sábado, 5 de setembro de 2015

Tavarede no Teatro - 13

“O Grão-ducado de Tavarede”
  
         Aconteceu o impensável. Bem diz o ditado que “não há bem que sempre dure, nem mal que sempre se ature”... Nem um ano durou a existência da República do Limonete. O presidente Pandorgas, tão vaidoso do seu cargo, e o Comandante das Tropas, que julgavam o seu poder solidamente instalado, viram-se, num repente, batidos em toda a linha e tiveram que procurar refúgio em territórios vizinhos, ainda esperançados numa reviravolta.

         E quem reconquistara o poder? Foi a inconformada Figueira? Foram forças estrangeiras? Não. Foi uma mulher, aliás uma digna fidalga que, derrubando o vigente regime republicano, puxou dos seus pergaminhos e, mantendo a independência do território, proclama o Grão-ducado de Tavarede, de que passa a ser soberana!

         Desenvolveu todas as actividades dos seus novos domínios e, tal foi o progresso que, em breve, conseguiu uma espectacular inauguração: a primeira Exposição Internacional de Tavarede. Mas, como se pode ver, apesar de todos os sucessos, havia sempre o receio duma conspiração republicana.

A acção desta nova fantasia inicia-se precisamente no gabinete do Comissário Geral da Exposição, aonde se deslocou a Grã-duquesa para proceder à inauguração oficial.

Conselheiro -         Dessa revolta fandanga
                               Ninguém trema nem se assuste,
                               Pois connosco ninguém manga...
                               Vencemos, custe o que custe.

Uma Dama -          Todas temos confiança
                               Na nossa tropa guerreira.
                               Nem Pandorgas se abalança
                                A vir p’ra cá de Caceira.

Outra Dama -         O Presidente Pandorgas
                                 Quer caír na ratoeira.

Coro -                      O povo de Tavarede
                                Deste heróico Grão-Ducado
                                Deseja ver sem tardança
                                Pandorgas espatifado.
                                Temos tropas duma cana
                                Em cerrados batalhões,
                                Temos milhentas granadas,
                                 Muito mais de cem canhões.
                                 Meia dúzia de poltrões
                                 Não vencem, nem abananam
                                 Nossos feros batalhões.

Duas Damas -          As nossas tropas
                                 Não são malessas
                                 Com galhardia
                                  Carregam peças
                                  D’artilharia.

                                  Vêm-nos de Foja
                                   Dez mil trabucos
                                   Cem bacamartes
                                   Que estragos causam
                                   Por muitas partes.

Conselheiro - Não tenham V.Exas. dúvida alguma, minhas senhoras. O Pandorgas será derrotado se tiver a ousadia de vir atacar o nosso Grão-Ducado.
Baronesa - É muito sério. Imagine-se o que seria aqueles enormes canhões a vomitarem metralha sobre nós.
As Damas - É horrível. Oh! seria o fim do mundo.
Secretário da Guerra - (intervindo tranquilizador) Mas, minhas senhoras, podem estar seguras. V.Exas. estão fora do alcance do fogo. Respondo pelas suas preciosas vidas como respondo pela segurança do Grão-Ducado e pela integridade da nossa Grã-Duqueza.
Baronesa - Entregamo-nos à sua guarda, General.
Conselheiro - E estão muito bem entregues. Para tomar conta de senhoras não há ninguém como o general. Foi isso que o fez coronel aos 35 anos de idade.
Condessa - Era uma linda idade. Trinta e cinco anos e já coronel...
Conselheiro - Outros o teem sido mais cedo. Mas, nenhum, com certeza, ganhou tão brilhantemente a promoção. A história do nosso general é simplesmente gloriosa.
Baronesa - Conte-nos general. Conte-nos essa história que tanto lustre dá ao nosso Grão-Ducado.
Secretário da Guerra - Oh! minhas senhoras...
Secretário da Marinha - Então, general, faça a vontade às damas.
Secretário da Guerra - Perdõem-me V.Exas.. A modéstia proibe-me que fale de mim. E devo mesmo acrescentar que a patente de coronel aos 35 anos não a devo só a mim: Devo-a, principalmente, à minha defunta mulher. Pode dizer-se que foi ela que me fez coronel. Coitadinha! (limpa uma lágrima)
Conselheiro - Coitadinho, ele, também, que perdeu a mais virtuosa das esposas.
As Damas – Coitadinho!
Secretário da Guerra - Desculpem-me. A um general não fica bem chorar. Fraquezas... Bom, já lá vai. Pois dizia eu, minhas senhoras, que podem dormir tranquilas. O plano de defesa terrestre está estudado com segurança.
Baronesa - Como faz bem ouvi-lo, general.
Secretário da Guerra - Temos artilharia no alto do S. Paio e no Saltadouro. E vai ser ocupado o Vale de Porco. Se as tropas do Pandorgas vieram por Brenha faremos ir pelos ares a ponte do Saltadouro. Pelo Vale de Porco não caiem em vir. Porque aí é que a porca torce o rabo. Pela estrada de Mira, impossível... É uma estrada de guerra. Quer dizer, uma estrada por onde se não pode passar senão de aeroplano. Por onde hão-de vir então. Pelo ar, não, que os de Foja não teem asas.
Conselheiro - Dizem que teem asas nos pés.
Secretário da Guerra - Teem asas mas não voam.
Secretário da Marinha - Pela defesa marítima respondo eu. Não deixarei que o inimigo nos alcance as costas.
Condessa – Estamos, então, defendidas pela frente e pelas costas. Quere dizer por terra e pelo mar. Ainda bem. Estava já a sentir-me entre dois fogos. Credo.
Baronesa - E agora deixemos estes senhores e vamos ter com a Grã-Duqueza.

         Na verdade, tendo o apoio da artilharia de Foja e com a vontade de fazer atracar a sua esquadra no Rio Velho, o presidente Pandorgas ainda era de recear.

         Terminada a visita da soberana, apresenta-se o primeiro visitante. É ele, um brasileiro, filho de um emigrante tavaredense, que grangeou grande fortuna e que, para satisfazer a sua última vontade, veio conhecer a terra do seu progenitor e entregar um legado. Manuel Nêspera Cajú era o nome do visitante, que apresentou ao Comissário da Exposição uma carta de recomendação do embaixador do Grão-ducado, no Brasil. E mostrou, de imediato, o desejo de conhecer a exposição, pelo menos os principais produtos expostos, pelo que pediu o catálogo.


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