sábado, 1 de agosto de 2015

Tavarede - a terra de meus avós - 17

Acabou o S. João de Tavarede



         Começo por dizer que as festas ao S. João, em Tavarede, acabaram no ano de
 1927. Mas, o que muito poucos saberão é como, e porquê, o querido santo casamenteiro, tão do gosto da gente da nossa terra, deixou de ser aqui festejado. Pois é isso mesmo, o que pretendo fazer agora.

         Não encontrei, pelo menos até ao momento, elementos concretos que informem desde quando se realizavam as festas ao S. João, na nossa terra. A primeira notícia que colhi, na imprensa figueirense, data de Julho de 1874 e nela se escreve que “terminaram no domingo finalmente os festejos aqui pelas proximidades da vila ao milagroso S. João. É a antiga vila de Tavarede quem todos os anos, permita-se-nos a expressão, cobre a rectaguarda neste famoso e nunca alterado sistema de festejar o Santo com mascarada, cavalhada, corrida de prémios, etc. etc.”.

         A Figueira festejava, como hoje, o seu santo, no dia 24 de Junho. Seguia-se, no primeiro fim de semana de Julho, Buarcos e, depois, Tavarede. Esta é a razão da expressão acima “cobrir a rectaguarda”. Todos os anos eram estas terras, junto à sede do concelho, que festejavam o S. João com maior pompa. Ainda durante o mês de Julho e, algumas vezes, em Agosto, em Brenha e Quiaios haviam tais festas, o que prova a razão do povo quando diz que “o S. João a todo o tempo tem vez”...

         Voltando ao nosso S. João, as notícias recolhidas indicam que a terra do limonete apresentava, nessas ocasiões, um interessante aspecto festivo: “a comprida rua da terra, iluminada por vistosos balões venezianos suspensos de arcadas vestidas de buxo”. As princípio, as festas decorriam somente no largo da Igreja, onde, além das tradicionais barracas de “comes e bebes”, “quermesse” e outras, habituais em festejos populares, se armava o pavilhão, profusamente engalanado e iluminado. Era ali que “a gente dos campos, a boa gente alegre e de consciência tranquila, se entregava aos prazeres da dança, atroando os ares com as suas canções poéticas do santo popular”.

         Como já referi, as festas ao S. João eram mistas, sempre compostas por uma componente religiosa e outra pagã. A parte religiosa era cumprida, exclusivamente, dentro da igreja. Ao longo da semana, tinham ali lugar as novenas e os sermões, estes proferidos por orador religioso de reconhecido talento e cujas prédicas culminavam na missa de domingo, em que a presença de fiéis era sempre bastante numerosa.

         Esta missa era o ponto alto das celebrações religiosas, sempre a grande instrumental, pela filarmónica contratada e, algumas vezes, pela tuna de Tavarede ou por um conjunto formado por alguns elementos seus, e cantada por um grupo coral, frequentemente vindo de Coimbra para este fim.

         A componente popular iniciava-se no sábado, depois das cerimónias religiosas. Em primeiro lugar havia o concerto pela banda, no pavilhão, durante o qual era lançado fogo de artíficio, do ar e preso. Acabado o concerto, seguiam-se as danças e os descantes, que tinham a participação da tuna local, quando se encontrava organizada, ou um grupo de músicos reunidos para o efeito. Também as tunas de Caceira e Fontela algumas vezes aqui vieram colaborar nos festejos.

         É claro que, durante toda a semana, o costumado Zé Pereira percorria os diversos lugares da freguesia, acompanhando os “mordomos” que faziam o peditório. E o arraial só na madrugada de domingo, já ao romper do dia, é que terminava a função.

         No domingo, acabada a missa solene, último acto religioso das festas, a comissão dos mordomos ia receber das mão dos senhor prior a “bandeira”, pendão que abria o cortejo das cavalhadas e que, durante o ano, ficava à guarda da Igreja.

         Organizava-se, então, o cortejo. Nas semanas anteriores, Tavarede recebia a visita das cavalhadas da Figueira e de Buarcos. Competia, agora, fazer a retribuição. Recordo a notícia de um destes cortejos:

         “Era digna de ver-se aquela pitoresca caravana, que apresentava os mais extravagantes contrastes. Vinha ali de tudo. A sobrecasaca urbana e o chapéu fino dos padrinhos, os trajos domingueiros das frescas moçoilas de Tavarede, os vestidos de fantasia dos mascarados e a sordidez plebeia dos aldeões. E na frente de tudo aquilo a gaita de foles e o clássico zambumbas”.

         O cortejo ia, em primeiro lugar, junto da Igreja de S. Julião, onde era aguardado pela filarmónica. Ali chegado, dava as tradicionais três voltas à igreja, enquanto a banda entoava alegre marcha. Os barulhentos foguetes subiam ao céu estralejando e os sinos repicavam alegremente no alto das torres. Seguiam, depois, a dar as costumadas voltas à Reboleira e à Ribeira (Praças Nova e Velha), seguindo, após isso, para Buarcos, onde subiam até à capela da Senhora da Encarnação.

         Aqui chegados, faziam uma pausa para descanso e recuperação de forças, muito em especial dos animais, que já deviam ir bem cansados. Certamente que se petiscava e beberricava alguma coisa e, pouco depois, era o regresso a Tavarede, pelo caminho do Alto do Forno.

         À entrada de Tavarede, no Largo do Paço, já se encontrava à espera a filarmónica que, depois, seguia à frente do cortejo, atravessando a aldeia, até ao Largo da Igreja, ao mesmo tempo que mais foguetes subiam ao ar e os sinos também se faziam ouvir alegremente. Chegados, iam depositar a “bandeira” na Igreja, e destroçavam a seguir. Era chegado o momento de recomeçar o programa: concerto, descantes e danças, que acabavam cerca da meia-noite.

         Refiro que, enquanto as cavalhadas faziam a sua volta, tinham lugar as provas desportivas, como corridas pedestres, de sacos, pés atados, rosquilhas, etc. Alguns anos acontecia que estas provas só se realizavam na tarde da segunda-feira seguinte.

         Era assim, com mais ou menos brilho, que se festejava o S. João na terra do limonete, muito dependendo dos mordomos e do dinheiro que conseguiam obter nos peditórios.

         Naturalmente que havia, de vez em quando, alterações no programa, como, por exemplo, o próprio local das festas profanas. Pelo número de participantes e forasteiros, talvez por questões de rivalidades, e adiante se verá um destes casos, no final do século dezanove já se armavam mais dois pavilhões. Além do Largo da Igreja, começaram a utilizar o Largo do Forno e o Largo do Paço. Era conforme a vontade dos festeiros. Claro que, precisamente por isso, há notícias de algumas histórias curiosas. Talvez que a mais interessante terá sido a do ano em que, por rivalidades internas, os mordomos não se entenderam, pelo que foram organizadas duas festas. Aconteceu no ano de 1892. Primeiro, um grupo dos festeiros, “com caloroso entusiasmo, pegando na bandeira grande, realizou bonitos festejos no domingo último”, e, depois, “amanhã, se Deus quizer, um grupo adversário, empunhando a bandeira pequena, diz que não ficará atrás em lamparinas, foguetes e outras mirabolâncias de embasbacar”. Ou, então, uma outra, ocorrida no ano de 1889, em que o padre António Augusto da Silva Nobreza se recusou a entregar as bandeiras aos mordomos da festa e para que a cavalhada não deixasse de se efectuar com bandeiras, resolveram ir à missa com novas bandeiras, escondidas, que “seriam levantadas ao alto no momento em que o padre dava a benção final. Assim, ele não podia deixar de abençoar as novas bandeiras e a festa seria feita com bandeiras devidamente benzidas”…


         E antes de contar a história das últimas festas sanjoaninas, no ano de 1927, ainda vou narrar um outro episódio aqui ocorrido no ano de 1907. A sua curiosidade deve-se ao facto de ser passada entre dois festeiros, ambos irmãos e ambos taberneiros. Com certeza que a historieta será desconhecida da maioria dos meus conterrâneos.

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