sexta-feira, 24 de abril de 2015

Tavarede - A terra de meus avós - 3

       Que transacções mantém Tavarede com Mira, Quiaios e Brenha, povoações a quem servirá a estrada distrital?
         Que produtos de indústria poderão trocar com aquelas povoações? Ao nosso mercado concorre diariamente com duas ou três dúzias de cestas de produtos hortenses. Para isto, lá tem a boa estrada que já possui.
         Que Tavarede precise dalguns melhoramentos dentro de si, concordo; que lhe seja de absoluta necessidade passar por dentro a estrada distrital, privando dela os centros mais importantes da sua freguesia, não se pode admitir á face da boa razão.
         Lancemos a vista sobre a bacia em que assenta Tavarede, povoação que é hoje objecto de infundamentadas questões sobre a conveniência de trazer por dentro dela a estrada distrital que há-de ligar-nos a Aveiro.
         Analisemos primeiramente os montes que a rodeiam, as vias de comunicação que encerra, as produções da agricultura do terreno que a forma, e com esse conjunto de apreciações poderemos mais uma vez avaliar a razão de obrigar a um desvio o traçado já estudado.
         Tavarede está situada no fundo da bacia em um vale profundo, apenas a quatro metros acima do nível do mar, na direcção do poente ao nascente até á Cumieira, a serra da Boa-Viagem.
         Duas ramificações desta serra partem - uma do ponto da povoação da Serra, prolongando-se pelos Condados para o sul, até chegar ao lugar do Senhor do Areeiro a 600 metros ao poente de Tavarede, onde termina limitando o horizonte dessa povoação por este lado; - outra - partindo da mesma serra e na direcção de Cabanas, estende-se pelo Saltadouro, Prazo, Araújo, Casal da Robala, e principiando a deprimir-se neste último ponto acaba na margem do Mondego, junto dos Estaleiros.
         Um outro monte principia a elevar-se junto do lugar do Senhor do Areeiro, continuando a ramificação da serra perdida naquele ponto. A partir dali, o monte continua por alguma distância e divide-se depois em três partes: uma que segue para o Sudoeste, e é aquela em que assenta a nossa igreja matriz; a outra, paralela a esta, é a base da rua da Lomba; a terceira, crescendo do Pinhal para Sueste, assenta nela o casal da Lapa, indo depois perder o nome junto dos estaleiros.
         A bacia em que assenta Tavarede, emoldurada do norte, nascente e poente, pelos montes que designei, é aberta ao sul do lado onde passa o Mondego, a dois quilómetros abaixo daquela povoação. Tem de comprimento, do norte a sul 2:500 metros, e de largura 700, sendo atravessada longitudinalmente por um ribeiro que recebe as águas das vertentes da Serra da Boa-Viagem, e do Saltadouro, e, passando á extremidade do lado do nascente de Tavarede, deslizando pela planície abaixo, vai pela fonte da Várzea a desaguar no Mondego. No decurso do trajecto do ribeiro estão montadas três azenhas. A bacia, é em grande parte destituída de terreno próprio para ser agricultado, a parte mais próxima do rio é ocupada por marinhas de sal, cujas propriedades pertencem a indivíduos desta vila, e terá uma área de 150:000 m.q. Segue-se-lhe para o norte quase outro tanto de superfície de terreno em parte apaúlado, e abandonado a pousio e á espontânea vegetação de juncais. Mais para acima, - talvez não erre a estima - um terço da superfície total da bacia que envolve Tavarede serve ao cultivo de cereais e produtos hortenses, mas em tão pequena quantidade, que mal compensam o trabalho do lavrador, tanto que, os proprietários, na maior parte da Figueira, têm preferido trazer arrendadas essas terras a cultivá-las por sua conta. Os rendeiros, não obstante correr por suas mãos todo o serviço do cultivo, tiram bem magros recursos desse trabalho, e tanto que uma grande parte deles, não podendo viver unicamente destes proventos, vem aqui empregar-se quase todo o ano, prestando os seus serviços braçais nos armazéns de vinhos, como carreiros, ou em outros misteres.
         Quase toda aquela planície possui para esta vila um magnífico caminho a macadame, que, partindo da proximidade da quinta do sr. dr. Borges, a quatrocentos metros abaixo de Tavarede, vem para o sul, em volta, a encontrar a fonte da Várzea, e para diante daqui sobe a um alto onde se bifurca para o sul a encontrar a extremidade desta vila pelo lado do Mato, e para o poente vem encostado ao cemitério, a sair do Pinhal.

         A extremidade norte da bacia tem a boa estrada a macadame que de Tavarede vem á Figueira.
         Além dessas estradas existem ainda uns caminhos menos importantes; um deles tem origem na estrada da Várzea, apoia-se na vertente do monte que limita a bacia pelo poente, e segue àquela povoação. Esta é muito concorrida pela gente que se dirige á Figueira. Pelo lado do sul temos a estrada dos Estaleiros, por onde é feito o serviço das marinhas que há naquele local.
         Aí deixo esboçada a região que deverá servir de base a qualquer argumento material, atinente a querer forçar o traçado a passar por Tavarede.
         Também pretendem trazer a lume, em abono do pretendido desvio, o facto de que ao povo de Quiaios, que agora vai por um ramal ser ligado á estrada de Aveiro, lhe fica muito extenso o caminho que não vem por Tavarede.
         Nunca ninguém se lembrou de tal circunstância, quando se tratou de ligar directamente aquele povo com esta vila, pois que, podendo ir a estrada daqui pelos Condados á Serra e a Quiaios, o que encurtaria em alguns quilómetros a sua distância, foram antes levá-la por Buarcos á Senhora da Encarnação, e deste ponto pela Serra a Quiaios, dando assim uma volta que a torna mais extensa dois quilómetros!
         Agora faz-se questão por que esse povo não pode andar mais uns 800 metros, pois tanto é a diferença que há entre a extensão dos dois projectos pelo Casal da Robala a Tavarede.
         Quem contemplar a sangue frio esta contradança de argumentos fica duvidando da sinceridade das intenções que nutrem os que especulam com a ignorância do povo, fazendo-o pedir o que não deve. Pobre povo! infelizes ignorantes que sempre hão-de representar um papel de actividade nas coisas, quando a sua gerência é passiva e ilusória. Um outro poder especula, movendo esses pobres autómatos a acreditarem na justeza dos princípios pregados por alguns apóstolos dos modernos tempos! Oh luz! quanto tempo estarás velada para deixares nas trevas essas obscuras inteligências?
         Quando se pretendeu dar uma estrada a Buarcos, quebraram-se lanças para que os estudos mandados por ali fazer para uma estrada que daqui seguisse a Quiaios fossem aprovados, e para isso, invocou-se nessa ocasião a representação do clero, nobreza e povo. É aprovado o projecto; fez-se a estrada na parte compreendida entre esta vila e Buarcos, continua depois até á Senhora da Encarnação, e pára neste ponto porque nasceu a ideia de abandonar o traçado por parecer irracional a continuação dele por ali.
         Dorme a lembrança do povo de Quiaios.
         Necessita-se de reparar o caminho que desta vila vai pelos Condados á Serra; faz-se valer o motivo da utilidade para os povos da Serra da Boa-Viagem e Quiaios. Repara-se o caminho até aos Condados, pára a obra, e esquecem os povos que a utilizavam! Trata-se agora da estrada distrital de Aveiro a esta vila, e ressuscita a ideia do ramal que vá ligar Quiaios àquela estrada no lugar de Cabanas! Parece-me que aquela malfadada povoação de Quiaios é o salvatério em todos os apertos, porque só vem a pelo para servir de medianeira e contrapeso a interesses secundários.
         Pode julgar-se de nenhuma importância a consideração de que a estrada deverá tornar-se menos extensa pelo motivo que torna maior a distância a um povo que a ele se liga por um ramal que nela se encontra a seis quilómetros de distância desta vila. E mesmo quando lhe ficasse mais distante o caminho pelo lado de Brenha, poderiam faze-lo pela sua estrada em projecto por Buarcos, por que foi essa que lhe mereceu a sua atenção e desvelo representando na ocasião oportuna pela sua execução, o que lhe era de máxima utilidade indo por aquele lado.
         Sobre esse, teria a povoação de Quiaios e circunvizinhos interesse e autoridade mais directa, ao passo que a sua influência num ponto que lhe fica mais distante não tem o valor que julgam - é menos autorizada por indirecta.
         Ainda assim, pesando em seu favor que lhe ficará por Brenha mais distante o caminho uns 800 metros, tendo o traçado de seguir pelo Casal da Robala e não por Tavarede - ficam bastante compensadas as fadigas dessa distância pela suavidade que deve oferecer-lhes o traçado que reprovam. É preciso que tenham em vista, que o traçado que desejam teria uma subida mais custosa de vencer, do que a distância a maior que pelo outro teriam de percorrer.
         A partir da igreja de Tavarede, pelo caminho em direcção ao Saltadouro, há uma elevação constante de terreno de quase sete por cento por uma distância de 1:600 metros, o que equivale a uma subida de 109 metros de nível de Tavarede ao Saltadouro! Não acham contraproducente o argumento e uma utopia o que desejam!
         Os peões quando carregados e obrigados a subir a uma elevação daquelas que possui o máximo de inclinação que o regulamento de estradas permite chegaria esbaforido ao termo maldizendo dos homens e das coisas.
         Há gente que tudo põe em jogo para conseguir um fim, embora o resultado seja só partilhado por um pequeno número dos meios.
         Aduz-se para aí também ou lançam mão do facto da Figueira possuir uma estrada distrital que lhe dá ingresso pelo nascente, levando a utilidade a essa parte da vila. Outra, municipal, pelo poente, na qual concorre a mesma razão, e só não tem uma estrada distrital que entre na povoação pelo Pinhal!
         A isto anteponho um argumento caseiro. Suponhamos uma casa, com uma única porta por onde diariamente entram doze pessoas levando-lhe para dentro doze mil réis - mil réis cada pessoa. Abram-se nessa casa em vez duma doze portas e faça-se entrar por cada uma sua pessoa e por conseguinte mil réis. Temos obtido o mesmo resultado por que não aumentou a quantia entrando juntos por uma ou em parcelas divididas pelas doze portas.
         Ora, os interesses que resultam á Figueira da sua ligação com Aveiro e outros povos, não ficarão prejudicados por a estrada entrar pelo norte ou nascente, salvo se a parte mais comercial desta povoação está aglomerada em algum daqueles pontos, nas extremidades dela.
         Passaremos agora em revista o terreno que a directriz estudada atravessa, seguindo pelo Saltadouro, Prazo, Araújo e Casal da Robala. Se formarmos um trapézio cuja base maior tenha um dos extremos apoiado na antiga ponte dos Estaleiros, e outro em Brenha; a base menor na Caniveta e Caceira; um dos lados formado por uma linha tirada de Caceira a Brenha, e outro que da ponte dos Estaleiros toque a Caniveta; teremos, circunscrita por esse quadrilátero, uma região agricultada, medindo a nível 9:240000 m.q. que a 60 rs. o metro, valor na verdade insignificante, perfazem a importante quantia de 554:400$! Este valor está muito aquém da verdade, porque só exprime o valor do terreno, sem atenção á parte móbil da região, como pinhais, pomares, casas, etc., e ao aumento de superfície, proveniente das ondulações do terreno. Quando mesmo aqueles terrenos não dêem um rendimento superior a três por cento, esta percentagem dá-lhes um rendimento anual de 16:632$000 réis.
         É, pois, esta importante região agricultada, possuindo excelentes terrenos, mesclada aqui e acolá de vinhas, pinhais, pomares, etc., que querem privar da utilidade da possessão duma estrada!
         Não preciso encarecer a vantagem resultante de cortar aquele grande trato de terreno por uma estrada: ela é manifesta. Naquele espaço há excelentes quintas, bons terrenos produtivos; o que lhe falta são estradas que lhe facilitem os transportes.
         Indo dos Estaleiros para o Casal da Robala, principia-se a caminhar por aqui e ali, marinhando, saltando como as cabras sobre a terra solta dos desaterros duma pedreira em actividade de extracção de pedra que facilita atoleiros, ou sobre as ribas em desagregação dessa eminência, sujeito a precipitar-se; depois entra-se em uma azinhaga dum metro de largo, pouco mais, ladeada de valados de piteiras, que de quando em quando vão cravar os seus bicos no corpo do caminheiro menos cauteloso.
         Antes de entrar nos assordeiros - se não é um assordeiro toda a azinhaga até ao Casal da Robala - o sujeito tem que escolher entre as seguintes contingências: - ficar enterrado na lama até aos joelhos, subir a um dos valados que borda a azinhaga, passar entre as piteiras e ficar cheio de rasgões no fato e no corpo, por último saltar para dentro duma propriedade estranha e sujeitar-se aos enxovalhos do proprietário!
         Quando passar um carro a bois, ter-se-á de optar por qualquer dos meios que indiquei ou voltar para traz, isto sem remissão. Assim todo o caminho!
         Todos sabem que no decurso dos meus escritos apenas expus a verdade. Não me servi de exageros nem tampouco de asserções gratuitas; aí estão os factos, pensem sobre eles para que aqueles a quem interessa a questão possam resolver da forma mais racional.

         Na secretaria do ministério das obras publicas existirão dados, mais que suficientes, para bem poder definir a justiça que há em trazer a estrada distrital de Aveiro para esta vila seguindo-se a directriz já estudada pelo Casal da Robala e não por Tavarede, como se pretende”.

mº. 3 (continua)

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