terça-feira, 14 de abril de 2015

Tavareede - 1

A Terra do Limonete





  


         Tavarede, a alegre terra do limonete oloroso:

                            Limonete para o meu lenço
                            sempre o meu amor me pe
                             Limonete, rico incenso
                                 das Várzeas de Tavarede.

         Região agrícola que alimenta o nosso Mercado, da mais fresca hortaliça e das mais rescendentes frutas, apresentava o seu carro alegórico, uma síntese da vida agrícola da região, com as modalidades – Hortas, Eiras e Vinha. A alegoria era representada por uma meda de trigo, símbolo da abundância de pão; um homem com um mangual, representando a actividade das Eiras; uma linda rapariga representando a

Vinha; e, dominando o conjunto, uma outra gentil moçoila simbolizando as Hortas. Um grupo de Ceifeiras e Cavadores, como se voltassem, contentes e felizes, da faina do trabalho, vinham à frente deste feliz conjunto alegórico e, dando a nota dos folguedos tão peculiares do nosso povo, ainda nas horas que se seguem ao mais incessante labor, dois harmónios tocavam as “modas” popularizadas na aldeia. (Jornal Reclamo, em Julho de 1940, noticiando a participação tavaredense no cortejo realizado na Figueira)

         Dois anos antes, em 1938, também se organizara na Figueira um cortejo de actividades das freguesias. Como não podia deixar de ser, a nossa terra mandou uma representação da sua principal, praticamente única, actividade: a agricultura.

         “A freguesia de Tavarede foi uma das que mandou uma numerosa e não menos luzida representação. A terra do limonete (Lúcia-Lima) como ela se designa, abria a sua representação com um vaso desta planta. Seguiam-se uma charrua e uma grade, tiradas por bois atrás das quais vinha um grupo de alegres ceifeiras, de blusas e lenços de cores vivas, e saias traçadas, conduzindo foices ao ombro e molhos de trigo nas mãos. Vinham em seguida os malhadores com manguais, pás e forcados. Ao pescoço, traziam lenços vermelhos, para impedir que a pragana penetrasse no corpo. Um lindo grupo de raparigas, com os chailes traçados e conduzindo cestas à cabeça, animava a representação. Eram vendedeiras de hortaliças, frutas e flores. Seguiam-se os cavadores de enxada ao ombro, ramo de limonete nos chapéus, casaco ao ombro, polainas, cinta e lenço vermelho, bolsa do farnel e cabaça cheia de vinho. O Grupo Musical e de Instrução animava os festeiros”.   

O terceiro caderno de “TAVAREDE – A TERRA DE MEUS AVÓS”, vai servir para recordar, ainda que de forma resumida, o que era a nossa pequena aldeia até quatro, cinco décadas atrás, pois foi
 a partir de então, que Tavarede deixou de ser “aquela pequena aldeia pitoresca e aprazível”, muito visitada, especialmente no verão, por aqueles que gostavam de apreciar a natureza e saborear, à fresca sombra das árvores frondosas, apetitosos farnéis. “… metemos ao vale idílico de Tavarede, com seu palácio condal, aldeia do limonete, aninhada entre o arvoredo e quintas fartas. Lembra a mancha clara do povoado, vista de longe, uma daquelas vilórias que nas páginas de “Ilustre Casa de Ramires”, surgem, com seu nome bucólico, abençoado por cândidas graças portuguesas…” (O Figueirense – Maio de 1928)

“Debruçam-se sobre a terra rescendente de saúde, cheirosa a seiva, dálias aos montes. Cravos de Tavarede, pequenos mas olorosos, atapetam canteiros onde rosas vivem a felicidade da sua beleza, fundindo o seu perfume com o ar embalsamado pelo cheiro do limonete! Nem um palmo de terra sem verdura!
Cantam ribeiros, noite e dia, levando a água aos recortes das fazendas que vivem na fartura das hortaliças tenras e pomares saborosos. Quando a gente ali vai, volta sempre com esta certeza: não deve haver recanto de Portugal que seja mais florido, que possua mais alegria de cor, quer seja quando a primavera começa começa a vestir de verde-moço o tapete humedecido da terra amiga e acolhedora, quer seja quando os últimos malmequeres fenecem, para os crisântemos nascerem e florirem, do que o velho condado de Tavarede”. (Carlos Sombrio, em A Voz da Justiça, Julho de 1927)

A partir de 1960 / 1970, as quintas e os pinhais, apelativos a uma boa merenda, saboreada em doce calmaria, que então rodeavam a povoação, deram lugar a modernas urbanizações. O progresso, digamos, chegou à velha terra do limonete, transformando-a e tornando-a irreconhecível.

Mas, e como mencionei no primeiro destes cadernos, este meu modesto trabalho, eu considero-o mais um passatempo do que um trabalho,  tinha e tem por finalidade principal, deixar reunidos diversos apontamentos, que se encontram dispersos pela imprensa figueirense, e não só, e por diversas publicações, de forma a permitir o conhecimento, no futuro, do passado histórico e cultural da minha terra natal, ainda que muito sintético e resumido. Gostaria que um dia, os meus netos, e os netos de todos os meus conterrâneos, pudessem, de forma fácil, saberem que a pequena aldeia de seus avós, teve um papel bem importante na história do concelho da Figueira da Foz, pois foi terra de gente importante, com foros de fidalguia.

No primeiro caderno, procurei relatar o passado histórico da aldeia, a vida do seu povo e alguns costumes, entretanto caídos no esquecimento. O segundo, dediquei-o às duas grandes tradições culturais de Tavarede: o Teatro e a Música, bem como fiz uma breve resenha das suas colectividades, tanto das actuais com das já desaparecidas. E completei o caderno com a evocação de “aqueles que da morte se libertaram honrando e dignificando Tavarede”.

Desnecessário se torna dizer que, tanto no primeiro caderno como no segundo, muito mais haveria a acrescentar. Aliás, e quanto mais vou relendo e revendo os meus inúmeros apontamentos, mais vou reconhecendo as involuntárias omissões. Há factos e figuras que merecem umas linhas evocativas, ainda que poucas. Há histórias que será pena ficarem esquecidas na poeira dos anos passados…

Pois este meu caderno vai ser, como referi, uma tentativa de recordar a minha aldeia dos tempos em que “menino e moço” aqui me criei despreocupadamente e de alguma maneira corrigir possíveis omissões, não todas, certamente, mas as que me parecem mais interessantes.

Começarei por dar conhecimento de como era a pequena aldeia. Já sabemos, pelo soneto de Frei Manuel de Santa Clara, que, no século dezoito, Tavarede era um local aprazível e idílico, a fazer fé na veia poética e sensível do frade franciscano. E no século dezanove, na sua segunda metade, Tavarede foi muito falada na imprensa figueirense, a propósito da discussão pública que então se travou àcerca do traçado que se estava a escolher, para a estrada que haveria de ligar a Figueira a Aveiro, passando por Mira.


É um fragmento desta polémica que eu aqui transcrevo. Ernesto Fernandes Tomás, o mesmo que nos deixou uma interessantíssima reportagem sobre a nossa terra, bastas vezes referida nos anteriores cadernos, para apresentar a sua opinião, quanto ao traçado daquela estrada, deixou-nos descrita a nossa terra, na sua localização e caminhos, de uma forma muito interessante.

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