Noite” e a SIT, projecto denominado “Centro dos Amadores de Teatro”.
         - Tem havido boa receptividade da delegação regional da Cultura aos vossos projectos?
         - Mantemos com a delegada óptimas relações. Temos o cuidado de a convidar de forma a que possa assistir à nossa actividade cultural. Por outro lado, é um facto que nos apraz registar o reconhecimento do nosso trabalho e a confiança que em nós é depositada. Recentemente concorremos num universo de 115 colectividades para sermos considerados como pólo receptor e gestor de equipamentos teatrais. Fomos uma das quatro colectividades contempladas, e a partir daí partilhamos a nossa acção com sete colectividades concelhias.
         - Que tipo de colaboração existe entre a SIT e outras colectividades?
         - A colaboração normal entre colectividades. Recentemente realizou-se o fórum das colectividades e desde logo para além da nossa participação cedemos as nossas instalações. O nosso pavilhão desportivo tem sido cedido às mais diversas organizações, quer culturais quer desportivas. Em termos de teatro temos dado apoio a diversos grupos que a nós recorrem, desde a cedência de instalações, cenários e guarda-roupa.
         - Para além do teatro que outro tipo de actividade existe na SIT?
         - Ao longo do ano realizámos vários espectáculos culturais e outros de entretenimento para os nossos associados. Procuramos manter tradições muito antigas nesta casa, como os concursos de pesca de mar e rio, os campeonatos de sueca e a “Serração da Velha”.
         Tchekov aos 97 anos – A SIT comemora os seus 97 anos de existência durante o mês de Janeiro. Faz parte da tradição da colectividade a realização de uma récita teatral, inserida nas comemorações. Assim este ano, para não fugir à tradição, os amadores da SIT fazem subir à cena quatro peças.
         - Quais são as peças preparadas para este aniversário?
         - Julgo que pela primeira vez estamos em condições de representar quatro peças praticamente em simultâneo. Juntamente com Ilda Simões fizemos uma escolha criteriosa de autores e decidimos que este ano seria de Tchekov, um escritor nunca antes representado em Tavarede. “Um Pedido de Casamento”, “O Urso” e o “Canto do Cisne” são as peças que representaremos nos dias 27 e 28 do corrente. Para além destas, também queremos homenagear um grande autor português, José Régio, já que este ano se comemora o primeiro centenário do seu nascimento, pelo que também levaremos à cena a peça “O Meu Caso”.
         - Como conclusão final, com que apoios conta a SIT para toda esta actividade?
         - Temos a convicção que as entidades oficiais nos deveriam ajudar muito mais do que têm feito até aqui. De qualquer forma, temos tido ajudas. Todavia, temos o cuidado de apresentar os nossos projectos devidamente fundamentados e com  descrição das necessidades prementes para os levar a efeito. Nesta base, aguardamos o veredicto das entidades a quem recorremos e vamos realizando-os conforme as nossas possibilidades e as ajudas de que dispomos.
         A SIT tem de momento cerca de 700 sócios que contribuem com uma quotização anual da ordem dos 600 contos. Esta importância não dá por vezes para pagar o aluguer de um guarda-roupa para uma peça de teatro. Daí seria fácil ter uma colectividade aberta para funcionamento de um bar e se ocupar o tempo com jogos de cartas e dominó, como muitas outras que conhecemos. Não foi para isso que foi fundada a SIT. Consideramo-nos uma casa de cultura para fazer cultura. Só assim tem razão a nossa existência. No dia em que não nos for possível cumprir a tradição e a memória dos antepassados que fizeram a história desta colectividade, outra alternativa não nos resta do que fecharmos a porta.
         Estamos à beira de comemorar o nosso primeiro centenário, faltam três anos, mas já pensamos na constituição de uma comissão organizadora.
         Comemorações do 97º aniversário – As comemorações dos 97 anos da SIT tiveram o seu início no passado dia 15 com a realização de um jantar convívio.
         No último sábado realizou-se a assembleia geral, com as eleições para os corpos sociais relativos ao ano de 2001. A mesma noite, na SIT, foi preenchida com uma sessão dedicada ao fado de Coimbra, tendo actuado o Grupo “Saudade Coimbrã”.
         Momento alto das comemorações acontece este fim de semana. Assim, na noite de 27, pelas 21,45 horas, realiza-se um espectáculo de teatro pelo grupo cénico da SIT, com a apresentação de duas comédias de Tchekov: “Um Pedido de Casamento” e “O Urso”.
         No dia imediato, realiza-se a partir das 16 horas a tradicional sessão solene tendo como orador principal João Manuel Pedrosa Russo. No decorrer da sessão será apresentada a peça “O Canto do Cisne”.

         O teatro volta novamente à cena no dia 3 de Fevereiro, pelas 21,45, homenageando José Régio nas comemorações do primeiro centenário do seu nascimento, com a apresentação da peça “O Meu Caso”, estando ainda inserido no programa um recital de poesia e uma palestra sobre o escritor.

Sem comentários:

Enviar um comentário